quinta-feira, janeiro 25, 2007

Quero o diabo bem longe desta Oração

Há coisas do diabo. Recebi um convite para rezar. Convite por convite, era mais que bom. Rezar. Mas a mensagem dizia que tinha sido um pedido da senhora, da Nossa Senhora. E que mais não podiam dizer. Tratava-se de uma luta. Rezar, até ao referendo, no fim do terço, a oração de S. Miguel Arcanjo. Sete vezes intercalada com sete glórias. Luta contra os chefes deste mundo de trevas (Ef 6, 10-12). Sujeitai a antiga serpente (Ap 20, 3). E eu que pensava que era para rezar. Não entendi. Um pedido de Nossa Senhora dirigido aos portugueses! E eu que pensava que isto do referendo era uma luta pela vida e não contra ninguém. Outras vidas. Não entendi. A oração faz muito. Consegue muito. Mas não me parece que uma oração que condene seja uma oração que Deus ouça. Se calhar estou enganado, pois costuma-se dizer que Deus ouve tudo. Que tem sempre tempo para ouvir todos e cada um.
Sou a favor da Vida em todas as circunstâncias. Sou, por isso, a favor da criança e a favor da mãe que sofre ou que se encontra perturbada com o novo ser. Quero o melhor para ambos, e para a sociedade, e para os que vão votar Sim. Quero que as pessoas entendam e não que façam guerras santas. Quero sentir que vale a pena viver e que toda a vida é um dom de felicidade. Toda. Quero ser coerente, quando explico a alguém indeciso que quero o seu bem e por isso voto Não. Quero que se ajude. Quero, do estado, soluções verdadeiras. Que o aborto não é solução para ninguém. Nem criança. Nem mãe, Nem pai. Nem mais ninguém. Quero da Igreja, as mesmas soluções. Quero, de cada um, uma luta pela própria Vida, pela de outrem, pela Vida que Deus nos dá. Quero o diabo bem longe desta Oração.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Só faltei a três missas, disse

Hoje levei o confessionário às casas dos doentinhos. Aqueles que não podem deslocar-se ao confessionário. Bem pesado. Não sou carroça. Mas está bem engalanado. Sorriso nos dentes. Boca com mensagens de esperança. E fui. Andei toda a manhã. Soube-me tão bem. Não só porque levei Jesus na confissão aos doentes. Mas porque levei conforto para amar, amor para dar, esperança para transpirar e palavras para fazer sorrir. Foi bom. Mais para mim que para eles. De certeza.
E às tantas. A berrar. Diga lá então os pecados. Depois de umas tantas virtudes. Sim, porque os pecados de alguns são mesmo virtudes. Sai. “Só faltei a três missas”. Não entendi logo. Aquela senhora já não sai de casa há anos. Não pode ir à missa. As pernas não deixam. Como só pode ter faltado a três! Já estava para dizer que não havia problema. Nem pecado. Que tinha de aceitar com humildade essa fragilidade. Que Deus não ficava nada zangado por ela não poder ir. Que aliás olhava mais para ela porque amava os doentinhos. Isso sim. Que ficasse na paz. Eu sei bem o que é não poder ir à missa para estas pessoas. Mas, sem que eu tivesse tempo para passar do pensamento às palavras, ela continuou. “Foi um dia em que me enganei no horário, e quando liguei a televisão já tinha acabado. Foi outro dia em que não havia luz. E o outro, distraí-me.” Esta mulher estava a confessar que tinha faltado três vezes à missa da televisão. Fez-me pensar tanto!

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Há dias assim

Há dias assim. Dias em que não temos motivos, mas estamos assim. Dias em que fazemos o nosso trabalho e não o sentimos. Dias em que fazemos porque temos que fazer. Dias em que apetece deitar mais cedo porque a noite veio mais cedo. Dias em que nos apetece estar sozinhos apesar de já o estarmos. Dias em que o vento nos traz apenas a vontade de vestir o sobretudo, para que nada entre para dentro. Dias em que nem a chuva nos molha. Dias em que olhamos o ecran, do computador ou da televisão, sem que as letras ou as imagens tenham definição. Dias em que um banho não nos limpa nem nos arranja. Dias em que a refeição sabe a algo que se mete na boca. Dias em que a oração tarda em ser oração. Dias em que o levantar-nos da cama é sinónimo de não acordar e de acomodar-se no adormecimento. Dias em que nos perguntamos porque somos assim e porque temos esta vida. Dias em que Deus se esconde nas nossas vidas para que nós O procuremos. Porque estamos demasiado habituados a vê-Lo em tudo e não fazemos esforço para O descobrir. Dias que não têm explicação. E todos temos esses dias. Padres, amigos e inimigos, consagrados e por consagrar. Dias em que não temos a força para dizer que a nossa fé é mais forte que a montanha. E é nesses dias em que, de verdade, temos a oportunidade especial para sentir Deus de uma forma mais verdadeira. Porque nos perguntamos e não deixamos que nos perguntem. Ou porque paramos de sentir para procurar sentir. Ou porque queremos perceber porque há dias assim.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Há coisas mais importantes

