sábado, dezembro 29, 2012

Pede um desejo para 2013

No início do ano 2009 eu postava aqui uma sondagem que proporcionava a oportunidade de pedir um desejo para esse ano. Passados que vão quatro anos, julgo interessante postar a mesma sondagem para verificar o que mudou. É certo que os "penitentes" podem não ser os mesmos. Porém, a conjuntura social é tão diferente, que poderemos tirar conclusões interessantes, mesmo fazendo comparações à anterior sondagem.
A proposta é: "Pede um desejo para 2013"
Como habitualmente, podem e devem justificar as vossas opções nos comentários.

sexta-feira, dezembro 21, 2012

A Maria, o burro e a vaca

A Maria, que não é a mãe de Jesus mas é muito brincalhona, estava à minha espera no final da missa para me fazer uma pergunta importante e a propósito deste Natal. Ó senhor padre, diga-me lá uma coisa ou diga o que tem a dizer da proibição que o senhor Papa fez, aquela de que não podemos por o burro e a vaca no presépio. Não consegui conter a gargalhada e ela também não. Olha uma coisa destas, continuava. Então hei-de deitar o burro e vaca que lá tenho em casa para o lixo! Era gargalhada atrás de gargalhada, e não resisti a contar uma história verosímil que li algures e que, segundo consta, há uma qualquer referência dela no tal livro do Papa, “ A infância de Jesus”. Sabe, senhora Maria, na Bíblia não aparecem nenhum burro ou vaca nas passagens em que se fala do nascimento de Jesus. Nem uma referenciazinha sequer. Porém, a dada altura, a Igreja não quis deixar o menino sozinho com a mãe e o pai. Aliás, queriam que no presépio toda a humanidade estivesse representada. Vai daí que as melhores figuras que encontraram foi o burro e a vaca. E assim, a partir daquela altura, tanto eu como a senhora já estamos representados no presépio. Foi rir até mais não. Confesso que ainda não li o livro do papa, mas já li o suficiente para perceber que o Papa, tal como eu, aconselha a que nos centremos no essencial do Natal e da Vida. Não proíbe nada. Não bane o burro e a vaca do presépio. Mais, diz que nenhum presépio vai prescindir deles. Agora quem não quer que se queixe. Eu prefiro rir-me disto tudo e pensar que afinal nem estou nada mal representado no presépio. O que importa é estar por lá.
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Aproveito para desejar a todos um Natal cheio da presença de Deus!

quinta-feira, dezembro 13, 2012

É assim o braço de Deus

A senhora tem problemas de bronquite. Arfa ao falar. Veio ter comigo porque quer ir para o céu. A história da sua vida não tem sequer muitos erros ou pecados. Mas vive ensombrada pela ideia de não ir para o céu. Vive, como a bronquite, aos soluços. Tenho medo de não ir para o céu, senhor padre. A questão é recorrente, nela e em muitos mais com boa intenção de viver ou de morrer. Lembrei-me logo da Rosária, que nas minhas antigas paróquias, vivia abafada pelo medo de não ir para o céu. Ocorreu-me perguntar se ela sabia que Deus era amor. E se confiava no seu amor. Ela respondeu-me que sim, claro que sim. Então confie que o Amor Dele há-de ser maior que o seu medo. Há-de ser muito maior que as suas faltas. Perguntei-lhe se confiava no seu marido, e ela respondeu prontamente que sim, embora, às vezes, fosse muito rabugento. Acrescentei mais uma série de perguntas. Se o marido a visse caída no chão, que lhe faria? Deixava-a lá caída? Virava-lhe as costas? A cada pergunta ela respondia prontamente que o seu marido nunca faria uma coisa dessas porque a amava muito. Ora se o seu marido, porque a ama muito, não a deixaria caída no chão, imagine o que faz Deus cada vez que nos vê no chão! Se confia em Deus, confie também que sempre que a vir caída, Ele a ajudará a levantar-se. Quando se confia em alguém que nos ama, sabemos que por maior que seja a nossa queda, essa pessoa vai lá estar para nos dar o braço e levantar-nos. É assim o braço do Deus que nos ama infinitamente.

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Mais uma estrela no presépio deste Natal

Neste preciso momento as lágrimas correm-me pela face sem dó nem piedade, donas de mim e donas deste momento só meu. Estou confuso e elas não estão a limpar nada. Correm-me pela pele sem caminho. Limpo uma, mas depois vem outra, como duas amigas que para onde vai uma vai também a outra. Uma atrás de outra, porque querem contar uma história e não lhe querem dar um fim ou colocar-lhe um ponto final. Estou aqui sozinho com as minhas amigas lágrimas, porque hoje faleceu um grande amigo e não sei como lhe dizer que não queria. E não sei como lhe pedir que volte um dia atrás e me diga a certeza de que o Pai o queria chamar porque neste Natal precisava de mais uma estrela no presépio. Tinha sido meu aluno no Seminário. Tinha sido meu companheiro de lides pastorais. Tinha vinte e sete anos e nada fazia prever que seriam só vinte e sete. Não tinha doença aparente. Só tinha vinte e sete anos. Tão poucos anos para serem, apesar disso, uma grande vida. Muito mais novo que eu. Mas com uma vida muito mais bela que a minha. E digo-o envergonhado, às escondidas, porque um dia me disse que me devia muito da sua vida. Disse-o repetidamente, em várias ocasiões, como se quisesse dizer-me que, acontecesse o que acontecesse, a sua vida foi um pouco da minha. E agora não consigo sequer gritar. As lágrimas não deixam. Tenho as veias por cima das faces a rebentar porque não consigo perceber o que o Senhor me quer dizer desta vez. Andei todo o dia como se não estivesse nem lá nem cá, até que me sentei depois da comunhão, na missa da minha paróquia, e me lembrei do que ele me disse tantas vezes e que agora não entendo, porque não sei o que é dever muito numa vida que só teve vinte e sete anos e que ainda tinha tanto para partilhar, mesmo na Igreja e para Deus. Ou o que significa ajudar alguém a ser como é para que isso dure muito menos que a minha vida. Ou se o Senhor me quer recordar que não devo correr na vida, de trás para a frente, porque ela é que corre. Ou se me quer ensinar a valorizar cada segundo e cada amigo da minha vida. Ou se me quer dizer que os meus são mais dele que meus. E apesar de toda a minha fé e da certeza que tenho na vida eterna, não consigo limpar todas as lágrimas, pois são muitas. Quero pensar que o meu amigo de vinte e sete anos está no céu a rir-se comigo e para mim. Porque ele era assim. Um jovem que dava importância a cada coisa bela da sua vida na certeza de que Deus estava por detrás delas. Porém, neste ponto desta história, não consigo senão chorar e querer que não tivesse sido assim.

segunda-feira, dezembro 03, 2012

O padre dos funerais

O padre António, chamemos-lhe assim, dado que tal como há muitas Marias, também há muitos Antónios no mundo, está a paroquiar seis terrinhas do interior, daquelas que só enchem as casas vazias por altura do verão com os emigrantes que regressam às suas paredes. O padre António diz, com pouco orgulho disso, que é o padre dos funerais, como se isso lhe estivesse colado à pele. No ano passado fiz oitenta funerais e zero baptizados. Acrescentou para explicar o atributo. Não sei o futuro daquelas terras. Não sei o futuro da nossa terra. Nem sei o futuro da Igreja, pois que sem nascimentos também não podem haver vocações ou cristãos jovens. Acenei que sim para concordar e que não para demonstrar desagrado. Um senhor que está ligado a essas coisas, dizia-me há dias, em números, a situação do concelho onde moro agora. Desde o início do ano, já lá vão portanto cerca de seis meses ou meio ano, morreram mais de cento e vinte pessoas, o que dá quase um funeral por dia, e nasceram doze crianças, o que dá cerca de duas crianças por mês. Números à parte, o que quererão os homens desta terra? Considerações à parte, o que vai fazer Deus com esta terra?

quarta-feira, novembro 28, 2012

O Henrique e os tamanhos a mais de algumas pregações

O Henrique mora nas minhas paróquias, perto da casa da mãe onde costumo ir comer de vez em quando. São gente que se nota ao longe a sua beleza. Gente que não olha a muitos meios para amar à maneira de Deus. E por isso ali vou quase todas as semanas partilhar do seu comer. O Henrique é filho desta gente e irmão da Luísa. O Henrique, que andou num colégio de padres, deixou de ir à missa. Deixou-se destas coisas, embora ache que gosta muito de Deus. A Luísa vai à missa, e deixou-se deslumbrar por este padre que lhe está a mostrar um rosto diferente de Deus, diz ela. Que a está a encantar com as suas palavras na homilia, com os seus gestos fora da missa, com as coisas que vai criando ou incentivando, com a forma como acaba por ser, de certo modo, exigente à maneira de Cristo. Enfim, pela boca dela, poderia enumerar uma série de coisas do padre novo que está nesta paróquia que é minha. Tem contado ao irmão este seu sentir. O Henrique, apesar de ser gentil, faz cara de desconfiado. Mas há dias teve, por força da proximidade, de ir à missa onde se baptizava um sobrinho. Até aqui tudo normal. Quando o vi, e por saber da sua mais ou menos renitência em ir à missa, achei que estava na hora de lhe pregar um “susto”, entre aspas. E pelos vistos, consegui. Umas horas depois da missa tivemos oportunidade de conversar, eu o Henrique, ao que ele me disse que estava assim como que de boca aberta. Já tinha visto e conhecido muitos padres, mas a irmã afinal tinha razão. Era um comunicador excelente. Não só falava claro, como quase obrigava a que se estivesse muito atento. Criava um suspense no que dizia. Tinha um raciocínio lógico. Numa palavra, ficara deslumbrado. Eu ouvi com uma certa alegria. Vá, na verdade foi mais um certo gozo. E como se não bastasse, mostrei-me muito de acordo com ele. E no meio de um discretíssimo Mas o mais importante não é o como disse, mas o que disse, ainda me dei ao desplante de acrescentar mais uns atributos à minha homilia. Não a mim, não. Repito que foi à minha homilia! Que ela tinha um princípio, meio e fim, que me saía com naturalidade, que gostava de estar a falar com as pessoas e não para as pessoas, e até certo ponto eu poderia ter razão. Só que a perdi completamente, quando, de um momento para o outro, se deu o inesperado. De cerca de um metro e setenta, passei a ter seis metros e setenta. Fiquei a um palmo do teto da casa. O meu tamanho deveras não cabia em mim. Não lhe disse, mas informei-me, para o caso de eu não ter reparado, que assim é que valia a pena ser padre. Mas quando cheguei a casa, com tanto inchar, com tanto metro a mais, ia-me espalhando ao comprido na entrada da minha humilde casa porque tive de me debruçar para entrar. E de repente, aquele que tinha seis metros e setenta, ficou com pouco mais que seis centímetros. Que vergonha ter caído na tentação de me colocar à frente de Deus, de ter ousado querer um prémio em troca da pregação da Palavra e do Reino de Deus. Como se o importante não fosse aquilo que pregava, mas aquele que estava a pregar, o pregador. Deixai-me ao menos terminar com o meu tamanho normal. Cerca de um metro e setenta.

sexta-feira, novembro 23, 2012

Deus não quer a nossa religiosidade

Alguém me dizia há dias, porque estava a fazer coisas que, se notava, não me saiam propriamente do coração, que eu ainda não era livre. E não sou tal e qual. Há muito que não sinto a liberdade do Deus que me chamou a ser livre. Porque me canso com uma Religião que vive apenas a religião e que não me deixa viver a fé. Cansamo-nos a trabalhar partindo do princípio que as pessoas têm fé. Mas a verdade é que não têm. Dizia há dias um colega que quanto mais acreditava, menos fazia. Menos coisas fazia. E tinha razão. Ainda há-de chegar o dia em que as pessoas hão-de perceber nitidamente que Deus quer a nossa felicidade e não a nossa religiosidade. Um dia os padres hão-de cansar-se de ser ministros e vão deixar as paróquias serem comunidades. Um dia vamos fechar o super-mercado que são as nossas Igrejas para as transformarmos no abrigo da nossa comunhão. Um dia. Um dia. Entretanto, deixem-me continuar preso a esta correia que me puseram ao pescoço. Não, não é um cabeção. Não é um fio de ouro. Não é visível. Só eu é que a vejo, e quem me vai conhecendo. Mas Um dia há-de chegar.

terça-feira, novembro 20, 2012

O que fizeste de especial para e na Semana dos Seminários deste ano 2012?

