sábado, janeiro 30, 2021

legalizar a eutanásia

No meu país está de moda o progressismo ideológico. Está de moda o que parece bem a uma civilização dita moderna. Mas confundem-se os conceitos. A maioria dos cidadãos nem sabe bem o que significa ser uma sociedade moderna. E tanto o sistema como o anti-sistema, aliados ao mundo prolífero dos milhares de opinadores sem argumentos que temos em cada computador ou telemóvel e que o mundo virtual potenciou, fazem deste meu país um país do um certo faz de conta. É um país que não se capacita o suficiente para melhorar as condições sociais, sanitárias e humanas dos cidadãos, mas está disposto a favorecer-lhes a morte. 
Estamos, ao momento, a lidar com uma situação sem precedentes numa luta contra uma pandemia que nos colocou na cauda do mundo, e no parlamento português a preocupação dos deputados é a legalização da eutanásia, que aprovou ontem, para se tornar o quarto país na Europa e o sétimo no Mundo a fazê-lo. 
E se alguém manifesta a sua discordância, porque tem tanto direito como aqueloutro que defende o contrário, é logo apelidado, por uma certa opinião pública, de conservador e de juiz da vontade dos outros. Como se o contrário não fosse exactamente um juízo sobre a vontade dos outros e como se defender a vida fosse ser antiquado.
Todos somos frágeis e cometemos erros. Cada um de nós comete erros e vive no meio de fragilidades. Portanto, todos devemos usar e usufruir da misericórdia e do perdão quando fazemos opções erradas com a nossa vida. Mas um estado, uma sociedade, este modo organizado de vida uns com os outros, deve procurar a defesa da vida e não a defesa da morte, sempre e a todo o custo. É a principal garantia que se deve dar a cada indivíduo. 
Além disso, na constituição do meu país, no número 1 do artigo 24, pode ler-se que “a vida humana é inviolável”. Ou os deputados deste meu país também vão rever este artigo para justificar a sua decisão? O referido artigo não diz que o direito à vida é inviolável, mas que a vida é inviolável. Neste momento, o Estado não está a ter a capacidade de garantir a vida a quem quer viver, mas quer ter o poder de conceder a morte a quem quer morrer. 
Estou triste e estou a fazer um esforço para não gritar contra quem não quer que eu dê minha opinião, mas quer que eu aceite a sua. E ainda aproveitam a ocasião para denegrir a Igreja. Sim, porque sempre que um padre fala sobre este assunto, atacam-no como Igreja e não como a pessoa que tem uma opinião diferente e que tem tanto direito como o oponente a dar a sua opinião. Ou como se a Igreja, mesmo que frágil, não pudesse emitir a sua opinião ou defender uma causa.
Estou consciente do quão difícil é sofrer e ver sofrer alguém que amamos. Não me podem contradizer como se não o soubesse na primeira pessoa. Estou convencido, porém, que o sofrimento não se combate com a morte, mas com soluções que minimizem o mesmo sofrimento. Legalizar a eutanásia é a oportunidade para um Estado se demitir de encontrar ou reforçar soluções como os cuidados paliativos e os cuidados continuados, entre outras similares. 
Estou convencido que, mesmo no maior sofrimento, ninguém quer morrer. O que essa pessoa pretende é não sofrer. E era aqui que o meu país devia gastar as suas energias num tempo em que todos, de um modo ou de outro, estamos a sofrer.
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Dona da minha vida"

sexta-feira, janeiro 29, 2021

as chagas [poema 300]

Também não sei porque pensei nas chagas 
E as trouxe a mim, na pele coladas. 
 
Olha que as vasilhas estão ao fogão 
E a água cresce nelas para queimar 
E secar no chão 
 
Não sei onde deixei as chagas, no meio das margaridas, 
Entre as folhas mal cortadas meio-feridas 
 
