A esta hora o relógio não costuma parar
Não pára senão quando anoitece,
No abraço de algum corpo entrelaçado
Deixa de ser presente e é passado
Morre. Quando tudo acontece.
A esta hora o relógio não quer parar
Roda sobre si mesmo, espelhando-se para fora,
Como se ele e o mundo fossem o mesmo
A realidade que se foi embora.
sexta-feira, março 29, 2019
terça-feira, março 26, 2019
Gestos que parecem insignificantes e não são
Estão no 9º ano de escolaridade e vinham directamente de uma festa na escola para o encontro da Catequese. A catequista recebeu-os como habitualmente e eles entraram na sala da catequese como habitualmente, isto é, com o alarido habitual. Eles próprios dizem que estão numa idade parva. Mas a catequista gosta deles. O alarido nem sempre acalma. Às vezes dura o encontro quase todo. Mas a catequista não desiste de gostar deles.
Naquele dia, o João, nome fictício, porque o nome acaba por ser o menos importante, abeirou-se dela com uma caixa de chocolates, abriu-a. A caixa era grande e só lhe restava um chocolate. Tome, catequista, disse o João, estivemos numa festa, na escola, e eu guardei este chocolate para a catequista.
Era apenas um. Mas a catequista ficou muito emocionada, muito sensibilizada com a ternura do gesto. Dizia-me ela que a atitude adoçara mais o seu coração do que o próprio chocolate.
quinta-feira, março 21, 2019
poema de amor maior [poema 207]
Quero-te como cigarro que não se apaga. Respira-se
Para dentro. Como a via lactea em teu redor. Sem fim.
Em mim. Como fonte imaginária que me consome.
Para fora. Nunca te poderei dizer o tamanho do que sinto.
Inteiro, interior e eternamente. Eterno principalmente.
És um tudo que estás em nada. O que sou. Em mim
Existes como forma de amar. Sou em ti a palavra
Que não tem ponto final. Um poema teu de Amor
incondicional
Hoje, dia Mundial da poesia, achei que fazia sentido concluir o dia com um poema de amor ao Amor Maior, tantas vezes esquecido!
Para dentro. Como a via lactea em teu redor. Sem fim.
Em mim. Como fonte imaginária que me consome.
Para fora. Nunca te poderei dizer o tamanho do que sinto.
Inteiro, interior e eternamente. Eterno principalmente.
És um tudo que estás em nada. O que sou. Em mim
Existes como forma de amar. Sou em ti a palavra
Que não tem ponto final. Um poema teu de Amor
incondicional
Hoje, dia Mundial da poesia, achei que fazia sentido concluir o dia com um poema de amor ao Amor Maior, tantas vezes esquecido!
Rezar na verdade da dor
O dia começava a escurecer. Sentado no meu sofá de três pessoas, rezava a liturgia das horas. Rezava atentamente os salmos. Gostara imenso da leitura de São Tiago. Gastara uns minutos a gostar dela. Contudo, chegada a oração das preces, e ao ler “concedei-nos, Senhor, a graça de tomar parte na vossa paixão por meio dos sofrimentos da vida”, a minha oração terminou por ali. Ficou ali parada. Ou começou deveras e num estremecimento de verdade que doeu. Como ser verdadeiro numa oração com este teor, quando mal vem a aflição, o sofrimento, a doença, a morte de alguém querido, as preocupações, os azares da vida, os problemas por resolver, e a gente não só perde o chão, como perde tudo?! Não queria mentir a Deus, mas é muito mais fácil dizer estas preces com a facilidade da boca que com a verdade e dificuldade do coração.