Interrompo o género de sondagens que pretendia relacionar o que pensamos e sentimos com Deus, para fazer uma sondagem a propósito da dita Semana dos Seminários que ocorreu na semana de 11 a 18 de Novembro passado. Esta sondagem tem como objectivo avaliar a sua necessidade , a importância que lhe damos, o sentido que ela tem, a nossa real preocupação com os Seminários, caso exista. Embora a opção neste caso não precise propriamente de ser fundamentada, abrimos ao diálogo esta questão, aqui nos comentários, bem como à eventual justificação da opção escolhida.
A pergunta é: O que fizeste de especial para e na Semana dos Seminários deste ano 2012?

sábado, novembro 17, 2012

O Seminário deixou de ser uma proposta

Foi durante uma missa festiva com e para as crianças. Abordei o assunto após a homilia que falava, a propósito da viúva de Sarepta e da que deitou duas moedas no Templo, que era mais importante dar-se que dar, dar-se o que se é do que o que se tem. Comecei assim como quem não quer fazer alarido. A propósito, hoje tem início a Semana dos Seminários. E voltei-me para as crianças que estavam atentas, perguntando se tinham conhecimento desta semana. Que não, não conheciam. Perguntei se sabiam o que eram os Seminários. Que não, não faziam a menor ideia. Se já tinham ouvido falar dos Seminários. Ou da boca dos pais, ou dos avós, ou na escola, ou aos amigos. Agora que lembro, não acrescentei a catequese. Nada, nunca tinham ouvido essa palavra sequer. Pronto. Acho que fiquei sem palavras, embora não me tivesse calado de imediato. Recordo que antigamente a cultura valorizava muito mais os padres e a mesma cultura achava que esta era uma boa proposta para propor aos meninos. Hoje as propostas são outras. Passam pelas engenharias, pelas medicinas, pelas advocacias, pelas doutorices. Embora eu ache que o valor dos padres está em Deus e não neles, embora eu ache que os padres não devam procurar reconhecimentos, embora eu ache que os padres devam ser um que conduz e vai ao lado, sem que espere que caminhem atrás ou à sua frente de joelhos, a verdade é que me incomoda que esta proposta tenha sido posta de parte, mesmo por aqueles que se acham católicos e vão à missa.

quarta-feira, novembro 14, 2012

Na lareira 2

Volto de novo à lareira que fica na casa de retiros onde me encontro. Continua a chover, e continuo sozinho. Depois da noite de ontem, apanhei o vício de vir à lareira quando todos já estão no silêncio dos seus quartos. Estamos quase duas dezenas de padres neste retiro. Estamos vários dias. Como está frio, a lareira é um ponto de chegada e de partida. Por isso quero partir da lareira. Quero partir da lareira para chegar a Ti, como se este calor fosse uma amostra do grande calor que me espera ao fim do caminho. Por falar, em caminho, hoje descobri, mais uma vez, que Tu és Caminho, e digo alto aquela expressão que se ouve dizer por ai. O Caminho faz-se caminhando. Porém, como vivo, insistentemente, à volta do que tenho de fazer, do que me cansa e me desilude, do que eu não queria que fosse assim, transformo estas coisas no meu verdadeiro deus, porque é a elas que dedico a minha atenção, a minha vida, o meu desamor. Por conseguinte o caminho fica por fazer. E quando penso, como agora, em reatá-lo, já não lhe sei a direcção. As voltas à volta das coisas que tornei deus, deixaram-me zonzo, perdido. Não estou triste, Senhor. Está só a chover, a noite começou e faz frio. Mas com esta chuva, talvez o vidro se desembacie e eu descubra de uma vez por todas o Caminho que leva à terra prometida. Faz-me bem limpar estas coisas. Torná-las mais nítidas. Vou aquecer-me mais um pouco e vou dormir. Amanhã apetece-me procurar esse caminho.

domingo, novembro 11, 2012

Na lareira 1

Chove na rua e estou sentado à lareira que fica na casa de retiros onde me encontro. Estou sozinho com as pequenas labaredas que saem da lareira. Olho-as embalado pelo barulho das gotas de água que caem na terra e no telhado. Está frio lá fora. A noite começou. Foram todos deitar-se. Posso finalmente pensar em Ti sem que ninguém me interrompa, à minha maneira. E penso-te de uma maneira como sempre pensei e não quero pensar. Penso que és o meu Deus. E um peso cai-me em cima, como se fosses a mala que carrego, ou o carro que conduzo, ou a minha aparelhagem sonora. Como se Te tivesse comprado em alguma loja e fosses posse minha. Como um par de calças ou um sobretudo ajustado à minha forma de ser, às minhas canseiras e desabafos. Tenho vontade de que sejas assim ou assado. Vejo-me a dizer-te como devias fazer, como devias resolver este ou aquele assunto. Digo o que era melhor, como se o teu melhor coubesse milimetricamente no meu querer. Mas hoje descobri que Tu não és o Deus que eu quero, mas o Deus que Tu és. Eu não posso limitar-te. O Deus que Tu és é demasiado grande para caber na minha cabeça. E a chuva continua lá fora e a lareira à minha frente.

quinta-feira, novembro 08, 2012

Vem aí uma Semana dos Seminários

Vem aí mais uma Semana dos Seminários, tal como há um dia que é da mulher. Acho mal que haja um dia para as mulheres se lembrarem quão importantes são. Ou não. Tal como acho mal que haja necessidade de haver uma Semana dos Seminários quando em todas as semanas os Seminários são necessários. Ou não. Deviam também inventar um dia ou uma semana ou um mês dos padres, para as pessoas lembrarem como os padres são importantes. O Papa bem inventou um ano dos padres. Mas não chegou. Será um ano pouco, ou não vale sequer a pena falar destas coisas? Já lá vão uns dois ou três anos, mas parecem mais. Lembro que me esforcei para dar mais sentido ao meu sacerdócio. Lembro que a Igreja falou muito nisso. Lembro como a Comunicação Social se aproveitou desse ano. Não lembro muito mais. Tenho a cabeça ocupada. Tenho a cabeça ocupada a pensar que as Semanas dos Seminários não são precisas porque as pessoas não querem estar preocupadas com as vocações ao sacerdócio. Querem o padre porque e quando o precisam. Mas não querem saber se há vocações ou não. Lá aparecem umas senhoras bem intencionadas que rezam de vez em quando para que hajam vocações. Mas sem que isso tenha implicações na sua vida. Lá aparece uma paróquia ou outra que se queixa quando fica sem padre, quando o seu padre se vai, ou morre, mas depressa esquecem, pois vem outro com a mesma pressa. Na Semana dos Seminários deste ano vou fazer umas perguntas nas minhas paróquias. Está combinado. Quero saber se é só mais uma semana ou não.

domingo, novembro 04, 2012

Uma romagem animada

Tínhamos acabado de chegar ao cemitério para cumprir a nossa romagem, como é hábito nesta época. Já estavam todos à minha volta para darmos início à Celebração, quando dois cães decidiram penetrar no círculo, por entre as pessoas. Começa o enxotanço daqui e dali. Uns com um psit, não sei se apropriado mas sonoro. Outros com o pé, como se os pobres animais fossem duas bolas de futebol. Graças a Deus que ninguém lhes acertou. Mas talvez por isso os ditos animais teimaram em voltar ao centro da cerimónia. Todos nos distraíamos com a situação. Até que uma senhora chegou à fala com um deles, o que lhe havia passado mais perto. Psit, vai lá para a rua. Ó meus amigos, desculpai, mas não resisti. E no mesmo tom da senhora, embora entre os dentes e mais envergonhado que ela, eu acrescentei. Mas na rua já ele está. Pois claro que a senhora queria dizer Vai lá para fora do cemitério. E todos o havíamos entendido. Só que não resisti. E comigo, nenhum dos romeiros resistiu em soltar uns valentes sorrisos. E assim tivemos uma romagem ao cemitério mais animada. Não que tenham de ser necessariamente alegres, ou alegres desta forma. Mas, a meu ver, seriam mais verdadeiras as romagens que nos fizessem sentir a alegria da Vida Eterna. Ponto final, que ainda estou com vontade de me rir.

quarta-feira, outubro 31, 2012

Aos berros com Deus

Desci as escadas zangado. Antes de pisar o primeiro degrau estivera a dizer umas quantas coisas ao lá de cima. Acabado de descer o último degrau, deparei-me com uma paroquiana de rosto fechado. Esbocei um sorriso largo e ela também. Olhei-a nos olhos e ela fez-me o mesmo. Sorrimos ambos como se quiséssemos fazer de conta que nada se passava. E o padre foi o primeiro a quebrar o sorriso. Então, dona Teresa, que se passa? Não sabia que fazer da vida e não entendia porque Deus não agia na vida dela como ela precisava. Nem a propósito, disse eu. Ainda agora estive a ajustar umas contas com Ele. A dona Teresa abriu o rosto de admiração, e disse, Olhe que às vezes apetecia-me berrar com Deus. Sosseguei-a respondendo que não havia mal nisso, e que eu berrava com Ele muitas vezes. Mais vale dizermos aquilo que pensamos. Afinal Ele já sabe e nós ficamos aliviados. Eu acho até que pode ser uma interessante forma de oração.

sexta-feira, outubro 26, 2012

A senhora, de nome que não interessa

Há uma senhora, de nome que não interessa, que, já reparei, gosta de reparar na vida dos outros e falar dela, a vida dos outros.
Em cada terra, em cada paróquia, há sempre senhoras, de nome que não interessa, que vivem a sua vida a reparar na vida dos outros. Nas mais pequenas, sentam-se ao cimo do balcão e fazem uso da sua língua, geralmente má, para desfazer novelos e criar novelas da vizinha, da amiga da vizinha, e das amigas das amigas da vizinha. As que moram em terras ou paróquias maiores sentam-se à mesa do café para que o chá seja bem regadinho com a história que ouviram falar.
A senhora, de nome que não interessa, gosta de andar atrás do padre e assim como fala das vizinhas, aproveita e fala do padre, que esse dá uma novela de maior audiência. Por azar da vida, veio contar-me duas ou três coisas a respeito de duas ou três senhoras que colaboram na Igreja. Não gosto de dar importância a conversas destas, mas, como é hábito, escutei-a porque o meu dever é escutar. A meio da conversa pedi-lhe para falar coisas boas dessas senhoras e ela não conseguia. Foi quando se calou. Aproveitei para ensinar que dos outros só devemos falar bem, e que devemos ter atenção se não recalcamos nos outros aquilo que está dentro de nós. Terminámos assim a conversa e quero pensar que ela vai melhorar. Mas depois de ela sair porta fora, lembrei um dito senhor da televisão, de nome que não interessa, que há dias se saiu com esta à frente do écran. Aqueles que passam o dia a falar da vida dos outros que arranjem uma vida. De facto, quem está de bem com a sua vida, não gasta tempo a falar, geralmente mal, da vida dos outros.

quarta-feira, outubro 24, 2012

A que objectos de escritório associas mais a figura de Jesus?

