A Capela fica no meio de uma terra que tem uns vinte habitantes, não muito mais. É uma capela simples. Tem uns bancos e um altar. Tem um retábulo que não parece antigo. Fui até lá celebrar a missa com aquela minha gentinha. A maioria de xaile preto aos ombros. Gente que está para ali e que trata dos rebanhos ou do quintal. Há um ou dois que vão à freguesia trabalhar. Esta terra é uma das minhas muitas anexas. Gosto da forma como as pessoas falam comigo dentro da igreja que à porta está frio. Gosto delas por serem como são. Mas não posso ir lá muitas vezes celebrar a missa. É impossível correr a todas e a toda a hora. A distância também não ajuda. E a maior parte mora ali e não tem transporte fácil para ir à missa da paróquia. Cantam como podem, ou deixam que eu cante. Cantam, arrastados, atrás de mim. Para ler as leituras tenho de insistir que, mesmo que leiam devagar, conseguimos perceber. No final da Eucaristia disse-lhes como Deus gostava deles. E que eu ia lá celebrar uma vez por mês num dia de semana. E mais disse assim. Nunca vos esqueçais de Deus que Ele também não se esquece de vós. Já sabem agora porque quero lá ir celebrar com eles.
sábado, janeiro 28, 2012
terça-feira, janeiro 24, 2012
Aqui só comungam as mulheres
Finda a missa, corri em direcção à sacristia para me desparamentar. Vinha com os pensamentos na comunhão, pois só haviam comungado dois homens. Dois apenas. Foi fácil contá-los. Dois no meio de algumas dezenas de mulheres. Também não eram muitas. Mas como não as consegui contar, deduzo que era um número composto de senhoras comungantes. Para a sacristia vieram também meia dúzia de pessoas, entre homens e mulheres. Gente simpática. Parece-me gente boa. Cumprimentos para aqui e para acolá. As senhoras querem marcar missas ou perguntar coisas. E perguntam, pois na paróquia estamos na fase das perguntas. Por isso, perguntei também. E queixei-me com um ponto de exclamação. Na nossa paróquia comungam tão poucos homens! Um senhor mais expedito que me escutava atento, avançou a sorrir. Aqui só comungam as mulheres, senhor padre. Rasguei o olhar e nova pergunta com exclamação. E porquê?! Porque é costume, senhor padre. Sempre assim foi. A ocasião permitiu-me que explicasse umas coisas essenciais de fé àquela gente da sacristia. Mas não resisti a pensar coisas com tudo isto. E penso-as agora de novo no papel. E faço pontos de interrogação, mais que perguntas. Pergunto se a Igreja será só das mulheres e para as mulheres, ou mais delas e para elas. E se é, porque é que os padres são homens. E porque não poderão elas ordenar-se. E o que falta aos homens para perceberem como a comunhão dentro da Eucaristia é a plenitude da Eucaristia. É quando Deus se partilha connosco de forma física e visível. E porque é que a nossa Igreja tem de ser uma igreja que responde quase sempre com aquela do É costume, como se ser cristão fosse apenas um costume. Como se a razão da nossa fé fosse apenas um costume que um tal Jesus iniciou há uns anos...
quarta-feira, janeiro 18, 2012
Quem olha para dentro, desespera
A senhora Angelina é de uma das minhas novas paróquias. Tem ares de quem ficou presa ao passado, na saudade da sua infância e juventude, na força dos seus sonhos. E agora debruça-se sobre ela própria, sobre a doença que não a deixa andar e é sua. Usa muletas. No entanto o que a impede mais de andar não é a doença, mas a forma como olha para dentro, como se debruça sobre a dor que é sua. Tem uma filha que se fecha em casa com a mãe. É jovem, enquanto a idade o comprova. Já não estuda. Quando se aperalta, dá ares enormes de beleza. Ela não dá conta, porque não tem nem emprego nem namorado. E fecha-se em casa. Fecha-se em si mesmo. A mãe falava da filha, e aproveitava para se queixar da vida da mãe da sua filha. Que uma não encontra motivo para sorrir e a outra não sabe sorrir. Padre, não tenho muito tempo, porque não a quero deixar muito tempo sozinha em casa. Diga-me alguma coisinha que me ajude a pobre rapariga. E assim, na pressa, me lembrei de uma frase que em tempos li. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desespera. Disse-lhes mais umas coisas que a pressa permitiu. Mas acho que esta chega. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desespera.
terça-feira, janeiro 10, 2012
Uma passagem de ano com sandes
O Mário tem pouco mais de vinte anos. Não é bem como os outros jovens da sua idade porque a maioria deles anda a gastar dinheiros, tempos e, às vezes, estudos, nas Universidades e afins. O Mário optou por deixar os estudos, juntar os trapos com a Vera, e trabalhar para sustentar a primeira filha, primeiro, e agora a segunda. O Mário tem pouco mais de vinte anos. Mas que interessa a idade quando a vida nos ensina que ser jovem nem sempre é sinónimo de ter facilidade de emprego ou ter futuros garantidos. Conheço o Mário há tempo suficiente para perceber o que lhe vai na alma e no coração, mesmo sem ele dizer uma palavra. Gosta de desabafar comigo. Gosta de confiar em mim. Não fala muito. Guarda-se. Mas quando fala, parece que nunca mais acaba a história das coisas que conta. Uns dias antes do ano mudar de 2011 para 2012 esteve comigo, e falou. As coisas não estão fáceis desde que perdeu o último emprego já lá vão dois meses. Tem dívidas de empréstimos e já perdeu a casa. Mora em casa emprestada. Com o pouco que ganhava, conseguia ter uma vida organizada. Mas agora tem a vida organizada que os amigos lhe organizam com pequenos sacos do lidle ou pingo doce. Dizia-me que havia almoços em que a mesa tinha apenas umas sandes. A filha mais velha comia na creche, o que era uma sorte, pois não pagavam. A mais nova ainda tem o leite da mãe. O Mário e a Vera são jovens de hoje, dos tempos modernos, e têm almoços de sandes sem macdonald. A emigração está à vista, e até lá, que hajam mais pequenos sacos a entrar em casa. Na passagem do ano veio-me este diálogo ao pensamento. Imaginei-os à mesa com umas sandes. Imaginei-os o ano todo à mesa com umas sandes. O que vai ser deste país e dos jovens deste país?
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