sábado, dezembro 26, 2015

Fizemos 10 anos de vida

Ontem, dia 25 de Dezembro, este espaço fez 10 anos.
Na verdade tinha-o iniciado uns tempos antes, como contei em Dezembro de 2006, mas renasceu e aqui está com 10 anos de vida, muitas histórias, muitas amizades, muitos passos dados, muitos textos, muitos comentários, muita coisa que não sei explicar.
Contas feitas:
  • 708 textos (544 textos de prosa,  76 sondagens e, nos últimos dois anos, 88 de poesia)
  • 13.743 comentários (alguns dos quais também são da minha autoria)
  • + de 662.000 visitas contabilizadas
Não sei bem que dizer! É meu costume usar poucas vezes o ponto de exclamação. Gosto mais de frases afirmativas. Porém, hoje é o que me apetece escrever mais. E ao lado dele alguns pontos de interrogação.
O que aconteceu ao longo destes anos está narrado nas palavras escritas, pelo meio delas, em frases não ditas, e com o auxílio de imensos comentários. Não vou esconder que fui muitas vezes ajudado, humana e espiritualmente, pelos comentários aqui deixados. Fazem parte deste espaço, que não é só meu.
Quando penso no futuro, não sei bem que dizer. Não sei bem que vai Deus pedir-me a seguir. Já pensei muitas vezes publicar em formato livro. Mas suponho que isso implicaria dar outro passo, deixando um pouco o anonimato. E não sei se isso é bom para quem me visita. Ou para mim. Às vezes também me vem à ideia um uso maior das redes sociais para que os textos cheguem a mais pessoas. Mas de igual modo não tenho certezas de ser assim que Deus quer. Os textos existem para que quem se encontrar com eles os possa ler.
Não sei muito bem o que por aí vem. Mas sei que já passaram 10 anos e tenho muito para agradecer a Deus. Sinto que neste espaço ficou espelhada a forma como cresci e como cresceu a minha espiritualidade. Sinto que fui muitas vezes força para gente que estava abatida. Sinto que fui algumas vezes um instrumento válido de Deus. E só por isso já valeu. E se, porventura, nalguma ocasião não fui tão correcto ou magoei alguém, mesmo sem querer, deixo agora o meu pedido de desculpas.
Obrigado a todos pelas vossas visitas, comentários, reacções, divulgação e partilhas.
Seja o que Deus quiser!



quinta-feira, dezembro 24, 2015

O tesouro [poema 88]

Preparou o seu nascimento
Amou-o como ao primeiro
Preparou-lhe um simples lar
Como casa que já existia
Mandou tecer roupas antigas
Em vasos de barro e argila
Para amar como ele queria

É um tesouro nascido
No local mais escondido,
O homem

Aproveito para desejar a todos os meus amigos um Natal cheio desse tesouro!

quarta-feira, dezembro 23, 2015

As três chaves

Tenho três chaves na mão. São chaves que me ofereceram quando ainda não sabia balbuciar que estava vivo. São as chaves imaginárias que coloquei hoje de novo nas mãos para olhá-las e compreender-me.
A primeira disseram-me que abria a porta da vida.
A segunda que abria a porta do paraíso.
A última que abria a porta de Deus.
Disseram-me também que só poderia escolher e ficar com uma. E para me ajudar a fazê-lo, disseram-me que se escolhesse a primeira, escolhia a vida. Se escolhesse a segunda, escolheria a vida em plenitude. Se escolhesse a terceira, era escolhido.
Mas escolhido como? Para quê? De que forma? Perguntei eu. Era escolhido para viver amado, receber o amor em plenitude, viver para sempre em Deus.
Meio encolhido, meio envergonhado, sem me achar merecedor, escolhi ser escolhido. Escolhi a terceira. Afinal era a porta das portas!

segunda-feira, dezembro 21, 2015

Já algumas vez propuseste a algum familiar teu entrar no Seminário ou numa vida de consagração?

Depois da pergunta no mês passado sobre a hipótese de alguém da tua família decidir ser padre, e depois dos resultados sumamente positivos e esperançadores, a mim surgiu-me uma outra pergunta que, no fundo, é o outro lado da questão: Já algumas vez propuseste a algum familiar teu entrar no Seminário ou numa vida de consagração?
Numa época em que celebramos a entrega de Deus a cada um de nós, faz sentido pensar na nossa entrega.

sábado, dezembro 19, 2015

Não falo não falo e não falo

Hoje não me apetece olhar-te. Estás aí na Sagrada Custódia e estás bem. Deixa-te estar quietinho. Teimo que não me apetece, mas procuro-te de soslaio, para que nem eu dê conta que te estou a olhar. Baixo a cabeça. Olhar o chão é-me mais fácil. Conto as pregas da madeira e assim não penso em nada. Queres falar, fala para aí sozinho. Hoje não me apetece escutar-te. A vida está meio estranha. Não me canso dela. Gosto da vida que me deste e gosto da missão que me deste. Mas hoje apetece-me ficar sozinho. Não me procures. Lá estas tu a tentar-me. Não estou sozinho nesta capela diante do altar e de ti que estás exposto à adoração, senão assobiava para o lado. Ó pá, não compreendo porque há tanta coisa na vida que não me deixas compreender. Por isso hoje fico aqui sem te falar e sem te olhar. Talvez assim faças alguma coisa à minha maneira. Queres fazer à tua maneira? Não estás cansado que assim seja? A tua maneira já passou de moda. Não falo não falo e não falo, já disse. Sossega que eu também fico aqui sossegado. Não te incomodo. Por isso também não me incomodes. 
Levanto enfim a cabeça com vontade de assobiar para o lado, e olho-te. Não queria falar, mas já falei tanto contigo hoje! Não queria olhar-te, mas não deixava de te ver nos meus pensamentos! Ele há cada uma!

sexta-feira, dezembro 18, 2015

não vida [poema 87]

Vivo sem viver em mim
Vivo na rua das cores e das lojas
Que é mais fácil, mais comum
Fingir que se é o que se assiste

quarta-feira, dezembro 16, 2015

Senhor, toma o meu pecado

Como um amigo me dizia um dia e eu fixei no mais íntimo da memória, Para Deus sempre o melhor. E tenho-me esforçado para que o que lhe dou seja sempre o melhor de mim. O melhor que lhe possa dar. Hoje descobri, por isso, que não me tenho entregado por inteiro, pois nunca me lembrara de lhe entregar o meu pecado. Já falei com Ele várias vezes disso. Mas guardei o pecado para mim, como uma coisa que só se diz. E faz. Não é algo que se entregue a Deus. Que falta de gosto em oferecer a Deus pecados! Que faria com eles? Não os necessita nem faz parte da sua condição divina. Mas preciso eu de lhos entregar para que nada de mim fique por entregar-lhe. 
Não o faço para me aliviar deles. Não o faço para que mos perdoe. É estranho dizer isto, porque bem preciso que mos perdoe. Mas hoje quero fazê-lo a pensar no sentido que faz entregar-lhe todo o meu pecado, para que ao fazê-lo, me entregue deveras com tudo o que sou. Aceita-me, Senhor, como sou, e toma o meu pecado.

segunda-feira, dezembro 14, 2015

Entrada sem explicação [Poema 86]

Entraste sem bater pela porta encerrada
E a casa encerrou-se em redor da mesa

Comemos e falámos de paixões
Entrámos em nós, como um de dois

Não pedimos, deixámos,
Não quisemos, permitimos,
Não nos despedimos, amámos
E aconteceu estares onde estamos

sexta-feira, dezembro 11, 2015

Rezamos pouco

Rezamos pouco. Esta é a realidade. A nossa Igreja reza pouco. Dedica pouco tempo à oração. Mesmo quando celebra a Eucaristia ou outros sacramentos. Mesmo quando usa a piedade popular, o rosário, as jaculatórias, as orações dos postalinhos. Mesmo quando afirma, para sossegar a consciência, que a vida é toda ela uma oração. Pelo menos aquela vida de entrega a Deus. Nós, os padres, somos peritos em usar este argumento falacio. Eu também rezo pouco. Rezo muito pouco. Ou rezo poucas vezes.
Os momentos de oração são aqueles momentos em que entramos na intimidade com Deus, na intimidade de Deus, ou deixamos que Ele entre na nossa humanidade. É aquele espaço de encontro de amor que faz entrar em nós um entusiasmo sem explicação. Aquele entusiasmo que a criança sente ao colo da mãe. Aquele entusiasmo que o amor sente ao ver a amada. A oração não é para ter paz ou estar bem. A oração traz-nos essa paz e esse bem-estar, porque nela estamos em Deus. A oração é aquele não sei quê que não conseguimos explicar, porque entramos num mistério tal que só nos apetece estar ali. Ali com Deus e em Deus.
Por isso rezamos pouco. Porque poucas vezes fazemos autêntica oração.

quarta-feira, dezembro 09, 2015

Queres e eu queria

Vens até mim e eu não te chamei. Bates-me à porta e eu não sei abrir. Queres entrar e eu não tenho espaço. Queres visitar-me e eu não sei estar. Queres estar comigo e eu não sei parar. Queres falar e eu não sei atender. Queres animar-me eu não sei sorrir. Queres dar-me a mão e eu não sei se dê. Queres abraçar-me e eu não sei que é. Queres amar-me, e eu não sei amar. Queres salvar-me e eu não sei viver. Queres sempre sem desistir. Eu resisto sem agradecer.

segunda-feira, dezembro 07, 2015

Miserere II [poema 85]

Estava nas palavras sentado
Quando caiu da cadeira, adormecido
Ficara sem pés, e de joelhos
Caminhava, acordado pela cadeira

