quarta-feira, julho 24, 2024

restos de casas [poema 290]

os restos das casas estavam sobre a mesa 
por cima da madeira e de um pano de linho, trabalhado 
da avó que tivera doze filhos, imagine-se, 
como eram outrora as construções das casas 

em seu redor três cadeiras e três bancos antigos 
daqueles que parecem madeira que dura sempre 
discute-se quantas casas se hão de construir com os restos 
gasta-se, é mesmo essa a palavra, gasta-se o tempo 
das casas novas

sábado, julho 20, 2024

Uma Igreja que se quer sinodal, mas na mesma

Vou lendo aos poucos o Instrumentum Laboris para a segunda sessão da XVI assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos a ocorrer no próximo mês de outubro, e vou lendo também as opiniões e os comentários de alguns observadores. Não me reconheço abalizado para fazer parte deste grupo de pessoas, mas tenho as minhas opiniões, que são, acima de tudo, formas de sentir. Neste sentido, devo referir que também eu não tenho soluções fáceis ou óbvias que transformem a estrutura institucional pesada e milenar da Igreja Católica. Contudo, leio e vejo tantas palavras que me parecem só palavras, que fico algo constrangido. Tenho receio que as palavras vençam, mais uma vez, as acções, atitudes e mentalidades. Tenho receio que não se passe das palavras às práticas. Tenho receio que este sínodo sobre a sinodalidade não consiga acabar com o modelo clerical hierárquico, autoritário e patriarcal. É certo que muitos dos temas importantes não estão contidos de forma clara no Instrumentum Laboris porque foram entregues a dezasseis grupos de estudos especiais, mas, por sinal, constituídos por 74% de clérigos. Não faz sentido querer uma Igreja sinodal e manter uma Igreja clericalizada, autoritária e patriarcal. Tenho receio que este sínodo seja como muitos dos anos especiais disto e daquilo, dos sínodos dos bispos para isto e para aquilo que, depois, na prática, mantêm quase tudo igual. A Igreja não pode continuar a repetir palavras sem alma e sem vida.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Igreja clericalizada"

Pode ler AQUI na íntegra o Instrumentum Laboris.

segunda-feira, julho 08, 2024

Os preços dos casamentos

Na Coreia do Sul o padre que preside a um casamento recebe, no mínimo, quinhentos euros. Mesmo assim, é o custo mais barato da cerimónia, porque os noivos gastam muito mais noutras coisas. Em Portugal, mesmo que a celebração ande em redor dos cem euros, os noivos queixam-se quase sempre, falam mal dos padres e dizem que a Igreja só quer dinheiro. No entanto, acham praticamente normal gastar cerca de dois mil euros no vestido da noiva, mais mil e quinhentos euros no produtor de imagem, mais aproximadamente uns mil euros para flores e outros adornos, mais seiscentos euros para os músicos, and so on and so on... É como querer gastar pouco dinheiro com uma prenda e não se importar de gastar muito com o embrulho da prenda.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Uma benção especial de alianças"

quinta-feira, junho 27, 2024

Os avós, esses evangelizadores modernos

Na França secular e descrente, alguns dados inesperados têm dado que falar aos diversos analistas. Na última vigília pascal, foram baptizados 7.135 adultos nas dioceses francesas, dos quais 36% tinham entre 18 e 25 anos, assim como 5.000 adolescentes ou jovens entre 11 e 18 anos. Mais de 12.000 no total e quase todos em idade da juventude. Dizem os analistas que se trata de 31% a mais que no ano passado e 120% a mais que há dez anos. Naturalmente que a pergunta surge: qual a origem desta mudança? E a resposta dão-na também os analistas: As avós. E, um pouco também, alguns avós. Dizem eles que estes aproveitam o maior contacto com os netos durante as férias de verão ou outros períodos de descanso onde podem estar com eles, para os aproximar da Igreja, para os acompanhar à missa, para lhes ensinar a rezar. 
Na sociedade do efémero, do voraz e do passageiro, é verdade que muitos pais se demitiram da educação dos filhos. Deixaram de ter tempo para eles. Deixaram de ter tempo para a fé. Deixaram de ter tempo para pensar a vida. Por outro lado, os avós têm todo o tempo do mundo, apesar de pouco tempo que lhes possa restar. E têm a fé que foram amadurecendo com o avançar da idade e com a história religiosa que os construiu. Os avós são hoje, em imensos casos e lugares, os maiores evangelizadores. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As 'avós da fé' ou 'catequistas dos tempos modernos'"

