sábado, agosto 29, 2020

Agulhas, camelos e ricos

O padre relia e actualizava, na homilia, aquela passagem que fala de agulhas, camelos e ricos. Com certeza se recordam de Jesus ter dito que era mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus. O padre ufanava-se para esclarecer a passagem. Entusiasmado, esbracejava. Agarrava-se ao micro. A homilia estava ao rubro quando, por engano, acabou dizendo que era mais fácil entrar uma agulha pelo fundo do camelo, do que um rico. Toda a assembleia sorriu sem ruído. Ou seja, para dentro. Mas nisto, um senhor lá do meio da assembleia, um daqueles senhores bem-dispostos, interessados e castiços, exclamou. Com jeitinho, até é capaz! E aí toda a gente se escangalhou de vez. Até o padre.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "De rabo para o ar"

terça-feira, agosto 25, 2020

és [poema 279]

És a forma visível de te dizeres
A mão que me adentra para te buscar
És a verdadeira encarnação
O rosto de se viver
dentro de mim
em coração

sábado, agosto 22, 2020

Por que motivo, na tua opinião, alguns crentes ainda não regressaram à Eucaristia depois da quarentena?

Aqui vão os resultados das últimas sondagens, que perguntavam: "Na tua opinião, o modo como a Igreja tem procurado ser Igreja nestes tempos de contingência tem sido..." e "Na tua opinião, como tem a Igreja Católica portuguesa lidado com a pandemia do convid-19 em termos sanitários?". 
Nestes tempos de contingências várias, os resultados dão que pensar. E se parece que a Igreja tem lidado muito bem com esta pandemia em termos sanitários, provavelmente não se pode dizer o mesmo no geral.


Continuamos na mesma linha de sondagens, mas desta vez tentando reflectir sobre o regresso dos crentes à Eucaristia.
Por isso perguntamos no sidebar: Por que motivo, na tua opinião, alguns crentes ainda não regressaram à Eucaristia depois da quarentena?

quinta-feira, agosto 20, 2020

Os sucessos pastorais não são nossos

A vida de um padre não depende dos sucessos pastorais ou apostólicos. Não depende do que fazemos nem do que conseguimos alcançar com o que fazemos. Não depende de momentos entusiastas em que a nossa existência e missão parecem fazer sentido. A vida de um padre depende exclusivamente de Deus. 
O padre não é padre porque seja perfeito. Ou porque seja impecável. Ou porque possua muitas capacidades. Ou ainda porque seja místico ou santo. O padre é padre porque um dia Deus quis que ele fosse padre. Que deixasse Deus actuar de uma forma especial através dele. Por isso a vida de um padre também não se deve deter nas fragilidades que o apoquentam, mas na força de Deus. Dizia S. Paulo que nas fragilidades se fazia forte. Dizia que era através das suas fragilidades que a força de Deus se manifestava. Os frutos do trabalho do apóstolo eram os frutos do trabalho de Deus. 
Os frutos, os sucessos, as vitórias da nossa missão apostólica, são os passos que Deus vai dando através de nós.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As flores que valem vidas"

sexta-feira, agosto 14, 2020

os filhos de bartimeu [poema 278]

Vejo as pessoas como árvores a andar

Poes as mãos em mim, deixo-as entrar
Marcas-me com a saliva, nos olhos,
Um carimbo terno para me trespassar.

Vejo pouco

Vejo tudo a andar,
Paredes a desmoronar,
Escadas a saltar
Tudo a correr
sem parar

Insistes com as mãos e a saliva.

Com muita pena, com muita dor
Continuo a ver as pessoas apressadas
Como árvores a andar
Paradas.

segunda-feira, agosto 10, 2020

Deus ama-nos, não porque sejamos bons, mas porque Ele é bom.

O que me impede de ter um olhar misericordioso por mim próprio, quando o próprio Deus me ama como eu sou? Não que isso justifique as minhas opções erradas. Os pecados. Os erros. As costas voltadas. As queixas desmedidas. Mas é verdade que Deus me ama muito mais do que eu me amo. Deus ama-me, não por eu ser bom, que não sou, mas porque Ele é bom. Deus ama cada um de nós, não por sermos bons, mas porque Ele é bom. Ele ama-me como eu sou e não como eu gostaria de ser. Isto parece redutor, e parece que põe tudo em Deus. O Centro. E, ao mesmo tempo, retira toda a nossa responsabilidade. Não é verdade. Nós somos responsáveis. Mas o centro é mesmo Ele. Por isso Jesus falava em perdoar setenta vezes sete vezes, que é o mesmo que pronunciar o número infinitamente. Porque quem ama, não ama com medidas. Ama com esse número que é muito mais que setenta vezes sete vezes. O número que não cabe na numeração, tal como a conhecemos. Por isso ama e perdoa. Porque só sabe amar quem souber perdoar. Só ama de verdade quem consegue aceitar a diferença que o outro é. A diferença que, no outro, pode até ser, dor. Por isso deu a vida por todos. Não deu a vida só por alguns. Deus a vida por bons e maus, por justos e injustos, por judeus e gregos, por escravos e homens livres. Por mim. Por ti. Por todos nós. E nunca é demais repetir isto. Deus ama-nos, não porque sejamos bons, mas porque Ele é bom.

A PROPÓSITO OU A DESPOPÓSITO: "A estatura do verdadeiro amor"

sexta-feira, agosto 07, 2020

lugar das pedras [poema 277]

No lugar das pedras há um riacho
Que dá de beber ao mar.

Há sempre um lugar para morar
Onde há pedras que parecem viver
Para se gastar.

Também no mar há lugar para pedras
que parecem andar

Onde houver pedras haverá sempre um lugar
Para além delas,
e se habitar

terça-feira, agosto 04, 2020

mar adentro [poema 276]

Não sei que me deu para adormecer a olhar o mar
Ali fiquei, de olhos abertos, parado no tempo, entre as ondas
Que iam e vinham a mim, sem me acordar

Havia rochas por perto, rudes e gastas de tanto o mar tentar
Estavam entre mim e o meu olhar,
O que me fazia parar nas ondas
A esperar
Que uma delas viesse e não voltasse
E fosses tu por mim
A sangrar

domingo, agosto 02, 2020

Porque Deus não intervém

Mora longe, mas a distância é encurtada, de vez em quando, pelo telefone. Perguntava-lhe como estava e respondia que estava bem, mas que estava cansada e que, na sua fé, se perguntava porque Deus não intervinha para parar esta maldita pandemia, como lhe chamou. Eu sei que a pergunta lhe saiu do cansaço. Todos nós, mais ou menos desconfinados, continuamos desconfiados e cansados de viver nesta desconfiança que nos obriga a afastar-nos uns dos outros e dos afectos. No entanto, como dizia Anselmo Borges, numa resposta a esta pergunta e em resposta à sociedade na qual vivemos, “não se pode querer a autonomia das realidades terrestres e cósmicas e ao mesmo tempo um Deus intervencionista, nem é compaginável querer a liberdade e ao mesmo tempo um Deus manipulador”. 
Vivemos num mundo de contraditórios, onde se quer a liberdade de fazer como dá na real gana, sem que ninguém interfira com as nossas opções, mas depois queremos a todo o custo que todas as entidades que nos são superiores, a começar pelas divinas e a acabar nas terrenas, nos resolvam os problemas.
Eu também desejava que Deus interviesse, não tanto para nos resolver o problema, mas sobretudo para nos ajudar a entender como viver deste modo e como descobrir o rumo deste viver.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Agua benta"