Vestia-me para celebrar. Bem tapado. Alva, estola, casula. Ela apareceu com a sua jovialidade alegre e nada dissimulada. Piropo. Ficará mal ao padre? Mas era com naturalidade, simplicidade, amizade. Piropo por vê-la entrar na celebração. É motivo de júbilo qualquer um que celebra, em especial um jovem. Casaco vestido. Tapada. Hoje vou ler, disse. Prepara a leitura, que aqui ainda a preparam. Na hora da leitura, isto é, antes, despe o casaco. Nem reparei. Estava atento às palavras lidas. Pelos vistos o decote era enorme. Tão enorme como as bocas de quem viu, ou quis ver.
Contaram-me dois dias depois. O padre tem de fazer alguma coisa. Devia-lhe uma palavra. Ou duas. Melhor, uns impropérios. Como pode deixar uma coisa assim?! A culpa é do padre, pois que não diz nada. Disseram-me que disseram, pois convinha que parecesse que disseram enquanto dizia. E que uma passara o tempo da leitura de boca escancarada e com a repetição: Como pode ser; eu não acredito; que desplante. Como pode ser; eu não acredito; que desplante.
Expliquei que, se assim era, de facto, estava menos bem a jovem. Mas que eu não reparara. Estava atento à leitura. E mais, que tinha problemas que de facto eram problemas para resolver. Por isso, não ia dar importância. Acrescentei que podia dizer-lhe algo. Tal como devia dizer um algo parecido a quem ficara preso no decote. Que há coisas mais importantes. Mas não vou dar importância. Há coisas mais importantes.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Os donos da Igreja

Falou-me um colega de um paroquiano que queria endireitar umas pedras no chão, atrás do altar da Capela, que estão tortas. E que já estava decidido com o outro. Consciente dos procedimentos normais, o colega achou que este pequeno arranjo dispensava outras decisões, projectos, memórias descritivas, orçamentos, Conselho Económico, aprovações superiores. Consentiu o que já estava consentido. Decidido. E mais se era para endireitar. De endireitar precisava o colega na paróquia. Porém, dias mais tarde, o telefone tocou para dizer que não podia marcar missas na Capela porque estava em obras. O colega logo ao telefone não consentiu. E lembrou dos procedimentos. Resposta pronta. Mas eu é que estou aqui a trabalhar. E porque quem trabalha é que manda, o padre tinha é que trabalhar se queria mandar. Imagina as obras, contava-me. Reboco interior da Capela retirado. Estilo artístico alterado. Pedra desnudada. A pedra talhada artisticamente, sem arte agora. E ainda a mesma voz do telefone, orgulhosa do feito, a perguntar-me que achava do feito artístico, desinteressado e gratuito. Insisti nos procedimentos e agora na arte descaracterizada. Que isso aprendera nos estudos de Arte Sacra. De orgulho ferido e sem o agradecimento esperado, o paroquiano tornou-se agressivo. Outros, os que ajudavam a bendita obra, justificaram que achavam que tudo era normal e do meu conhecimento.
Sem mais que saber, o colega dirigiu-se aos Serviços Centrais para solucionar a coisa. O processo começou pelo fim. E foi aconselhado a cumprir os tais procedimentos. E que sendo aquele um membro do Conselho Económico, não podia continuar sendo. Bom, dizia. A reunião da despedida foi… quase nem foi, senão de insultos e acusações. Você anda com o diabo. Tem de se confessar. E Ainda o desplante. Mandou a conta da obra para ser paga.
Que achas que devo fazer, perguntou-me. Deixei tudo em “banho-maria”, para a paz. Deixei-o Ministro Extraordinário da Comunhão. E ouço continuamente piadinhas indirectas. E directas. Que devia reconhecer os meus erros. Que tinha interditado a Capela. A sua capela.
Sabes, o problema está neste artigo ou pronome, sei lá: “sua”. E então respondeu ele por mim. São assim muitos cristãos. Querem servir-se da Igreja em vez de a servir. Querem liberdade sem responsabilidade. E que se lhes agradeça. Que a dita Igreja faça comunhão com eles, mas não fazem comunhão com a Igreja. São os “donos da Igreja”. E ai do Padre se lhes opõe!
Eu ainda ia para lembrar que também há padres que parecem os donos da Igreja. E ai do Padre se lhes opõe! Ou do leigo! Que faziam sem cumprir os procedimentos. Mas de facto, tenho em ponto de mira muitos, mas muitos paroquianos assim. E, além disso, este não era, de todo, o caso. Por isso guardei esta conversa para mais tarde.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Sr Padre, a minha filha é deficiente, chorou