Às vezes é preciso cair
Para perceber as palavras

quinta-feira, dezembro 03, 2015

Vem aí a misericórdia

Vem aí o ano da misericórdia. Por isso toda a gente vai usando a palavra como se de um slogan se tratasse. É agora que a misericórdia vai acontecer. Como se ela não tivesse já ocorrido em Deus para connosco de uma forma que não se repetirá jamais. Éramos nós que precisávamos do seu perdão e foi Ele quem tomou a iniciativa de se aproximar de nós para nos amar. Mas eu também me entusiasmo com este desejo ansioso de que algo de belo, autêntico e transformador aconteça este ano. 
Porém não posso esquecer-me daquela senhora que me contava da sua dificuldade em lidar com umas vizinhas e, por outro lado, manifestava um desejo sincero de fazer umas partilhas com uns pobres da terra. Porque também queria ser misericordiosa no ano da misericórdia. 
Cuido que no plano das relações a dificuldade existe porque geralmente nos colocamos no centro da relação. O outro tem de ser como nós queremos, ajustado à nossa forma de pensar, de sentir e de ser. Mesmo sem querer, os problemas com os outros têm na raiz esta dificuldade em nos relacionarmos com eles como são, a partir do ponto onde estão. Não era assim Jesus. Não é assim Deus que teima em aproximar-se de nós como somos. 
Quero dizer-vos hoje que este olhar o outro a partir de nós poderá também impedir a nossa misericórdia. O Papa bem disse e farta-se de repetir: temos de ir às periferias, temos de ir ao encontro dos outros, sobretudo dos que mais necessitam. Temos, afinal, de sair de nós mesmos. Temos de deixar de ser o centro. Senão o que fizermos ao outro não será por ele, mas por nós. Senão o bem que fizermos não será para os outros, mas para nós. Senão os outros não serão sujeito, mas objecto. Nós seremos apenas um deus sem saber que o somos, centrados nesse poder de podermos ser deus. 
No ano da misericórdia se não sairmos de nós ao encontro do outro, poderemos até praticar as obras da misericórdia, mas não seremos misericordiosos. Seremos apenas condescendentes.

quarta-feira, dezembro 02, 2015

Porque sim [poema 84]

Preparou a criação porque sim
Como a rosa nasce sem saber porquê
Já antes viera porque veio a mim
Como a onda vem e torna a vir

Preparou tudo desigual a si
Que é tudo e por um tudo é
Amou primeiro sem que eu fosse
Amou segundo sem que eu seja
Amará depois sem que eu queira

Preparou-se para mim
Tão só porque sim

domingo, novembro 29, 2015

Mesa [poema 83]

Preparou a refeição com o coração
Guardou na jarra de vinho o sangue
Parece pedra ao toque de colher
Espera que o tempo chegue, e chega
Com tempestade e calor e vento
Que sopra para as velas e acendem

O jantar está pronto
Há bancos vazíos para todos
Mas só alguns se sentam

O jantar está sempre pronto
À espera

sábado, novembro 28, 2015

Subi a montanha [poema 82]

Preparou a montanha para falar
Juntaram-se todos para vê-la
Que os olhos percebem o falar
Levavam pedras e palmas nas mãos
Que as mãos também podem falar

Fechei os olhos e as mãos
Desci a montanha, não
Quero falar

quinta-feira, novembro 26, 2015

A auto-salvação

O padre António é um pouco mais novo que eu. Andámos na mesma escola e no mesmo Seminário com diferença de poucos anos. Há dias, ou semanas, tivemos a oportunidade de nos cruzarmos e cumprimentarmos num funeral. O padre António presidiu à celebração e, portanto, à homilia. Falou oportunamente da salvação que vem de Deus através de Jesus Cristo. Que bem falava o António. E recorria à frase conhecida de Jesus que se apresentava como o Caminho, a Verdade e a Vida, dizendo que este caminho que era Ele, era o mesmo que fazer como Ele, segundo o seu exemplo, virtudes, valores, os valores do Evangelho, para que assim pudéssemos chegar ao céu, ao céu da eternidade. Reconheço que de certa forma já falara assim do assunto, com essa explicação que parece óbvia. Mas ao escutar o António, e talvez porque não tinha que pensar no raciocínio do que dizer a seguir, recordei as famosas heresias de Pelágio e de Jansen. Conhecidas respectivamente por pelagianismo e jansenismo. E naquele dia dei por mim a reconhecer que esta forma de falar da salvação é mais uma auto-salvação que uma salvação por Jesus, é mais uma salvação por méritos que pela graça de Deus. Só Deus salva afinal. A nós resta-nos abrir o coração a essa graça tão grande que é o anseio maior da vida. A nós resta-nos o livre arbítrio. A Deus a graça da salvação.

terça-feira, novembro 24, 2015

Aquela Escada [poema 81]

Há uma escada que desces
No meio de uma estrada

Dois passos atrás, um à frente
Conto cada um dos degraus

Sento-me cansado, desces
Degrau a degrau para mim

Há um descer e um depois
Levas-me ao colo pela estrada

Três, sete passos em frente
Não sei se caminho, mas vou

Há um depois e acontece
Vou subindo aquela escada
Ao teu colo, deixo a estrada

segunda-feira, novembro 23, 2015

eternamente a ir [poema 80]

Hoje o dia não termina
Amanhã é de novo hoje
Os dias não terminam
Como a vida segue por
Colina acima e marés
Árvores, flores e terras
Aves, animais e gente
Brancas, negras às cores

É um constante ir e vir
Um sempre a re-nascer
Um eternamente a ir

sexta-feira, novembro 20, 2015

Se alguém da tua família quisesse ser padre, como reagirias?

Depois da última sondagem que perguntava “Daquilo que sabes ou leste do sínodo da família e do seu resultado final, como o qualificarias?” e depois dos resultados que me parecem positivos, embora 25% dos participantes o tenham considerado negativo, proponho agora nova sondagem.
 
Depois de uma Semana dos Seminários em que fomos convidados a reflectir sobre a necessidade dos Seminários e dos sacerdotes, venho agora propor a seguinte questão: Se alguém da tua família quisesse ser padre, como reagirias?
De facto, uma coisa é assumirmos globalmente essa necessidade. Mas outra é assumirmos interiormente. Como reagirias se um filho ou um irmão teu um dia chegassem a casa com este desejo? Responde honestamente e depois de uma reflexão interior.
 
 

terça-feira, novembro 17, 2015

A Igreja de Mãos dadas

Às vezes dou por mim a sonhar. A sonhar com uma Igreja de mãos dadas. Em que todos caminham juntos, embora uns tenham que ir à frente, outros atrás e outros nem sabem em que lugar vão, mas vão. E vão de mãos dadas para se auxiliarem uns aos outros. Sonho uma Igreja em que pastor e ovelhas sejam um rebanho. Sonho uma Igreja em que o padre e os leigos sejam felizes juntos, mesmo com ideias, posturas e projectos diferentes. Sonho uma Igreja em que os baptizados assumem que ser baptizado é querer um caminho e não querer ter direitos de pedir à Igreja o que quer, quando quer e como quer. Sonho uma Igreja em que o padre, embora sendo lutador no bom sentido, porque para chegar a algum lado há que fazer por isso, seja no entanto aquele que luta a favor e não aquele que luta contra. A minha Igreja desconfiada dos dias de hoje parece obrigar-nos tantas vezes a lutarmos contra em vez de lutar a favor, a andarmos na mesma estrada, mas separados, distantes e poucas vezes de mãos dadas.

sábado, novembro 14, 2015

Quando é que sentiu mesmo que tinha de ser padre?

Para quem não sabe, está a decorrer aqui em Portugal a Semana dos Seminários. É uma semana que pede aos cristãos mais consciência da necessidade de vocações ao sacerdócio, mais oração e partilha para com os Seminários. Aqui na minha paróquia maior, os catequistas têm-se esforçado junto dos miúdos para essa tomada de consciência.
Ora ontem um miúdo do quinto ano veio ter comigo à sacristia antes da missa. Saíra da catequese com o propósito de tirar algumas coisas a limpo. A catequista propusera-lhes averiguar das razões pelas quais alguém vai para o Seminário ou para o Sacerdócio. De caderno e lápis na mão, como o melhor jornalista da paróquia, explicou ao que vinha, e começou a fazer perguntas. Senhor padre, diga-me quando é que sentiu que a sua vocação era ser padre. Informei-o que entrei no Seminário com menos idade que ele. Que entrara com muitas vontades e certezas, e que as fora alimentando ao longo dos anos, junto com muitas dúvidas, sacrifício, dificuldades. Era normal, porque o Seminário existe para se fazer discernimento vocacional. Não é para fabricar padres. É para ajudar os seminaristas a crescer nas tais vontades e certezas dentro de um discernimento são.
Escreveu duas ou três linhas, e voltou à carga. Mas quando é que sentiu mesmo que tinha de ser padre? Com esta pergunta relembrei aquele momento da minha vida que não mais vou esquecer e que recordo sempre que preciso de força para a vocação que Deus me deu. Aquele dia em que, diante do sacrário, me questionava sobre as razões para ser padre e descobri que Deus me amava de uma forma que não conseguia explicar. O miúdo parou de escrever. Não compreendera bem. Então o senhor padre foi para padre por causa de amar muito a Deus? Olhei-o, toquei-lhe no ombro, e disse. Não. Não fui para padre por amar muito a Deus, mas porque Deus me ama muito.

quinta-feira, novembro 12, 2015

Uma coisa híbrida entre anjo sem asas e homem sem sexo

Um padre passa e é olhado de forma estranha. Como se fosse algo estranho. Respondem ao seu cumprimento, mas não deixam de murmurar Ali vai o padre. Como se um padre fosse um espécimen raro de ser humano. E se há quem olhe para os padres com admiração, é maior o número daqueles que os olham com pena ou indiferença. Há muita gente que não entende como um homem deixa tanta coisa que o mundo lhe oferece para se tornar padre. São capazes de o associar a Deus, mas a um deus que também é uma coisa rara, uma coisa inventada por uns homens que se intitulam a si próprios de padres. Um padre, à partida, não é bem humano. É uma coisa híbrida entre anjo sem asas e homem sem sexo. 
E deste modo, como poderá o padre ser dos nossos? Como poderá ser aquela pessoa com quem eu quero estar porque é também uma daquelas pessoas que caminha comigo, ao meu lado?! 
Confesso que sou meio estranho. Não gosto de pensar como essas pessoas que pensam nos padres como um ser estranho. 

