segunda-feira, setembro 30, 2024

A senhora que não quis crismar-se, de modo algum

Foi convidada para ser madrinha de um baptismo, mas não está crismada. Foi-lhe proposto que pensasse no assunto e que fizesse o necessário para se crismar e poder ser uma madrinha no verdadeiro sentido da palavra. Não. A resposta foi um rotundo Não, de modo algum. Não está interessada. Isto é, não tem qualquer interesse neste sacramento. Não lhe diz nada e também não está interessada que lhe falem da fé ou de Deus. Não quer, com um rotundo Não. Mas gostava de ser madrinha de baptismo da sobrinha. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Tem de ser ele o padrinho"

sexta-feira, setembro 20, 2024

A catequese que nunca lhe valera de nada

Num diálogo com jovens sobre opções e sobre a fé, fazia-se um balanço da caminhada espiritual que cada um estava fazendo. Todos iam falando, uns mais à vontade, outros mais a medo. A Maria, que terminara a catequese de infância e adolescência há três anos, falava sem rodeios. Não era rapariga de faltar às sessões da catequese. E não fazia parte do grupo dos mal comportados. Mas o seu interesse era diminuto, contou. A catequese nunca lhe valera de nada. Ia por ir. Fazia a vontade aos pais e não se importava de acompanhar algumas amigas. Ninguém a interrompeu enquanto falava estas coisas. O resto dos jovens presentes não esboçava sinais de admiração ou de condena. Muito menos eu. Apenas me intrigava que, apesar desse entendimento da catequese, ela estivesse agora ali, presente, por vontade própria, no seio de um grupo de jovens para dialogar e pensar a fé. Até que a Maria concluiu a sua intervenção dizendo: só mais tarde as coisas começaram a fazer sentido. Só algum tempo depois de ter deixado a catequese fui começando a entender como a catequese me fora importante.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A catequista e o menino"

quarta-feira, setembro 11, 2024

nós [poema 394]

não digo que te amo para não gastar a palavra 
ela tem vida própria e faz-se tua quando a digo 
quero, porém, que seja dos dois e fique no pensamento 
onde não me sai e continua a ser minha, mesmo 
sendo tua 
 
amo-te por dentro, que é o lugar onde acontece 
a verdade das coisas 
e guardo-te na palavra que significas tu 
ou melhor, nós 
 
amo-te por dentro porque é o lugar
onde tu aconteces
e somos nós

sábado, setembro 07, 2024

O milagre da morte

Ela queria um milagre. Diante do caixão com o filho de vinte e oito anos, ela repetia que esperava um milagre. O filho mais velho morrera há uns doze anos com sorte parecida, em idade mais jovem ainda. Este segundo filho estivera em sofrimento uns três anos e agora partira para o Senhor. Os pais não têm mais filhos para cuidar. Não têm mais filhos para esperar o seu futuro e sonhar com ele. Dá para imaginar o sofrimento, mas não dá para o medir. Era mais que visível, tanto no rosto pálido da mãe como no do pai, assim como nos seus corpos sem expressão, sem alento, sem força senão para estar ali e se puderem despedir do menino. Olha o teu pai e a tua mãe, dizia o pai. E a mãe desfalecia em gemidos. A Missa foi toda ela um gemido contido. A multidão dentro da Igreja era prolongada pela multidão fora dela. Não se cabia naquele sofrimento. A homilia foi pesada. Foi pesada no sentido de ser pesarosa, e foi pesada porque se pesou cada palavra. A certa altura, a mãe interveio, dizendo ao senhor padre que nunca perdera a esperança, porque esperava um milagre. Ainda bem, respondeu o senhor padre. Como dizia a primeira leitura que escutámos, “A esperança não engana porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações”. O padre cruzava os olhos com ela no primeiro banco da igreja, sofria com ela à sua maneira, e aproveitava as suas palavras para falar do verdadeiro milagre que estava a acontecer. Este mistério da morte, que é tão difícil, é, afinal, o maior milagre da vida. Morremos para vivermos eternamente, porque Deus nos ama para além da vida.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As não respostas que são resposta"

terça-feira, setembro 03, 2024

descida na subida [poema 393]

subiu o degrau e eu baixei para a apanhar 
ainda no ar 

cada degrau é uma estrada, 
assim como cada muro é uma escada 

subiu e em cada subida eu desci para a apanhar 
no degrau