Continuando a ideia que propus na anterior sondagem, com o objectivo de reflectir sobre a forma como vemos, pensamos e sentimos Deus, sugiro desta vez que pensemos na figura de Jesus partindo de objectos de um escritório. Pode parecer uma proposta estranha, quase inadequada. Porém, pessoalmente, gosto de procurar o mais além, aquilo que possa parecer absurdo, para encontrar um sentido e uma busca maior, mais profunda e muito pouco absurda. Assim, desta vez, olhei à minha volta, ou melhor, à volta da minha secretária, e procurei objectos para reflectir qual ou quais associaria à figura de Jesus. Já sabem que esta sondagem, como a anterior, terá mais sentido se justificarem a vossa escolha. Por isso, proponho que o façam nos comentários.
A pergunta é: A que objectos de escritório associas mais a figura de Jesus?

segunda-feira, outubro 15, 2012

O Ano da Fé que bem precisamos

Andavam na vindima, e nas vindimas há tempo para todas as conversas. Uma senhora querida, que vai sempre à missa e até canta no coro, aproveitou a ocasião para evangelizar, que é assim que os cristãos deveriam fazer. Mas foi em vão, contou-me ela. Só faltou ser enxovalhada. Estava lá um senhor de bigode, aqui da terra, que nunca vai à missa, que me disse assim. Vossemecê julga que por ir à missa, e cantar na missa, vai para o céu?! Vai tanto como eu, porque não há céu. E ela que lhe respondeu com outra pergunta. Então se não há céu, que foste fazer à missa do funeral do teu irmão? E quando pensava que o desarmava ou o ia fazer pensar no que acabara de dizer, este virou costas e disse. Tem razão. Olhe que não fui lá fazer nada. E depois é o que se vê, disse-me ela no fim de uma missa. Eu contei as pessoas que vieram hoje à missa. Eu também contara. Fora fácil contar as oito pessoas que lá estavam. O senhor padre falou, na missa, do Ano da Fé que aí vem. Bem precisamos dele. E repetiu. Bem precisamos dele.

sexta-feira, outubro 12, 2012

Os padres também amam

Necessito amar. Mas cortam-me as pernas do amor, para que o amor não ande. Digo-o com todas as primeiras e segundas intenções. Digo-o, porque neste exacto momento tenho uma mão aberta, com os dedos afastados. Fecho-a, e apesar de fechada, tudo me foge da mão, por entre os dedos. E fica apenas o punho fechado. Sai-me da boca e da vontade sem querer. Deus criou-nos assim, com esta vontade infinita de amar. Afinal, é o amor que nos traz a felicidade e Deus quer-nos felizes. Saímos do seminário com esta certeza de que temos de amar a todos, mesmo que isso implique não amar ninguém. E vamos fazendo assim o nosso sacerdócio. Convenhamos que alguns constroem essa casa com uma série de janelas abertas. E não aponto nenhum dedo, pois tenho a mão fechada. Aproveito e fecho também as cortinas. Dizem-nos que para o sacerdócio só há esta porta. E eu acredito nisso, em sentido figurado. Mas todos necessitamos amar, em sentido real. Faz parte da nossa essência de seres finitos que procuram o infinito numa entrega, numa partilha, numa forma de se não ser sozinho no mundo. E tu que fazes, Senhor? Dás-nos uma família. Mas precisamos mais. Dás-nos uma irmandade a que chamas presbitério. Mas é uma virtualidade do amor. Dás-nos uns amigos, como eu costumo dizer, do peito. Mas também esses a vida nos afasta. Porque mudamos de poiso e nada é eterno senão Tu. Porque a vida é simplesmente assim. O que eu acho bonito no meio disto tudo, é que o amor, para ser valioso, tal como tudo o que tem valor, tem de ser procurado. Mas estou para aqui há um ano, e sinto falta desses amigos do peito. Não os perdi. Só estão longe. E é assim quem, em nome de Deus, tem de ou devia ser perfeito.

terça-feira, outubro 09, 2012

Estava capaz de gritar

Estava capaz de gritar. Estava capaz de gritar em plena missa, anteontem, Domingo, dia de Nossa Senhora do Rosário, faz onze anos que a minha mãe faleceu. Era um Domingo, tal como anteontem. Era um final de tarde, seriam umas seis horas. Anteontem, seriam umas sete, a família, junta por outros motivos, acabou por ir, igualmente junta, à missa que também se celebrava pela mãe. Desta vez fiquei do lado de lá. Fiquei do lado de lá do altar. Estava cansado. E não só. De vez em quando acho bom rezar do lado de lá, do lado diferente, do lado que me é mais estranho. Para quebrar a monotonia. E para experimentar o que é ser simplesmente leigo. Cada um deve celebrar a missa com o seu ministério ou função. Concordo. Mas de vez em quando, onde nem nos conhecem, sabe bem estarmos no meio da multidão, a sentir como a multidão sente. Reconheço agora que a maior parte dos sentimentos que tive durante a missa não eram os da multidão. Eram os meus. Eram a minha mãe. No início da missa o padre enganou-se e não leu o nome correcto da mãe ao anunciar a intenção. Sei como são estas coisas e não me importei. Mas a partir daquele momento, o meu pensamento voou na tua direcção, mãe, e a missa foi um quase só pensar em ti. Por isso estava capaz de gritar. Houve ali um momento, enquanto o padre falava e falava, em que me apeteceu interrompe-lo para gritar. Que a minha mãe morreu faz onze anos e queria tê-la por cá. Depois perguntava porque é que se tem de morrer numa idade imprevista. Constatava como são imprevistas as doenças e com o arrastar do tempo elas aparecem mais frequentes e são mais prováveis. Parece que estão latentes no subconsciente de alguém e saltam para fora para morrer. Depois falava do cancro da mãe para dizer que ela não se queixava, porque tinha fé e amava o Deus que lhe tinha dado a vida. Essa vida. Gritava o mais que pudesse para dizer que aquela mulher que é santa, que é de Deus, e que soube aguentar firme na dor e na vida, era a minha mãe. Queria exibi-la com orgulho, como se os outros quisessem saber alguma coisa disso. Não me zango com Deus. Também não adiantava, porque a vida e a morte vão continuar a ser como são. Fogem do nosso controle. Por isso é que Deus é Deus e nós não. Sei que o tempo que vai entre o início da vida e o início da morte é apenas o projecto de Deus para cada um, e que cumpri-lo seria o objectivo maior do nosso existir, sob pena de a nossa vida não valer de nada e para nada. Mas anteontem estava capaz de gritar, porque nem sempre nos apetece fazer a vontade de Deus, ou cumpri-la, ou aceitá-la. E a minha mãe estava ali bem presente, na minha missa. E pouca gente deu conta disso.

sexta-feira, outubro 05, 2012

Que cor associas mais a Deus?

Depois da última sondagem, achei oportuno termos uma série de sondagens que nos levassem a reflectir sobre a forma como vemos, pensamos e sentimos Deus. Vou, por isso, nos próximos tempos, propor algumas sondagens  com este espírito. Hoje a pergunta é: Que cor associas mais a Deus?
Esta sondagem terá maior sentido se justificarem a vossa escolha. Por isso, proponho que o façam nos comentários.

sábado, setembro 29, 2012

Às vezes sinto que não escolhi o meu destino

Às vezes sinto que não escolhi o meu destino. E nessas ocasiões baixo os braços. Fico desarmado e entrego-me à vida. Deixo que ela conduza cada dia da minha vida. E passam os anos e sinto que a vida envelhece e que o que faço não foi escolhido por mim. Queria sentir-me dono de todas as minhas opções. Mas sou apenas dono daquilo que tenho de fazer. E sento-me no sofá a olhar para anteontem, desejando que as coisas pudessem ter sido uma escolha sempre minha. Desculpo-me com Deus. Quero ter a certeza que foi Deus que assim quis. Mas continuo a achar que são os homens que escolhem por mim. A paróquia. A pastoral. As pessoas ao meu cuidado. As igrejas. A Igreja. Os sacramentos que me pedem. Todos donos de mim. Todos donos da minha vida e das minhas opções. Tento encontrar o dedo de Deus em tudo, porque acredito que Ele está no cerne de tudo. Ele é tudo. E aceito que assim seja, porque quero ao menos ter a certeza de que essa opção é minha.

sábado, setembro 22, 2012

Sempre foi assim toda a vida

A capela tem um telheiro em frente, forrado a madeira de carvalho bonita. O Telheiro tem duas entradas laterais com dois degraus que, de tão suaves, quase não se sentem. Na delimitação do telheiro está um pequeno muro, com mais de meio metro de altura, que serve o descanso das pessoas que ali se sentam. O espaço é agradável. Muito agradável. Ontem foi festa e, como festa popular que é, lá se deu uma voltinha com o andor de Nossa Senhora pelo recinto. A procissão é curta, como eu gosto. Foi muito digna com oração e silêncios. Gostei. Porém, quando estávamos a entrar para debaixo do telheiro, por uma das laterais, alguém se lembrou de puxar o andor, juntamente com as senhoras que o carregavam, de forma que o mesmo entrasse pelo lado oposto à entrada da capela, isto é, por uma zona onde não há escadas e as pessoas podem magoar-se ou cair no muro que perfaz, como já disse, mais de meio metro, e onde o telheiro obriga a grandes manobras para que a imagem não seja degolada. As senhoras que carregavam o andor iam mesmo caindo, e eu, que estava logo atrás, disse que era melhor ter entrado por uma das laterais, ao que o senhor que puxara o andor me respondeu, com cara de poucos amigos e sem olhar para mim sequer, Sempre foi assim toda a vida. Uma das senhoras que carregava o andor olhou-me a sorrir e repetiu a frase do homem, como que a dizer O que temos de aturar, padre! Desta vez não me zanguei nem um pouco. Antes me diverti. Soltei uma gargalhada sem som. Sempre foi assim toda a vida, como se a vida de sempre fosse apenas um pedaço de tempo, uns anos. Assim como também sempre andámos de burro e agora andamos de carro. Mas sempre foi assim toda a vida, repetem. Vou-vos contar. Hoje nem me pareceu tratar-se de uma situação de falta de fé orientada. Antes me pareceu uma falta de orientação lógica, já para não dizer em palavras mais portuguesas e numa só, uma estupidez. Há tanta gente que… sempre foi assim toda a vida.

sexta-feira, setembro 14, 2012

Promessa é promessa

Param a procissão com uma conversa de meia idade que começa numa discussão e acaba em berros. Não conheço as senhoras nem propriamente a procissão. Contaram-me que o peso do andor ronda várias toneladas carregadas por quatro homens possantes que a procissão é longa e o peso pesa. As senhoras fazem parte de um grupo de cerca de dez que fizeram promessa de carregar o andor. Não são possantes, mas fizeram promessa. São mais que quatro, mas fizeram promessa. E não há quem as demova. O padre que lá está há vários anos já nem liga. Promessa é promessa. E as senhoras berravam uma com a outra parando a procissão. Porque eu fiz uma promessa. E eu também. Mas eu fiz já lá vão dez anos. E eu já lá vão uns vinte. Só faltou a estalada. Uma puxa pela ponta do andor. A outra puxa pela manga do casaco da outra. Tudo a olhar como se o espetáculo aprimorasse a procissão. Quer-me parecer que a promessa é mais uma forma de as pessoas se mostrarem devotas do que por serem devotas. Quer-me parecer que a promessa é mais para os outros verem do que para ser vivida. Mas quando é que esta gente promete ser boa e fazer o bem?