No final de mais uma semana dos Seminários, valerá a pena pensar nisto?

segunda-feira, novembro 09, 2015

Miserere [poema 79]

Conta-se que havia um deus
Outrora, que não sabia chorar

O seu majestoso e belo sorriso
Criara as estrelas à volta do sol.

O homem não o conseguindo olhar
Dizia Como deve ser lindo esse sol!

Conta-se que o deus sem lágrimas
Perdeu os olhos por não chorar

sexta-feira, novembro 06, 2015

Roma, depósito da fé

Recordo que havia um certo mal-estar quando pisei o chão de Roma pela primeira vez. Havia uma certa ansiedade por me perceber no centro da Igreja. Roma é uma cidade bonita. O vaticano é um local de grande beleza. Peregrinava como um quase turista, mas não deixava de me questionar e de sentir o tal certo mal-estar que não conseguia explicar.
E recordo também que ia na mesma peregrinação um amigo, um bonacheirão, daqueles que gostam de contar piadas e de fazer rir. Este amigo, percebendo o meu mal-estar, e depois de eu ter falado qualquer coisa relacionada com a fé, disse-me Sabia que aqui em Roma há muita fé? Dizem que é o local do mundo onde existe mais fé por metro quadrado. A resposta dele tardou uns quatro segundos e nem me deixou tentar adivinhar qual seria. É que aqueles que aqui vêm com fé, aqui a deixam.
Risadas à parte, o mal-estar permaneceu.

quarta-feira, novembro 04, 2015

Janelas e estradas [poema 78]

Vou olhar todos os dias pela tua janela
Segurar o sol na minha lua amarela
Agarrar-te para lá daquilo que sou

Mesmo quando não estou.

À noite acenderei todas as velas
Deixarei o sol habitar nelas
Saberei as estradas e as margens

Porque vais nas minhas viagens.

segunda-feira, novembro 02, 2015

Homilia para funerais ou fieis defuntos

Estou a preparar a homilia para hoje, dia dos fieis defuntos. É das poucas ocasiões que podemos falar da morte sem os constrangimentos próprios da dor de um funeral. Podemos pensar a morte e dizê-la para que todos nos ouçam sem sofrer. Mas estou aqui às voltas e parece-me que não encontro as palavras certas. Vou pegar numa carta de S. Paulo onde fala que as coisas invisíveis são eternas e onde nos mostra a ressurreição de Jesus como sinal da nossa. Parece-me bem. Ando à volta de termos teológicos que nos dizem que a Encarnação de Jesus faz sentido pela Sua Ressurreição. Que nelas Deus assume a nossa condição humana para nos elevar à Sua condição divina. Mas temo que sejam apenas palavras.
Há uns anos uma jovem amiga contava-me que, ao escutar um colega meu, na sua paróquia, por ocasião dos funerais, este falava tão profundo e tão bem da morte, da ressurreição e da vida eterna, que quase lhe suscitava uma vontade estranha de morrer. Explicava depois que não era por desânimo com a vida, mas por entusiasmo. E olhem que este é o mistério central do nosso anúncio e da nossa missão!
Vou rezar ao Senhor para que na homilia que farei daqui a pouco seja Ele a falar, e para que quem nos escute aos dois sinta esse entusiasmo estranho por um dia poder viver na intimidade de Deus após a morte.

quinta-feira, outubro 29, 2015

A Instituição do padre Zé

O padre Zé, chamemos-lhe assim para pensar que é cá dos nossos, está um pouco desanimado com o seu sacerdócio. Quase tudo o que o rodeia na paróquia onde é pároco lhe soa a desilusão ou lhe cheira a bafio. A sua paróquia é habitada por gente com idade avançada. Não tem catequese organizada. Tem muitas tradições ritualistas e culturais que, diz, não têm um mínimo de fé. O padre Zé veio da Polónia, de um país que ainda é maioritariamente católico, mas católico de cristandade, onde o padre é o quase centro e as pessoas vivem à volta da paróquia, como se aí estivesse quase toda a sua identidade. Não vou dizer o que penso deste tipo de igreja, pois não a admiro muito. De qualquer forma, hoje preocupei-me com o padre Zé e é dele que quero falar. 
É que agora está num país claramente laico e avesso à Igreja. Um país que não quer muito com a fé, e só vai querendo alguma coisa com a Igreja em termos de instituição. Desabafava ele há dias que um par de noivos queria falar com ele. O padre Zé imaginou que pretendiam casar, e tinha razão. Mas não vinham propriamente marcar o casamento. Vinham falar com ele para saber o que era necessário para alugar a Igreja. O padre Zé não teve coragem de perguntar-lhes se era ou não com padre incluído. Mas saiu a chorar da pequena reunião, cansado de estar numa Igreja que apenas é mais uma instituição.

segunda-feira, outubro 26, 2015

Daquilo que sabes ou leste do sínodo da família e do seu resultado final, como o qualificarias?

A anterior sondagem perguntava sobre o acolhimento que se deveria fazer ou não aos refugiados. O assunto continua na linha da frente, pois eles não param de passar as fronteiras da Europa. Segundo as vossas opiniões, devem-se acolher. Se somarmos as percentagens que escolheram o sim, teremos um total de 87%. Pessoalmente achei interessante uma certa confrontação que ao longo da votação foi existindo entre o acolher sem restrições e o acolher com cuidado. Eu teria gostado de que neste espaço se tivesse gerado uma saudável discussão que partisse da fé. Mas também reconheço que muito se tem dito no assunto e nas redes sociais. A minha opinião pessoal é a de que se acolham, mas com os cuidados necessários, prestando atenção a tantas condicionantes que têm de ser estudadas e programadas. Eu diria mais: acolher por acolher, pode ser apenas uma solução mediática. É necessário acolher, mesmo com sacrifício e com adversidades, mas com espírito que de quem está a ajudar um ser humano a viver, e não apenas está a fazer-lhe bem. 

Hoje, encerrado o Sínodo da Família que decorreu de 4 a 25 deste mês de Outubro, lanço nova questão. Recordo como uma das últimas sondagens nos questionava sobre um dos temas mais candentes deste sínodo, a comunhão aos recasados. Claro que não é a temática exclusiva do sínodo. Segundo leituras que tenho feito, parece que houve um equilíbrio entre a ala conservadora e a ala progressista, que se manteve a doutrina, mas que se abriu espaços na vertente pastoral. Dizem os comentadores que se nota no documento final a Misericórdia que este ano vai ser mote de caminhada. Mas que opinas tu? 
Recordo que seria interessante, cada um explicar as suas opiniões. 


domingo, outubro 25, 2015

empreitadas [poema 77]

Digo que não digo, mas falo
E das palavras soltam-se pedras
Dariam para construir catedrais
Ou casas no cimo das nuvens
Ou pontes de um lado ao outro
Mas um véu cobre os desejos
E com elas construo casas
em ruínas.

quinta-feira, outubro 22, 2015

A senhora Linda faz parte do grupo de recasados

A senhora Linda faz parte do grupo de recasados. Daquele grupo que tem feito gastar tinta a muitos jornais que gostam de falar da Igreja. Ou que gostam de falar o que a Igreja possa vender. Ora estes jornais não conhecem a Linda como eu a conheci faz muitos anos. Tivera, pelos vistos, um casamento católico normal até ao dia em que descobriu que o pai dos seus filhos, na altura já maiores de idade, era homossexual. Chegaram ambos à conclusão de que era melhor cada um refazer a sua vida. Talvez ainda assim se amassem, contava-me. Os filhos ficaram tristes, mas não deixaram de ser filhos desse pai. Cada um foi para seu lado e ela, como ainda tinha idade para ser feliz com alguém ao seu lado, deixou que o coração a encaminhasse para os braços de outro homem. Dizia-me que era feliz ao lado deste. Mas que trazia um espinho no coração porque, sendo pessoa de fé clara e genuína, era impedida de abraçar inteiramente alguns sacramentos. 
Como o caso era um caso óbvio de nulidade do matrimónio, propus que desse esse passo. Mas não podia, disse. O seu ex-marido nunca quis assumir publicamente a sua forma de viver, e ela respeitava-o ao ponto de não querer fazê-lo sofrer. Por seu lado, os filhos também não queriam uma situação que de forma meio legal indiciasse que afinal aquele pai não tinha sido o esposo que lhes doara a vida. 
Por virtudes importantes à fé, como o amor, a bondade e respeito tanto ao ex-marido como aos filhos, a senhora Linda não quer, ou não pode extrinsecamente pedir a nulidade do seu matrimónio católico de forma a poder abraçar inteiramente alguns sacramentos como desejava. A bondade daquela mulher impede-a. Está entre a espada e a parede, por se esforçar em fazer o bem. Tudo porque a lei e a doutrina assim o exigem. 
E agora?

terça-feira, outubro 20, 2015

anjos [poema 76]

A minha aldeia é visitada por anjos
Sei-os pelos trilhos da serra ao longe
Sei-os porque vão de mãos dadas em coro
São celestiais, vê-se pelas muitas cores
Parecem crianças a brincar com o sol
Há sons de guitarras, harpas e tambores

Vêm buscar-nos para o céu onde está o sol.
Assim nós fôssemos anjos a caminho do sol.

sábado, outubro 17, 2015

Vivemos como se não morrêssemos

Vivemos como se não morrêssemos, como se não tivéssemos de morrer. Num funeral é comum ouvir-se que todos temos de morrer. Mas são apenas palavras de quem sabe que é assim. Palavras que apenas têm significado por serem palavras ditas, mas que não se entendem na sua essência.
Só deveras pensamos nela quando nos toca perto, muito perto, num familiar directo que amamos, num amigo que nos faz falta para viver. Às vezes também ocorre numa pessoa de tenra idade que morre sem explicação ao nosso lado. E sempre numa dança que nos acorda e faz tremer.
Vivemos como se a morte fosse um dado adquirido, mas que pouco tem a ver connosco. A distância que vai entre ela e eu é a distância do não querer pensá-la na essência do que é. E como a morte é uma questão vital à fé, às vezes esta não acontece porque não acontece a morte, ou melhor, porque vivemos como se não morrêssemos.

