quarta-feira, maio 29, 2024

As promessas e as despromessas

Estou consciente que muitas pessoas, quando fazem promessas a Deus para obter algum dividendo em troca, o fazem sem pensar verdadeiramente nas suas consequências. Na hora da aflição prometem coisas que depois têm dificuldade em cumprir. Mais ainda quando são promessas não temporárias. Aconteceu assim com o Manuel. Quando estudava na universidade fizera uma promessa: não rapar mais o seu cabelo, caso o Senhor o ajudasse a passar numa disciplina extremamente difícil. Tudo correu como desejado e não mais rapou o cabelo. No entanto, uns anos mais tarde, começou a perder cabelo e, mesmo após várias tentativas para reverter o processo, foi-lhe aconselhado rapar o cabelo. E aí começou a preocupação com a promessa que não pretendia quebrar. Por isso perguntava se seria possível quebrar uma promessa ou reformulá-la, e se isso não seria contra a vontade de Deus. 
Não o quis julgar, porque evito este tipo de julgamentos, mas reconheço que fui duro ao dizer-lhe que era uma tolice fazer esse tipo de promessas, as quais, ainda por cima, pouco acrescentam à nossa fé ou vivência cristãs. Na verdade, grande parte das promessas que se fazem não parecem mais que um negócio com Deus. Deus não é nem um bombeiro nem um comerciante de troca de benesses ou graças. O que Ele quer é a nossa felicidade. Por isso o Manuel também não precisava estar tão preocupado. O melhor era levar mais a sério a sua relação com o Senhor, amadurecendo e aprofundando a fé. Ainda assim, digamos que é possível reformular uma promessa com auxílio, de preferência, do confessor, sem que se faça disso um procedimento banal. Se ser fiel a uma promessa é importante, muito mais ser fiel ao Senhor!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Prometi uma missa a Nossa Senhora do Ó"

sábado, maio 25, 2024

o Deus das opiniões

Vivemos na sociedade das opiniões. Hoje toda a gente tem uma opinião sobre tudo. Tudo é escrutinado por opiniões que se multiplicam sobretudo em redes sociais. Toda a gente, independentemente do assunto e da sabedoria do mesmo, tem uma opinião que se torna verdade absoluta do seu dono porque se tem de respeitar a opinião de cada um. São, no fundo, opiniões que se tornam verdades. Mas são verdades sem objectividade, sem substracto, sem argumentos seguros. Por outro lado, as verdades passam a estar dependentes das opiniões. Só existe uma verdade se for essa a opinião da pessoa que a assume como tal ou do grupo que a consolida por ser um conjunto de pessoas a pensar de modo igual. Neste contexto, como fazer de Deus mais do que uma opinião?!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Falar de Deus"

quinta-feira, maio 23, 2024

mãe [poema 387]

ainda recordo a terra húmida do seu colo 
o sangue a derreter com o calor das suas mãos 
no embalo da vida 
 
as formas do corpo não tinham rosto, sempre as vi como mãos 
como mãos de pianista a desenhar espaços de luz, 
a germinar 
 
gosto de recordar esse tempo de madrugada 
trazê-lo a mim como quem traz uma sombra agarrada 
ao sol 
 
não havia mal que pudesse suceder 
nem pontas soltas de azar ou de desamor 
ainda ontem eras o regaço e hoje és 
estás a nascer

quinta-feira, maio 16, 2024

Os padres e as paróquias não vivem do ar

As pessoas pensam que os padres e as paróquias vivem do ar ou dos proveitos do Vaticano. A Igreja é sempre rica por natureza na mente das pessoas. E os padres uns oportunistas. Por isso dizem que os padres só querem dinheiro e não fazem nada de graça. As mesmas pessoas que raramente são generosas com a comunidade cristã e pouco se importam se ela tem gastos e necessidades. Pressupõem que, por se tratar da Igreja, tudo é gratuito. E a verdade é que tudo deveria ser gratuito na Igreja, porque todos os seus gastos deveriam ser supridos pela generosidade dos membros da comunidade. Nas comunidades cristãs primitivas, ao que se sabe, a partilha e a hospitalidade eram características do ambiente comunitário. Agora, perdeu-se o sentido da “comunidade” e ganhou o sentido do “supermercado” numa sociedade consumista até ao nível religioso. A missão dos padres é gratuita e deve ser desinteressada. As paróquias estão abertas de modo desinteressado e desprendido. Mas o ar não paga as contas e ninguém vive do ar. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Não há engano que pague a nossa generosidade"

quinta-feira, maio 09, 2024

Leigos a presidir eucaristias?

