Se há coisa que mexe comigo são os funerais. Quem me conhece sabe que um telefonema da funerária me desestabiliza e incomoda. Em tempos idos quis desculpar-me com o funeral da minha mãe. Mas isso não fazia sentido, porque foi algo muito especial e que recordo como uma marca da minha vida e da minha fé. A verdade é que os funerais não me deixam indiferente, e lido com eles a fugir deles. Não fujo da sua celebração, da sua realidade, daquilo que tenho e devo fazer. Mas interiormente é como se fugisse.
Há dias, numa das minha meditações e devaneios espirituais, encontrei três respostas à pergunta que me fazia a mim mesmo sobre o que fazia quando fazia um funeral. Recordo que uma era a de que o padre cumprisse o ritual secular da morte como um dever cívico, social e algumas vezes laico. A outra era que o usasse de forma meio proselitista. E a última era que no funeral o padre se deixasse usar por um Deus que habita o homem, sobretudo quando sofre.
Entretanto, chegaram à beira da minha meditação aquilo que poderia classificar como os auxiliares de um Deus que não me quer encerrado em poucas respostas, e a coisa fez-me bem.
Alguém me disse, e não sei se recordam, que o padre faz num funeral aquilo que é pago para fazer, isto é, fazer o funeral. A pessoa não soube o alcance da sua proposta, mas eu pensei que essa poderia ser a minha quarta resposta. De facto, pode haver quem faça o funeral por cumprir o tal dever cívico ou social, e pode haver, por outro lado, quem o faça ou cumpra pelo preço do seu trabalho.
Outro alguém, que muito prezo, esboçou uma resposta que bem poderia colocar ao lado da minha terceira resposta, a do padre que se deixa usar por um Deus que habita o homem. Dizia ele que o padre também poderia ver naquela urna a Cristo expirado, e tomasse aquele corpo sem vida como a própria Mãe o tomou depois de descido do madeiro. Que estremecesse com a dor e a revolta de Deus, como quando a terra tremeu, o véu do templo se rasgou e os túmulos se abriram. Que pressentisse no meio do silêncio e das lágrimas a madrugada de Páscoa.
Ó Senhor, afinal, eu ainda não sei tudo do que faço quando faço um funeral!