quarta-feira, outubro 14, 2015

A salvação dos sem culpa

Na conversa de café de há uns dias, aquela conversa que contei onde estavam vários padres, sendo um deles missionário, recordo também uma das afirmações que me chocou do padre mais idoso que la se encontrava. Insisto que a idade não deveria contar para a reflexão ou para a situação. Era apenas o padre que naquela conversa tinha mais idade, e ponto final. Era também o colega que discretamente se escandalizara com o modo de estar do tal padre missionário entre os índios na Amazónia. 
Depois do acto de escandalizar-se, perguntou, dirigindo-se a todos os presentes, como poderiam estes índios salvar-se. Entrei na conversa para dizer que talvez eles se salvassem melhor que qualquer um de nós. E não é que o tal senhor padre concordou comigo! Mas estragou o companheirismo quando acrescentou que decerto se salvariam pela sua ingenuidade. Como não haviam tido hipótese de conhecer a Deus, e eram ingénuos em relação a Deus, se calhar – dizia – salvavam-se. Não gostei. Até porque talvez estes índios fossem mais coerentes que nós para com Deus. Mais íntegros, mais genuínos com o Criador. Mais puros. Ele insistiu na sua teoria, explicando que se estava a referir ao facto de eles não terem culpa. E nesse momento o padre missionário perguntou. Mas culpa de quê? A pergunta respondeu tudo. Eu fiquei um pouco chocado com a afirmação do tal senhor padre. Não quero pensar que não gosto dele. Quero percebê-lo, e até certo ponto percebo o que ele arrasta de tantos anos formatado numa forma de ser Igreja “societas perfecta”. Mas fiquei chocado deveras.
Valeu a pergunta ou resposta final do padre missionário. Se valeu. Já para não falar que a salvação vem da graça de Deus e não dos homens, sejam eles quem forem.

segunda-feira, outubro 12, 2015

Os que nascem cristãos

Não se é apenas cristão porque nos fazemos cristãos. Muitas vezes é-se cristão porque nascemos cristãos. Foi isto que a Ana me ajudou a descobrir. É uma jovem mãe que estudou fora e fora ficou a residir depois dos estudos. Aí descobriu com quem casar. Aí refez, de certo modo, a sua vida.
Cuido que a Ana tem fé. Não a posso medir. Não se mede nunca a fé. Mas parece que ela sabe o que Deus quer dela e o que ela precisa de Deus. O problema da fé da Ana é que ela foi morar para longe da família onde nasceu a sua fé. Mas quando vem à terra, não há como não viver a fé. Há dias disse-me que até nisso a terrinha lhe faz falta. Lá longe não esquece Deus. Mas o longe afasta. Afasta de muitas coisas e faz esquecer ou apagar outras. Diz-me que lá longe não sabe bem como viver a fé.
Ajuizamos muitas vezes sobre esta gente domingueira ou de fim de semana. Mas cada vez mais me convenço que não somos termómetros de fé e que ainda bem que as nossas terras, pequenas ou grandes, ainda são berço de fé. Ainda bem que muitos de nós ainda nascem cristãos.

sexta-feira, outubro 09, 2015

Que aparição [poema 75]

Um dia, aos pastores de Belém
Outro dia, aos pastores de Ourém
Mostraste Jesus ao Homem
De além e de aquém além

Mostra-me Jesus também
Faz-te minha mãe
 
este poema faz parte de um conjunto de quatro poemas com o título "Quatro Ques" dedicados a Nossa Senhora de Fátima

quarta-feira, outubro 07, 2015

Para estar ao teu lado

O dia de hoje acordou como os outros. Escuro, cinzento, frio. Acordou para que nascesse e se tornasse claro, colorido, caloroso. A meio da manhã já o sol dizia bom dia e nos convidava a viver. 
Cada dia que passa é sempre ocasião para darmos graças a Deus pela vida que nos dá e pelo sentido que lhe dá, e porque nos quer oferecer uma vida ainda melhor. Cada dia que passa, afinal, escuro ou claro, cinzento ou colorido, frio ou caloroso, é um dia para caminharmos em direcção à Vida que o Pai nos teima em oferecer, aquela vida que só atingimos em pleno no céu, o céu de Deus. 
Em cada dia que nasce, nasce também a certeza de que este caminho é o Caminho. 
Mas hoje esta certeza veio a mim logo ao acordar, e teima em fazer-me rever cada passo que faço nessa direcção. E és tu, mãe, que mo lembras, porque o dia 7 de Outubro é, em todos os anos do calendário depois de 2001, o dia em que me apetece dizer ao Pai que quero muito ir para esse seu Céu, só que mais não seja para estar ao teu lado. 
Não queria que este dia voltasse. Porém, na verdade, é neste tipo de dias que melhor nos apercebemos que aqui estamos só de passagem, como caminhantes, para esse lado onde já estás.

terça-feira, outubro 06, 2015

Que peregrino [poema 74]

Aos teus pés venho rezar
Neste meu peregrinar
Venho dar-te o meu sim
Como tu deste por mim
Quero amar-te
sem

fim
este poema faz parte de um conjunto de quatro poemas com o título "Quatro Ques" dedicados a Nossa Senhora de Fátima

domingo, outubro 04, 2015

Que filho [poema 73]

Tornei-me peso em teus braços
Rochedo frio para dentro de ti
Assim sou e assim me amaste
Acalento da vida, e        voou
Pássaro ferido, mas amado
Ave do Pai e de mãe, querido
Assim me carregas e não tenho peso
Assim me aqueces e não tenho dor
Assim me levas e me trazes
Com teu filho, o meu Senhor.

este poema faz parte de um conjunto de quatro poemas com o título "Quatro Ques" dedicados a Nossa Senhora de Fátima

sexta-feira, outubro 02, 2015

Que mãe [poema 72]

Senhora, que és nossa, que eu possa
Sentar-me ao teu regaço,
chorar meu ser, nesse espaço
Na alegria de te ter, e poder Ser
um filho legítimo de Deus,
Que te escolheu dos céus

Para que mãe fosses dos filhos que
são seus
E para que aqui neste país que
é nosso

Especialmente nos doasses
tua maternidade,
E um dia, contigo, chegássemos
À eternidade.
 
este poema faz parte de um conjunto de quatro poemas com o título "Quatro Ques" dedicados a Nossa Senhora de Fátima

terça-feira, setembro 29, 2015

Queria estar cheio de Deus

Queria estar cheio de Deus. Mas vai uma distância tão grande entre o querer e o estar. Querer é apenas uma etapa. É necessário o fazer por isso. É necessário o viver por isso. É necessário o ser por isso.
Hoje faço esta minha oração ao Senhor, para que Ele faça em mim o que eu não consigo, apesar de querer. Ele que fez tantos milagres, pode fazer mais este milagre em mim. Não peço que me cure. Peço tão somente que me preencha, que me encha. Sei que dificilmente cabe em mim, e que não serei o melhor lugar para Ele habitar. Sei que não mereço a sua presença em mim. Sei que não posso ser seu dono. Sei que não posso nem escondê-lo nem aprisiona-lo em mim. Sei que não é por ser padre que ele me ama, pois me ama em tudo o que sou. Então que me faça a vontade, e que eu possa estar cheio de Deus.

sábado, setembro 26, 2015

ùltimas aves [poema 71]

Há também aves que não são pássaros
Porque rastejam e não voam
Debicam onde podem como podem
Fazem votos de poder e responder
São castas estas aves sem penas
e sem asas, sem espaço para voar.
São aves comidas por outras aves

sexta-feira, setembro 25, 2015

Primeiras aves [poema 70]

Há aves que não são pássaros
E vão em bando buscar-se

Há pessoas que são aves sem penas
vestidas a ouro e tinta a óleo

Há penas que voam nas árvores
E constroem armas em campos de flores

Há gente que é uma pena e são aves,
aves de rapina

terça-feira, setembro 22, 2015

É possível fazer Igreja sem sacramentos?

Estávamos à mesa de um café vários padres, pouco conhecidos na verdade, mas unidos pelo mesmo ideal, o sacerdócio. As diferentes idades e experiências eram patentes na conversa. Uma deles era missionário. Estivera vários anos na Amazónia, no Brasil, no meio de uma população indígena. Totalmente indígena, referia, no sentido de que estavam afastados do mundo civilizado, nómadas, índios que viviam da terra, da pesca e da caça como já só se vê em filmes. Um outro colega de uma geração mais velha que a minha perguntou-lhe como faziam, que faziam, como evangelizavam. E o padre missionário respondeu que apenas estavam com eles, que os ajudavam a procurar, por exemplo, deixar de se guerrear. O padre mais velho voltou com nova pergunta sobre como eram os baptismos, e o padre missionário informou que não tinham feito nenhum. Que a vida e cultura deles era muito diferente da nossa. E que Deus estava e manifestava-se por lá de outra forma. Que alguns dos índios se questionavam do que faziam lá três homens que se chamavam padres, e chamava-lhes a atenção do que faziam de diferente. Mas em termos daquilo que é a fé que nós conhecemos aqui na Europa, talvez tivessem dado poucos passos.
O padre mais velho, evitando demonstrar o seu escândalo, repetiu a pergunta. Ou melhor, fez a mesma pergunta de outro modo. Mas a resposta foi a mesma.
Eu, pessoalmente, fiquei encantado por perceber como a nossa missão sacerdotal não passa pelo proselitismo, mas pelo mostrar ou manifestar Deus através da nossa vida e acções. Fiquei encantado por perceber que Deus está muito para além do baptismo e qualquer outro sacramento. Muito para além da Igreja e da minha fé. Afinal Deus não pode nunca formatar-se, enformar-se. Ele entra em tudo e em todos de formas tão variadas, tão impensáveis. Mas entra.

segunda-feira, setembro 21, 2015

O burro [poema 69]

Tinha arbustos debaixo da cama
que era de palha
"Ai Deus me valha"

Mas não se levantava
Não conseguia, não saía
da cama de palha
Para retirar o arbusto
que ali crescia
ali vivia,
ali pernoitava

"Ai Deus me valha"
que a cama é de palha

sábado, setembro 19, 2015

Na tua opinião, devemos acolher os refugiados?

