A Crisálida não tinha nome
Era uma boneca de sonho feita em papel
De cor muito amarelada, macilenta,
apagada
À procura de cor
Fora tecida em noites negras de breu,
Com pedaços de chuva
sem cor
a descer do céu
Parecia ferida, certamente magoada
Não tinha cor, não tinha cara,
Não tinha nada de nada
Era uma boneca sem vida, presa em papel
Sem cor e articulada.
Do sonho acordou, pelo céu fugiu,
por mim voou,
E em arco-íris
se transformou.
quarta-feira, abril 29, 2020
segunda-feira, abril 27, 2020
A Igreja que está para vir
Há um abalo em tudo à nossa volta. Mesmo na Igreja. Tanto no seu todo como na sua hierarquia. Faço figas, porém, para que seja um abalo positivo. Rezo todos os dias com essa intenção. E há, de facto, algo positivo que tenho vindo a descobrir. Cresce pouco a pouco, mas cresce. É a "Igreja doméstica"! A Igreja dos primeiros tempos do cristianismo. Uma Igreja que se reunia em casa e onde as celebrações eram presididas pelo dono do lar.
O problema é que, ao longo dos tempos, o clero foi-se apoderando ou apropriando da Igreja e dos sacramentos, mesmo que o tenha feito sem intenção, transformando a Igreja de Cristo numa Igreja piramidal, vertical, clerical. E habituou os crentes a esse modelo. Um modelo de Igreja dependente dos bispos e dos seus padres. Por isso, talvez muitos crentes tenham perdido o foco e se tenham sentido algo desamparados nestes tempos de difícil acesso aos seus padres. Pelo menos o acesso presencial.
É claro que precisamos de uma “ordem”, como dizia Anselmo Borges numa entrevista que me fez pensar. Por isso precisamos de ministros ordenados. Precisamos de “organizar”. Mas não podemos fazer depender deles a Igreja que é de Cristo e de todos.
Será que a Igreja que está para vir vai ser mais laical e menos clerical?!
Será que a Igreja que está para vir vai ser mais laical e menos clerical?!
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Nós e vós"
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sábado, abril 25, 2020
"Dia da Revolução"
Escrevem e dizem alguns que, depois deste furacão chamado coronavírus, a nossa vida não voltará a ser a mesma. Que está a ocorrer uma revolução viral. E falam muito de solidariedades, atenções, correntes de vizinhanças, gestos maravilhosos que vão ocorrendo por todo o lado e em todo o mundo. Dizem também que há menos poluição. Menos Co2. As águas mais limpas. Que, no plano climático, está a valer a pena. Que a natureza nos está a obrigar a rever o nosso estilo de vida. Que o capitalismo vai sofrer um desfalque. Que agora sentimos que precisamos uns dos outros e que os valores que nos têm guiado não são os valores que nos devem guiar. Que agora descobrimos que precisamos da ajuda de Deus porque sozinhos não nos bastamos.
Mas…
Li, há dias, no jornal espanhol “El Mundo”, que, em Espanha, na província espanhola de Cádis, onde um grupo de quase três dezenas de idosos tiveram de ser realojados pelo Governo depois de terem sido despejados de um lar por estarem infetados com a Covid-19, os veículos de transporte médico que transportavam os idosos foram apedrejados e um carro chegou mesmo a atravessar-se no caminho. Os populares receberam aqueles idosos com pedras e explosivos!
Li também algures que alguns médicos e enfermeiros, no mesmo país, têm recebido missivas de vizinhos a pedir que se mudem para outras habitações longe deles, pelo risco que correm.
Li ainda que num estudo realizado, durante os 6 dias com o maior número de mortes por coronavírus, no mesmo país, pelo Laboratório de Economia Comportamental (LoyolaBehLAB) da Universidade de Loyola, depois de terem oferecido vales de 100€ aos participantes, se verificou que estes fariam menos doações à medida que a pandemia aumentasse e houvesse uma maior exposição à ameaça do COVID-19.
Por estas e por outras é que não sei se haverá alguma revolução viral. Até porque o vírus parece querer isolar-nos. E cada um parece preocupar-se mais com a sua sobrevivência que com a vida dos outros. Talvez nestes tempos haja uma preocupação maior pelos outros. Talvez nos lembremos mais dos que amamos. Talvez estejamos mais atentos às necessidades que ao nosso redor se encontram.
