sexta-feira, janeiro 22, 2021

ser bom ou fazer o que tem de ser

Veio ter comigo porque estava muito incomodada desde há uns três ou quatro dias a esta parte. Tinha dito a uma pessoa amiga um Não que lhe custara dizer. Que lhe custara dar. Estava habituada a dar-lhe sempre um Sim, mesmo quando ela não o merecia muito. Abria as suas portas e as portas da sua casa sempre que a outra amiga precisava. Fazia-o com amor, por amor, e mesmo que ela não o merecesse. Dizia-me isso porque esta vinha muitas vezes para sua casa, com familiares incluídos, onde dormia e comia sem problemas, e há umas duas dezenas de anos que não a retribuía com um convite a visitá-la em sua casa. Morava longe. Mas tão longe como ela da sua casa. A mesma distância. 
E agora, dizia-me, teve necessidade de pernoitar na terra onde ela morava. Precisara mesmo, senão não lhe tinha endereçado nenhum pedido. E sabe qual foi a resposta, senhor padre? Sabe? Não tenho cama para ti. Fosse como fosse, até porque lhe bastava um chão com uns cobertores. Não precisava senão ter onde ficar, para não ficar ao relento ou não ter de pagar um hotel ou pensão. E a amiga fechara-lhe a porta que já há anos não lhe abria. Custou-lhe. Não porque se sentisse traída na sua bondade. Ficara apenas sentida com o modo como a amiga tinha sido ingrata, sem grandes explicações. 
Mas passaram poucos dias, mesmo muito poucos, senhor padre, e a amiga pedira-lhe, novamente, asilo. O marido até se tinha zangado. E ela disse que não. Que desta vez não podia. Mas isso incomodava-a, até porque tinha para si, na sua forma de ser cristã, a meta da bondade sem interesse. 
Não lhe respondi para a sossegar. O que lhe disse, disse-o porque o penso assim. Uma coisa é ser bom. Outra coisa é fazer o que tem de ser, o mais correcto. Devemos sempre fazer o bem. Mesmo quando nos fazem mal ou não nos fazem bem. Devemos fazer o bem, como diz o ditado, sem saber a quem. Mas, às vezes, há coisas que temos de fazer porque têm de ser feitas, por bem. A amiga dela precisava de uma lição. Não podemos confundir ser bom com ser condescendente. Aquela sua amiga precisava de aprender a ser boa também. Ensinar alguém a fazer o bem é um grande gesto de bondade. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O Carlos que é meu sacristão"

4 comentários:

Anónimo disse...

Boa noite Padre Confessionário. Eu escolho fazer o que se tem de fazer, embora compreendo muito bem a insatisfação da pessoa que depois de dar muitas vezes sim, deu um não. Há pessoas que só aprendem quando sentem na pele aquilo que fazem aos outros. Talvez na próxima vez quando lhe apetecer dizer não... pense duas vezes. Quando digo um não e sofro pela atitude que tomei, ofereço o meu sofrimento pela pessoa para que aprenda a ser altruísta . Nina

Ailime disse...

Bom dia Senhor Padre,
Uma situação deveras embaraçosa.
Qualquer pessoa se sentiria magoada, direi, numa situação dessas.
O não foi uma forma de ensinar o bem mesmo que tivesse ficado incomodada.
Deus decerto não se zanga connosco se, de vez em quando, dermos uma liçãozinha como essa.
Bom domingo.
Ailime

Anónimo disse...

"Ensinar alguém a fazer o bem é um grande gesto de bondade"

nem mais, padre

Anónimo disse...

Durante muito tempo, uma pessoa do meu Bairro procurou não me facilitar a vida. Num dia passei por ela, estava uma tempestade de meter medo. Dentro de mim travou-se uma luta de duas forças: era como se um anjo dissesse para parar o carro e dar-lhe boleia e por outro lado, um diabinho que mandava avançar sem parar. Venceu o anjo. Parei e ofereci baleia e recebi como resposta, alguns palavrões e rejeição do meu obséquio. Quando antes de me deitar, fiz a minha reflexão sobre o dia que passou, ofereci ao bom Deus a boa ação que não consegui realizar. Interessante que neste momento tive a sensação que esta foi aceite como se tivesse sido. Adormeci com a consciência do dever cumprido. Este é o melhor calmante para uma noite tranquila, praticar o bem sem olhar a quem!