segunda-feira, março 18, 2019
A Senhora Accabadora [poema 206]
Tocava piano como quem sobe e desce escadas
Sabia sempre quando terminava o teclado e não havia mais nada,
Tocava como a onda vai e vem e não volta, mas virá outra na volta
Outra melodia outra cantata
Tocava o piano de um antepassado sem passado, como nada
Antes dele, mar feito em ondas como história
Fora-lhe dado como prenda não merecida mas amada
Era a senhora que tocava como ondas numa escada
Sabia sempre quando terminava o teclado e não havia mais nada,
Tocava como a onda vai e vem e não volta, mas virá outra na volta
Outra melodia outra cantata
Tocava o piano de um antepassado sem passado, como nada
Antes dele, mar feito em ondas como história
Fora-lhe dado como prenda não merecida mas amada
Era a senhora que tocava como ondas numa escada
sábado, março 16, 2019
Preocupas-te em cumprir ou viver o que é aconselhado na Quaresma?
Na última sondagem, que indagava sobre os post preferidos de 2018, constatou-se que, supostamente, os melhores textos foram:
1. Os coitados2. O Cristo escondido
3. Os óculos da paróquia
Pode rever os resultados no seguinte quadro, e pode rever os melhores textos dos anos anteriores, aqui.
Hoje, e quase a aproximar-nos da Páscoa, propomos uma nova pergunta e uma nova sondagem, relacionada com este período litúrgico da Quaresma: “Preocupas-te em cumprir ou viver o que é aconselhado na Quaresma?”
quinta-feira, março 14, 2019
velho poema [poema 205]
Sou pássaro velho, com asas sem penas,
Perderam-se no último voo, a caminho de ti
Ou regressando de ti, já não sei dizer como foi.
Se foram oferecidas, se foram roubadas,
Se voaram sozinhas, se te ficaram agarradas.
Sou pássaro perdido, sem as penas que perdi,
Me perdi com elas no tempo do voo perdido
Sou pássaro ferido, e por não mais voar,
Troquei minhas penas por penas que são minhas
Ainda me lembro de tempos vividos a voar
O mundo era meu, entre tudo o que era nosso
Essa distância que nos ligava, em cada voo
Em cada lançada de abraços para enamorar
Hoje sou pássaro sem ninho,
Pássaro de asas sem penas,
Pássaro com muitas penas
por não poder voar, mas vou.
Vou por elas, continuar
o caminho até ao ninho
a andar
Perderam-se no último voo, a caminho de ti
Ou regressando de ti, já não sei dizer como foi.
Se foram oferecidas, se foram roubadas,
Se voaram sozinhas, se te ficaram agarradas.
Sou pássaro perdido, sem as penas que perdi,
Me perdi com elas no tempo do voo perdido
Sou pássaro ferido, e por não mais voar,
Troquei minhas penas por penas que são minhas
Ainda me lembro de tempos vividos a voar
O mundo era meu, entre tudo o que era nosso
Essa distância que nos ligava, em cada voo
Em cada lançada de abraços para enamorar
Hoje sou pássaro sem ninho,
Pássaro de asas sem penas,
Pássaro com muitas penas
por não poder voar, mas vou.
Vou por elas, continuar
o caminho até ao ninho
a andar
segunda-feira, março 11, 2019
A Camila e o que Deus lhe está sempre a dar
A Camila é uma boa rapariga. É uma boa mãe. É uma boa catequista. Eu atrever-me-ia a dizer que é uma boa cristã. Mas a vontade de nada é a vontade que tem mais vezes. Passa o tempo a queixar-se do que não tem, do que queria ter, do que anseia viver. Desta vez queixava-se de este ano só ter cinco crianças na catequese. Por isso perdera a vontade de dar catequese. No entanto, em cada encontro da catequese fica feliz por poder partilhar Deus com aquelas cinco crianças. Como é bonito vê-las a crescer. Cada uma delas. Dizia-me. Cada uma delas.