Mas…
Dizemos que é preciso uma revolução no mundo, e que pode ter chegado a hora dessa revolução… Que o maldito vírus veio fazer uma revolução entre nós.
Mas a denominada revolução não está nas mãos do vírus. Ela está nas nossas mãos!
Vivemos num mundo, numa criação, numa sociedade que nos foram dados por Deus, como dons, para nós administrarmos. Mas enquanto pensarmos que é o mundo, a criação e a sociedade que nos têm de servir, será difícil fazer desta “Casa Comum” um lugar melhor para se viver e, mais importante ainda, um lugar para conviver, isto, viver com
A revolução não está nas mãos do vírus. Ela está nas nossas mãos!
Hoje, dia 25 de abril de 2020, faço votos de que estejamos unidos na liberdade de poder fazer uma revolução… no nosso interior
Este texto também foge um pouco ao estilo literário que gosto de usar neste espaço.
Aliás, é um texto ampliado do que escrevera aqui.
Mas achei que era uma partilha oportuna para fazer neste dia da "Revolução".
sexta-feira, abril 24, 2020
"oração cansada"
Estou tão cansado, Senhor.
E não é cansado de não fazer nada.
Não é cansado de estar em casa, em quarentena, mesmo sem poder estar com os meus amigos, com os meus colegas, com outros familiares.
Não é cansado de estar recolhido, entre quatro paredes, sozinho com os meus botões, com a televisão, ou com as redes sociais.
Estou aqui em casa, Senhor, a ver o mundo à minha volta a passar.
E estou cansado de esperar.
Estou cansado da ansiedade e da incerteza.
Estou cansado de ter medo e de estar em pânico.
Estou cansado deste estado de estar cansado.
Meu Senhor e Meu Deus, onde estás?! Porque não fazes nada?!
Meu filho, eu também estou cansado…
Naqueles que estão cansados de tantas decisões que têm de tomar e responsabilidades que têm de assumir;
Naqueles que estão cansados porque saem todos os dias de casa, arriscando a sua vida e a dos seus, para que não te falte o pão em casa;
Naqueles que estão cansados pelo desespero de ter perdido o emprego ou estarem em risco de o perder;
Naqueles que estão cansados de esperar uma mão que os ajude, que lhes dê alimento e pousada onde dormir;
Naqueles que estão cansados de sair de casa, ainda que voluntariamente, para cuidar de quem não tem quem cuide deles;
Naqueles que estão cansados de esperar em casa, porque infectados pelo maldito vírus, sem saber como será o dia de amanhã;
Naqueles que estão cansados de cuidar dos doentes, horas seguidas a fio, sem parar e a ver muitas vidas a falecer;
Naqueles que estão cansados de sofrer, nas camas dos hospitais, agarrados à vida pelo fio de máquinas.
Meu filho, estou tão cansado!
Mas, não me canso de estar cansado!
E sabes porquê? Porque te amo, muito.
Porque te amo muito, assim… e quem ama não deixa de cuidar!
Amo-te muito, meu filho.
E não é cansado de não fazer nada.
Não é cansado de estar em casa, em quarentena, mesmo sem poder estar com os meus amigos, com os meus colegas, com outros familiares.
Não é cansado de estar recolhido, entre quatro paredes, sozinho com os meus botões, com a televisão, ou com as redes sociais.
Estou aqui em casa, Senhor, a ver o mundo à minha volta a passar.
E estou cansado de esperar.
Estou cansado da ansiedade e da incerteza.
Estou cansado de ter medo e de estar em pânico.
Estou cansado deste estado de estar cansado.
Meu Senhor e Meu Deus, onde estás?! Porque não fazes nada?!
Meu filho, eu também estou cansado…
Naqueles que estão cansados de tantas decisões que têm de tomar e responsabilidades que têm de assumir;
Naqueles que estão cansados porque saem todos os dias de casa, arriscando a sua vida e a dos seus, para que não te falte o pão em casa;
Naqueles que estão cansados pelo desespero de ter perdido o emprego ou estarem em risco de o perder;
Naqueles que estão cansados de esperar uma mão que os ajude, que lhes dê alimento e pousada onde dormir;
Naqueles que estão cansados de sair de casa, ainda que voluntariamente, para cuidar de quem não tem quem cuide deles;
Naqueles que estão cansados de esperar em casa, porque infectados pelo maldito vírus, sem saber como será o dia de amanhã;
Naqueles que estão cansados de cuidar dos doentes, horas seguidas a fio, sem parar e a ver muitas vidas a falecer;
Naqueles que estão cansados de sofrer, nas camas dos hospitais, agarrados à vida pelo fio de máquinas.