Vinha com o lenço na mão. Já húmido. Rosto cansado. Enrugado. As rugas da vida. “Senhor padre, a minha filha é deficiente”. Mas, ó minha senhora, isso não é pecado! “Mas é que, de vez em quando, ando revoltada.” Lembrei de imediato uma criança mongolóide que um dia fez a Primeira Comunhão e que era a alegria dos pais. Nunca esqueço o carinho que ela me deu gratuitamente. Porque gostou de gostar de mim. Muito verdadeira. Mais que a maior parte. E então… então aproximei-me daquele rosto cansado e disse. Já imaginou o que seria ter um filho chamado de normal e que não lhe desse carinho?! Ou que nem quisesse saber de si?! Ou que fosse um… sei lá! Fui pelo lado mau, pelo antídoto. Achei que não estava a ser honesto. “E ainda por cima não posso vir à missa para tratar dela!” Contei-lhe depois a história do Bom samaritano. E após conversa prolongada, escancarei a boca. Ela. “Sabe, quando ela vai para a escola eu não sei que fazer. Não me apetece fazer nada!” E foi quando eu descobri para ela. E para mim. É tão bonito precisarem de nós! E avancei seguro. Em cada uma das missões que Deus nos concede, temos de tentar o melhor. O padeiro. O jardineiro. A parteira. O padre. Todos. A sua é essa. Parece pequena. Não consta do cardápio do Centro de Empregos. Mas é grande. Linda. Tente o melhor. Deus há-de estar sempre por perto. Mesmo quando andar revoltada. E pense sempre quão bonito é precisarem de nós. Já pensou se ninguém precisasse de si?!
Ela precisa.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Escolhas sem saber porquê

Estava com um grupo de jovens. Animados. Acabados de rezar pela Vida. Uma vigília de Oração que agradecia a Deus o dom da Vida. Tinha por ali umas folhas com uma petição de assinaturas para a constituição de um grupo cívico de defesa pela Vida. Quem quer assinar? Uma série deles respondeu afirmativamente. Uma jovem veio ter comigo para perguntar. E quem for a favor do Sim? Respondi-lhe a sorrir e com a mesma amizade como se não soubesse que ela tinha feito essa escolha. Se calhar pode não ser conveniente assinar. Apesar de um dos objectivos ser o esclarecimento, o grupo era, sem dúvida, contra o Sim. Mas a minha curiosidade, obrigou-me a perguntar o porquê da escolha. Ela respondeu, com uma pausa denunciadora, que era por causa de casos difíceis. Enumera-me um. E foi mais pronta. Uma violação, senhor padre, já viu!! Soltei Caramba, com as rugas da zanga e com o sorriso da oportunidade. Mas não sabes que isso já está contemplado na lei, e inclusive até às 16 semanas? A admiração dela foi maior que a minha. Pediu-me para falarmos melhor depois. Eu estava apressado, como quase sempre. Porém, se depressa a deixei, mais rápido percebi que há muita gente que vai votar, seja no Sim, seja no Não, sem saber porque vai votar. Isso não é bom para ninguém. Nem para as mulheres nem para as crianças. Muito menos para a vida.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Falar da família é malhar