quinta-feira, junho 20, 2024

a Igreja e o 'um aqui e um ali'

O senhor padre fora da igreja é como os outros, dizia a senhora Maria. Mas quem são esses outros?! pensava eu. Para haver outros, tem de haver algo que diferencia ou separa. Assim também a observação d ‘O senhor padre é que sabe’, aumenta uma distância que não é desejável. São afirmações que ainda se ouvem da boca de um número notório de paroquianos e que fazem parte de um entendimento com quase dois milénios de história da Igreja que potenciou um aqui e um ali. Como se houvesse um binómio antagónico entre o religioso e o secular. Como se houvesse um dentro da Igreja e um fora da Igreja. Como se a Igreja se identificasse apenas com a sua hierarquia. Como se houvesse uma distância entre presbíteros e leigos. Como se houvesse um espaço sagrado e um espaço mundano ou profano. Ou seja, como se a Igreja fosse um espaço e o mundo outro. E em cada um destes espaços houvesse um sujeito diferente: na Igreja o clero e no mundo os outros, os leigos. Como se a Igreja se definisse por lugares e por estados de vida. Por isso me cansam certas dicotomias dentro da Igreja que apenas servem para separar aquilo que deveria estar unido. Ora, nós, padres e leigos, somos Igreja onde estivermos, porque o que nos faz Igreja não é o lugar onde estamos, mas o que somos e como vivemos. A Igreja existe e é Igreja em todo o lado onde estejamos os que somos Igreja. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Nós e vós"

quinta-feira, junho 13, 2024

pedra [poema 389]

ainda sou uma pedra sem vida 
parada e calcada. 
no entanto, calço também outras pedras 
da calçada 
 
não ando não porque as pedras não andem 
não ando porque as pedras me doem o andar 
 
ainda sou pedra que quer ser estrada 
na vida calcada

segunda-feira, junho 10, 2024

Os novos missais

Também tive resistências em mudar o meu e o hábito das pessoas com o novo missal que, em Portugal, foi preparado e aprovado pela Conferência Episcopal Portuguesa a 19 de Novembro de 2019, validado pelo Papa Francisco e confirmado pela Santa Sé a 13 de Outubro de 2021 e que entrou em vigor a 14 de Abril de 2022. Recordo a dificuldade que tive em aceitar a mudança e as justificações que fui arranjando para adiá-la. Percebi em pouco tempo que, mesmo que não concordasse com algumas das alterações a nível metodológico, teológico e litúrgico, fazia sentido dar esse passo, sobretudo em razão e em nome da comunhão que defendo na Igreja. 
Entretanto, para meu espanto, passados estes dois anos, nalgumas paróquias - pelos vistos bastantes - continua-se a usar o missal antigo e alguns colegas pouco ou nada fazem para usar o novo. Ainda há dias um deles me dizia que não mudava porque não gostava da linguagem de algumas orações. Naturalmente que estranhei a justificação, uma vez que ele ainda não manuseava o novo missal. Também não deve ter sido muito diferente quando, em 1969, Paulo VI promulgou o novo missal romano, fruto da determinação do Concílio Vaticano II. As mudanças custam sempre. Mas se não existissem, não sairíamos do passado e nunca seria presente. Valha-nos ao menos que, por este andar, em Portugal os novos missais serão sempre novos.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O padre não é bom da cabeça"

sexta-feira, junho 07, 2024

Crua [poema 388]

