O Henrique mora nas minhas paróquias, perto da casa da mãe onde costumo ir comer de vez em quando. São gente que se nota ao longe a sua beleza. Gente que não olha a muitos meios para amar à maneira de Deus. E por isso ali vou quase todas as semanas partilhar do seu comer. O Henrique é filho desta gente e irmão da Luísa. O Henrique, que andou num colégio de padres, deixou de ir à missa. Deixou-se destas coisas, embora ache que gosta muito de Deus. A Luísa vai à missa, e deixou-se deslumbrar por este padre que lhe está a mostrar um rosto diferente de Deus, diz ela. Que a está a encantar com as suas palavras na homilia, com os seus gestos fora da missa, com as coisas que vai criando ou incentivando, com a forma como acaba por ser, de certo modo, exigente à maneira de Cristo. Enfim, pela boca dela, poderia enumerar uma série de coisas do padre novo que está nesta paróquia que é minha. Tem contado ao irmão este seu sentir. O Henrique, apesar de ser gentil, faz cara de desconfiado. Mas há dias teve, por força da proximidade, de ir à missa onde se baptizava um sobrinho. Até aqui tudo normal. Quando o vi, e por saber da sua mais ou menos renitência em ir à missa, achei que estava na hora de lhe pregar um “susto”, entre aspas. E pelos vistos, consegui. Umas horas depois da missa tivemos oportunidade de conversar, eu o Henrique, ao que ele me disse que estava assim como que de boca aberta. Já tinha visto e conhecido muitos padres, mas a irmã afinal tinha razão. Era um comunicador excelente. Não só falava claro, como quase obrigava a que se estivesse muito atento. Criava um suspense no que dizia. Tinha um raciocínio lógico. Numa palavra, ficara deslumbrado. Eu ouvi com uma certa alegria. Vá, na verdade foi mais um certo gozo. E como se não bastasse, mostrei-me muito de acordo com ele. E no meio de um discretíssimo Mas o mais importante não é o como disse, mas o que disse, ainda me dei ao desplante de acrescentar mais uns atributos à minha homilia. Não a mim, não. Repito que foi à minha homilia! Que ela tinha um princípio, meio e fim, que me saía com naturalidade, que gostava de estar a falar com as pessoas e não para as pessoas, e até certo ponto eu poderia ter razão. Só que a perdi completamente, quando, de um momento para o outro, se deu o inesperado. De cerca de um metro e setenta, passei a ter seis metros e setenta. Fiquei a um palmo do teto da casa. O meu tamanho deveras não cabia em mim. Não lhe disse, mas informei-me, para o caso de eu não ter reparado, que assim é que valia a pena ser padre. Mas quando cheguei a casa, com tanto inchar, com tanto metro a mais, ia-me espalhando ao comprido na entrada da minha humilde casa porque tive de me debruçar para entrar. E de repente, aquele que tinha seis metros e setenta, ficou com pouco mais que seis centímetros. Que vergonha ter caído na tentação de me colocar à frente de Deus, de ter ousado querer um prémio em troca da pregação da Palavra e do Reino de Deus. Como se o importante não fosse aquilo que pregava, mas aquele que estava a pregar, o pregador. Deixai-me ao menos terminar com o meu tamanho normal. Cerca de um metro e setenta.
quarta-feira, novembro 28, 2012
sexta-feira, novembro 23, 2012
Deus não quer a nossa religiosidade
Alguém me dizia há dias, porque estava a fazer coisas que, se notava, não me saiam propriamente do coração, que eu ainda não era livre. E não sou tal e qual. Há muito que não sinto a liberdade do Deus que me chamou a ser livre. Porque me canso com uma Religião que vive apenas a religião e que não me deixa viver a fé. Cansamo-nos a trabalhar partindo do princípio que as pessoas têm fé. Mas a verdade é que não têm. Dizia há dias um colega que quanto mais acreditava, menos fazia. Menos coisas fazia. E tinha razão. Ainda há-de chegar o dia em que as pessoas hão-de perceber nitidamente que Deus quer a nossa felicidade e não a nossa religiosidade. Um dia os padres hão-de cansar-se de ser ministros e vão deixar as paróquias serem comunidades. Um dia vamos fechar o super-mercado que são as nossas Igrejas para as transformarmos no abrigo da nossa comunhão. Um dia. Um dia. Entretanto, deixem-me continuar preso a esta correia que me puseram ao pescoço. Não, não é um cabeção. Não é um fio de ouro. Não é visível. Só eu é que a vejo, e quem me vai conhecendo. Mas Um dia há-de chegar.
terça-feira, novembro 20, 2012
O que fizeste de especial para e na Semana dos Seminários deste ano 2012?