Sagrada Família de Nazaré. Sugiro-me falar das alterações que a família tem sofrido nas últimas décadas. Grande homilia. Ultrapasso os dez minutos habituais. Há um baptizado também na missa. Penso que estão atentos. Falo à vontade. O assunto interessa-me. Falo da realidade que, apesar de não se coadunar com todas as famílias, é bastante geral. Mais divórcios, separações. Recasados, uniões de facto. Filhos com 4 pais e meios-irmãos. Que vão conhecendo uma série de namorados ou namoradas aos pais. Que estudam fora ou deixam os pais cedo para arranjar emprego que ali não há, nem emprego nem estudos. Que casam mais tarde porque a vida assim o impõe, perdem uns saborosos anos para ter filhos, e depois já não há muita pachorra para os aturar. Filhos de gente que não está casada. Pais que têm poucos filhos, de preferência apenas um - embora seja aconselhável ter um animal de estimação por causa da solidão -, o que impede alguma consistência familiar. Só convém ter filhos quando a vida se ajusta ou dá jeito, isto é, quando as condições económicas, profissionais, governamentais, habitacionais, etcetera e tais, as ideais, existirem, e hoje isso é quase impossível. Pouco tempo que os membros de uma família têm uns para os outros porque todos regressam tarde, têm de levantar cedo e deitam cedo. Pouco tempo que sobra das refeições. Quando as há em comum, é com televisão ligada. Passam mais tempo fora que com os de casa. No emprego, na escola, na ama, no café. Filhos que recebem dos pais esta ausência de relação, de encontro e assim continuam fora de casa a mesma forma de viver. Ou então procuram encontrar esse espaço em outros que podem não ser os melhores companheiros ou companhias. Casa-se a Vamos ver se dá.
Valorizei as famílias de acolhimento, os pais adoptivos, os lares que funcionam como uma segunda família, ou as casas para estudantes, ou a possibilidade de uma paternidade mais responsável com o acesso à informação que hoje existe. Digo eu que existe. Ou a possibilidade que os jovens têm de conhecer melhor a sua esposa ou esposo, dado que trocam com frequência e experimentam muitos parceiros.
Falei, com argumentos da Escritura, da importância da Família para Deus. De que era o berço da sociedade. Falei que ela resolveria a maior parte dos problemas que nos aparecem. Que era nela que se deviam concentrar os esforços, as instituições, os governos, as campanhas. E no final da missa, dando os parabéns aos pais da criança baptizada, à própria criança, aproveitei para deixar no ar a ideia vocacional do sacerdócio. Noutras palavras. Que o Joãozito possa ser um grande homem, quem sabe um sacerdote. Não que o sacerdote tivesse de ser necessariamente um grande homem. Pergunto aos pais se gostavam ou se deixavam. E eles acenam ao mesmo tempo, quase premeditadamente, não. Pronto. Encolhi-me. Já na sacristia, diz-me o pai. Para malhar no pessoal, já chegam os que há. Não foi o que fez há pouco?!

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Se foi a direita ou a menos direita

É saboroso acordarmos e avistarmos algo estranho do lado de lá da porta da entrada, abrirmos a porta, abrirmos o saco e darmos de caras com uma prendinha de alguém anónimo, alguém que sabemos ser da paróquia, que sabemos amar-nos, mas que cumpre aquilo do dar sem que saiba a esquerda. Foi assim no dia de Natal. Mais tarde, tal como um ou dois dias antes, outros embrulhos com nome. A Maria, O António, A Dolores, o António outra vez, entre outros. Claro que são nomes fictícios, porque é mais importante o dar com a direita sem que saiba a esquerda. Para mim contam, mas para o caso não contam os nomes. O gesto diz deles o que o amor diz de Deus. E o que me traz aqui estas palavras nem é esta questão. São as questões das prendas. Imaginem que oitenta por cento das prendinhas amigas que recebi dos meus paroquianos foram garrafas e garrafas, bebidas finas, coisa e tal, vinhos do Porto, Whisky, Licores, Vinho de mesa, champanhe. Tenho uma série delas por arrumar em cima da mesa da cozinha. E não percebi o que me quiseram dizer. Precisas de outra cor? Precisas tornar-te um homem? Não sei que hei-de dar, por isso dou algo que os padres devem gostar? Ele junta-se muito com os amigos? Queremos vê-lo alegre? A vida do padre não tem sabor? É uma boa companhia? Não vai precisar de sair de casa para a apanhar? Queremos que ele nos faça as vontades e é meio caminho andado? Ou Somos tão amigos seus que lhe damos o que para nós seria a melhor prenda? Ou ainda, é apenas um gesto, se fosse roupa não tínhamos medidas e certeza de gostos, se fosse biblot não fazia falta, se fosse comida, não é tempo disso, se fosse um livro, deve ter muitos e não sei escolher, se fosse… o que é certo é que tenho gente que me ama, sem que para mim interesse se foi a direita, se há-de ser menos direita a que me mostra o seu amor!

Mesmo assim gostava de saber...