Rebentaram nas panelas, 
Secaram perdidas

quarta-feira, janeiro 27, 2021

O amor que salva

O marido não ia à missa. Era bom homem. Como ela me confidenciava, nunca se queixava nem nunca dizia mal de quem quer que fosse. Estava sempre tudo bem. E dizem-me as outras pessoas que privavam com ele que tinha sempre uma palavra de alento. Uma palavra e uma atenção. Não era mau homem, senhor padre. Não era. Mesmo sem ir à missa, senhor padre. Não era mau homem. 
A viúva do senhor António é uma mulher de grande fé. Nunca falta à missa dominical. Mas não é por isso que acho que tem uma grande fé. Nas acções do dia a dia, na forma como vive as adversidades, que são muitas, no modo como encara a vida e o próximo. Em quase tudo da vida da viúva do senhor António vejo o esforço por se configurar com Cristo. Ama-o muito, como me diz. E é n’Ele que descansa as dificuldades. Mas agora perdeu quem mais amava, o seu mais que tudo, a outra face da sua vida. Era um casal com pouco mais de quarenta anos de matrimónio. Ainda tem uns bons anos pela frente até se reformar. E agora sente-se perdida. Sabe que Deus amava muito o seu marido, mas queria sossegar-se e por isso me perguntava se eu achava que o seu marido já estava no céu. Porque ele não ia à missa, mas era bom homem. Ela também sabia que não bastava ser bom para ter fé. Há muita gente sem fé que é imensamente bondosa. Mas ela queria que ele se salvasse e queria saber da minha boca que ele se salvava. 
Fui para casa pensar nestas coisas. O que lhe respondi na hora foi que o amor salvava. Disse-o de uma forma muito consciente, porque estou convicto de que é o Amor de Deus que nos salva. Que nós não compramos a salvação. Tal como o amor de Deus não tem medida, também estou convencido de que uma fé cheia de amor salva. Estou profundamente convencido que o amor e fé daquela mulher valem pelos dois, por ela e pelo marido. E fiquei a pensar nisto… 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Padre, será que o meu marido está no céu?

segunda-feira, janeiro 25, 2021

sangue cruzado [poema 299]

Ainda te imagino a descer da cruz que trago ao peito. 
Estavas cansado nessa noite pela entrega do teu corpo 
E desceste como se viesses só, na mão dos malfeitores 
O sangue não era mais teu, tinha-se posto em fuga 
No meu 
 
Ainda te imagino no meio de muitos lençóis de verdade 
Onde me perco de lamparina acesa, a procurar por nós. 
 
Quem há-de subir pelo mesmo pranto até chegar ao íntimo 
Dos dois? 
 
Quem de nós há-de traçar o madeiro onde havemos de morrer 
Depois?

sexta-feira, janeiro 22, 2021

ser bom ou fazer o que tem de ser

Veio ter comigo porque estava muito incomodada desde há uns três ou quatro dias a esta parte. Tinha dito a uma pessoa amiga um Não que lhe custara dizer. Que lhe custara dar. Estava habituada a dar-lhe sempre um Sim, mesmo quando ela não o merecia muito. Abria as suas portas e as portas da sua casa sempre que a outra amiga precisava. Fazia-o com amor, por amor, e mesmo que ela não o merecesse. Dizia-me isso porque esta vinha muitas vezes para sua casa, com familiares incluídos, onde dormia e comia sem problemas, e há umas duas dezenas de anos que não a retribuía com um convite a visitá-la em sua casa. Morava longe. Mas tão longe como ela da sua casa. A mesma distância. 
E agora, dizia-me, teve necessidade de pernoitar na terra onde ela morava. Precisara mesmo, senão não lhe tinha endereçado nenhum pedido. E sabe qual foi a resposta, senhor padre? Sabe? Não tenho cama para ti. Fosse como fosse, até porque lhe bastava um chão com uns cobertores. Não precisava senão ter onde ficar, para não ficar ao relento ou não ter de pagar um hotel ou pensão. E a amiga fechara-lhe a porta que já há anos não lhe abria. Custou-lhe. Não porque se sentisse traída na sua bondade. Ficara apenas sentida com o modo como a amiga tinha sido ingrata, sem grandes explicações. 
Mas passaram poucos dias, mesmo muito poucos, senhor padre, e a amiga pedira-lhe, novamente, asilo. O marido até se tinha zangado. E ela disse que não. Que desta vez não podia. Mas isso incomodava-a, até porque tinha para si, na sua forma de ser cristã, a meta da bondade sem interesse. 
Não lhe respondi para a sossegar. O que lhe disse, disse-o porque o penso assim. Uma coisa é ser bom. Outra coisa é fazer o que tem de ser, o mais correcto. Devemos sempre fazer o bem. Mesmo quando nos fazem mal ou não nos fazem bem. Devemos fazer o bem, como diz o ditado, sem saber a quem. Mas, às vezes, há coisas que temos de fazer porque têm de ser feitas, por bem. A amiga dela precisava de uma lição. Não podemos confundir ser bom com ser condescendente. Aquela sua amiga precisava de aprender a ser boa também. Ensinar alguém a fazer o bem é um grande gesto de bondade. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O Carlos que é meu sacristão"