As suas palavras foram a melhor ocasião para lhe recordar como Deus lhe dava tanto e ela achava sempre tão pouco. Deus dera-lhe cinco crianças para guiar, e ela achava pouco. Deus dera-lhe a oportunidade de servir e ser missionária junto destas crianças, mas ela insistia no desejo de ir para África como missionária. Deus dera-lhe uma comunidade cristã onde crescer e por a render os talentos que lhe dera, e ela continuava a desaproveitar esses dons, porque nem sempre a comunidade é como ela gostaria que fosse. Tentou interromper-me para murmurar baixinho que nunca lhe ocorrera este pensar. Porém, eu continuei o meu raciocínio, como se não a estivesse a escutar, lembrando-lhe que Deus estava sempre a dar-lhe coisas, oportunidades, soluções, e que ela insistia em desaproveitar grande parte delas, porque achava que era pouco ou que não era bem o que queria.
sexta-feira, março 08, 2019
O teu eu [poema 204]
Vou a marte, não sei se fica longe
E volto aqui, ao teu colo
Para te dizer que te amo com o tamanho da distância
Que nos separa
Vou e volto, depois volto de novo
para lá
Aguardarei que chegues
Num coche, a galope de quatro
cavalos com asas.
Saberei que és tu pelo perfume
E pela melodia dos cascos
No teclado, e ao final uma rúbrica
Serei eu o teu eu
E volto aqui, ao teu colo
Para te dizer que te amo com o tamanho da distância
Que nos separa
Vou e volto, depois volto de novo
para lá
Aguardarei que chegues
Num coche, a galope de quatro
cavalos com asas.
Saberei que és tu pelo perfume
E pela melodia dos cascos
No teclado, e ao final uma rúbrica
Serei eu o teu eu
domingo, março 03, 2019
A roupa suja
As casas pegam uma com a outra e são separadas apenas por um quintal. Simples, com umas couves misturadas com flores meio selvagens. O quintal é da vizinha Beatriz. Tem virado para lá uma das janelas da vizinha Eduarda. São muito amigas. Amigas sobretudo da conversa alheia. Encontram-se no muro do quintal, e dão um pé-de-meia de conversa fiada. O tempo, o sol, o frio, as batatas, e as outras vizinhas, como é óbvio. Não é por mal. É por hábito. Não é por mal. É para ter que dizer.
O que a vizinha Beatriz não sabe é que a vizinha Eduarda a costuma vigiar da janela que dá para o quintal. Raramente a abre. Contudo, por entre o cortinado, lá vai dando uma espreitadela. Por isso, e já o comentou com uma das vizinhas do fundo da rua, descobriu que a vizinha Beatriz não é lá muito asseada. Atão não é que lava mal a roupa. Ou o detergente que usa presta pouco. Pois que, quando ela, por acaso, sempre por acaso, olha para a roupa da vizinha Beatriz estendida no quintal, as roupas estão, assim, a modos que, pouco limpas, para não dizer cheias de nódoas. Mas fica só entre nós. Repetia. Fica só entre nós.
Há dias, porém, o marido da vizinha Eduarda, que gosta de tudo muito asseado e arrumadinho, chegou a casa mais cedo e foi fumar um cigarrito à janela que dá para o quintal. Mas quando ia para abrir a janela, reparou que esta já há uma boa temporada que não devia ver uma pano e um detergente, de tão suja que estava. Ó Eduarda, a ver se dás um jeito nesta janela, pois quase não dá para se ver através dela.
Afinal, não eram as roupas lavadas da vizinha que permaneciam sujas. A sua janela é que estava mal lavada. E assim se descobriu quem era, na verdade, a vizinha pouco asseada!
Lá dizia o outro: “Porque vês o argueiro que o teu irmão tem na vista e não reparas na trave que está na tua?”
Afinal, não eram as roupas lavadas da vizinha que permaneciam sujas. A sua janela é que estava mal lavada. E assim se descobriu quem era, na verdade, a vizinha pouco asseada!
Lá dizia o outro: “Porque vês o argueiro que o teu irmão tem na vista e não reparas na trave que está na tua?”
Subscrever:
Mensagens (Atom)