Um bispo espanhol em Africa, para visitar uma das muitas comunidades que tem a sua diocese, tardou mais de uma hora para percorrer uma distância de 13 quilómetros, o que informa como é a estrada. Por isso não é de estranhar que, associado à falta de padres, a última eucaristia que aquela comunidade tivera fora há 8 anos. São duas ou três centenas de pessoas, a maioria cristãos. Não deixam propriamente de ter fé, mas têm imensa dificuldade em alimentá-la. A eucaristia não resume nem aglutina em si a vida da fé mas, se é o centro e o cume da vida do cristão, que dizer a estas duas ou três centenas de cristãos que não têm possibilidade de aceder à eucaristia? A acção da Igreja vai para além da eucaristia, porque a sua missão é evangelizar. No entanto, a realidade leva-nos, ao menos, a equacionar a hipótese da presidência da eucaristia ser feita por um leigo. A este propósito, Tomás Muro Ugalde publicou em 2020 um artigo na revista Scriptorium Victoriense “Sobre a presidência da Eucaristia”, onde faz a mesma pergunta recorrendo a grandes autores e teólogos. Sabemos que na origem da Igreja não existiam ministros ordenados e que o sujeito eclesial era a própria comunidade. Com a metamorfose constantiniana, cimentada pela Igreja da Idade Média, o sujeito eclesial passou a ser a hierarquia. Sei que é um assunto melindroso e também não tenho certezas. Assim como não pretendo ver nisto a solução para a falta de vocações ao sacerdócio ministerial. Talvez assim se recuperasse um pouco mais a comunidade como sujeito eclesial. Não precisamos de leigos clericalizados, mas a pergunta é pertinente. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Nós e vós"

domingo, maio 05, 2024

Também te amo

Basta-me o teu olhar. Basta-me o teu olhar para ter a certeza de que estás fixo em mim, e que essa fixação é estar comigo. Gostava muito de ter palavras tuas e de ouvir sons que construíssem palavras, mesmo que não fizessem sentido. A verdade é que cada vez tenho menos palavras tuas. Mas não tenho menos certezas. O teu olhar fixo em mim diz mais do que qualquer palavra pudesse dizer. E os teus beijos miudinhos parecem enormes. Têm um tamanho sem tamanho. Sempre que encosto a face nos teus lábios, esboças o beijo mais puro e o beijo que mais me importa. Além do teu olhar fixo, basta-me também um beijo, um pequeno murmúrio de beijo, para ter a certeza que o amor por inteiro está nele... e vem a mim. A tua vida prolongou-se na minha através do amor íntimo com a mãe. A tua vida vem a mim desde que me chamaste a ser. O amor gera sempre amor. E mesmo que estejas no lar, sem as capacidades que todos lá em casa gostaríamos que tivesses, não deixas de ter um amor por inteiro. E eu não deixo de o sentir em cada olhar fixo no meu olhar, em cada murmúrio de beijo na minha face. Também te amo, meu pai.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A minha mãe está viva"

Bom "dia da Mãe" a todos os pais também!

sexta-feira, maio 03, 2024

O dia de Páscoa

O dia de Páscoa já lá vai. Houve amêndoas. Houve pão de azeite. Houve almoço melhorado. Houve reunião de família. Na missa gritou-se que Jesus ressuscitara e os que nela participaram estavam contentes. O ambiente de festa o proporcionava. Uns dias antes a azáfama andava à volta da sua paixão e da sua morte, mas agora isso já não interessava, porque Ele ressuscitou. A boa notícia da ressurreição é a certeza principal da fé. Mas o dia de Páscoa já la vai. Logo na segunda-feira se regressou ao trabalho ou à escola. Tudo continua igual, no mesmo sítio. As ruas permanecem com as mesmas pedras. E o caminho continua o mesmo. Continua a parecer mais caminho a subir para o calvário do que a descer do sepulcro vazio. Por outro lado, não vimos a sua ressurreição. Nada. Ele não nos apareceu. Nem o sepulcro vimos vazio. O padre bem que se explicou na homilia da missa, mas que fazer com isso? Não sabemos que fazer com a boa notícia da ressurreição. Não sabemos que fazer com a Páscoa. Parece mais um rito que uma experiência. Parece mais um hábito que uma vivência. Andámos quarenta dias de quaresma a preparar-nos para algo grande, mas passou num instante. Num dia. Ainda que a Igreja nos proponha um período pascal de mais dias, parece que a Páscoa já lá vai. As rotinas tomaram-lhe o lugar. E não sabemos onde está o Senhor, onde o puseram. Não sabemos se ressuscitou para se guardar escondido num sacrário ou numa igreja, se para morar no nosso coração. O que sabemos é que o dia de Páscoa já lá vai e continua tudo igual. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A tradição da procissão de Páscoa"