A última sondagem, apesar da temática polémica, trouxe resultados bastante claros. A grande maioria (67%) é de opinião que os divorciados "recasados" devem poder comungar, e sem qualquer tipo de restrições. Já os que pensam que deveriam haver restrições formaram um total de 14%. Se somarmos estes dois conjuntos de opiniões, obteremos um resultado de 81%.
Claro que esta sondagem, como todas as outras aqui colocadas, valem o que valem, e as nossas opiniões dificilmente vão chegar ao sínodo. Mas pelo menos temos a oportunidade de pensar estes assuntos e de dar a noissa opinião.
Hoje surge nova sondagem, num momento em que o assunto chave são os refugiados que fogem de países como a Síria ou o Sudão. Na verdade, o espírito cristão é de acolher sem medidas, mas o receio, não só de perdermos o nosso espaço, mas também o de recebermos potenciais terroristas, tem dividido a opinião pública. Por isso achei por bem postar esta pergunta: Na tua opinião, devemos acolher os refugiados?
 

quarta-feira, setembro 16, 2015

A Árvore [poema 68]

As folhas caem da árvore, mortas ou a morrer
Chegou-lhes o Inverno mais cedo que o Outono
Largaram a árvore que as segurava, é a vida
Largaram o alimento que a Primavera largara
Caem devagar, planam, voam um pouco mais
Parecem vivas, mas já não fazem mais que ir
Olham-se com prumo, donas de si e demais,

E agora caem

Não há remédio maior que a Árvore

sábado, setembro 12, 2015

Onde está Deus?

Estava à janela de um prédio alto a olhar o mundo quando avistei numa janela longínqua uma mulher a sacudir um pano de pó. E sem querer dei por mim a perguntar como se manifestaria Deus naquela mulher. Ele que está em tudo e em todo o lado, como se manifestaria num simples gesto de sacudir o pó. E depois percorri o mundo a imaginar como Deus se manifesta ou se encontra. Imaginei Deus na Grécia com os problemas com que esta se encontra. Imaginei-o na Síria diante de decapitações e mortes sem sentido. Imaginei-o na China com o seu poderia económico, na potência dos Estados Unidos da América, na Amazónia junto dos índios. Percorri meio mundo com o pensamento à procura de Deus. E procurei-o num hospital, numa morgue, numa biblioteca, numa sala de aulas, num café. Sei, de coração, que Ele estava lá. Mas como fui eu que o tentei meter lá na minha forma de o encaixar, então não o vi. É que Ele não cabe na forma como eu queria, mas num tudo que não entendo. Obrigada, senhor, por não me deixares encaixar-te ou encaixotar-te.

quarta-feira, agosto 26, 2015

conversa entre o discípulo e o mestre [poema 67]

O discípulo, envergonhado, disse
Achas que olhavam para mim
Quando pregava tua palavra?

O mestre, sorrindo, disse
Eles não te escutavam a ti
Escutavam a Palavra.

terça-feira, agosto 18, 2015

mãos da morte [poema 66]

Porque
as mãos do morto teimam em permanecer abertas
E as nossas mãos vivas teimam em fechar-se?

A morte desagarra-nos de nós
A vida que fechámos nas mãos

sexta-feira, agosto 14, 2015

As mordomas das festas

Entregaram-me um papel com seis nomes dias antes da festa para que, por ocasião da mesma, nomeasse as novas mordomas. Pelos nomes não as conhecia. Mas como estas coisas se comentam, alguém me veio contar que não deveria nomear algumas delas. Uma era divorciada. Outra tinha fama de se meter na cama com homem alheio. Pelo menos essas. Que o senhor padre não deveria nomear.
Na verdade, faço questão de que algumas das pessoas que fazem parte de uma mordomia de festa assegurem o sentido de fé nas festas religiosas e que todas as pessoas nomeadas aceitem as normas que nos são propostas para este tipo de festas. Porém, como pároco, sinto o dever de acolher todos, indistintamente da sua estrada de vida. Judeus ou gregos, escravos ou homens livres, pecadores ou que não se sabem pecadores.
A Igreja não é uma comunidade de perfeitos. O papa Francisco tem dito isso imensas vezes. Aliás, não podia ser de outro modo, porque não há gente perfeita. Além disso temos de confiar na mão de Deus.
E respondi a quem me chamou a atenção. Nas minhas paróquias quero que todos se sintam acolhidos. Repare que as mordomas deste ano, por exemplo, depois da proposta que lhes fiz, confessaram-se. E a maior parte delas já não o fazia há dezenas de anos.
Não basta abrir portas às nossas igrejas. É preciso deixar a porta aberta.

sexta-feira, agosto 07, 2015

Igreja dos homens

Dois mil anos de história não mudam porque um padre o deseje, ou um bispo, ou até um papa. Os caminhos de Deus são insondáveis. Mas teimamos em fazer dos caminhos de Deus caminhos dos homens. A paróquia precisa de uma administração. Então fazemos dos padres administradores. A Igreja precisa de cristãos. Então fazemos de forma proselitista um caminho de angariação de pessoas. A Igreja precisa de uma organização, então enchemo-la de estruturas e pastorais estruturadas. A Igreja só precisa de Deus. Mas teimamos em fazer da Igreja um lugar dos homens. Quando a Igreja devia ser um lugar de Deus para os homens. Sinto-me estranhamente cansado de não saber como entender o lugar de Deus nesta Igreja ou nesta missão. Sinto que não sei bem como fazer para fazer a Igreja de Cristo, e por isso continuo a manter a Igreja dos homens. Talvez Deus lá esteja, mesmo que escondido.

segunda-feira, julho 27, 2015

A proposta que não fizeram ao Pe Manuel

O padre Manuel contou-nos, em partilha, a primeira resposta que deu ao chamamento de Deus. Vivia numa aldeia, guardava vacas, tinha pouca instrução, tinha a noção de Deus que era possível e que a família lhe incutia. A mãe sobretudo. Iam à missa dominical. Pouco mais. Eram vários irmãos. O mais velho era também o mais esperto. No final da missa era costuma ir à sacristia saudar o senhor prior. Numa dessas saudações, o senhor prior voltou-se para o mais velho e disse. Olha que tu é que havias de ir para padre. O irmão mais velho e mais inteligente abanou a cabeça em tom de negação, fechou os olhos por detrás dos óculos e respondeu que não. E nisto o Manuel que ainda não era o padre Manuel, nos seus seis anos, interrompeu para dizer que se não ia o irmão iria ele. E foi, contava a sorrir. Não sabia como, mas foi. E se aquele padre, porventura, nunca tivesse feito aquela proposta, isso não teria acontecido.
Acho que nós, padres, nos dias que correm, temos esquecido de fazer essa proposta. Tampouco me parece que sejamos uma proposta.

quinta-feira, julho 23, 2015

ser mar [poema 65]

E se o mar morresse para não ser mar
cansado de ser ondas e só ondas de sal
Se ele quisesse ser terra para ver o mar
Parado à beira das ondas, que vão e vêm
e são de sal

domingo, julho 19, 2015

Se morresse

Se morresse com a idade da minha mãe, viveria pouco mais de vinte anos. Se morresse com a idade que o meu pai já tem, viveria ainda mais cerca de quarenta.
Não sei se tenho medo de morrer. Acho que não. Quando penso nisso, há um rosto de mistério que assusta, mas acalenta.
Se morresse daqui a pouco tempo, que levaria comigo? E pergunto-o sabendo que iria apenas um corpo vestido no caixão, provavelmente com a casula da minha ordenação. A pergunta é maior que o corpo, a roupa e o caixão. Que levaria? Que construí nesta vida? Que tenho feito do dom que Deus me deu?
Quando penso nos que amo e que deixaria, o corpo retorce-se em dor. De facto não quero deixá-los porque os amo, e quando se ama não se quer acabar essa coisa tão bonita que é o amor. Mas quando penso que também iria ao encontro do meu Deus que tanto amo, e que provavelmente iria experimentar a maravilha do amor mais misterioso e mais subtil, não sei bem que pensar.
Mas penso. E penso que ninguém fica nesta vida para ficar. O tempo passa e voa. Voa tão rápido como os segundos. Voa quase sem lhe sabermos o tempo e a duração.
Que mistério tão insigne, tão difícil de entender, tão estranhamente doloroso e tão grande ao mesmo tempo!

quarta-feira, julho 15, 2015

Devem os divorciados "recasados" poder comungar?

