quinta-feira, julho 28, 2022

O padrinho não baptizado

Ó senhor padre, estou a ligar-lhe porque tenho uma prima que quer batizar o filho, mas tem uma dúvida: o padrinho da criança não está baptizado. Há algum problema em relação a isso? 
O padre quase petrificou diante da pergunta que lhe fizeram ao telefone e tardou uns segundos, que pareceram anos, a recuperar da quase petrificação. Partiu do princípio de que o padrinho estava escolhido, estava convidado e só não estava baptizado. Porque a pergunta não era sobre se podiam escolher um padrinho não baptizado. Era se havia algum problema por o padrinho não estar baptizado. 
Talvez o pobre padre até tenha exagerado na reação escondida por detrás do telefone, pois há muitos padrinhos baptizados e crismados que não cumprem o papel que assumem no baptismo dos seus afilhados. Além disso, se o desconhecimento, para não dizer ignorância, das pessoas nas coisas da fé é enorme, muito se deve a uma Igreja que se preocupou mais em fazer sacramentos do que em formar para eles, em dar o que as pessoas pediam do que em provocar experiências de encontro com Cristo. Reconheçamos ainda que grande parte dos pais que pedem baptismos para os seus filhos o fazem por questões afectivas, sociais e culturais. Nesse sentido, o padrinho só precisa de ser afectivamente importante para os pais e eventualmente para a criança que vai a baptizar. Portanto, que problema tem escolher um padrinho que não está baptizado? Nenhum. É igual ao litro. Ou então não. E depois do padre ter respondido amavelmente à pergunta que lhe tinham feito, ouviu do outro lado o habitual “os padres só complicam”. E o telefone desligou-se.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Deus de folga"

domingo, julho 24, 2022

a missa dela

O pároco encontrou-se com ela na rua, um dia depois do baptizado do filho, que ocorrera na eucaristia dominical. Tinha sido uma festa bonita e, por isso, enquanto a saudava, o padre manifestou, com naturalidade, este sentimento. O que ele não esperava era a reação fria da senhora que, imediatamente, lhe disse que não gostara porque, num dia de festa de celebração da vida do seu filho, o padre tinha celebrado por mortos. O que é compreensível porque, nestas paróquias pequenas, as pessoas mandam celebrar pelas intenções dos seus mortos nas eucaristias dominicais e o pároco só tem obrigação de celebrar uma missa sem intenções, a chamada missa pro populo. A eucaristia é de todos e de toda a comunidade. A senhora, que até nem costuma ir à missa, estava indignada porque aquela era a sua missa. Só faltou dizer que a pagara e que o padre apenas tinha de fazer o serviço que lhe pedira. Lá voltamos ao de sempre. Por mais que um padre se empenhe e esforce em fazer destes sacramentos um momento excelente de evangelização, com a alegria que brota do Evangelho, nos tempos que correm, nesta Igreja prestadora de serviços sem fé ou com uma fé infantilizada, um encontro de rua que podia ser um momento de comunhão tornou-se um momento desagradável, para não dizer intragável.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Uma benção especial de alianças"

terça-feira, julho 19, 2022

A Igreja líquida

Leio muito sobre a Igreja. Gosto de pensar a Igreja na sua eclesialidade. Gosto de reparar atentamente no rumo dela e no que falam dela. Procuro entendê-la por dentro, se isso é possível. Não tenho certeza que seja, mas procuro olhá-la fundo, por detrás dos acontecimentos e dos milhares de palavras que vou lendo sobre ela. E nos últimos tempos, numa das minhas constatações, fiquei um pouco inquieto, isto é, com vontade de deixar um grito sufocado tornar-se um grito amplificado. 
Hoje a Igreja vai tomando decisões por pressão da sociedade e não por decisão própria. Se há umas centenas de anos ela influenciava ou fazia por influenciar a sociedade, agora é um pouco mais ao contrário. E se isso é interessante, porque significa que ela ouve a sociedade que deve ouvir, também temo que, numa sociedade de opiniões e aparências, ela se deixe moldar por opiniões ou por agrados. Numa sociedade líquida facilmente a Igreja se pode tornar uma Igreja líquida.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Amanhã vou comprar mais luz para esta igreja"

sábado, julho 16, 2022

os custos do gasóleo

Os custos com o gasóleo e a gasolina estão por demais. Cada cêntimo poupado parece um ordenado ou sabe a uma vitória. Anda tudo à procura das gasolineiras onde estão os maiores descontos. Encontrei uma e aproveitei para atestar. Não consegui calar a mangueira a tempo dos 74 euros e o custo foi parar aos 74 euros e três cêntimos. Quando fui pagar, entreguei à jovem empregada várias notas num total de 75 euros e, para lhe facilitar a vida, entreguei-lhe três moedas de um cêntimo. De troco, entregou-me 1 euro e trinta cêntimos, e o tempo de regresso ao carro foi gasto a pensar que a conta deveria estar mal feita. E estava. Assim que olhei bem o recibo, percebi que ela se enganara e me dera 30 cêntimos a mais. Com os 30 cêntimos na mão, voltei à loja, dizendo-lhe que se enganara. Muito aflita, respondeu que já me dava 1 euro, pois que se devia ter esquecido. Quando lhe expliquei que o engano era a seu favor e que aqueles 30 cêntimos eram seus, ficou a olhar para mim como se não fosse normal alguém dar-se ao trabalho de devolver aqueles poucos cêntimos que toda a gente anda a tentar poupar. Eu também.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A irmã Graça"

quinta-feira, julho 14, 2022

sou uma floresta [poema 349]

não 
chove há muito tempo em mim 
sou a árvore seca da floresta a andar 

senão 
para voltar a vaguear no caminho escuro que eu sou, 
e onde desenho as flores que são também florestas 
em busca do alto mar 

sou 
uma floresta ao amanhecer 
embora as raízes da terra me anoiteçam 
a crescer para o céu 

sou quase 
uma floresta, por dentro, a arder

sexta-feira, julho 08, 2022

Uma comissão sinodal pouco sinodal

Estive presente num encontro onde foi possível escutar algumas partilhas sobre o sínodo que está a decorrer na Igreja. O Papa Francisco convidou a Igreja a fazer um sínodo para pensar a sinodalidade da Igreja, com a durabilidade de dois anos, começando pelo que alguns designam como “bases” e que eu prefiro designar como “a base” da Igreja. Tudo começou pelas comunidades de todo o mundo, constituindo-se e criando-se, para o efeito, grupos, sobretudo laicais, e estratégias de partilha, diálogo, participação e comunhão. Cada conferência episcopal tem agora de redigir, com base em relatórios das suas dioceses, um relatório nacional para fazer chegar as vozes de toda esta base ao Vaticano. 
Para já, estamos a ultimar esta primeira fase do sínodo que tem três fases. É uma grande graça e há já quem diga que, depois do concílio Vaticano II, este poderá ser o maior evento da Igreja católica. Concordo em absoluto, embora ainda tenha as minhas desconfianças dos seus frutos práticos. Até porque depende de uma conversão difícil, de uma mudança de mentalidade arreigada e de uma revolução de hábitos que a Igreja alimentou em muitos séculos. E a prova de que tenho alguma razão nestas minhas cautelas foi visível numa das partilhas do referido encontro em que se apresentavam propostas para uma Igreja mais sinodal. Numa das partilhas, os palestrantes apresentaram-se como representantes de uma comissão sinodal composta por “quatro padres e duas colaboradoras”.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Igreja menos clerical"