Preparou a refeição com o coração
Guardou na jarra de vinho o sangue
Parece pedra ao toque de colher
Espera que o tempo chegue, e chega
Com tempestade e calor e vento
Que sopra para as velas e acendem
O jantar está pronto
Há bancos vazíos para todos
Mas só alguns se sentam
O jantar está sempre pronto
À espera
domingo, novembro 29, 2015
sábado, novembro 28, 2015
Subi a montanha [poema 82]
Preparou a montanha para falar
Juntaram-se todos para vê-la
Que os olhos percebem o falar
Levavam pedras e palmas nas mãos
Que as mãos também podem falar
Fechei os olhos e as mãos
Desci a montanha, não
Quero falar
Juntaram-se todos para vê-la
Que os olhos percebem o falar
Levavam pedras e palmas nas mãos
Que as mãos também podem falar
Fechei os olhos e as mãos
Desci a montanha, não
Quero falar
quinta-feira, novembro 26, 2015
A auto-salvação
O padre António é um pouco mais novo que eu. Andámos na mesma escola e no mesmo Seminário com diferença de poucos anos. Há dias, ou semanas, tivemos a oportunidade de nos cruzarmos e cumprimentarmos num funeral. O padre António presidiu à celebração e, portanto, à homilia. Falou oportunamente da salvação que vem de Deus através de Jesus Cristo. Que bem falava o António. E recorria à frase conhecida de Jesus que se apresentava como o Caminho, a Verdade e a Vida, dizendo que este caminho que era Ele, era o mesmo que fazer como Ele, segundo o seu exemplo, virtudes, valores, os valores do Evangelho, para que assim pudéssemos chegar ao céu, ao céu da eternidade. Reconheço que de certa forma já falara assim do assunto, com essa explicação que parece óbvia. Mas ao escutar o António, e talvez porque não tinha que pensar no raciocínio do que dizer a seguir, recordei as famosas heresias de Pelágio e de Jansen. Conhecidas respectivamente por pelagianismo e jansenismo. E naquele dia dei por mim a reconhecer que esta forma de falar da salvação é mais uma auto-salvação que uma salvação por Jesus, é mais uma salvação por méritos que pela graça de Deus. Só Deus salva afinal. A nós resta-nos abrir o coração a essa graça tão grande que é o anseio maior da vida. A nós resta-nos o livre arbítrio. A Deus a graça da salvação.
terça-feira, novembro 24, 2015
Aquela Escada [poema 81]
Há uma escada que desces
No meio de uma estrada
Dois passos atrás, um à frente
Conto cada um dos degraus
Sento-me cansado, desces
Degrau a degrau para mim
Há um descer e um depois
Levas-me ao colo pela estrada
Três, sete passos em frente
Não sei se caminho, mas vou
Há um depois e acontece
Vou subindo aquela escada
Ao teu colo, deixo a estrada
No meio de uma estrada
Dois passos atrás, um à frente
Conto cada um dos degraus
Sento-me cansado, desces
Degrau a degrau para mim
Há um descer e um depois
Levas-me ao colo pela estrada
Três, sete passos em frente
Não sei se caminho, mas vou
Há um depois e acontece
Vou subindo aquela escada
Ao teu colo, deixo a estrada
segunda-feira, novembro 23, 2015
eternamente a ir [poema 80]
Hoje o dia não termina
Amanhã é de novo hoje
Os dias não terminam
Como a vida segue por
Colina acima e marés
Árvores, flores e terras
Aves, animais e gente
Brancas, negras às cores
É um constante ir e vir
Um sempre a re-nascer
Um eternamente a ir
Amanhã é de novo hoje
Os dias não terminam
Como a vida segue por
Colina acima e marés
Árvores, flores e terras
Aves, animais e gente
Brancas, negras às cores
É um constante ir e vir
Um sempre a re-nascer
Um eternamente a ir
sexta-feira, novembro 20, 2015
Se alguém da tua família quisesse ser padre, como reagirias?
Depois da última sondagem que perguntava “Daquilo que sabes ou leste do sínodo da família e do seu resultado final, como o qualificarias?” e depois dos resultados que me parecem positivos, embora 25% dos participantes o tenham considerado negativo, proponho agora nova sondagem.