Dentro de poucos meses teremos a segunda parte do Sínodo sobre a família que tanto tem dado que falar e que tem dividido as alas da Igreja: por um lado uma ala conservadora e jurídica, e por outro uma ala mais progressista ou tolerante. O debate sobre o acesso aos sacramentos por parte dos "divorciados e recasados" é sem dúvida um dos temas mais polémicos a ser discutido no sínodo da família. Vamos nós abrir um diálogo saudável, ou pelo menos, auferir opiniões. A pergunta pode parecer demasiado simplista, pois não exclarecemos pontos de vista ou damos razões favoráveis ou desfavoráveis. O objectivo é tão só proporcionar um espaço de opinião aberta.
Depois da última sondagem, onde se verificou que a maior parte dos meus leitores tenciona ler a "Laudato Si", como se verifica em anexo, agora propomos nova questão: Devem os divorciados "recasados" poder comungar?


segunda-feira, julho 13, 2015

o final do dia [poema 64]

Estarei muito melhor ao final do dia e da poda
Darei uvas e manjares como o nascer do dia
Serei novo céu e um pássaro que voa sem asas
Abrir-se-ão todas as portadas e as casas e as paredes
E as mãos calejadas, nas fotografias a preto e branco
E as flores mais estrelas sorrirão a todas as cores
Passem o filme da minha vida, pagarei o bilhete
Com gosto ao final do dia e da poda serei outro

sexta-feira, julho 10, 2015

Pastoral de gestação

Entrámos em diálogo por causa de um baptizado que pediu. Expliquei as minhas condições, como se fossem as melhores. Informei que não eram minhas e que as cumpria porque as assumia. Ela não queria saber delas. Queria baptizar o menino porque a avó insistia. Não tinha fé, notava-se, mas não o dizia. Era um diálogo de quem pedia e de quem mandava. Ela e eu. Acolhi-a simpaticamente. Acabou por aceitar. Mas não saiu dali com mais do que um aceitar condições para obter a aprovação. Não foi fé. Não se abriu à fé. Não fizemos nada senão cumprir uma formalidade. Não fui pastor. Não dialoguei de igual para igual. Não a vi na sua condição. Não fiz proselitismo, mas também não a atendi na sua verdadeira necessidade. O nosso diálogo de pastores tem de ser isso mesmo, mais pastoral. Não pode ser um diálogo dialético. E não se trata de conceder ou ceder ou ser simplesmente light. Eu não seria capaz de, nestas coisas, ser ligth. Também não deveria ser uma imposição. Deveria ser acima de tudo uma proposta. Deveria ser uma proposta a partir do sítio onde a pessoa está. Talvez um dia consiga!

terça-feira, julho 07, 2015

Chuva [poema 63]

Chove a cântaros que as mulheres trazem à cabeça
Vêm da fonte os cântaros com melodias de embalar
A fonte chove todos os dias para encanto das mulheres
Que vão à fonte buscar a sede que a vida tem
Passo por entre a chuva que ela molha-me o rosto
Entra no coração para lhe regar os vasos de sangue
Há chuva todos os dias mesmo quando não a quero
A fonte nunca seca, mesmo quando não chove

quinta-feira, julho 02, 2015

As pombas e o Espírito Santo

Um padre amigo contou como em tempos muito idos um missionário entrara na China para fazer aquilo que chamamos evangelização. E que ao deparar-se com a forma como as pombas eram entendidas pelos habitantes daquela cultura, achou que devia pedir ao papa da altura para lhe permitir não apresentar o Espírito Santo como uma pomba, pois os habitantes daquele local viam as pombas apenas como uns animais incomodativos e porcos. Era assim que falavam delas. Contava o padre amigo que a resposta do papa fora que sempre assim foi e que assim deveria continuar a ser.
Não sei até que ponto a história é verídica. Porém, de certa forma, ela continua a acontecer nos dias de hoje quando uma igreja ocidental tenta impor a Igreja de Cristo com a sua cultura. Como se Deus só fosse autêntico no Ocidente. Como se Deus existisse no sempre foi assim ou no sempre falámos assim. Como se Deus se formatasse a uma qualquer forma de entendimento,

terça-feira, junho 30, 2015

um assunto a que não quero dar título

Há padres que se suicidam, e a notícia propaga-se, morbidamente, pelos corredores escuros dos claustros da vida. Nisto a comunicação social não se tem metido, não sei se por respeito aos falecidos ou seus familiares, se por ser uma realidade desconhecida, se porque na verdade o número é exíguo em comparação com aqueles que morrem de morte dita natural.
Mas a gente vai sabendo e, mais do que angustiar-se com a angústia, faz-se pergunta em nós da pergunta mais difícil que há. É a pergunta dos porquês? Fica-se assim a perguntar Porquê, ou porque é que a Fé não faz evitar estas coisas. Sim porque um padre deveria ser um exímio ser de Fé, e ela, que se saiba, responde como ninguém às questões da vida e da morte. Porém, o que nós esquecemos é que antes da fé a pessoa tem de ter resolvida igualmente a sua humanidade. Ninguém conseguirá um dia distanciar a sua fé da sua humanidade, ou usar apenas a fé. Nem os santos.
Outra pergunta que se faz, ou que é apenas minha e agora, é Porque é que ninguém se apercebeu ou fez alguma coisa, ou esteve ali presente para segurar o braço de quem se queria lançar no abismo. E também a resposta me veio sofrida, mas escorreita. Ninguém consegue viver nem sentir autenticamente Deus se não souber amar e viver essa maravilha do amor. Isso pode acontecer e expressar-se de muitas formas, mas tem de existir. Disso tenho a firme certeza. Pois é ou são esses amores que sustentam a nossa vontade de viver! Pois é ou são esses amores que estão ao nosso lado e nos podem segurar quando já não temos mão para agarrar ou não temos mão em nós.

sábado, junho 27, 2015

esvaziasses [poema 62]

Carcaça trajada, polida, carcaça enfim
Balão cheio, colorido, balão de ar a mim
Pipa de vinho, velha, envelhecida, sem vinho
Passo andante, corpo vestido, errante caminho

Vazío sem par nem par e em dor
E se adentrasses que fosse Senhor?

quarta-feira, junho 24, 2015

dedicatória [poema 61]

Amo em ti

Campo lavrado da casa em ruínas
Paredes brancas de pedra nua
Escadas ausentes, porta batida
sem chaves, mas amo em ti

tudo

quinta-feira, junho 18, 2015

Incêndio atinge igreja do milagre da multiplicação dos pães

Incêndio atinge igreja do milagre da multiplicação dos pães. Li a notícia a meio da manhã nas redes sociais. Vinha na página de um conhecido jornal nacional. Como já lá estive há uns anos, numa experiência de fé emocionante, fiquei triste com a notícia. O espaço nunca perderá o significado que tem para quem imagina que possa ter sido ali o milagre da multiplicação dos pães. Recordo que imaginar Jesus por aquelas paragens estremeceu em mim o que de melhor tem o meu coração. Mas o que mais me chamou a atenção na notícia foram os abundantes comentários jocosos. Copio alguns como lá estão ainda. “alguem nao prestou atencao ao forno...”; “Agora é a multiplicação do pão torrado....ou das tostas”;”Hoje há torradinhas para todos.”; “se calhar estavam a aquecer o forno para fazer os pães em duplicado.”; “Agora podem multiplicar os tijolos”; “Lá se foi a padaria do bairro,...”; “Esqueceram-se do forno aceso , agora nem pão multiplicado vão ter.”; “ao menos o pão cozido deve ter ficado”; “"Esturraram-se" as carcaças! Hahahaa”…
O ahahaha ainda soa na minha cabeça. Não é que me sinta indignado com a falta de respeito. Já estou habituado. As redes sociais dão possibilidade a todos os seus frequentadores de dizer o que bem lhes apetece sem medir a reação própria e natural do frente a frente. Além disso, faltar ao respeito não dá direito ao desrespeitado de faltar ao respeito a quem faltou ao respeito. Sim, porque a seguir logo diriam que não me podes faltar ao respeito por eu dizer o que me apetece.
Sinto-me, isso sim, espantado pelo facto de algo como uma casa que ardeu possa dar azo a piadas. Já estou a imaginar como seria comunicar a algumas dessas pessoas que gostam de rir com o mal alheio. Olhe a sua casa ardeu, ahahahah, esturricaram-se as mobílias, ahahaha, a comida que tinha na despensa já está cozinhada, ahahaha, cheira-me a esturro, ahahahah. Talvez, ou talvez não, nessa ocasião se apercebessem que o mal alheio só é alheio enquanto não nos toca a nós. Apetecia-me dizer mais umas coisas, mas não quero faltar ao respeito.

terça-feira, junho 16, 2015

Tencionas ler a nova Encíclica do papa Francisco?

Depois da última sondagem lançada pouco depois da Páscoa, e que nos perguntava se a Igreja ainda estaria muito centrada no clero (vide resultados abaixo), vamos hoje lançar nova sondagem.
“Laudato si, sobre o cuidado da casa comum” é o título da nova Encíclica do Papa Francisco sobre o tema do ambiente que vai ser lançada no próximo dia 18 deste mês de Junho, no Vaticano. A encíclica vai estar disponível inicialmente em italiano, francês, inglês, alemão, espanhol e português. A expressão 'Laudato si' (louvado seja) remete para o 'Cântico das Criaturas', de São Francisco de Assis, que inspirou o Papa argentino na escolha do seu nome, após a eleição pontifícia.
A questão que agora colocamos é muito simples e directa: Tencionas ler a nova Encíclica do papa Francisco?
Já sabem que podem expor as suas razões nos coments, e inclusive falar das expectactivas que têm.

sexta-feira, junho 12, 2015

O charlatão do restaurante

O meu cunhado é sócio de um restaurante onde vou de vez em quando visitá-lo e comer. Por lá sabem e comenta-se que ele tem um cunhado padre. Há dois dias fiz uma dessas visitas, e pedi, com fome, uma sopa e um segundo prato. Ainda não acabara a sopa quando um dos empregados me perguntou se o senhor ao balcão se podia sentar na minha mesa para conversar. Respondi que sim e fiz espaço.
O dito senhor apresentou-se como um charlatão de há três meses a esta parte. Advertiu que não acreditava em Deus, mas precisava falar. Enquanto espetava umas garfadas na comida, escutei os últimos três anos da sua vida, que vai nos setenta. A esposa tinha falecido com cancro há três anos e a filha há um com uma doença fulminante. Há três meses tinha-lhe sido diagnosticado um cancro inoperável, pois já não havia nada a fazer de tantas metástases. Não tinha medo da morte, mas precisava falar e eu, porventura, era um bom alvo de conversa. Ouvi sem o interromper muito, até nos fazerem sinal de que tinham de levantar a mesa. No final falei-lhe rapidamente de alguns casos idênticos que acompanhara e aos quais a fé ou a certeza de Deus dera a força que precisavam. Que Deus não nos resolvia os problemas, pois eles fazem parte da nossa vida aqui na terra, mas que dava a força necessária para os viver e para que o sofrimento pudesse ser algo revelador. Não quis concordar muito, mas à despedida, num aperto de mão agradecido, foi dizendo que ia pensar no que lhe disse e quem sabe se não se convertia.
Ao que lhe respondi que por algum motivo escolhera sentar-se ao lado de um padre para que o escutasse, e que eu aceitara exactamente pelo mesmo motivo.