Interrompo o género de sondagens que pretendia relacionar o que pensamos e sentimos com Deus, para fazer uma sondagem a propósito da dita Semana dos Seminários que ocorreu na semana de 11 a 18 de Novembro passado. Esta sondagem tem como objectivo avaliar a sua necessidade , a importância que lhe damos, o sentido que ela tem, a nossa real preocupação com os Seminários, caso exista.
Embora a opção neste caso não precise propriamente de ser fundamentada, abrimos ao diálogo esta questão, aqui nos comentários, bem como à eventual justificação da opção escolhida.
A pergunta é: O que fizeste de especial para e na Semana dos Seminários deste ano 2012?
sábado, novembro 17, 2012
O Seminário deixou de ser uma proposta
Foi durante uma missa festiva com e para as crianças. Abordei o assunto após a homilia que falava, a propósito da viúva de Sarepta e da que deitou duas moedas no Templo, que era mais importante dar-se que dar, dar-se o que se é do que o que se tem. Comecei assim como quem não quer fazer alarido. A propósito, hoje tem início a Semana dos Seminários. E voltei-me para as crianças que estavam atentas, perguntando se tinham conhecimento desta semana. Que não, não conheciam. Perguntei se sabiam o que eram os Seminários. Que não, não faziam a menor ideia. Se já tinham ouvido falar dos Seminários. Ou da boca dos pais, ou dos avós, ou na escola, ou aos amigos. Agora que lembro, não acrescentei a catequese. Nada, nunca tinham ouvido essa palavra sequer. Pronto. Acho que fiquei sem palavras, embora não me tivesse calado de imediato. Recordo que antigamente a cultura valorizava muito mais os padres e a mesma cultura achava que esta era uma boa proposta para propor aos meninos. Hoje as propostas são outras. Passam pelas engenharias, pelas medicinas, pelas advocacias, pelas doutorices. Embora eu ache que o valor dos padres está em Deus e não neles, embora eu ache que os padres não devam procurar reconhecimentos, embora eu ache que os padres devam ser um que conduz e vai ao lado, sem que espere que caminhem atrás ou à sua frente de joelhos, a verdade é que me incomoda que esta proposta tenha sido posta de parte, mesmo por aqueles que se acham católicos e vão à missa.
quarta-feira, novembro 14, 2012
Na lareira 2
Volto de novo à lareira que fica na casa de retiros onde me encontro. Continua a chover, e continuo sozinho. Depois da noite de ontem, apanhei o vício de vir à lareira quando todos já estão no silêncio dos seus quartos. Estamos quase duas dezenas de padres neste retiro. Estamos vários dias. Como está frio, a lareira é um ponto de chegada e de partida. Por isso quero partir da lareira. Quero partir da lareira para chegar a Ti, como se este calor fosse uma amostra do grande calor que me espera ao fim do caminho. Por falar, em caminho, hoje descobri, mais uma vez, que Tu és Caminho, e digo alto aquela expressão que se ouve dizer por ai. O Caminho faz-se caminhando. Porém, como vivo, insistentemente, à volta do que tenho de fazer, do que me cansa e me desilude, do que eu não queria que fosse assim, transformo estas coisas no meu verdadeiro deus, porque é a elas que dedico a minha atenção, a minha vida, o meu desamor. Por conseguinte o caminho fica por fazer. E quando penso, como agora, em reatá-lo, já não lhe sei a direcção. As voltas à volta das coisas que tornei deus, deixaram-me zonzo, perdido. Não estou triste, Senhor. Está só a chover, a noite começou e faz frio. Mas com esta chuva, talvez o vidro se desembacie e eu descubra de uma vez por todas o Caminho que leva à terra prometida. Faz-me bem limpar estas coisas. Torná-las mais nítidas. Vou aquecer-me mais um pouco e vou dormir. Amanhã apetece-me procurar esse caminho.
