quinta-feira, junho 30, 2022

Soluções para a falta de padres


Não conhecia o bispo alemão Fritz Lobinger, um bispo missionário aposentado, que está na África do Sul, até ler o que ele escreveu sobre as soluções para lidar com a falta de padres. Até hoje existem, na sua opinião, três soluções: a tradicional, a pragmática e a reformista. No entanto, ele acrescenta-lhe uma quarta solução, que designa de “solução comunitária”. 
Na solução tradicional propõe-se o aumento de oração para que hajam mais candidatos, na esperança de que os seminários se encham ou para que, ao menos, venham padres de outros países ou continentes encher as vagas deixadas nas paróquias pelos sacerdotes que vão envelhecendo e morrendo. 
Na solução reformista insiste-se na abolição do celibato obrigatório, na expectativa de que isso origine um aumento significativo de candidatos. Por princípio, esta solução até admite a ordenação de mulheres. 
Na solução pragmática propõe-se a distribuição por diáconos ou leigos de tarefas que eram executadas por padres. 
Já a “solução comunitária”, tal como refere Lobinger, baseia-se numa visão mais profunda da Igreja, seguindo a linha do Concílio Vaticano II e procurando a vivência das primeiras comunidades cristãs. Ele propõe que as comunidades assumam novamente a responsabilidade que tem estado centralizada no padre. Inspirado por S. Paulo, sugere ainda que se introduza um novo tipo de presbítero para trabalhar ao lado do clero atual, complementando-o. Seriam líderes comunitários “aprovados” (“probati”), eventualmente casados e com as suas profissões. Embora tecnicamente ordenados, não teriam formação no Seminário e só poderiam servir a sua comunidade. 
Olhando para todas estas soluções, fico com a sensação de que nenhuma delas é a solução, e que talvez um misto delas o possa ser. Sou a favor de que se aumente a oração para que hajam mais candidatos ao sacerdócio ministerial e ao compromisso laical. Sou a favor de que se repense o celibato como condição sine qua non. Sou a favor de que a missão seja assumida corresponsavelmente por todas as vocações eclesiais. E sou a favor do caminho que nos leve a formar outros tipos de lideranças nas comunidades, mais participativas e menos clericalizadas.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Chama-se Jesus"

quinta-feira, junho 23, 2022

As horas cansadas da missão

"apesar da hora e cansaço"
O telefone tocou numa hora tardia, no final de um domingo desgastante e desgastado. O que menos me apetecia era atender. Mas o volume do som não o permitiu. Estou sim. Do outro lado uma voz feminina perguntou se era da Igreja da terra tal. Não era da Igreja, mas era do seu pároco. A voz estava aflita e embargada. Esperava uma mensagem ou um telefonema da filha que fazia voluntariado naquela terra e naquele dia não dera sinais de vida. Por mais que a mãe tentasse ligar, ela não atendia. A mãe estava numa aflição sem nome. Ligou a pensar que era uma boa ideia contactar uma instituição humanizadora como a Igreja. Estávamos a tentar encontrar uma solução para chegar a alguma luz quando a filha entrou pela casa da mãe adentro. Decidira fazer-lhe uma surpresa. E ficámos ambos mais tranquilos. Muito mais tranquilos. No dia seguinte recebi uma mensagem do mesmo número a agradecer por ter sido tão atencioso e disponível, embora cansado e a desoras. Agradeci de igual modo, dizendo que esta era também a nossa missão, e que na missão não há horas nem cansaço… apesar da hora e cansaço adiantados!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Há dias assim"