quarta-feira, junho 03, 2015

explicação do mundo [poema 60]

Vai verde na foice e na manhã do tempo
Volta, a voltar cada página do livro branco
Sem explicação que seja o tempo e voe

O mar vai e vem nas ondas negras
O azul do céu pousa e dá-lhes nova cor
Sem explicação que seja o vento e sopre

Em quatro patas se constrói o dia
De amarelos e de flores e outras cores
Sem explicação que não seja o Criador

Sem explicação

sexta-feira, maio 29, 2015

Conversas com gente de idade

Conversas com gente a que costumamos designar de idade, como se as outras não tivessem qualquer tipo de idade. São aqueles a quem já perdoamos tudo, mas para com os quais temos algo próximo da comiseração, o que não pode ser bom. São aqueles que entregamos à noite da vida, como se já não tivessem luz para iluminar. Mas são esses os que mais sabem da vida, os que mais nos podem ensinar da vida. São os que já viveram.
Olhe, senhor padre, aqui estou sem forças. Olhe, senhor padre, que tenho esta doença. Já não vejo para ler. Já não ouço quase nada. Quando eu era jovem. Enquanto poder, não preciso que me ajudem. Era bem melhor estar na minha casinha. A vida é assim. Os meus filhos não me vêm ver. Vou-me entretendo a rezar. Já não sei que faço aqui. Era melhor o Senhor me chamar. Estas pernas não ajudam nada. Vou outra vez ao médico. Já fui operada oito vezes. Tomo nove comprimidos por dia. Não consigo comer sozinha. Aqui estou como Deus quer. Faça-se a vontade de Deus.
São aqueles que nos ensinam que a vida tem valor até ao fim, mesmo quando parece que já não há vida. São aqueles que vivem de forma diferente, sem correrias, sem pressas. São aqueles que gastam o tempo a viver. Que fazem tudo para viver, mesmo quando lhes apetece morrer. São aqueles que mais facilmente se entregam ao Senhor, porque são aqueles que dão conta que precisam Dele. São aqueles que um dia seremos nós, e com os quais deveríamos aprender a viver, mesmo que nos falte vida.

terça-feira, maio 26, 2015

sonho de céu [poema 58]

E acordar no sonho, pousar nele
Abrir cada olhar para o paraíso
Deixar a terra que trabalhe a terra
Deixar o homem que trabalhe o homem
E seguir como o dia persegue a noite
Pensar na noite como a luz que é de dia
Dizer que aqui é o céu e não voltar
Acordar no sonho do céu, e não voltar

sábado, maio 23, 2015

As leituras da dona Constância

A Constância é, como o próprio nome indica, constante. É constante na sua fé e no seu querer a fé. Não faz parte do grupo daqueles que nada procuram na fé. Por isso lê coisas de Deus e tem na cómoda do seu quarto uma resma de pequenos livros. Pequenas sumas de doutrina e palavras que quase as decora para ter fé. É uma fé genuína. É uma Constância genuína. Mas apenas lê esses pequenos livrinhos, que embora bons e úteis, somente alimentam aquilo que muitos denominam de beatice. Que não aprofundam. Que não fazem reflectir. Que pouco fazem meditar. Talvez sejam a leitura que tantos anos lhe ensinaram a ler. Talvez façam dialogar com Deus. Talvez sejam a leitura que Deus quer que eles façam. Talvez, mas também talvez não.
Ela levou alguns dos seus livros à sacristia para eu ver, e aprovei-os, como se ela precisasse essa aprovação e eu fosse dono de aprovações. Dei-lhe, porém, outra sugestão. Leia a Bíblia, dona Constância. Gaste-a nas mãos, no pensamento e no coração. Leia livros com mais páginas e mais profundidade, alguns documentos do magistério quiçá. Leia para além de uma leitura que pareça fácil. Leia Deus em cada leitura.
São assim os nossos cristãos. São bons, são genuínos, têm fé. Às vezes são constantes. Falta-lhes, ou talvez não, ser mais profundos no aprofundar do mistério. É quase como amar sem aprofundar o amor.

quarta-feira, maio 20, 2015

Cão de esmola [poema 57]

Cão de esmola e de trela
Às pernas do dono pedinte
Migalha é pérola, é ela,
Dona de ti, mais de vinte

Dono que sejas deves querer
Que pérola seja pão de viver

sexta-feira, maio 15, 2015

Falar de Deus e com Deus

Parece-me que as nossas liturgias, as nossas pregações, as nossas orações estão cheias de palavras tão feitas, tão clericais, tão eruditas, tão bem compostas, mas tão pouco nossas. Falamos de Deus e com Deus como se não estivesse ao nosso lado como estamos ao lado uns dos outros. Usamos as palavras sem as tornar nossas. Falamos com a boca, às vezes com a inteligência, mas pouco deixamos que fale o coração, que é quem melhor sabe usar as palavras.

terça-feira, maio 12, 2015

espelho [poema 56]

Olhar-me na água e encontrar-me, espelho
De ti não sou nada, mas sou
Água da alvorada, ao final da tarde
Obra criada, ferida, calcada, porém
Beleza de quem cria pelo maior bem.

sábado, maio 09, 2015

Clericalidade da Igreja

O padre disse isto. O padre fez aquilo. O padre quer assim. Falo da minha paróquia e penso no meu padre. E quando penso na igreja penso nos padres. E quando falo mal da igreja falo dos padres. E a Igreja deve mudar, isto é, os padres devem mudá-la. Ainda por cima são cada vez menos. E os padres pensam o mesmo. Os padres pensamos que pensamos diferente, mas ainda vemos a igreja a partir dos padres. Os padres pregamos a Igreja a dizer que somos todos, mas no subconsciente vivemos a igreja como se fossem os padres. Caímos no risco, e palermice, de olhar os outros fiéis a partir de nós. De lhes dar espaço, mas somos nós que o damos. De lhes conceder ministérios, mas à volta do nosso ministério. E, sem querer, caímos no poder de sermos condutores de uma barca que é de Jesus e que está cheia de imensas pessoas, das quais só um pequeníssimo número é padre. E às vezes até parece que indicamos o caminho, mas não caminhamos. Às vezes esquecemos que fazemos parte da igreja que é tão grande e nós somos tão pequeninos. E quem fala dos padres, pode falar dos bispos, e até do Papa. A cabeça da Igreja é Cristo, do qual todos nós somos corpo.

quinta-feira, maio 07, 2015

ando [poema 55]

Vou ao lado e não conduzo
Fico atrás, sempre para trás
O mudo vê e o cego fala
Ando um pouco acima, do degrau
Planando como ave, rara
Que não conta e não se vê
Tão só numa asa

terça-feira, maio 05, 2015

Pão da Vida [poema 54]

Tragas-me no meio do silêncio
Doce paladar que amarga e dói
Ázimo sem sal que necessito
Tão doce
E dói

sexta-feira, maio 01, 2015

sementeira [poema 53]

Semeia-se nos campos o vento
Fruto lhe nasce a tempestade
O barqueiro não chega, soprou
Outros ventos nasceram ali
Cobre-se a terra, ela amainou
O barqueiro chega, não mais voltou

quarta-feira, abril 29, 2015

novelo emaranhado

Entrego-te este novelo, Senhor, este novelo emaranhado, atado e desatado, sem pontas que eu veja, com muitos nós, com um peso que não sei medir. Um novelo que desenhei sem querer ou por mau querer. Preciso que o carregues, nem que seja em cima ou preso à Tua cruz. Sei que ela já está carregada de tantos novelos assim. Sei que te peço muito, que te carrego muito. Mas para Ti, Senhor, um novelo é só mais um novelo, e este é o meu, o novelo. Em Ti está mais seguro. Tu, que tudo podes, faz dele um caminho para chegar mais a Ti, como aquelas crianças que, para não se perderem, prendem uma ponta do novelo a um local e vão fazendo o caminho seguro porque sabem que há um novelo que nos faz voltar atrás se necessário. Tu, que tudo podes transformar, carrega este novelo durante o tempo necessário para que quando ele me for devolvido, seja apenas um pequeno novelo, mais leve, com menos nós, bem atado, menos emaranhado, sem pontas soltas.

segunda-feira, abril 27, 2015

A Olímpia e o milagre da vida

Já em tempos contei como era a dona Olímpia. O seu coração puro via em tudo algo de bom. Uma maneira de ver que eu cuido muito parecida à de Deus.
Hoje a Olímpia vai a sepultar depois de dois ou três anos a sofrer com um cancro e a sofrer por não poder fazer mais pelos outros, como era seu costume, numa simplicidade que fazia questão de sublinhar, Porque eu não sei nada, senhor padre, não sei dizer as coisas, não valho nada, mas amo muito a Deus. Uma dádiva de toda uma vida em favor dos outros. Por isso tomara conta de pessoas em sua casa que não lhe eram de sangue. Gente difícil, gente que precisava de um cuidado tão bonito como o que Olímpia era capaz de por em prática. Foi a primeira pessoa que me abriu as portas de sua casa quando cheguei a estas paróquias. Até se dar o processo da doença, todos os sábados comia em família. Sim, porque me haviam recebido como família. Era assim a Olímpia. Recebia todos no seu coração como se fizessem parte dele e do sangue que ele tinha a palpitar.
No período da doença tivemos oportunidade de conversar bastas vezes. Sempre aprendi com ela como se vive com fé o sofrimento, como se encara a dor com o amor de Deus. Mas numa das últimas vezes foi-me dada a graça de ouvir-lhe algo sobre a morte, que ela encarava de forma sublime e natural, e que não vou mais esquecer. Senhor padre, o maior milagre da vida é a morte!
E a dona Olímpia, que afirmava não saber dizer as coisas, ensinou-me de forma convicta uma verdade teológica que só os doutores da fé conseguem afirmar, que só os santos dizem de forma tão sábia. De facto, quem acredita na ressurreição e no caminho que nos é dado fazer aqui na terra, sabe que a morte é apenas a expressão máxima da vida.
Obrigada, amiga Olímpia, pelo dom tão grande da tua vida. Junto com a minha mãe, olha por nós do céu.

