segunda-feira, junho 30, 2008

Todas as semanas têm um Domingo

Todas as semanas têm um Domingo. Óbvio. Isso significa levantar a trouxa e levar armas e bagagens pelas estradas da zona. Levantar cedito. O suficiente para uma boa higiene, que o dia merece, umas pequenas fatias de qualquer coisa, umas orações rápidas, uma vista de olhos pelo esquema da homilia. Sim, que preparo sempre a homilia. Faço um esquema bem completo. Para evitar fugir do assunto e para atingir bem os fins propostos. Propostos por mim e pelo Evangelho. Sempre com referência neste. Melhor, sempre a beber da fonte que este é. E toca a marchar. Cheio de sono. Olhos semi-abertos. Primeira estação. Já está tudo mais ou menos pronto. Tenho grupos corais muito bons. Por esta banda abundam bandas. E ajuda. Os acólitos. Os Ministros. Entro pelo fundo. Sorrio. É costume meu. Mesmo com sono, sorrio. Nem que seja para disfarçar as olheiras. Saudação. Se possível, faz-se com que todos se sintam bem. Final. Desejo bom Domingo. Segunda estação. Entrei, andei e saí do carro aceleradamente. O senhor padre anda sempre a correr, dizem. Quando há baptizados então. Sim. Só os celebramos na eucaristia, com a comunidade presente, com a comunidade a acolher, a receber. Nessas ocasiões, voo. A homilia já sai melhor. Se é incisiva, saio de encontro pelo meio da assembleia. As histórias só de vez em quando, para não gastar todos os trunfos. Quase não olho para o papel, mas está presente para alguma correcção. Há sempre um ou outro que boceja. Não dormiu bem, justifico para meu bem. Eucaristia arejada. Participação de muitos. De vez em quando os da catequese. Fazem-se sinais interessantes. Um dia destes, a propósito do evangelho da multiplicação, distribuímos um pedaço de pão que foi partilhado por uns e outros. Chegou e sobrou. Só falta a chouriça, disse alguém. O momento da consagração é muito especial para mim. O tom de voz muda. Sem hipocrisia. Muda porque assim o sinto. Não há como celebrar eucaristia! Terceira estação. Sai tudo muito melhor. Só que a intensidade da cerimónia começa a pesar. O pessoal diz que sorrio muito. Se não sorrio, alguma coisa está mal por dentro. De vez em quando o Pai-nosso reza-se de mãos dadas. Uh… que grande novidade. Todos o fazem. Se for necessário há palmas. Acólitos e acólitas. Ministros e Ministras. Leitores organizados. Temos Folha Paroquial em todas as paróquias. Lá estão todos os que têm serviços na semana seguinte. Contém todos os avisos e até as intenções de missa. Um texto de reflexão. Evito perder tempo no final com avisos.
De vez em quando há quarta estação. Um desvio no calvário. Alguma Procissão. Ou reunião. Ou encontro. Ou festa. Ou, sei lá. Geralmente termina ao findar do dia. Todo roto. Amanhã tenho mais ainda que fazer. Não é Domingo, mas é dia de trabalho. Porém celebrar a eucaristia com os meus é bom! Hoje estou aberto a sugestões. Como celebrar ainda melhor?! Quem dá sugestões!?

terça-feira, junho 10, 2008

Como se avalia um padre?