Meu filho, estou tão cansado!
Mas, não me canso de estar cansado!
E sabes porquê? Porque te amo, muito.
Porque te amo muito, assim… e quem ama não deixa de cuidar!
Amo-te muito, meu filho.
Esta oração foi feita há uns dias atrás. Foge um pouco do estilo literário que gosto de usar neste espaço. Mas achei que era uma partilha oportuna para fazer.
Boa oração, na certeza de que Deus nos ama!
quarta-feira, abril 22, 2020
dos dias das folhas [poema 254]
As folhas das árvores tremiam
Algumas tombavam, fatigadas
Pelo frio carregado, sem piedade.
Sem cumplicidade.
Sem cumplicidade.
Outras estendiam os seus pequenos braços,
Abraçadas,
Nos veios esculpidos das árvores,
Cravadas
Entre abraços, na resina dos dias
Que uma árvore tem
segunda-feira, abril 20, 2020
uma Igreja virtual
Este vírus está, com a nossa cumplicidade, a transformar-nos em seres virtuais. Pouco a pouco, vamos passando da vida ao vivo, em tempo real, para uma forma de vida indirecta, mediada pela internet, sobretudo as redes sociais. Trabalhamos, conversamos, beijamo-nos e abraçamo-nos virtualmente.
E começamos a viver a fé de igual modo. Estamos também a transformar-nos numa Igreja virtual. Uma Igreja que propõe e consome virtualmente, com voracidade, centenas de propostas, numa degustação espiritual, em menu a la carte. Uma Igreja que consome likes, emojis e améns. Uma Igreja de entra e sai. Portanto, efémera e provisória. Uma Igreja que não agarra e não compromete. Uma Igreja mais passiva que activa, mais espectadora que participante, mais admiradora que vivente.
Esta transformação, como é óbvio, tem coisas boas. Mas inquieta. Ou devia inquietar. É verdade que tudo é graça e dom de Deus. É verdade que esta é também uma parte da igreja possível destes tempos. E é só uma parte. Contudo, não sei como será quando regressarmos à vida real. É que o virtual tem esta coisa de nos aproximar e nos afastar ao mesmo tempo.
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "É possível fazer igreja sem sacramentos?"
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domingo, abril 19, 2020
nós [poema 253]
No outro dia senti a tua mão adentro
O gesto de quem colhe flores em mim.
Chorei amargamente a tua presença,
Não ter mais que uma porta para dar
O gesto de quem colhe flores em mim.
Chorei amargamente a tua presença,
Não ter mais que uma porta para dar
sexta-feira, abril 17, 2020
Padres covid II
Alguns colegas padres desdobram-se, na comunicação social e nas redes sociais, em dezenas de propostas e aparições, replicando-as e multiplicando-as, com o que isso tem de positivo e negativo. Não julgo. Evito ajuizar. Mas não evito pensar. Tenho andado a reflectir sobre este novo modo de ser e viver em Igreja, e ainda não tenho nada claro.
No entanto, ouvi há dias um colega dizer uma coisa que me chamou a atenção e me fez pensar. Dizia que, no meio de tanta “informação”, ainda não tinha ouvido dizer que há padres que, nestas horas, rezam a Deus em silêncio pelas suas comunidades. Um padre rezar, no silêncio, sem alardes, sem mediatismos, pelos seus, neste momento, deveria ser uma coisa estranha!
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Padres covid"
quinta-feira, abril 16, 2020
kyrenaíos [poema 252]
Trouxe à memória o meu vizinho
Entre alfaias do campo e descampado
Cara sem boca, voz sem cara
Nos afazeres, carregos e labutas
Nas juntas, nas várzeas, nos caminhos
Empedrados do calvário, onde moro
Trouxe-o como uma custódia, muito pesada
Não tem nome nem morada nem passado
Na moradia de outrora, veio à lembrança
Este vizinho que mora na minha memória
e me tem carregado
Entre alfaias do campo e descampado
Cara sem boca, voz sem cara
Nos afazeres, carregos e labutas
Nas juntas, nas várzeas, nos caminhos
Empedrados do calvário, onde moro
Trouxe-o como uma custódia, muito pesada
Não tem nome nem morada nem passado
Na moradia de outrora, veio à lembrança
Este vizinho que mora na minha memória
e me tem carregado
terça-feira, abril 14, 2020
Linhas da frente
A minha sobrinha enfermeira foi para a linha da frente no combate à pandemia que alastra vírus e pânicos. Como muitos outros. Como tantos. Como tantos a quem temos de agradecer muito!