sexta-feira, setembro 07, 2012

Quem canta, seu mal espanta

A senhora Emília é a cantora mor numa das minhas comunidades. Inicia e orienta os cantos da liturgia. É muito prestável, mas já não é a primeira vez que na hora do pós-comunhão fica em silêncio. Pelos vistos estavam assim habituados. E não vem mal ao mundo que a acção de graças seja feita na intimidade própria do silêncio. Porém, como gosto de cantar, insisto que se cante. No último Sábado assim aconteceu. Como ela estava perto da cátedra onde me sento, insisti baixinho, mas de forma audível, para que cantassem. Nada. Fez-se ainda mais silêncio. Mas nisto alguém resolveu cantar do lado de fora da porta da capela. Estávamos nós no tal silêncio profundo quando se ouviu, como se fosse ali juntinho à porta, o senhor burro a zurrar. Gargalhada geral na capela. Mais sonora que o zurro do senhor burro. E o senhor padre não resistiu a comentar do altar. Ora, eu tenho dito para cantarem. Mas hoje alguém me ouviu, e já que não cantamos nós, que haja quem cante por nós. E saímos da eucaristia todos bem-dispostos, pois que, deixem passar a expressão, quem canta seu mal espanta.

sexta-feira, agosto 31, 2012

Os meninos da Primeira Comunhão

Quando entrei na Igreja Paroquial para a cerimónia, os meninos da primeira comunhão estavam, como se costuma dizer sem maldade, tolinhos de todo. Ele era barulho misturado com psits. Ele era rostos com um sonoro sorriso do tamanho do mundo. Ele era um mexer para aqui e para acoli no banco, que eu pensei Onde me vim meter. Os pais ainda faziam mais ruído que os filhos. Estava toda a gente desmesuradamente entusiasmada, de tal forma que corriam o risco de deturpar a festa. No final foi mesmo essa a minha sensação. Que toda aquela gentinha, dos mais pequenos aos maiores, se perdera na socialidade da festa. Fui para casa com o rosto cansado das corridas do dia e da confusão a que me soou aquela cerimónia da Primeira Comunhão. No Domingo seguinte chamei para ao pé de mim, junto ao altar, todos os meninos que haviam feito a festa para, com mais serenidade, perceberem o mistério que tinham vivido pela primeira vez. Só estavam mais ou menos metade dos que tinham feito a festa. Gostei muito daquele momento em que fizeram perguntas, viram o interior do cálice, pegaram nele, comungaram com olhinhos de felicidade e ficaram ali ao meu lado, a experimentar Jesus tão pertinho. Mas ao mesmo tempo, dado que não estavam todos, no final da Eucaristia dei por mim a pensar com pesar no assunto. A comunhão ou a Primeira comunhão é mais um daqueles sacramentos que estão a esvaziar-se. Porém, na semana seguinte uma das catequistas mostrou-me umas folhas com umas letras terríveis para decifrar. Era a letra dos nossos meninos que respondiam ao pedido da catequista. Diz o que sentiste na tua festa da Primeira Comunhão. Corei de alegria. Entre uma série de frases menos felizes, havia estas que não resisto a transcrever literalmente, sem critérios. Quando entrei na igreja senti que Jesus me foi acompanhando até ao banco e sentou-se ao meu lado. Quando comunguei, senti que Jesus me estava a abraçar com toda a força dele. Quando comunguei senti-me feliz e senti que Jesus entrou no meu corpo. Quando comunguei Jesus entrou no meu coração e fez com que ele arrebentasse de alegria e fiquei muito mais leve. Quando acabei de comungar nunca mais me senti sozinha. Quando comunguei pela primeira vez senti que Jesus cresceu no meu coração. Fui comungar e senti que a partir daquele momento iria seguir Jesus. Fui comungar e senti o meu coração aos pulos. O meu coração ficou gigante.
Não há palavras para descrever neste preciso minuto o tamanho do coração deste pobre padre que, de vez quando, se cansa com o esvaziar dos sacramentos e se esquece que Deus é ainda maior que os sacramentos.

sexta-feira, agosto 24, 2012

A História do José, mais conhecido por Zé Tuga

O José, mais conhecido por Zé Tuga, nasceu em Portugal. Logo, nasceu católico. Isto é, faz parte do grupo daqueles cerca de muitos porcento que vão ser baptizados. Não tardou nem um ano e foi baptizado, levado ao colo pelos seus pais, com esta ideia. Queremos que ele tenha a nossa religião. O Zé Tuga entrou na catequese como os outros meninos, pois entra-se na catequese quase como se entra na escola. Faz parte da vida dos porcento que estão baptizados. Entrou na catequese para fazer a Primeira Comunhão e o Crisma. A Catequista era uma senhora Conceição muito devota da terra, que sabia tudo e ensinava tudo. O Zé gostava muito da senhora Conceição. Mas depois da Primeira comunhão as coisas começaram a azedar, a não fazer muito sentido, pois os amigos mais velhos, os maiores lá da escola, diziam que aquilo era uma seca. Ora, os amigos é que sabem tudo. Sabem mais tudo que a senhora Conceição. Por alturas da profissão de fé, já o Zé faltava mais vezes do que ia à catequese. Mas ainda se aguentou para o Crisma, embora nos anos que mediaram a Primeira Comunhão e o Crisma, não tenha ido muito à Missa. Ia à catequese, mas não ia à missa. Não precisava da missa para fazer o Crisma. Era amigo de Deus, dizia, embora na escola dissesse aos amigos que era mais do tipo agnóstico, que isto está na moda. Do tal amigo que se chama Deus ou Jesus, lembrava-se por alturas dos testes dos estudos ou da vida. Lá esboçava um Pai Nosso, ou ia a Fátima. Aliás, foi lá umas duas ou três vezes a pé com uns amigos dos copos, uns anos depois do casamento. Casou-se pela Igreja para as fotografias. O padre que presidiu à cerimónia ainda se lembra do sorriso maroto do Zé quando lhe passou o cálice para as mãos. Na altura confessou-se para calar o padre, embora não contasse todos os pecados. Aliás, isso dos pecados só eu é que sei. Ou melhor, nem sei o que é pecado. Digo umas asneiras e pronto. Voltou à Igreja quando a primeira filha foi a Baptizar, e lembra-se de discutir muito com o padre porque ele é que sabia quem seria o melhor padrinho para ela. Foi à reunião de preparação, e até gostou da conversa. Mas só foi interessante. Mais nada. Nessa ocasião, já nem se confessou. Fez mais ou menos o mesmo por alturas da segunda filha e no dia da Primeira Comunhão delas. Também nunca faltava aos funerais dos amigos, embora ficasse para além da porta dos fundos e nem entrasse no cemitério. Isso só fez no funeral da mãe e do pai. Foi à Missa e ficou no banco da frente. Entrou no cemitério e chorou porque Deus os levara. Mas era muito amigo de Deus, dizia, pois tinha a sua fé. Eu cá tenho a minha fé. No café, entre um copo e outro, falava muito mal da igreja, que os padres isto e aquilo, que as beatas eram umas falsas, que a igreja tem muito dinheiro. Por isso também nunca contribuiu muito para as causas da Igreja. Os padres é que tiram a fé. Mas ele não a perdia, porque carregava muitas vezes o andor da santinha nossa senhora de Fátima e não faltava à maior parte das festas. Ou melhor, à maior parte das procissões das festas. Não era má pessoa, como se isso bastasse para ser bom. Enfim, fazia parte dos cerca de muitos porcento que são católicos em Portugal. Há dias adoeceu. E em pouco mais de um mês faleceu. Teve um funeral digno, com missa e tudo, na mesma Igreja que uns dias antes não prestava, a pedido da família que ainda marcou missa de sétimo dia. A maior parte dos seus amigos ficou, como é hábito, para além da porta dos fundos. O padre foi muito simpático em falar da Vida Eterna. E para lá caminhou o Zé Tuga, quando lhe apareceu um gajo vestido de branco, um branco tão branco que nem há aqui na terra, e lhe fez uma pergunta. Zé Tuga, tu conheces-me? E o Zé Tuga olhou-o assim, bem, de alto a baixo, e respondeu. Acho que sim. Tu não és… deixa cá ver se me lembro, que isto da morte faz-nos esquecer tudo… aquele a quem chamavam de Jesus? O gajo de branco repetiu mais umas cinquenta vezes. Zé Tuga, tu conheces-me? Perante a insistência, o Zé respondeu com algumas semelhanças a umas respostas, em tempos, de um tal Pedro. Sim, Senhor, tu sabes tudo, sabes que te conheço. Quando já parecia que o senhor de branco estava satisfeito, ouviu mais umas setenta mil e setenta e sete vezes a mesma pergunta, num tempo que parecia nem ser tempo. Um tempo sem tempo. Um tempo que só podia ser agora e eterno. Cansado de ouvir e não sabendo como responder, sentou-se e ali ficou sentado para sempre.

segunda-feira, agosto 20, 2012

Mais um Manuel e uma Maria vão casar pela Igreja

O Manuel e a Maria, nomes fictícios desta história real, são dois jovens com os seus vinte e tantos anos que se vão casar em breve. Com eles estavam também a mãe e a irmã do noivo. A conversa decorreu com entusiasmo própria, por um lado, de quem está ansioso pelo casamento, eles, e por outro, de quem está a manifestar a sua alegria pelo acontecimento de fé, eu. A meio da conversa falei do sacramento da confissão. O rosto deles perdeu entretanto algum entusiasmo. Para quê, Senhor padre, perguntaram. Da mesma forma perguntei se não pretendiam comungar. Demoraram uns segundos, próprio de quem está a pensar se há-de responder sim ou não, e depois acabaram por dizer É melhor, senhor padre. Recolhemo-nos os três, eu e os jovens noivos. E antes que começássemos o sacramento da Confissão, o noivo foi dizendo que desde o Crisma que não se confessava. Mais, que desde o crisma não ia à missa. Mas que era muito amigo de Deus. A noiva, por seu lado, como se dissesse a mais interessante das verdades, foi acrescentando que ela desde a primeira comunhão que não ia à missa. Agradeci a honestidade deles, mas fiz-lhes duas perguntas a que não conseguiram responder se não com um esgar de voz e de olhos. Então porque vos ides casar pela Igreja? Não achais incoerente querer Deus para umas coisas e não O querer para outras?

sexta-feira, agosto 17, 2012

Se te fosse dada a responsabilidade e oportunidade, que farias com o problema dos sacramentos que se têm esvaziado de fé?