domingo, novembro 11, 2012
Na lareira 1
Chove na rua e estou sentado à lareira que fica na casa de retiros onde me encontro. Estou sozinho com as pequenas labaredas que saem da lareira. Olho-as embalado pelo barulho das gotas de água que caem na terra e no telhado. Está frio lá fora. A noite começou. Foram todos deitar-se. Posso finalmente pensar em Ti sem que ninguém me interrompa, à minha maneira. E penso-te de uma maneira como sempre pensei e não quero pensar. Penso que és o meu Deus. E um peso cai-me em cima, como se fosses a mala que carrego, ou o carro que conduzo, ou a minha aparelhagem sonora. Como se Te tivesse comprado em alguma loja e fosses posse minha. Como um par de calças ou um sobretudo ajustado à minha forma de ser, às minhas canseiras e desabafos. Tenho vontade de que sejas assim ou assado. Vejo-me a dizer-te como devias fazer, como devias resolver este ou aquele assunto. Digo o que era melhor, como se o teu melhor coubesse milimetricamente no meu querer. Mas hoje descobri que Tu não és o Deus que eu quero, mas o Deus que Tu és. Eu não posso limitar-te. O Deus que Tu és é demasiado grande para caber na minha cabeça. E a chuva continua lá fora e a lareira à minha frente.
quinta-feira, novembro 08, 2012
Vem aí uma Semana dos Seminários
Vem aí mais uma Semana dos Seminários, tal como há um dia que é da mulher. Acho mal que haja um dia para as mulheres se lembrarem quão importantes são. Ou não. Tal como acho mal que haja necessidade de haver uma Semana dos Seminários quando em todas as semanas os Seminários são necessários. Ou não. Deviam também inventar um dia ou uma semana ou um mês dos padres, para as pessoas lembrarem como os padres são importantes. O Papa bem inventou um ano dos padres. Mas não chegou. Será um ano pouco, ou não vale sequer a pena falar destas coisas? Já lá vão uns dois ou três anos, mas parecem mais. Lembro que me esforcei para dar mais sentido ao meu sacerdócio. Lembro que a Igreja falou muito nisso. Lembro como a Comunicação Social se aproveitou desse ano. Não lembro muito mais. Tenho a cabeça ocupada. Tenho a cabeça ocupada a pensar que as Semanas dos Seminários não são precisas porque as pessoas não querem estar preocupadas com as vocações ao sacerdócio. Querem o padre porque e quando o precisam. Mas não querem saber se há vocações ou não. Lá aparecem umas senhoras bem intencionadas que rezam de vez em quando para que hajam vocações. Mas sem que isso tenha implicações na sua vida. Lá aparece uma paróquia ou outra que se queixa quando fica sem padre, quando o seu padre se vai, ou morre, mas depressa esquecem, pois vem outro com a mesma pressa. Na Semana dos Seminários deste ano vou fazer umas perguntas nas minhas paróquias. Está combinado. Quero saber se é só mais uma semana ou não.
domingo, novembro 04, 2012
Uma romagem animada
Tínhamos acabado de chegar ao cemitério para cumprir a nossa romagem, como é hábito nesta época. Já estavam todos à minha volta para darmos início à Celebração, quando dois cães decidiram penetrar no círculo, por entre as pessoas. Começa o enxotanço daqui e dali. Uns com um psit, não sei se apropriado mas sonoro. Outros com o pé, como se os pobres animais fossem duas bolas de futebol. Graças a Deus que ninguém lhes acertou. Mas talvez por isso os ditos animais teimaram em voltar ao centro da cerimónia. Todos nos distraíamos com a situação. Até que uma senhora chegou à fala com um deles, o que lhe havia passado mais perto. Psit, vai lá para a rua. Ó meus amigos, desculpai, mas não resisti. E no mesmo tom da senhora, embora entre os dentes e mais envergonhado que ela, eu acrescentei. Mas na rua já ele está. Pois claro que a senhora queria dizer Vai lá para fora do cemitério. E todos o havíamos entendido. Só que não resisti. E comigo, nenhum dos romeiros resistiu em soltar uns valentes sorrisos. E assim tivemos uma romagem ao cemitério mais animada. Não que tenham de ser necessariamente alegres, ou alegres desta forma. Mas, a meu ver, seriam mais verdadeiras as romagens que nos fizessem sentir a alegria da Vida Eterna. Ponto final, que ainda estou com vontade de me rir.
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