Na ocasião que informou a família, não tive tempo para medir as palavras ou os pensamentos. Disse-lhe o que pensava, embora o fizesse com o coração nas mãos. Com o coração apertado nas mãos. Na minha humilde opinião, é mais maravilhoso que melindroso ir para a linha da frente! Ter nas mãos a possibilidade de ajudar, é uma das coisas mais bonitas que o ser humano tem ao seu alcance numa ocasião como esta! Deveríamos viver para ajudar a viver. Por isso fiquei orgulhoso por ela e com ela. Apreensivo, mas orgulhoso. Pedi-lhe que não desvalorizasse nunca o cuidado e a precaução. Sem medo, mas com consciência de que devia também cuidar dela para poder continuar a cuidar dos outros!
Cuida-te. Eu rezarei por ti, e através de ti, por todos os que como tu, estarão nessa linha. E assim, a rezar, espero estar na linha da frente!
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A dona Silvina tem agora mais uma razão para viver"
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domingo, abril 12, 2020
o dia da Ressurreição [poema 251]
A noite vai amanhecendo em silêncio
Nem o galo canta, nem as aves voam
Não há sol, não há chuva, não há vento
Não há vivalma para acordar o tempo
Mas, de repente, no bendito momento
Os sinos gritam, a repique e a rebate
São asas de anjo a voar sozinhas
São vozes de anjo a cantar em coro
São as arpas dos anjos que tocam, e nos tocam
Como flechas, nos campanários do coração
São aos milhares, sem voz, a gritar
O dia da Ressurreição
Nem o galo canta, nem as aves voam
Não há sol, não há chuva, não há vento
Não há vivalma para acordar o tempo
Mas, de repente, no bendito momento
Os sinos gritam, a repique e a rebate
São asas de anjo a voar sozinhas
São vozes de anjo a cantar em coro
São as arpas dos anjos que tocam, e nos tocam
Como flechas, nos campanários do coração
São aos milhares, sem voz, a gritar
O dia da Ressurreição
Feliz Páscoa, na certeza da Ressurreição!
sexta-feira, abril 10, 2020
altar [poema 250]
Desnudo meu altar perante a morte
Sem toalha, sem lustre, sem retrato
Sinto o teu sangue a escorrer,
Pousado na cruz, e a padecer.
Trago-te, como um fio, ao peito
E no peito me morres e eu morro
Nós morremos, ambos, abraçados
Num só morrer.
Sem toalha, sem lustre, sem retrato
Sinto o teu sangue a escorrer,
Pousado na cruz, e a padecer.
Trago-te, como um fio, ao peito
E no peito me morres e eu morro
Nós morremos, ambos, abraçados
Num só morrer.
quinta-feira, abril 09, 2020
Encontrei o beijo do meu pai
Foi numa destas tardes solarengas. Mas escuras por dentro. A meio da tarde. Depois de ter falado com o meu pai em videoconferência. Cada um de nós no ecran. Unidos e separados pelo ecran. Depois a videoconferência alongou-se a mais três pessoas. As minhas irmãs e suas filhas. E ele desatou a chorar compulsivamente. Tivemos de desligar. Desalentados pela dor, pela distância, pela impotência, pela saudade. Marcados por lágrimas. Maldito vírus!
Voltei sozinho mais tarde. Depois que me disseram da Unidade de Cuidados Continuados que ele não parava de chorar dizendo que eram saudades. Voltei. Falámos entre palavras e uns arranques de lágrimas da sua parte. Entendia o que eu dizia. Os meus apelos à força. As minhas explicações. As insinuações da fé. Que o amávamos muito. Que agora andava uma coisa no ar, uma espécie de bicho que não nos deixava estar juntos. Mas que nunca o abandonávamos. Que eu nunca o abandonaria. Ele ia respondendo à letra, dizendo que nos amava, que me amava. Já passou, pai. Pois já, respondia. Mas voltava.