Já lá vão dois meses desde a última sondagem. Está na hora de colocarmos nova sondagem online. Ora, depois da publicação de alguns posts com uma problemática recorrente na Igreja dos dias de hoje que se prende com os sacramentos de forma geral, os quais cada vez mais se têm esvazíado de fé e tornado acções sociais, gostava que nos questionássemos sobre o que fazer perante esta realidade. Assim, surge nova questão: Se te fosse dada a responsabilidade e oportunidade, que farias com o problema dos sacramentos que se têm esvaziado de fé?
Expõe aqui também as razões das tuas escolhas. Caso tenhas alguma ideia fantástica, não deixes de a partilhar. A Igreja precisa de ideias e soluções!

quinta-feira, agosto 09, 2012

O fulano tal que não está crismado mas quer fazer de conta que está

O telefone tocou com aquela do Muda de Vida, o toque para desconhecidos. É o senhor padre? Sou. Quem fala? Olhe eu sou aqui da paróquia. Não disse que era o fulano tal porque o fulano tal é um nome que não temos na agenda ou não fixamos. Precisava de um favor seu. Diga. É que tenho uns familiares para o norte que tiveram um filho e querem levá-lo à pia. Acontece que me convidaram para padrinho e o padre pediu um papel, sabe, uma coisa de idoneidade ou parecido. Ora, diga-me, crismou-se aqui? Fez-se um breve silêncio e pensei que a chamada caíra ou não tinha rede. Insisti. Está crismado? Respondeu pausadamente e baixinho que não. Pois então não sei como passar-lhe o papel ou parecido. Supondo que de idoneidade estava a falar dos requisitos que o Código de Direito canónico têm no seu número tal e tal, disse eu com ar de advogado fora de causa, então não posso dizer, entre outras coisas, que está crismado sem o estar. Fez-se novo silêncio. O fulano tal, pensei eu, entendera que não se pode dizer que é aquilo que não é. Porém, a voz de receio, perguntou. Então e o senhor padre não podia facilitar, fazer o jeito? Expliquei que não era padre de dizer que era aquilo que não era, e que não era uma questão de facilitar. Era uma questão de verdade. Pronto, vou desligar e ver. Respondeu. Mal caiu a chamada, pus de novo o telefone a tocar. Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar.

segunda-feira, agosto 06, 2012

A propósito de cunhas, vou meter uma cunha a Deus

Primeiro veio a mãe, que eu não conhecia e não estivera na reunião sobre o Crisma, falar da madrinha escolhida pela filha, uma senhora, penso que uma tia, que não está crismada e, pelos vistos, não está casada mas mora com um senhor com quem partilha a vida. Passados uns dias veio uma senhora, que à partida estaria mais próxima do padre, a pedir para que a menina pudesse ter uma outra madrinha que também não está crismada, sugerindo que se crismasse à pressa ou com preparação na mesma velocidade. Passaram mais uns dias e veio outra senhora, que à partida poderia estar ainda mais próxima do padre, para falar da madrinha que a jovem queria mas que não estava crismada. Cansei, Senhor. Cansei. O argumento principal era de que a menina, se não fosse esta madrinha, mudava de religião. Pensando a senhora, na sua ingenuidade, que o argumento era um senhor argumento, do melhor que se podia arranjar, ouviu-me responder que, pelos vistos e pelo que me contava, a jovem menina ainda não estava pronta para receber este sacramento do Crisma. O feitiço virara contra o feiticeiro. A senhora pediu desculpa e saiu por onde e como entrou. Imagino que não passem muitos dias sem que alguém me bata à porta com a mesma cunha, com outro senhor argumento, como se estas coisas fossem de cunhas. Ó Senhor, meu Altíssimo Deus, hoje venho meter-te uma cunha. Vê lá se acabam este tipo de cunhas, por favor, que eu já estou pelos arames.

quarta-feira, agosto 01, 2012

Podemos escolher a homilia?

Sentámo-nos à mesa para desfeitear conversa com café. A Sofia e eu. A Sofia que era tipo notária do padre Fonseca. E eu que era tipo amigo do padre Fonseca. Altercámos ideias, normas, hábitos, pequenas histórias das grandes histórias das nossas paróquias. Contámos sobretudo anedotas da vida real dos sacramentos da Igreja. Imagine, padre, dizia ela, que um dia me apareceram uns marmanjos de uns noivos para preparar o casamento. Queriam Muse para a entrada do noivo e Adele para a entrada da noiva. Queriam um padre divertido que fizesse divertir a cerimónia e as pessoas. Digamos tipo um padre que fizesse divertir Deus. Mas o mais anedótico aconteceu quando perguntaram se podiam escolher a homilia. A Sofia emendou para Talvez queiram dizer Evangelho. E a noiva insistiu. Não. A homilia. Podemos escolher? Como se a homilia se comprasse na loja dos vestidos de noiva juntamente com o buquet. Quem precisava de uma longa homilia que durasse anos sei eu bem quem era, disse a Sofia para rematar a história, que as boas histórias merecem sempre um remate, de preferência moral.

quinta-feira, julho 26, 2012

Corda bamba

Quando era pequeno, experimentei uma vez o trapézio. Ou parecido. Não foi no circo, pois foi à porta de casa, numa corda suspensa e presa a duas varandas que ficavam no primeiro andar. A ideia era caminhar de peito erguido, como os artistas, numa corda suspensa. Foi uma tentativa apenas. Não podia passar de uma tentativa. E bastou para fazer um rasgão na cabeça que teve de levar pontos. É aquilo que chamaria de corda bamba. E hoje lembrei-me desta corda e desta experiência circense dos meus, para aí, sete anos. É que na minha vida de padre sinto-me muitas vezes desta forma, numa corda bamba. Mais parece um circo. Tocamos uma pessoa ou uma comunidade numa bela experiência de fé e sentimos que podemos avançar. Não só podemos, como é bom e dá vontade de avançar. São aqueles momentos em que alguém cresce para Deus com a nossa ajuda. E depois vêm outros momentos em que apenas nos sentimos a funcionar. Nos sentimos como funcionários e a fazer coisas. Uma festa de primeira comunhão que pode ser também a última ou apenas uma das muitas que podiam ser. Uma festa de baptismo para as fotografias e a refeição que vem a seguir. Um casamento para que conste que agora estamos mais juntos do que o que estávamos. Uma missa para não contrariar o ritual de ir à missa. Uma procissão que é tradição na terra. Um crisma que é para ser padrinho de outro crisma ou de preferência um baptizado. Uma burocracia na administração da paróquia que é mais uma empresa sem empregados. Uma papelada para constar que sabemos assinar. Não fazia assim Jesus. Não é isto ser padre. Isto mais parece um circo. E assim me sinto muitas vezes numa corda bamba e acabo por ter medo de, como outrora, fazer um rasgão na cabeça.

quinta-feira, julho 19, 2012

A oração da minha noite

Ontem à noite, antes de deitar-me, fui à janela, como de costume, olhar a noite, o céu escuro e pensar na vida. É um momento em que, embora não fazendo o exame de consciência, passo os meus pensamentos pelo declinar do dia que passou. E geralmente paraliso no tempo, considerando o meu tempo de vida, o que vivo e como vivo. Fico ali parado a pensar e a olhar. Quase sempre concluo que o meu dia não me satisfez. Há sempre um turbilhão de coisas que não estão bem, que não me trazem a paz, que não me fazem sentir realizado. E por isso rezei. Falei com Ele deste sentir. E neste rezar não me senti melhor. Passaram uns largos minutos, estava já a fechar a janela, quando me vieram estas perguntas à mente. Quem procuro na oração? Procuro-me a mim ou a Deus? E descobri que tinha estado à minha procura e não de Deus. Não deve ser assim a oração. E se ela nos traz paz é porque o estar com Ele faz isso. A oração não deve ser egoísmo. Não devemos rezar para nos sentirmos melhor connosco. Devemos rezar para nos sentirmos melhor com Deus.

sexta-feira, julho 13, 2012

Santo Anás

O texto da Oração dos Fieis, a determinada altura, dizia qualquer coisa como Deus nos livre das tentações de Satanás. Ora, Satanás toda a gente sabe que é uma das formas de tratamento para o Demónio ou Diabo. Mas quando se fala neste ser, só de o imaginar, a nossa espinha recebe um arrepio e peras. Porém, o arrepio que me percorreu a espinha no outro dia, durante a missa de uma das paróquias, não se deveu ao ser em causa, mas a outro que, à partida, faria parte dos bons e do reino celestial mais celestial que se pode imaginar. Conto. A Carlita deve ter uns quinze anos e é uma moça cinco estrelas. Quando vai à missa, participa nos cânticos e nas leituras. Lá estava ela preparadinha da silva, como se costuma dizer, para ler a oração dos fiéis. E tudo correu na perfeição até ao exacto momento em que surge a palavra “satanás” e a Carlita se desconcentra e acaba por apelar a Deus para que nos livre das tentações do santo Anás. E foi por este motivo que um arrepio me percorreu a espinha e me fez meter mão à boca para que ninguém visse a minha vontade de me espalhar em gargalhas. Todavia, aprendi duas coisas. Primeiro, que ninguém na assembleia devia estar atento, porque ninguém fez gestos parecidos com o meu. Segundo, para que peçamos que nos livre das tentações, este santo só pode ser o padroeiro das altas farras. Ora toma lá, santo Anás.

sábado, julho 07, 2012

Reze, padre, reze. Mas não reze muito

O colega estava em casa de uma família amiga da paróquia. Acabado o jantar, o filho mais novo, um petiz de 11 anos, para meter conversa com o padre, revelou que a sua tia, uma senhora consagrada que mora num instituto religioso, diz que reza muito para que ele seja padre. A reação do padre não se fez esperar e aproveitou a deixa para mostrar que era uma óptima ideia. Ora ficas tu a saber, Afonso, que também eu tenho rezado muito para que tu sejas padre, para que Deus te chame e tu lhe respondas que sim. Nisto o pai do miúdo, bom homem, homem de missa que até, se for preciso, dá uma mãozinha ao padre, diz em tom de quase brincadeira. Reze, padre, reze. Mas não reze muito. O colega não contou o que se passou a seguir. Mas, para terminar a sua história, bateu-me no ombro e disse. São assim as famílias de hoje. Mesmo as famílias que vão à missa. Os filhos são poucos e é melhor que não sejam padres. E repetiu. Reze, padre, reze. Mas não reze muito.

terça-feira, julho 03, 2012

O padre é uma loja aberta

A senhora chegou à hora que lhe deu jeito. Ainda não seriam dez horas. Queria falar com o padre. É só com ele. A funcionária informou que o padre não devia estar disponível. A senhora insistiu. Os padres devem estar sempre disponíveis. Foi desta maneira soft que a funcionária, com os olhos a olhar o chão, contou o que a senhora respondera. A sua forma de olhar para o chão deu-me a entender que não deveriam ter sido bem estas as palavras utilizadas pela senhora. Eu já tinha explicado à funcionária que preciso de tempo para mim, para as minhas coisas, para me preparar, para meditar, para organizar a paróquia e as coisas da paróquia, para fazer as homilias, para rezar. Por isso marquei horas e dias de atendimento, a não ser que hajam casos urgentes. A minha funcionária respeita muito este meu desejo. Mas muitas pessoas não. E é verdade que os padres devem ser pessoas disponíveis. Mas não têm de ser lojas abertas. Aliás, mesmo as lojas abertas têm horários de funcionamento. Para mim a disponibilidade do padre deve ser acima de tudo uma disponibilidade de coração. As pessoas vão ao médico quando este tem o consultório aberto. Vão às repartições quando estas estão abertas. Vão ao supermercado quando este está aberto. Mas vão ao padre quando lhes dá jeito e o padre, seja a que horas for, tem de ser a loja aberta.

segunda-feira, junho 25, 2012

É aqui que se tem de estar

A Helena ligou-me ontem. Era minha paroquiana. Às vezes os meus antigos paroquianos ligam-me. Ou enviam mensagem. Anda bem, senhor padre? Que tal se dá por aí? Eu respondo que bem. De vez em quando, digo-o entre os dentes. Outras vezes digo-o com o coração. Outras apenas com a resposta. Outras digo sem pensar. Outras para despachar. Outras ainda porque apetece. Mas digo-o sempre com consciência de dizer uma grande verdade. É que temos de estar na vida como ela é. Não adianta fazer de conta que não é nossa esta vida ou este estar na vida. Costumo dizer que Deus me quer aqui e é aqui que tenho de estar e ser feliz.