quarta-feira, janeiro 20, 2021

sondagem "best post" 2020

Deixamos os resultados da última sondagem que perguntava: Na tua opinião, qual o "acontecimento" mais marcante do pontificado de Francisco em 2020? 

O amplo destaque da oração de sexta-feira santa denota o que significou aquele gesto do Papa para todo o mundo. Mas a segunda e terceira escolhas têm a sua importância. A encíclica Fratelli Tutti e o ano Laudato Si apontam para um novo rumo no mundo. A ver vamos!

Iniciamos, igualmente, uma nova sondagem, no lado direito do sidebar, para perguntar qual foi, na nossa opinião, o melhor, mais tocante ou mais interessante texto não poético de 2020. Os 10 textos a votação foram seleccionados de acordo com as indicações dos "penitentes" deste espaço e de acordo com a minha apreciação. Quem os quiser "revisitar", tem os links respectivos abaixo da sondagem. Bem haja pelo vosso interesse e colaboração!

segunda-feira, janeiro 18, 2021

iacobus [poema 298]

Enquanto os pés me deixam, eu faço as circunferências 
Em teu redor, são ponteiros de relógio marcados no chão 
Quente, da terra batida, lume aceso quando passas. 
 
E acende-se o sol na poeira dos meus dias, descalços 
Os pés que te percorrem na ânsia de serem mãos a correr,
Braços a crescer das mãos, e a morrer 
Para te abraçar.

quinta-feira, janeiro 14, 2021

"best post" 2020

Embora sabendo que não é o mais importante, é uma boa desculpa para revermos e relermos textos deste ano atípico. Assim, peço a vossa ajuda para seleccionar aqueles textos/prosa que considerais ou considerastes como os melhores, os mais tocantes ou interessantes em 2020. 

Indiquem nos comentários o título ou títulos dos vossos preferidos. 

Deixo algumas sugestões, de acordo com a minha apreciação particular e tendo em conta alguns dos que foram mais visualizados, mas podem indicar outros que aqui não se encontrem linkados. Agradeço desde já a vossa participação e colaboração. 

Como nas outras ocasiões, tenciono posteriormente colocar os melhores à votação. Podem sugerir outros que não estejam nesta selecção. A mim fez-me bem relê-los. Pode ser que faça bem a mais alguém.

Quem quiser dar uma espreitadela aos "best post" de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 clique AQUI.
 

janeiro

conversas de outros mundos

O menino Jesus sem casa

 

fevereiro

Eu thanatos

 

março

Contaminados pelo vírus do pânico

a nossa parte

O beijo do meu pai

A igualdade das mulheres na Igreja

A ‘minha’ ou a ‘nossa’ missa

 

abril

A Igreja que está para vir

uma Igreja virtual

Encontrei o beijo do meu pai

Olha, faz o bem

 

maio

Subir ao céu em corpo e alma

A Igreja que faz o mesmo de sempre

As igrejas vazias e fechadas

A Igreja que está aí

 

junho

A desculpa do vírus

A Luiza está no céu a enfeitar igrejas

A Igreja do relacional

a verdade anda cada vez mais longe da verdade

A importância da eucaristia

Onde esteve a Igreja nestes tempos

 

julho

O ministério sacerdotal não é um privilégio

Deus no quintal

 

agosto

Deus ama-nos, não porque sejamos bons, mas porque Ele é bom.

 

setembro

A oração como saída de nós mesmos

 

Outubro

Gostar das pessoas

Uma fé que quer Deus sem esforço

O retiro e a percepção de Deus

Às vezes infantilizamos o sacramento da penitência

 

Novembro

As missas e a azeitona

Tratar dos pobres

Doer sem tempo para doer

A santidade dos que não são santos

A morte como um fim

 

dezembro

o inimaginável Deus vulnerável

Não é uma porta fechada que fecha uma igreja.

O Miguelito e o Papa

Mãos ao alto