Por entre as colheres de sopa e os garfos das batatas cozidas, a conversa gerava-se à volta de tudo um pouco. À mesa do restaurante a comida entra-nos misturada com muito assunto à mistura. Para isso nos sentamos acompanhados. Às páginas tantas, veio à baila o livro de um colega com o título “Ressuscitarão os mortos?”. E disse Já li e aconselho vivamente, como se o advérbio acrescentasse à acção alguma coisa mais. Não recordo porque acrescentei Vivamente, mas agora que estou a escrever parece que faz uma conjugação interessante com o título do livro.
Ora uma jovem esposa que se encontrava em diagonal comigo, para fazer parte da conversa, anuiu com um Claro que sim, claro que ressuscitamos. E porque ninguém dizia mais nada, insistiu. Há alguma dúvida?! Chegou a usar o nome de Deus para validar as palavras. Pelo amor de Deus, fico com pena que alguém possa duvidar, pois que seria de nós se não ressuscitássemos?! A jovem esposa tinha uma fé genuína, mas o padre, que era eu, acenou que não. Ela parou de abrir a boca para comer e abriu-a para se admirar. No meio do meu acenar, fiz uma afirmação que fez parar talheres, pratos, copos, olhos e bocas das outras três pessoas que almoçavam connosco. Nós não ressuscitamos. E repeti. Nós não ressuscitamos. Depois de ter engolido em seco, a jovem esposa pôs os olhos nos outros e a pergunta em mim. Então, mas nós não ressuscitamos?
Com um ar o mais sério que possais imaginar, poisei o meu talher, mudei o tom de voz, aquele tom de voz mais cavernoso, e respondi. Não, minha amiga. Nós não ressuscitamos. Quem ressuscita são os mortos. A jovem estava tão desarmada, que não conseguia ainda chegar à compreensão e mantinha a posição de estátua que não come, não pensa nem sente. Por isso acrescentei. Olha lá, porque cargas de água é que nós, que estamos vivos, precisamos de ressuscitar? Só os mortos é que ressuscitam.
Vou-vos dizer, este padre nunca mais toma juízo.