quarta-feira, junho 20, 2012

A chorar durante a missa

Acabei de desligar o telefone a um colega que me marcou com a sua conversa. Primeiro disse-me que não devia andar bom. Ao que eu perguntei Porquê. A sua resposta fez-se esperar, como se a estivesse a conter. Trocámos mais três ou quatro dedos de conversa antes de voltar ao assunto. Não ando bom, repetiu. Então não é que na missa de há pouco, a missa do Sagrado Coração de Jesus, a determinada altura dei por mim a chorar! Ele fez ponto de exclamação e eu também. Ao que perguntei de novo Porquê. Pensei para os meus botões que ou andaria cansado, ou teria preocupações grandes, ou tinha acontecido algo grave, ou alguém estava muito mal, ou estava frustrado com a vida de padre. Em apenas uns cinco segundos, não queiram saber o que me passou pela cabeça. Por isso, qual não foi o meu espanto quando o meu colega me diz que, durante a celebração da missa, se tinha emocionado por sentir que tem Alguém que o ama muito, e muito além do que consegue amar. Sem me deixar respirar, continuou. Eu não sou merecedor do Amor de Deus. Mas este amor é tão grande, tão grande, que ainda nos faz sentir mais pequeninos na nossa forma de amar. E já não é a primeira vez que deixo cair umas lágrimas no meio da missa ao pensar nestas coisas, ao pensar na forma como Deus me ama. Emociono-me e nem sequer sei como agradecer-Lhe o Amor que me tem.
Fiquei quase sem reação. E ainda dizia que não andava bom. Tomara eu. Tomáramos nós, padres, que as nossas eucaristias nos fizessem sentir o mesmo. Era destes padres que as nossas eucaristias precisavam. Não a chorar. Mas a sentir verdadeiramente o amor de Deus.

sexta-feira, junho 15, 2012

Não passamos o tempo na estrada, mas passamo-lo a correr

Depois das voltas e mais voltas de hoje, cheguei a casa com o carro cansado e na reserva. Tenho ao meu cuidado mais de uma dezena de terras. Algumas delas com uma ou duas dezenas de pessoas. E canso-me a andar de um lado para o outro. Gosto de estar com os meus paroquianos. Mas os dias e os fins-de-semana não chegam para chegar a todos, as vezes que gostaria de os ver, de estar com eles, de viver com eles. Queria fazer caminhada de fé com eles. Mas não posso ir sempre. Umas vezes têm Celebração Dominical com o diácono. Outras com o Ministro Extraordinário da Comunhão que está lá na terra. As que têm esse ministério a funcionar. Mesmo assim dou comigo a celebrar repetidamente para vinte pessoas que estão distantes, com poucos recursos e quase obrigado a tratar de coisas que deveriam ser da responsabilidade dos leigos e não dos sacerdotes. E canso-me a fazer estas coisas. Estas correrias. Quero levar Deus a todos. E depois zango-me comigo porque Deus, afinal, já lá está, e depois de mim há-de continuar a estar. E imagino-me em países ditos de Missão a percorrer caminhos sem estradas, para chegar a terras longínquas. A diferença é que quando lá se chega por fim, o padre tem dois dias para celebrar uma grande missa de três horas e um sem número de baptizados, e umas reuniões com os anciãos ou animadores da terra. Aqui corremos com o carro a carregar no acelerador, para quando chegarmos por fim, termos uma hora no máximo para celebrar uma missa quase a correr e voltarmos para outra terra a fim de repetir a coisa e a missa. Não passamos o tempo na estrada, mas passamo-lo a correr. Como levar Deus a terras que estão distantes, a dez ou quinze pessoas, repetidamente, sem que isso nos faça perder Deus pelo caminho?

terça-feira, junho 12, 2012

Fez-te bem esta história real da Dina?

Passado este mês intenso de partilha, durante o qual aumentei o número de posts e diminuíram o número de comentários, apeteceu-me perceber ainda melhor o alcance desta história real da Dina. E até onde ela, a história,pode chegar.
Por isso vos deixo esta pergunta na sondagem que coloco hoje online: Fez-te bem esta história real da Dina?

terça-feira, junho 05, 2012

A Diana que se chama Dina

A nossa Diana afinal chama-se Dina. E porque quero que a sua história seja mesmo sua, tenho de falar com ela tratando-a como sempre a tratei. Dina. Nos meus textos costumo fazer rodeios das histórias, dos pensamentos, dos sentimentos, dos factos, dos acontecimentos. Faço-o para proteger os casos reais que ficciono. Mas esta história é real e merece continuar real, com os nomes próprios que aparecem nela. Não quero que seja um conto de fadas. Quero que seja aquilo que é. Uma história real vivida por uma pessoa real que possui uma fé exemplar e que fez da sua vida uma identificação total com o Senhor. Uma pessoa igual a nós que viveu ao nosso lado uma linda história de amor com Deus. Alguém me perguntava há dias pela Diana. E não quero que me perguntem mais pela Diana, porque a Diana chama-se Dina. Hoje, que faz exactamente um mês que a Dina faleceu, quero dar a conhecer seu nome para que ele fique na memória de fé daqueles que querem ser de Deus. Para que o seu nome não se esqueça mais. Para que a sua santidade possa ser revelada com o nome verdadeiro. Para que eu sinta que estou a cumprir a minha promessa de dar a conhecer ao mundo a história da Dina.
Um amigo fez um filme com esta história. Um filme que torna esta história mais real, porque mostra imagens da verdade desta história. Por isso hoje, dia 5 de Junho, passado um mês que ela partiu para junto de Deus, permito-me deixar-vos com este filme da Dina do Rosário Sousa Simões, na esperança de que ele possa ser o corolário desta história que não é minha, que é da Dina e que quero que seja de todos.


sábado, junho 02, 2012

Esta é para ti, Diana, parte XI, outro jovem

Passados três dias do lindo funeral da Diana, recebi uma chamada da funerária para marcar o funeral de um jovem de vinte e quatro anos que morrera subitamente com doença fulminante, exactamente no dia e na hora em que completava esses vinte e quatro anos. Estudava no último ano de enfermagem. Tinha muitos colegas e amigos. Dará, por isso, para imaginar a dor de tanta gente e a minha aflição. Os funerais são sempre imensamente dolorosos para os que amam quem parte e para aqueles que têm de presidir à cerimónia. Fiquei, portanto, numa grande aflição. Que dizer na homilia do funeral? É comum ficarmos sem saber que dizer, porque também a nós nos custa aceitar. Porém, no mesmo momento em que a aflição me veio, veio também a certeza de que o funeral da Diana seria o ponto de partida do funeral do jovem de vinte e quatro anos. E assim foi, na certeza de que o que conta não é o tempo que dura a nossa vida, mas o sentido com que a vivemos. A minha partilha da homilia foi um contar da história da Diana. E porque passei os olhos no facebook do jovem de vinte e quatro anos, onde os amigos repetiam que a vida era injusta, a determinada altura da homilia, fazendo referência ao que tinha lido no facebook, insisti, com a ajuda da Diana, que a vida não era injusta. Nós é que precisávamos de a aprender melhor, quase como que a querer dizer que nós é que, porventura, às vezes, éramos injustos com ela. Por causa desta homilia e desta história da Diana, passados uns dias, alguém me contou que a tia do jovem de vinte e quatro anos se sentiu confortada, muito confortada, aliás, no funeral do sobrinho. E a mãe agradeceu-me a homilia especial daquela ocasião. E contaram-me que algumas pessoas, sobretudo jovens, passaram aos amigos a história que tinham ouvido no funeral do jovem amigo de vinte e quatro anos. Lá está de novo a Diana.

terça-feira, maio 29, 2012

Esta é para ti, Diana, parte X, O pai da Diana

A Diana foi para o céu no dia cinco de Maio deste ano de dois mil e doze. Foi direitinha para lá porque ela sabia que o céu existe mesmo e que Deus a esperava mesmo, e que a vida é isto mesmo. Ela foi direitinha para o céu, porque o lugar dos santos é junto de Deus. Ela foi direitinha para o céu porque é no céu que se atinge a plenitude da felicidade e ela merece ser feliz. Ela foi direitinha para o céu porque o seu exemplo de fé e de santidade tem de ser conhecido no melhor tempo da nossa vida que é a juventude. E foi isso que aconteceu à Diana. Ela sabia-o e eu sei-o. Foi a sepultar no dia sete à tarde. O pároco que me substituiu nesta paróquia permitiu que eu fizesse a homilia. Tinha muita coisa a contar. Contei as nossas conversas. Ou melhor, as suas palavras, a sua vida. Senti-me muito feliz a contar a história da Diana. As cerimónias passaram por entre homenagens lindas e por manifestações de fé e amizade. Gostei muito da missa da Diana. Gostei muito da forma como a mãe foi corajosa depois de anos e anos sem descansar o coração. Gostei muito dos amigos da Diana, que também são meus, ali ao lado dela. Gostei de tanta coisa que nem dá para imaginar. Mas o que gostei mais foi do pai da Diana. Um homem que não tem aquilo que se chama fé. Um homem que várias vezes me mostrou como estava revoltado com Deus. Um homem que me disse que não podia acreditar assim num deus que permite estas coisas injustas. Um homem que poucas vezes acompanhou a filha à missa. Um homem que no final de tudo, ao cruzarmo-nos na rua, se agarrou a mim para me dizer. Não conhecia esta parte da minha filha, padre. Obrigado. Hoje recebi a resposta a muitas das minhas questões, padre. Obrigado. E apertou ainda mais o abraço, comovido e sereno. Que pena não a ter acompanhado mais nesta forma da sua vida. Fez-me bem saber tudo isto, padre. Obrigado. A mãe ouviu, olhou-me com um sorriso suave, e eu falei-lhe dizendo. Já é a Diana, no céu, a fazer das suas.

sábado, maio 26, 2012

Esta é para ti, Diana, parte IX, sexta-feira santa

A Diana entrou em coma induzido na sexta-feira santa, a sexta-feira da paixão do senhor. Curiosamente, nessa sexta-feira. Passaram outras, e no sábado passado, pela tarde, recebi novo telefonema do irmão. Quando vi o número do Bruno fiquei alarmado. Curiosamente – outra vez - estava a escrever umas coisas sobre a Diana. Estava com tempo naquela tarde e tinha-lhe prometido que, como ela já não conseguia contar a sua história, eu encarregar-me-ia de o fazer. Estava, portanto, a escrever e a pensar na Diana quando o irmão me ligou. Padre, vou já para Lisboa. As coisas estão como deve imaginar. Não precisamos de dizer mais nada. E não conseguem imaginar como fiquei paralisado a escrever e a escrever. Sabia que tinha de escrever tudo. Não podia parar. Só conseguia mexer os dedos no teclado. O resto ficara parado. Saí de casa porque tinha de sair. Às dezoito horas tinha de estar numa das paróquias para celebrar a missa e fazer um baptizado. O caminho durou uns vinte minutos de desassossego. Olhei por duas vezes o relógio. O coração apertava cada vez mais. Sabia que o melhor da Diana estava para vir. Mas estava perturbado, sem fôlego. Desta vez cheguei quase em cima da hora da missa. Contei a uma paroquiana amiga que estava muito perturbado. Expliquei os motivos e disse. Tenho a sensação que a minha amiga acabou de morrer. Não sei explicar. Algo me diz que é assim. Mas ninguém me ligou. Estava já à mesa de uns amigos para meter qualquer coisa à boca antes de uma outra missa quando tocou o telefone e eu corri para ele. Era o Bruno. Padre, era só para lhe dizer aquilo que já deve saber. Não digas mais nada, Bruno. Diz-me só a que horas foi. Tudo me caiu em cima quando ele disse que deviam faltar uns dez, doze minutos para as dezoito horas. E chorei. Não foi só porque a partida de um amigo dói. Chorei, emocionado, por causa dos desígnios de Deus que são tão grandes.