Depois de uma Semana dos Seminários em que fomos convidados a reflectir sobre a necessidade dos Seminários e dos sacerdotes, venho agora propor a seguinte questão:
Se alguém da tua família quisesse ser padre, como reagirias?
De facto, uma coisa é assumirmos globalmente essa necessidade. Mas outra é assumirmos interiormente. Como reagirias se um filho ou um irmão teu um dia chegassem a casa com este desejo?
Responde honestamente e depois de uma reflexão interior.
terça-feira, novembro 17, 2015
A Igreja de Mãos dadas
Às vezes dou por mim a sonhar. A sonhar com uma Igreja de mãos dadas. Em que todos caminham juntos, embora uns tenham que ir à frente, outros atrás e outros nem sabem em que lugar vão, mas vão. E vão de mãos dadas para se auxiliarem uns aos outros. Sonho uma Igreja em que pastor e ovelhas sejam um rebanho. Sonho uma Igreja em que o padre e os leigos sejam felizes juntos, mesmo com ideias, posturas e projectos diferentes. Sonho uma Igreja em que os baptizados assumem que ser baptizado é querer um caminho e não querer ter direitos de pedir à Igreja o que quer, quando quer e como quer. Sonho uma Igreja em que o padre, embora sendo lutador no bom sentido, porque para chegar a algum lado há que fazer por isso, seja no entanto aquele que luta a favor e não aquele que luta contra. A minha Igreja desconfiada dos dias de hoje parece obrigar-nos tantas vezes a lutarmos contra em vez de lutar a favor, a andarmos na mesma estrada, mas separados, distantes e poucas vezes de mãos dadas.
sábado, novembro 14, 2015
Quando é que sentiu mesmo que tinha de ser padre?
Para quem não sabe, está a decorrer aqui em Portugal a Semana dos Seminários. É uma semana que pede aos cristãos mais consciência da necessidade de vocações ao sacerdócio, mais oração e partilha para com os Seminários. Aqui na minha paróquia maior, os catequistas têm-se esforçado junto dos miúdos para essa tomada de consciência.
Ora ontem um miúdo do quinto ano veio ter comigo à sacristia antes da missa. Saíra da catequese com o propósito de tirar algumas coisas a limpo. A catequista propusera-lhes averiguar das razões pelas quais alguém vai para o Seminário ou para o Sacerdócio. De caderno e lápis na mão, como o melhor jornalista da paróquia, explicou ao que vinha, e começou a fazer perguntas. Senhor padre, diga-me quando é que sentiu que a sua vocação era ser padre. Informei-o que entrei no Seminário com menos idade que ele. Que entrara com muitas vontades e certezas, e que as fora alimentando ao longo dos anos, junto com muitas dúvidas, sacrifício, dificuldades. Era normal, porque o Seminário existe para se fazer discernimento vocacional. Não é para fabricar padres. É para ajudar os seminaristas a crescer nas tais vontades e certezas dentro de um discernimento são.
Escreveu duas ou três linhas, e voltou à carga. Mas quando é que sentiu mesmo que tinha de ser padre? Com esta pergunta relembrei aquele momento da minha vida que não mais vou esquecer e que recordo sempre que preciso de força para a vocação que Deus me deu. Aquele dia em que, diante do sacrário, me questionava sobre as razões para ser padre e descobri que Deus me amava de uma forma que não conseguia explicar. O miúdo parou de escrever. Não compreendera bem. Então o senhor padre foi para padre por causa de amar muito a Deus? Olhei-o, toquei-lhe no ombro, e disse. Não. Não fui para padre por amar muito a Deus, mas porque Deus me ama muito.
quinta-feira, novembro 12, 2015
Uma coisa híbrida entre anjo sem asas e homem sem sexo
Um padre passa e é olhado de forma estranha. Como se fosse algo estranho. Respondem ao seu cumprimento, mas não deixam de murmurar Ali vai o padre. Como se um padre fosse um espécimen raro de ser humano. E se há quem olhe para os padres com admiração, é maior o número daqueles que os olham com pena ou indiferença. Há muita gente que não entende como um homem deixa tanta coisa que o mundo lhe oferece para se tornar padre. São capazes de o associar a Deus, mas a um deus que também é uma coisa rara, uma coisa inventada por uns homens que se intitulam a si próprios de padres.