sábado, junho 18, 2022

A espiritualidade em mim

Tão sem palavras...
No meu último retiro, esse espaço ou lugar que gosto especialmente porque me encontro com Deus de forma ímpar, o orientador, aquele que me ajudava a encontrar-me e a encontrá-lo, disse-me algo que ainda hoje me inquieta. Os seus olhos, de um azul e de uma expressividade que me faziam lembrar a imensidão e infinitude do mar, pousaram em mim para me dizer “És um homem com uma espiritualidade forte”. Eu pensava que não, e reagi. Acenei com a cabeça e com o corpo. Olhei para o lado. Acenei que não com tudo e fiz de conta que ele não falava comigo. Mas eu rezo tão pouco, disse. Rezo tão pouco, repeti. E ele voltou a mim. “És intenso na tua intimidade com Deus!” Não disse mais nada. Acho que também não quis ouvir. Passei umas horas a olhar para estas palavras, na tentativa de as deixar dizer o que significavam. É certo que me deixo arrebatar quando me sinto arrebatado na oração. É certo que sou honesto comigo – ao menos comigo – quando tento atravessar os meus sois e sombras. É certo que me gasto com um tu que sinto amar na pessoa de Cristo. Mas isso, para mim, sempre foi apenas um poucochinho de nada. Tão pouco e tão insignificante. Tão raro. Tão anónimo e escondido. Tão sem palavras...

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Na lareira 2"

quinta-feira, junho 09, 2022

Tou. Tou. Tou.

tou. tou. tou
Era meio mouca e meio entrada em idade. Fez-se notar assim que entrou na igreja porque não conseguia falar de modo a não ser ouvida. E às tantas, o maldito telemóvel tocou uma música que lembrava os telemóveis de primeira geração. Todos parámos o que estávamos a fazer. Ela parou também, mas para atender a chamada. Tou. Tou. Tou. Olha. Mas nós é que olhámos. Olha, liga-me daqui a nada que agora estou na missa. E desligou. Nós também desligámos. Mas por pouco tempo. Porque ainda não tinham passado mais que uns dez minutinhos e de novo o telemóvel soou no meio da igreja. Tudo parou de imediato para a senhora voltar a dizer alto e em bom som. Tou. Tou. Tou. Ainda tou na missa. 
 

sábado, junho 04, 2022

A idoneidade do padrinho

interrogação?
Segundo o Código de Direito Canónico, no cânon 874, considera-se idónea para ser padrinho de um baptismo aquela pessoa que tenha sido escolhida pelo que vai ser baptizado, pelos pais ou, em último caso, pelo pároco ou o ministro, tenha 16 anos e maturidade suficiente, seja católico, tenha recebido o Sacramento da Eucaristia, esteja confirmada, leve uma vida coerente com a fé e com a missão que vai assumir, não seja o pai ou a mãe do que vai ser baptizado, além de que não pode estar afecta por qualquer impedimento legal da Igreja. Vale o que vale. Eu sei que são leis e normas, e o homem não vive para elas. São, no entanto, referenciais para que a missão do padrinho seja autenticamente a missão de padrinho. 
Por isso não faz sentido que alguém venha pedir uma declaração de idoneidade para que um adolescente de 12 anos, sem maturidade e sem ter o sacramento da confirmação, com uma vida de fé que podemos designar de afastada, ainda que frequente a catequese, possa exercer a missão de padrinho. Mas a mãe do adolescente pede, quase exige, porque o pároco do local onde vai ser baptizado aceita, desde que apresente uma declaração de idoneidade, sabendo este colega, à partida, que o adolescente não possui a tal idoneidade. Passa a bola para canto. Lava as mãos como Pilatos. Sossega-se e à sua consciência, na esperança de que outros decidam por ele, a favor ou a desfavor. E lá vamos nós ao mesmo de sempre, desbaratando sacramentos. Na verdade, eu não sou ninguém para garantir ou não garantir a idoneidade de alguém. Nem as leis o podem garantir. Porém, ao menos que este sacerdote assumisse a decisão, por uma questão de assumir uma coerência. Por isso é que sou de opinião que, se não se consegue proceder com autenticidade nesta matéria, que se reveja a necessidade da figura do “padrinho”. Ao menos, deixamos de fazer de conta…

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Um dia os baptismos ainda hão-de ser baptismos"