Esta é para ti, Diana, parte I

N.B. Vou atribuir acrescentos aos anteriores títulos, para ajudar a percepção dos textos.

quarta-feira, maio 23, 2012

Esta é para ti, Diana, parte VIII, preparada

As frases da Diana saíram do nada, que é como quem diz Saíram sem serem esperadas. Mas saíram desse nada, e para a Diana é tudo. E para mim acabou por ser tudo. Estou preparada. Sei para onde vou. Sei o que me espera. Não tenho medo de morrer amanhã. E a lágrima saiu como entrou, também do nada. Uma lágrima de emoção. Uma lágrima de tudo. E na dela colei a minha. Como colei o meu sorriso. E ela colou o dela no meu. Dois sorrisos e duas lágrimas bonitas a percorrerem um rosto bonito e um rosto de admiração. Olho-a e digo que é Deus que estou a olhar. E a nossa linguagem mistura-se, porque nos entendemos. Porque falamos a mesma linguagem. A linguagem de Deus. A visita que demorou quase três horas de mãos dadas e afagos de parte a parte, fixou a mais pura das nossas realidades humanas. Seres frágeis que são de Deus. Sabe, padre, já me apeteceu desistir. E eu disse-lhe que não podia. Deus não queria. Mas que se entregasse nas mãos Dele. Sabe, às vezes fico cansada de estar cansada. Sofro muito. E não é por deixar de sofrer que estou em paz para partir. É porque sei o que me espera. Deus.

domingo, maio 20, 2012

Esta é para ti, Diana, parte VII, o livro

A Diana nasceu em 1991 com uma doença hereditária que faz com que certas glândulas produzam certas secreções anormais, com sintomas que afectam sobretudo o tubo digestivo e os pulmões. Por isso está sempre magra, rejeita comida, não faz bem a digestão de alguns alimentos e não pode comer de tudo. Por isso tem dificuldades para respirar e já andou muito tempo com oxigênio às costas. Por isso foi transplantada. E por isso agora está agarrada a máquinas. Com a vida presa por tubos. O tempo ensinou-me a dar nome a esta doença. Fibrose Quística. Escrevo com letra maiúscula, porque sinto que é maior que a minha compreensão. Como a forma de viver da Diana ultrapassa a minha compreensão. Só a entendo à luz da fé e de Deus. Há uns meses, ainda antes de dar entrada no hospital para se agarrar aos tubos, A Diana foi visitar-me e levar-me uma prenda. O embrulho fazia adivinhar um livro. Padre, assim que comecei a ler este livro pensei em si. Acho que vai gostar. Na dedicatória deixou escrito Acredito que este livro seja uma de muitas formas de conseguir encontrar a Força e a Coragem que precisamos em alguns momentos da vida. Por algum motivo escreveu Força e Coragem com letra maiúscula. A seguir vinha um smile, que os jovens gostam destas coisas e a Diana tem apenas vinte anos. O livro tem a capa amarela com um toque de laranja. Pelos vistos foram vendidos dois milhões de exemplares em seis meses. Chama-se “O Céu existe mesmo”, e conta a história real de um menino que esteve no Céu e trouxe de lá uma mensagem. Antes da minha visita ao hospital já o tinha lido todo. Faz pensar. “O Céu existe mesmo”. E ela lembrou-se de mim ao lê-lo. Porque as nossas conversas sobre o céu são certezas nossas, dos dois. Também falámos disso na visita do hospital. Sorrimos e chorámos. Contámos as nossas vidas. Enfim, estivemos ali os dois, um ao lado do outro, como se fosse o momento para se estar vivo. Como se fosse o momento de ser feliz como Deus quer. Esquecemo-nos das horas. Da hora de comer. O importante, quando se está com quem se aumenta a intensidade e a vontade de viver, vale por tudo o resto. Pequena joia de Deus, o teu lugar é em todo o lado. De certeza o será também no Céu.

quinta-feira, maio 17, 2012

Esta é para ti, Diana, parte VI, a vida

Estávamos ali. Vivos. A falar como era nosso costume. Da vida. Tu sempre soubeste o que a vida vale, Diana. Sempre soubeste aproveitar cada minuto como se só existisse esse. Tu sim, sabes viver. As jovens da tua idade são, na maioria, fúteis. Porque não tiveram a graça que tu tiveste de sofrer desta forma. Eu sei, padre, e agradeço a Deus. Insisti que tinha mesmo muito a agradecer a Deus. Ela acenou que sim. Aquilo que pareceu, à partida, uma desgraça, acabou por te dar uma graça. Aquilo que nos parece a todos uma desgraça, acabou por te dar a graça de saberes viver e de saberes dar valor à vida que tens em cada segundo que ela exista. Eu sei, disse. E foi um Sei como se fosse o maior Sei. Tu és de Deus. Eu sei, disse. Para mim tu és santa. E apenas sorriu. Agradece o dom da tua vida a Deus. Faço-o todos os dias, respondeu. Na despedida perguntei-lhe como estava. Ela respondeu com os braços a fazer um círculo grande. Mais cheia, quis dizer. Obrigada, padre. Fez círculos grandes até eu sair pela porta de quarto dos paliativos. Voltei para trás e disse. Eu é que agradeço. Eu é que agradeço, repeti. Saí e depois disse baixinho. Obrigada, Senhor, por me teres posto esta tua joia na minha vida.

segunda-feira, maio 14, 2012

Esta é para ti, Diana, parte V, o brilho

A Diana estava do outro lado do vidro. A fisioterapeuta estava com ela. Já não consegue fazer muitos movimentos. Já não consegue fazer muitos movimentos, mas a boca e os dentes não param de sorrir. Enquanto me vestia com os apetrechos do hospital próprios para entrar em quartos com cuidados especiais, uma bata, umas touca, uma máscara, reparei como ela sorria para a fisioterapeuta. É normal nela aquele sorriso rasgado e que brota do interior. Faz-me lembrar o sorriso de um Cristo que uma vez vi num filme e não mais esqueci. Um daqueles clássicos antigos que passavam na Páscoa na televisão. Ao meu lado, estavam dois enfermeiros da Diana. Enquanto esperava que a fisioterapeuta acabasse, falei com eles. Todos gostavam dela. Olhe, às vezes andamos à disputa para tomar conta dela. Ela tem um brilho especial. A maioria dos doentes quase nos torna doentes. A Diana não. A Diana faz-nos ter vontade de viver e de ser enfermeiros. Ao pé dela sentimo-nos bem. A mãe da Diana já me dissera aqui há uns tempos que os médicos e os enfermeiros gostavam muito da Diana e andavam sempre de roda dela. Nas quase três horas em que estivemos juntos, lado a lado e ao lado da sua cama, assisti à prova destas coisas que os enfermeiros e a mãe da Diana me haviam dito. Os enfermeiros e as enfermeiras iam passando só para dizer Olá. Acho que não havia um único que não acenasse, pelo menos, do outro lado do vidro. Vês como és especial, Diana. Tens tanto a dar de Deus. Deus deu-te tanto para dar. E apesar do teu sofrimento, aqui estás ainda a dar de ti, da tua vida, da tua alegria, da tua simpatia, do teu brilho, da tua fé, do teu e do nosso Deus.

sexta-feira, maio 11, 2012

Esta é para ti, Diana, parte IV, os sins

A Diana foi transplantada aos pulmões há mais de um ano. Deitada na cama do hospital, confidenciou-me que na época agradecia a Deus essa pessoa que, ao morrer, lhe tinha doado os pulmões. Não sei quem é, padre. Mas agradeço. Fazia-o ao anoitecer, para agradecer o dia de vida que findou. Porém, ultimamente não tinha agradecido. Os pulmões não estão a responder, padre. Estão a rejeitar. Não consigo respirar. Eles criaram, por si, um vírus estranho sem explicação, mesmo para os médicos. Perguntei-lhe porque deixara de agradecer. Fiquei meio revoltada, meio triste, meio bloqueada. Eu disse que esses sentimentos eram normais. Que Deus a ouvia, a entendia, os aceitava. Mas que não deixasse que isso lhe afectasse o mais importante, que era viver a cem por cento. Ela concordou. Também a cem por cento. E hoje, depois de eu sair, vais de novo agradecer a Deus a pessoa que te doou os pulmões, certo? Mais certo não podia ser, porque ela sorriu e disse sim. Sorri sempre. E os sins dela são dos melhores sins que eu conheço.

quarta-feira, maio 09, 2012

Esta é para ti, Diana, parte III, a bagagem

O irmão ligou-me há dois dias. Padre, a minha irmã precisa de si. É tão bom que precisem dos padres. É tão bom que precisem de nós. As coisas não estão bem. Nada bem. Explicou porque não estavam bem. Ela disse aos meus pais que gostava de ver duas pessoas. Uma delas é o senhor. É tão bom que o padre, como padre, seja o escolhido. É tão bom sermos escolhidos. Sabemos que lhe é difícil pelo tempo, pela disponibilidade, pela distância. Ela está em Lisboa, no hospital. Respondi que iria ainda esta semana. Ele respondeu que cada dia é sempre só mais um e que não sabia se havia outro. Deus arranjou então um dia. Deus arranjou uma forma de eu estar disponível num dia que, curiosamente, ficou disponível de um dia para o outro. Na bagagem levei-me só a mim. Deixei as dificuldades para trás. E agora que regresso de Lisboa, paro o carro para escrever tudo o que falámos. Venho com a bagagem cheia. Demoro mais de uma hora a escrever palavras, sentimentos, certezas. Tudo o que falámos e me encheu a bagagem. As horas da nossa conversa e do nosso encontro fizeram deste dia um dos melhores dos meus últimos tempos e da minha fé. Obrigado, Diana.

Para entenderem melhor este post devem ler de novo "Esta é para ti, Diana, parte I" e "Esta é para ti, Diana, parte II". Este texto em concreto foi escrito há mais de um mês, ainda no período da Quaresma. Nos próximos tempos, vou aqui colocar vários textos que escrevi nessa ocasião. Aos poucos perceberão porquê e para quê.

quinta-feira, maio 03, 2012

Tens por hábito rezar o terço...