Um padre, à partida, não é bem humano. É uma coisa híbrida entre anjo sem asas e homem sem sexo.
E deste modo, como poderá o padre ser dos nossos? Como poderá ser aquela pessoa com quem eu quero estar porque é também uma daquelas pessoas que caminha comigo, ao meu lado?!
Confesso que sou meio estranho. Não gosto de pensar como essas pessoas que pensam nos padres como um ser estranho.
No final de mais uma semana dos Seminários, valerá a pena pensar nisto?
segunda-feira, novembro 09, 2015
Miserere [poema 79]
Conta-se que havia um deus
Outrora, que não sabia chorar
O seu majestoso e belo sorriso
Criara as estrelas à volta do sol.
O homem não o conseguindo olhar
Dizia Como deve ser lindo esse sol!
Conta-se que o deus sem lágrimas
Perdeu os olhos por não chorar
Outrora, que não sabia chorar
O seu majestoso e belo sorriso
Criara as estrelas à volta do sol.
O homem não o conseguindo olhar
Dizia Como deve ser lindo esse sol!
Conta-se que o deus sem lágrimas
Perdeu os olhos por não chorar
sexta-feira, novembro 06, 2015
Roma, depósito da fé
Recordo que havia um certo mal-estar quando pisei o chão de Roma pela primeira vez. Havia uma certa ansiedade por me perceber no centro da Igreja. Roma é uma cidade bonita. O vaticano é um local de grande beleza. Peregrinava como um quase turista, mas não deixava de me questionar e de sentir o tal certo mal-estar que não conseguia explicar.
E recordo também que ia na mesma peregrinação um amigo, um bonacheirão, daqueles que gostam de contar piadas e de fazer rir. Este amigo, percebendo o meu mal-estar, e depois de eu ter falado qualquer coisa relacionada com a fé, disse-me Sabia que aqui em Roma há muita fé? Dizem que é o local do mundo onde existe mais fé por metro quadrado. A resposta dele tardou uns quatro segundos e nem me deixou tentar adivinhar qual seria. É que aqueles que aqui vêm com fé, aqui a deixam.
Risadas à parte, o mal-estar permaneceu.
quarta-feira, novembro 04, 2015
Janelas e estradas [poema 78]
Vou olhar todos os dias pela tua janela
Segurar o sol na minha lua amarela
Agarrar-te para lá daquilo que sou
Mesmo quando não estou.
À noite acenderei todas as velas
Deixarei o sol habitar nelas
Saberei as estradas e as margens
Porque vais nas minhas viagens.
Segurar o sol na minha lua amarela
Agarrar-te para lá daquilo que sou
Mesmo quando não estou.
À noite acenderei todas as velas
Deixarei o sol habitar nelas
Saberei as estradas e as margens
Porque vais nas minhas viagens.
segunda-feira, novembro 02, 2015
Homilia para funerais ou fieis defuntos
Estou a preparar a homilia para hoje, dia dos fieis defuntos. É das poucas ocasiões que podemos falar da morte sem os constrangimentos próprios da dor de um funeral. Podemos pensar a morte e dizê-la para que todos nos ouçam sem sofrer. Mas estou aqui às voltas e parece-me que não encontro as palavras certas. Vou pegar numa carta de S. Paulo onde fala que as coisas invisíveis são eternas e onde nos mostra a ressurreição de Jesus como sinal da nossa. Parece-me bem. Ando à volta de termos teológicos que nos dizem que a Encarnação de Jesus faz sentido pela Sua Ressurreição. Que nelas Deus assume a nossa condição humana para nos elevar à Sua condição divina. Mas temo que sejam apenas palavras.
Há uns anos uma jovem amiga contava-me que, ao escutar um colega meu, na sua paróquia, por ocasião dos funerais, este falava tão profundo e tão bem da morte, da ressurreição e da vida eterna, que quase lhe suscitava uma vontade estranha de morrer. Explicava depois que não era por desânimo com a vida, mas por entusiasmo. E olhem que este é o mistério central do nosso anúncio e da nossa missão!
Vou rezar ao Senhor para que na homilia que farei daqui a pouco seja Ele a falar, e para que quem nos escute aos dois sinta esse entusiasmo estranho por um dia poder viver na intimidade de Deus após a morte.
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