O José, mais conhecido por Zé Tuga, nasceu em Portugal. Logo, nasceu católico. Isto é, faz parte do grupo daqueles cerca de muitos porcento que vão ser baptizados. Não tardou nem um ano e foi baptizado, levado ao colo pelos seus pais, com esta ideia. Queremos que ele tenha a nossa religião. O Zé Tuga entrou na catequese como os outros meninos, pois entra-se na catequese quase como se entra na escola. Faz parte da vida dos porcento que estão baptizados. Entrou na catequese para fazer a Primeira Comunhão e o Crisma. A Catequista era uma senhora Conceição muito devota da terra, que sabia tudo e ensinava tudo. O Zé gostava muito da senhora Conceição. Mas depois da Primeira comunhão as coisas começaram a azedar, a não fazer muito sentido, pois os amigos mais velhos, os maiores lá da escola, diziam que aquilo era uma seca. Ora, os amigos é que sabem tudo. Sabem mais tudo que a senhora Conceição. Por alturas da profissão de fé, já o Zé faltava mais vezes do que ia à catequese. Mas ainda se aguentou para o Crisma, embora nos anos que mediaram a Primeira Comunhão e o Crisma, não tenha ido muito à Missa. Ia à catequese, mas não ia à missa. Não precisava da missa para fazer o Crisma. Era amigo de Deus, dizia, embora na escola dissesse aos amigos que era mais do tipo agnóstico, que isto está na moda. Do tal amigo que se chama Deus ou Jesus, lembrava-se por alturas dos testes dos estudos ou da vida. Lá esboçava um Pai Nosso, ou ia a Fátima. Aliás, foi lá umas duas ou três vezes a pé com uns amigos dos copos, uns anos depois do casamento. Casou-se pela Igreja para as fotografias. O padre que presidiu à cerimónia ainda se lembra do sorriso maroto do Zé quando lhe passou o cálice para as mãos. Na altura confessou-se para calar o padre, embora não contasse todos os pecados. Aliás, isso dos pecados só eu é que sei. Ou melhor, nem sei o que é pecado. Digo umas asneiras e pronto. Voltou à Igreja quando a primeira filha foi a Baptizar, e lembra-se de discutir muito com o padre porque ele é que sabia quem seria o melhor padrinho para ela. Foi à reunião de preparação, e até gostou da conversa. Mas só foi interessante. Mais nada. Nessa ocasião, já nem se confessou. Fez mais ou menos o mesmo por alturas da segunda filha e no dia da Primeira Comunhão delas. Também nunca faltava aos funerais dos amigos, embora ficasse para além da porta dos fundos e nem entrasse no cemitério. Isso só fez no funeral da mãe e do pai. Foi à Missa e ficou no banco da frente. Entrou no cemitério e chorou porque Deus os levara. Mas era muito amigo de Deus, dizia, pois tinha a sua fé. Eu cá tenho a minha fé. No café, entre um copo e outro, falava muito mal da igreja, que os padres isto e aquilo, que as beatas eram umas falsas, que a igreja tem muito dinheiro. Por isso também nunca contribuiu muito para as causas da Igreja. Os padres é que tiram a fé. Mas ele não a perdia, porque carregava muitas vezes o andor da santinha nossa senhora de Fátima e não faltava à maior parte das festas. Ou melhor, à maior parte das procissões das festas. Não era má pessoa, como se isso bastasse para ser bom. Enfim, fazia parte dos cerca de muitos porcento que são católicos em Portugal. Há dias adoeceu. E em pouco mais de um mês faleceu. Teve um funeral digno, com missa e tudo, na mesma Igreja que uns dias antes não prestava, a pedido da família que ainda marcou missa de sétimo dia. A maior parte dos seus amigos ficou, como é hábito, para além da porta dos fundos. O padre foi muito simpático em falar da Vida Eterna. E para lá caminhou o Zé Tuga, quando lhe apareceu um gajo vestido de branco, um branco tão branco que nem há aqui na terra, e lhe fez uma pergunta. Zé Tuga, tu conheces-me? E o Zé Tuga olhou-o assim, bem, de alto a baixo, e respondeu. Acho que sim. Tu não és… deixa cá ver se me lembro, que isto da morte faz-nos esquecer tudo… aquele a quem chamavam de Jesus? O gajo de branco repetiu mais umas cinquenta vezes. Zé Tuga, tu conheces-me? Perante a insistência, o Zé respondeu com algumas semelhanças a umas respostas, em tempos, de um tal Pedro. Sim, Senhor, tu sabes tudo, sabes que te conheço. Quando já parecia que o senhor de branco estava satisfeito, ouviu mais umas setenta mil e setenta e sete vezes a mesma pergunta, num tempo que parecia nem ser tempo. Um tempo sem tempo. Um tempo que só podia ser agora e eterno. Cansado de ouvir e não sabendo como responder, sentou-se e ali ficou sentado para sempre.