cru, esse espaço cru entre as duas mãos, que não se apertam 
são da mesma carne e do mesmo corpo nu 
a dor enche-se de ar como um pulmão vazio 
clama por um sinal que se torne um cordão umbilical 
 
ai esses tempos antigos que faziam das catedrais 
lugar, 
 
ai esses tempos antigos que construíam capelas no lugar 
do coração 
e eram a Igreja nua 
e crua

terça-feira, junho 04, 2024

Dou por mim muitas vezes a não dar por ti, Senhor

Arrepiei-me ao ver, num pequeno vídeo, o modo como o padre Pio olhava fixamente a hóstia consagrada em suas mãos. Quase me vieram umas lágrimas ao rosto. Assim também no vídeo, após um longo momento detido com o olhar em Jesus sacramentado, o padre Pio teve de usar um pano para limpar as lágrimas, tão emocionado estava. Já sabia que ele tinha um profundo amor à Eucaristia, mas agora via-o com os meus próprios olhos. Fiquei embaraçado. Envergonhei-me das muitas vezes em que me distraio a celebrar a Eucaristia. Na verdade, muitas vezes o meu pensamento voa para as preocupações da vida, para as inquietações do ministério sacerdotal, para as decisões pastorais, para os problemas das pessoas que também me apoquentam. Dou por mim muitas vezes a não dar por ti, Senhor. Que vergonha! Dás-me a graça de te poder olhar a um palmo de distância, de poder usar as tuas palavras da Última Ceia, de poder estar contigo suspenso nas minhas indignas mãos, e perco-me na minha limitada condição existencial e sacerdotal. Li, em tempos, que o padre Pio afirmara: “Que a sua primeira eucaristia e a última tenham o mesmo amor e o mesmo ardor”. Peço-te perdão, Senhor, pelas vezes em que não tenho presidido à Eucaristia como devia. Sei que te tornas presente em cada Eucaristia, independentemente de quem a preside e do modo como é presidida. Mas, por favor, faz-te presente também em mim sempre que eu celebre a Eucaristia. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Não falo não falo e não falo"

quarta-feira, maio 29, 2024

As promessas e as despromessas

Estou consciente que muitas pessoas, quando fazem promessas a Deus para obter algum dividendo em troca, o fazem sem pensar verdadeiramente nas suas consequências. Na hora da aflição prometem coisas que depois têm dificuldade em cumprir. Mais ainda quando são promessas não temporárias. Aconteceu assim com o Manuel. Quando estudava na universidade fizera uma promessa: não rapar mais o seu cabelo, caso o Senhor o ajudasse a passar numa disciplina extremamente difícil. Tudo correu como desejado e não mais rapou o cabelo. No entanto, uns anos mais tarde, começou a perder cabelo e, mesmo após várias tentativas para reverter o processo, foi-lhe aconselhado rapar o cabelo. E aí começou a preocupação com a promessa que não pretendia quebrar. Por isso perguntava se seria possível quebrar uma promessa ou reformulá-la, e se isso não seria contra a vontade de Deus. 
Não o quis julgar, porque evito este tipo de julgamentos, mas reconheço que fui duro ao dizer-lhe que era uma tolice fazer esse tipo de promessas, as quais, ainda por cima, pouco acrescentam à nossa fé ou vivência cristãs. Na verdade, grande parte das promessas que se fazem não parecem mais que um negócio com Deus. Deus não é nem um bombeiro nem um comerciante de troca de benesses ou graças. O que Ele quer é a nossa felicidade. Por isso o Manuel também não precisava estar tão preocupado. O melhor era levar mais a sério a sua relação com o Senhor, amadurecendo e aprofundando a fé. Ainda assim, digamos que é possível reformular uma promessa com auxílio, de preferência, do confessor, sem que se faça disso um procedimento banal. Se ser fiel a uma promessa é importante, muito mais ser fiel ao Senhor!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Prometi uma missa a Nossa Senhora do Ó"