Depois da sondagem que nos questionava sobre a nossa postura face à Ressurreição de Jesus e face à nossa Resssurreição, vem agora uma outra a propósito do mês de Maio, mês de especial devoção a Maria.
Da anterior sondagem quero ainda realçar as diferenças proporcionais entre as duas questões, pois grande parte acreditava a 100% na Ressurreição de Jesus, mas o número dos que acreditavam 100% na sua própria Ressurreição diminuia bastante. Isto dá que pensar, não dá?!
A nova sondagem começa por "Tens por hábito rezar o terço"... e deves completar a frase com a tua opção.
Podem, como é hábito, expor aqui as razões da vossa resposta ou o que pensam acerca da oração do Terço.

segunda-feira, abril 30, 2012

O diploma da dona Maria da Conceição

A dona Maria da Conceição inscreveu-se para a celebração comunitária da Unção dos doentes. Participou na reunião de preparação. Mas logo me disse que não podia estar. Tinha lá a família em casa. Faltou, portanto. Não fez o sacramento da Unção dos doentes, por conseguinte. Passada que foi uma semana, no final da missa da paróquia, veio ter comigo à sacristia. Queria o diploma da Unção, senhor padre. Mais do que um certificado, o diploma era uma recordação para quem fez o sacramento. A sorrir do caricato e a sorrir com ela, expliquei que o diploma era para quem tinha feito a Unção. Não fazia sentido levá-lo para casa como recordação de nada. Ou como certificação de nada. E o desplante da dona Maria da Conceição não se fez esperar. Dizia que se morresse e não fosse para o céu, a culpa era minha. Mas, independentemente dos motivos, ela é que decidiu faltar ao sacramento. Só podia estar a brincar. Ainda hoje espero que tenha sido uma brincadeira. Só pode. Como se o embrulho da prenda fizesse as vezes da própria prenda. Às vezes é mais fácil entender as coisas de Deus que as coisas dos homens.

quinta-feira, abril 26, 2012

A senhora de gancho

O gancho no cabelo salientava-se, como se quisesse apanhar alguma coisa ou alguém. Acabara de chegar para celebrar a Eucaristia quando ela veio ao meu encalço. Precisava falar comigo. Não tinha muito tempo, a não ser cinco minutos. Disse-me de chofre que era para me agradecer ter levado Jesus à casa da mãe acamada no dia de Páscoa. A ironia fez-me recordar que um dia antes da Páscoa, portanto no Sábado Santo, pelas vinte e três horas, uma outra filha ou nora da senhora acamada viera pedir-me para levar a Cruz de Jesus à mãe no dia de Páscoa. Recordo na altura ter-lhe respondido que iria com todo o gosto visitá-la, confessá-la, providenciar que recebesse a comunhão em casa, mas que no Domingo de Páscoa era-me impossível. Recordo ainda que nesse dia comecei as minhas cerimónias antes das nove horas e terminei, com uma pausa de cerca de uma hora para almoço, pelas dezanove horas. Além de estar estafadíssimo, era-me de todo humanamente impossível aceder ao pedido. Mas que iria num outro dia. Ao que me respondeu que não. Que teria de ser nesse dia. Ainda rebusquei no meio da agenda uma hipótese, por pequena que fosse, dado que a senhora estava acamada e era dia de Páscoa. Mas ela só queria que eu lhe levasse a cruz como era costume na sua terra. Afinal o que a senhora queria, porque trazia este hábito da terra de onde vinha, era a visita pascal, ou como alguns lhe chamam, as Boas Festas, o Folar, os acompanhamentos. E além de não ter a disponibilidade que a senhora particularmente queria, também não o ia nem podia fazer na paróquia. Não era hábito nem oportuno. Mas a senhora insistiu. Eu vou lá então visitá-la. Não, senhor padre. Tem de levar a Cruz. Só faltava ter de levar também quem a carregasse, quem levasse a caldeirinha de água benta, quem levasse a carteira para levantar o folar, e ainda a alva e a estola vestidas. Expliquei que não podia aceder ao pedido mas que iria, com todo o gosto, um dia visitá-la. Virou costas porque não era isso que queria. Nem queria confessar-se ou comungar. Queria a visita da Cruz porque é hábito na sua terra. Queria o hábito da sua terra. Queria da Igreja o hábito a que estava habituada todas as páscoas. A senhora do gancho, ironicamente agradecida, depois das mesmas explicações que fiz à sua irmã ou cunhada, dispondo-me a visitá-la, disse que não, perguntando se era assim que os padres queriam mais fiéis nas igrejas. Informou-me, resolutamente, para que eu soubesse, que era católica. E virou costas. Eu fui para a Igreja celebrar a Eucaristia e ela voltou para o lugar de onde veio. A rua ou a sua casa, não sei. Na igreja é que não entrou. E são assim os nossos católicos de hoje. Querem tudo menos o que deviam querer. Querem hábitos mas não querem a fé.

terça-feira, abril 17, 2012

As aulas da segunda-feira da Carmo

A senhora Carmo é professora do Ensino Básico. É uma óptima paroquiana. É uma cristã que procura sê-lo. Tem alunos do terceiro e quarto anos. Ao redor de uns vinte. Quase todos filhos de casais novos. No meio de uma colher de sopa, em sua casa, contou-me com mágoa que quase todas as segundas-feiras perguntava aos alunos se tinham ido à Missa no Domingo anterior. E um não redondo e em coro se ouvia pela sala. Um miúdo e outro, de vez em quando, contrariavam o não sonoro. A Carmo lastimava-se. Conversava com eles. Explicava-se. Procurava pelas razões. Os pais também não vão. Não querem saber de Deus a não ser nas festas e nos funerais. À porta da igreja, de preferência. Os miúdos podem não faltar à catequese, mas da mesma forma como não faltam ao ballet ou à piscina.
Vinte crianças significam cerca de quarenta pais mais alguns irmãos. Serão cerca de oitenta pessoas que querem pouco ou nada de Deus. São menos oitenta pessoas nas nossas igrejas. São menos pessoas com fé nas nossas terras. São as nossas terras a esvaziar-se de fé. São a fé que desaparece.

quarta-feira, abril 11, 2012

O padre Tiago diz que anda cansado

Quero chamar-lhe Tiago. Porque em Grego é uma dádiva de Deus. O padre Tiago diz que anda cansado. Chega a casa e só lhe apetece ver televisão. Ou ouvir televisão. Diz que gosta de ouvir diálogos. E se for para a cama cedo ainda tem muita conversa a por em dia com os seus pensamentos. Não gosta destas conversas. O Padre Joaquim e o padre José e o padre Mário estão doentes. Escolhi os nomes ao acaso. Fala-se de uma depressão. Ou quase depressão. São novos. Bastante novos. Têm menos que dez anos de padre. O padre Tiago tem doze. Como ele, outros se manifestam cansados de andar de um lado para o outro. Cinco, seis, sete e mais paróquias. Embora pequenas, multiplicam-se os esforços. Vale mais um esforço grande do que muitos pequenos. Não aparecem às reuniões diocesanas ou outras. Estão cansados deste formato funcional de ser padre. Desta forma ocidental de viver em Igreja à volta de várias paróquias que têm fé à custa de sacramentos desvirtuados da sua essência e colados à sociedade laica. Estava a conversar com o padre Tiago e falávamos de padres novos que não estão a ser felizes. Nisso da felicidade, os padres mais velhos dão passos mais largos. E não se sabe, ou até sabe, porquê. O que precisavam estes padres que andam cansados, doentes, saturados? Perguntou o Tiago. Exigimos tantas coisas aos padres, e deveríamos apenas dizer aquilo que dizemos aos cristãos. Que sejam felizes. O que interessava é que os padres fossem felizes.

terça-feira, abril 03, 2012

Acreditas na tua e na Ressurreição de Jesus?

A Páscoa está à porta. Podemos dizer que a Ressurreição é a base da nossa fé. Porém há quem tenha muitas dificuldades em acreditar na Ressurreição. Mesmo aqueles que dizem ter fé. E ainda existem diferenças de pensar e reagir entre o acreditar na Ressurreição de Jesus e o acreditar na nossa Ressurreição. Por isso hoje surgem estas duas novas sondagens que estão no sidebar:
  1. Acreditas na Ressurreição de Jesus?
  2. Acreditas na tua Ressurreição?
Pedia o favor de responderem obrigatoriamente às duas sondagens, para que se possam tirar conclusões fiáveis. Podem igualmente deixar aqui os seus comentários ou opiniões.
E o que vos desejo, nesta Páscoa, é que Jesus esteja vivo no vosso coração!

sexta-feira, março 30, 2012

As confissões já não são o que eram

Tenho um colega que tem pena porque as confissões já não são o que eram. As pessoas já não se confessam. Dizia que já não têm noção de pecado. Antigamente toda a gente se confessava nesta altura do ano. Na Quaresma. O desabafo fazia algum sentido e tinha alguma razão de ser. Mas perguntei-lhe directamente porque é que as pessoas se confessavam pelo menos uma vez por ano. Como é um colega de normas e hábitos, respondeu com eles. Para comungar pelo menos uma vez por ano. Aquela resposta deixou-me quase congelado. Frio. A confissão não pode servir apenas para comungar. As pessoas não se devem confessar apenas para comungar. Devemo-nos confessar para ficarmos em graça. Claro que só quem está em graça deve comungar. Uma coisa leva à outra. Mas uma coisa não é a outra. Por isso temos cristãos que depois de comungar uma ou duas vezes, deixam de o fazer sem razão ou pecado grave aparente. Por isso temos cristãos que só se confessam com o exterior ou o descarregar dos pecados e continuam num pedaço falso de estado de graça. E por isso pecam com mais facilidade, pois o objectivo imediato da sua confissão é a comunhão. Não é nem o arrependimento nem a paz. Muito menos a graça.
Há dias, para as confissões quaresmais de uma paróquia nova, juntei as pessoas, celebrei a missa, fizemos um exame de consciência, coisa que nunca tinham feito, segundo afirmaram, e depois começaram as confissões. Expliquei o sentido daquela forma de agir. Para que percebessem que estão a preparar a Páscoa e não apenas a comunhão. Mas no final, duas ou três pessoas perguntaram-me se ainda ia dar a comunhão. Lá está. Está tudo dito.

segunda-feira, março 26, 2012

A rixa

As senhoras domingueiras estavam vestidas a rigor. Umas com mais preto. Outras com menos. Mas todas com muita vontade de se confessarem. Tanta vontade que armaram uma rixa para irem na frente umas das outras. As vozes confundiam-se, mas percebiam-se algumas palavras. Invejosas. Falta de educação. Têm a mania que são melhores que as outras. Os bancos eram arrastados com e como as palavras. Restava-me sorrir do caricato. O colega pároco abria os braços. Mas a vontade delas abafava os braços do padre e o meu sorriso. A hora do arrependimento e do exame de consciência deu lugar à hora das confissões e ponto final. O que interessa é confessarmo-nos, que é assim todos os anos. Eu sei que a paciência é um dom difícil de possuir ou alcançar. Sei o que custa esperar. Porém, é-me difícil entender que o perdão possa ser alcançado mais rápido à custa de uma certa forma de pecar.

quinta-feira, março 22, 2012

O Carlos que é meu sacristão

O Carlos é meu sacristão e tem uma pequena quinta. Tem algum vivo. Nos animais e na terra está grande parte da sua vida. Mas como não tem chovido, a sua vida está a secar. É um homem de fé. Olho para o seu rosto, e imagino que os santos são assim. Quanto mais o conheço, mais o admiro do fundo do meu coração e da minha fé. Mesmo que cometa algum erro, não consigo zangar-me com ele. Basta olhar o seu rosto para que a minha chamada de atenção passe a ser apenas um ensinamento acompanhado de um sorriso. O Carlos tem rezado para que chova. Disse-me que pedia a Deus que chovesse, mas também não se zangava com Ele por não chover. E no outro dia, contou-me, estava já na cama quando sentiu o cheiro de ar sem pó de quando acaba de chover. Levantou-se, ajoelhou-se ao lado da cama, e agradeceu a Deus. Foi um gesto muito pequeno e simples. Aliás, muito natural no Carlos. Mas eu logo pensei que não seria capaz de me levantar para me ajoelhar e para agradecer a Deus com esta simplicidade e ternura. Olhei novamente o seu rosto, e mais uma vez tive a certeza que os santos não estão todos nos altares.