Nisto, o tablet do outro lado começou a mexer-se. Contou depois a fundionária que ele lhe retirou o tablet das mãos. Ele que tem cada vez maior dificuldade motora. Ele que tem cada vez menos capacidade cerebral. Fazia-me festas pelo ecran. Disseram-me depois. E às tantas, isso eu dei conta, aproximou o ecran e deu-me um beijo. Um beijo que, mesmo à distância foi dos mais inesquecíveis e robustos que me deu até hoje.
O vírus não vence tanto amor!
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quarta-feira, abril 08, 2020
deus a chorar [poema 249]
A chuva voltou aos meus olhos
Inundou-lhe as cercas em redor,
vales, montanhas, rios, todos os mares, a transbordar,
E as paredes no seu interior
Tela esborratada sem cor, a sangrar
Só pode ser Deus a chorar
Inundou-lhe as cercas em redor,
vales, montanhas, rios, todos os mares, a transbordar,
E as paredes no seu interior
Tela esborratada sem cor, a sangrar
Só pode ser Deus a chorar
terça-feira, abril 07, 2020
Olha, faz o bem
Sabes aquela sensação de não saber? Aquela sensação de que determinada situação ou gesto ou palavra são um sinal, mas não sabes dar-lhe forma? Não sabes que cor, que sabor, que odor tem? Foi assim, hoje, no diálogo breve com meu pai, por vídeo-conferência.
A conversa com ele foi muito boa, ou seja, foi mais fluida do que o habitual. O que comeste ao almoço, pai? Eu comi um bife, pai, e tu? Eu comi dois. Tu estás lindo, paizinho. Tu é que és lindo, meu filho. Amo-te muito, pai. Meu mais que tudo. Eu ainda te amo mais, meu filho. Toma lá milhares de beijinhos, pai. E faço gesto com boca e com a mão a ir da boca ao écran. Sem que eu lhe peça nada, leva a mão à boca, com dificuldade, e manda beijos pequeninos, quase inaudíveis. Mas do tamanho do mundo. Ó pai, até já. É assim que me despeço dele, porque o meu adeus é sempre um até já. E ele responde de um modo que não vou esquecer nunca mais. Olha, meu filho, faz o bem. Faz o bem.
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segunda-feira, abril 06, 2020
casa [poema 248]
Deus passa e ninguém sabe
Que uma casa
São muitas casas numa casa
Deus passa e ninguém sabe
Que uma pedra
Faz parte de uma casa
De pedras
Deus passa e ninguém sabe
Que uma casa
Um dia vai ruir, mas continuará
a ser
Nas outras casas, de pedras,
Casa
Que uma casa
São muitas casas numa casa
Deus passa e ninguém sabe
Que uma pedra
Faz parte de uma casa
De pedras
Deus passa e ninguém sabe
Que uma casa
Um dia vai ruir, mas continuará
a ser
Nas outras casas, de pedras,
Casa
sábado, abril 04, 2020
O vidro que não nos separa
Uma paroquiana avó mandou-me um vídeo do filho, do lado de lá da porta de vidro, a falar com o neto, uma criança de poucos meses, do lado de cá do vidro. É ao que obriga o período de quarentena. Mas foi tão bonito ver. Foi tão maravilhoso. A avó dizia que eram tempos muito duros e difíceis, mas que acreditava que tudo ia correr bem. Eu manifestei-lhe que era muito bonito o que me enviara. Mesmo, mesmo. Pode parecer, à partida, duro e triste. Mas eu achava-o bonito. Claro que achava. Era muito bonito ver que um vidro não separa duas pessoas que se amam. Porque nada nos pode separar, se o nosso coração não deixar. O coração é que nos liga e aproxima!
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "É um pai que ama como o Pai ama"
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quinta-feira, abril 02, 2020
cabeça e coração [poema 247]
A cabeça não para, não permanece
Pelas pessoas vai, percorre-as, adoece
Olha-se sem se olhar, sem espelho para se ver,
Tudo em casa está a arder.
A cabeça quer parar, mas anoitece
Nos braços de um coração, e adormece
Num coração que, pouco a pouco,
cresce.
Pelas pessoas vai, percorre-as, adoece
Olha-se sem se olhar, sem espelho para se ver,
Tudo em casa está a arder.
A cabeça quer parar, mas anoitece
Nos braços de um coração, e adormece
Num coração que, pouco a pouco,
cresce.
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