As pessoas falam mal daquele, do outro e daqueloutro padre. Dizem bem deste, do outro e deste outro, pelo menos neste momento. Noutros momentos esquecerão o bem que haviam dito. Geralmente dizem melhor do outro que deste, pelo menos enquanto este estiver por perto. Quando este partir, ou para longe ou para sempre, era um bom padre. Usa-se mais o era que o é, o passado que o presente, para dizer bem de um padre.
Têm tendência a dizer bem dum padre novo, mas enquanto celebra de forma mais alegre ou aberta. Porque se acaso ousa dizer não posso, já não é assim tão bom. Se diz amén a tudo, não tem personalidade, é fraco. Precisamos um mais forte. Se alterar algum hábito, tira-nos a fé. Se apresentar ideia novas, qualquer dia os santos caem do altar. Se entrar num café é dos nossos. Se entrar habitualmente, deixa de ser nosso para ser como os outros. Se fala com as pessoas é simpático, mas anda mal acompanhado. Se passa muito tempo em casa, não faz nada. E se vai à Igreja menos vezes que o padre antigo, só cá está para levar o dinheiro.
Os padres velhos são geralmente bons padres no sentido mais solidário que existe. Uns pobres padres. Já não fazem nada. Estragam tudo. Têm vícios. Há quem os abomine. E há quem os desculpe.
Os padres de meia-idade nem são uma coisa nem são outra. Não costumam ouvir gracejos ou piropos, mas também ninguém lhes dá o benefício da dúvida. São aqueles que aparentam a maturidade que precisamos no nosso padre, mas que já não conseguem engraçar, façam o que fizerem. Já não têm ponta para admirar e começam a cansar. É melhor vir outro antes que este chegue a velho.
Mas o que é um bom padre? Como se avalia?
Avalia-se pela quantidade de coisas que consegue fazer? Pela quantidade de coisas que consegue que outros façam? Pela forma como reza? Pela forma como faz rezar? Pelas vezes que se vê na rua? Pelas vezes que está em casa? Pelas vezes que vai à igreja? Porque bebe connosco? Porque não bebe? Porque tem personalidade? Porque é simples e humilde? Porque é sábio? Porque é culto? Porque é organizado? Pelas palavras que diz? Pela sua voz? Pelos sorrisos que dá? Pela qualidade da missa? Porque demora muito? Porque demora pouco? Pela sua criatividade? Pelas festas que faz? Pelos pulos que dá? Porque veste bem? Porque é bonito? Porque diz palavras sábias? Porque fala bem? Porque escuta melhor? Porque é novo? Velho? De meia-idade? Ou porque já se foi?

quarta-feira, junho 04, 2008

Quem entrasse nos meus pensamentos, ouvia-me berrar

Tinha acabado de escutar uma senhora que ainda usa o véu, cumpre todos os preceitos e sabe todas as orações, mas que não conhece a verdade do amor de Deus. Segundo ela, o amor de Deus existe para se sentir, e não para que seja distribuído por quem não merece. O amor de Deus que eu conheço não é assim. E por mais que lhe explicasse que Jesus perdoou, inclusive, aos que o mataram, ela não quis saber. O senhor padre não percebe nada. Eles maltrataram-me. Perguntava-lhe sobre ela e ela respondia sobre os outros. Perguntava-lhe se no coração já os tinha perdoado e respondia-me que eles não eram bons. Perguntava-lhe se conseguia ter o coração disponível para eles e insistia que eles não eram bons. Informava-a que não precisava de confiar e ela dizia cruz credo. Mas que precisava de perdoar para se sentir bem consigo própria e repetia-me que eles é que não estavam bem. Tentava encontrar algo de bem nela que sobressaísse e a fizesse repensar a vida e ela persistia falando mal dos outros. Afirmei que o mal dos outros não devia fazer espelho em nós, mas ela repetia o palavreado. Ensinava-lhe que era mais fácil amar quem nos ama, mas que o cristão também ama quem nos magoa e ela virava a cara. Eu acrescentava e ela repetia. Acrescentava e ela repetia, até esbracejar por não me ouvir dizer o que desejava ouvir. E cansei. Cansei por ver nesta interminável conversa um coração cristão confundido. Cansei por rever nesta conversa milhares de corações cristãos confundidos. O senhor padre não sabe nada.
Por isso quem entrasse nos meus pensamentos, ouvia-me berrar. Um grito mudo, seco, que me fez cerrar os punhos por debaixo da casula antes de iniciar a eucaristia.
Porquê, meu Deus?! Porque é que as pessoas te confundem com as suas superstições?! Porque é que se dizem cristãos como forma de sossegar a consciência?! Porque não entendem a tua beleza?! Porque não te entendem?! Porque não amam como tu amas?! Porque não sabem perdoar?! Porque apontam o dedo umas às outras, esquecendo os seus próprios erros?! Porque é que juntam as mãos para rezar, mas não as juntam para amar?! Porque é que estendem a mão para receber, mas não a abrem para dar?! Porque é que a nossa forma de nos afirmarmos cristãos não nos faz melhores?