sábado, abril 25, 2015

rosas sem querer [poema 52]

Ontem é melhor que hoje não estou
Milagres são rosas sem saber
As pérolas no meu pescoço, vou
Veio a noite silenciosa bater

Além no além alguém vem também
Namorar com as rosas sem querer
São espinhos, não são rosas, sou
Dono do meu não viver.

quinta-feira, abril 23, 2015

acção de buscar-te [poema 51]

Busco-te no meio das águas, não respiro
No mais meio das águas e dos mares
Nas ilhas escondidas atrás das águas
Afundo-me nelas, sem boia sem redes
Busco-te
E respiro

terça-feira, abril 21, 2015

O António caído

O António estava perdido. Perdera-se, e não conseguia encontrar-se. O António não era má pessoa. Era um de nós. Era um António que caíra. Era um de nós que em cada dia se deixa cair à beira do caminho. Era um António que deixara de caminhar porque não sabia como levantar-se. Era um de nós que no caminho tropeça e não tem forças para se levantar. Era um António que esquecera que o mal não está em cair, mas em não se levantar. Cair acontece mesmo quando não queremos, ou por distracção, pelas circunstâncias, por culpa dos outros, por via da nossa fragilidade. Era um António que esquecera que cair acontece, mas levantar-se depende de nós.

sábado, abril 18, 2015

não me sei [poema 50]

Ainda não me sei
Sonho ontem, para amanhã
De roda em roda, a rodar,
Tropegamente sem me saber
Que ontem era e já não é
Que amanhã será e já não é.

quinta-feira, abril 16, 2015

lágrimas ínfimas [poema 49]

Ali vai o meu rio de lágrimas
Com elas corre, corre com elas
Leva-as para o mar, lá serão
Ínfimas lágrimas de tantas lágrimas

terça-feira, abril 14, 2015

rezar à mãe diante do Filho

O Senhor estava em cima do altar, envolvido em rosas brancas e rodeado de velas. O Senhor estava, como se diz na minha terra, exposto à adoração. Estaria ali todo o dia, exposto a todos os que quisessem contemplá-lo, meditá-lo, olhá-lo, estar com Ele.
Ali estavam duas dezenas de pessoas quando cheguei. Um terço delas a rezar o terço, isto é, a rezar à mãe diante do Filho. Inclinei, ajoelhei, sentei.
De facto falar com a mãe diante do filho não é mau. Só não é falar com o filho. De facto o terço é a oração dos simples, mas também pode tornar-se a oração dos que não conseguem fazer silêncio, dos que não conseguem dialogar cara a cara com Ele, dos que não conseguem ir para além de palavras, dos que preferem falar do que escutar.
Não fiquei triste, pois cada oração é sempre oração, e cada pessoa é uma pessoa que Deus ama e que eu também devo amar. Mas eu gosto mais de estar calado em frente ao Senhor envolvido em rosas, seja de que cor, a tentar escutá-lo.

domingo, abril 12, 2015

Amas-me, Senhor?

Amas-me, Senhor? Amas-me como sou, tão pobre, tão frágil, tão pecador? Amas-me sem condições? Sem me exigires que seja santo? Que seja modelo? Sem me obrigares a ser o melhor padre que gostarias que fosse? Sem me exigires uma fé perfeita? Amas-me mesmo quando eu não te amo ou to não sei demonstrar? Amas-me mesmo quando te magoo ou te desiludo? Amas-me quando te volto as costas e quando não quero o teu amor? Amas-me mesmo quando não mereço o teu amor? Amas-me mesmo quando ninguém mais me amar? Amas-me mesmo quando eu já não tiver forças para amar? Amas-me, Senhor, como sou?
Dia da Divina Misericórdia

quinta-feira, abril 09, 2015

Na tua opinião, a Igreja ainda está demasiado centrada no clero?

O Concílio vaticano II trouxe um avanço enorme e positivo para uma correta compreensão do lugar do leigo dentro da Igreja. Mas a eclesiologia de comunhão, presente nos documentos conciliares e pós-conciliares, não implicaria superar uma certa discriminação escondida atrás de uma compreensão eclesiológica que delega o cuidado das coisas de Deus apenas a uma pequena parte da comunidade eclesial, deixando o resto da comunidade encarregada das coisas consideradas do mundo?! E passados 50 anos deste concílio não estará ainda a Igreja Povo de Deus e Corpo de Cristo demasiado clericalizada ou centrada no ministério ordenado? Que ideia temos nós da nossa Igreja actual? Como a vemos? Sentimo-nos seus membros activos ou meros espectadores?
Por todas estas interrogações oportunas, surge hoje nova sondagem resumida na pergunta: Na tua opinião, a Igreja ainda está demasiado centrada no clero?
Já sabes que podes justificar as tuas opções nos comentários. Deixamos ainda o resultado da anterior sondagem.
 

sábado, abril 04, 2015

Pássaro ferido, mas a voar

Hoje venho aqui porque Tu também vieste. Assim sem nada. Tu mesmo e eu mesmo. Tu vivo e eu a viver. A viver-Te. A senhora Maria dizia há dias que não conseguia perdoar a vizinha dela porque esta tinha dito mal dela. E acabou por viver o que a vizinha dizia dela e não a sua vida, que é muito mais do que o que dizem de nós. O não saber perdoar é como um pássaro sem asas. Um pássaro que não é bem pássaro porque não consegue voar. Tu deste o exemplo do perdão com o sinal mais que é a morte, como se esse despojamento fizesse em ti aquilo que és, as asas por excelência de quem quer voar. As asas para podermos voar na liberdade da Páscoa, na liberdade de estarmos vivos porque nos deste as asas para viver e ser pássaro. Hoje venho aqui sem grandes asas para pedir as Tuas asas. Chegou a hora de aprender a voar. Chegou a hora de aprender com a tua morte que um pássaro só é pássaro porque lhe deste a possibilidade de voar nas Tuas asas. Quero sonhar que estou na Tua cruz, planando alto, num voo cruzado, entre Ti e contigo. Ama-me sempre assim, amigo Senhor. Vem de novo com Tuas asas para que eu seja pássaro ferido, mas a voar.

sexta-feira, abril 03, 2015

Ciren(eu) [poema 48]

Quisera eu
Ser o Cireneu
provar que o meu amor
É como o Teu

Mas não consigo ser tão forte
Como a Tua morte

Não consigo carregar
Nem minha cruz.
Como hei-de levar
A Tua, Jesus?

Desejo a todos uma Páscoa enorme!

terça-feira, março 31, 2015

Festa no céu [poema 47 ]

Rufem os tambores no ar
Soltem as amarras da festa
Façam passos de dança
Batam as palmas sem ritmo
Façam festa

Mais um amigo entrou no céu

homenagem saudosa a dois jovens amigos, a Dina e o Igor, na certeza de que no céu estão em festa

sábado, março 28, 2015

Os filhos do pecado

Sentou-se à beirinha da cadeira, caso fosse necessário fugir. Ou pela humildade de não ocupar tanto espaço. Penso que a idade lhe ensinou que não se deve ocupar muito espaço, porque o nosso espaço é sempre pequenino. Eu já estava sentado. Pronto para darmos início ao sacramento da penitência. Arregalou os seus olhos pequeninos para dizer que não sabia bem o que dizer. E assentiu resignada: Ó senhor padre, mas todos nós pecamos, pois somos filhos do pecado.
Aquela expressão feriu-me os ouvidos. Ela não pensou no que dissera como eu o imaginei. Mas ser filho do pecado é quase afirmar que somos filhos do Demónio. Por isso emendei-a e pedi-lhe que nunca mais dissesse isso, porque nós somos é filhos de Deus. Sei que ela deve ter aprendido a dizer estas coisas no tempo em que o pecado era aquilo que nos levava para o castigo dos infernos, no tempo em que não havia remédio senão pensar que tínhamos nascido condenados pelo pecado. Era outro tempo, embora os pecados fossem o que são hoje: uma pedra no sapato que dificulta caminhar. Mas é uma pedra que o Senhor Deus aligeira com a sua graça e com o seu amor misericordioso. Às vezes sem pedras no sapato e porque o pé não dói, não percebemos sequer que estamos a caminho. E além disso a pedra não é senão uma pedra, e o caminho é setenta vezes sete vezes maior que a pedra.

quarta-feira, março 25, 2015

escolhas [poema 46 ]

Quero agarrar tuas entranhas
Como animal que alimenta a presa
E, preso por meu punho cerrado
Que não larga tuas entranhas
Ter o poder de decidir que fui escolhido
Que te escolhi

sábado, março 21, 2015

o padre como um deus

Estou um pouco cansado das pessoas que me cobram perfeição. Quando é que percebem que quero ser livre! Quero ser eu. Quero caminhar como caminha um peregrino, calçado ou descalço, vestido ou por vestir. Quero saber que vou na direcção certa, embora muitas vezes por caminhos errados. Quero meter dentro de mim que Ele me ama e que só isso basta. Não preciso alimentar-me com mais amor ou desamor, com mais agrado ou mais desagrado. Estou um pouco cansado de me sentir obrigado a ser padre sem que me deixem respirar como cristão. Estou um pouco cansado das pessoas que me cobram. Peço desculpa às que não me cobram e são muitas. Peço desculpa às pessoas que me procuram sem cobrar, e na minha imperfeição esperam uma palavra amiga, mas sincera e cheia de Deus. Peço desculpa àquelas que não percebem que estão a cobrar, mas cobram. Peço desculpa àquelas que não me cobram, mas que eu penso que estão a cobrar. Peço desculpa por estar a escrever estas frases meio desajeitadas. Mas olhem que isto de ter de ser um padre perfeito porque Deus também é perfeito, cansa um pouco. É quase como esperar que cada padre seja tão divino como Deus. É quase como esperar que cada padre seja um deus.

segunda-feira, março 16, 2015

Os Joaquins que comem peixe às sextas-feiras

Estava no super-mercado quando surgiu à porta o Joaquim, nome fictício de um pai de família com os seus trinta e poucos anos. Foi uma destas sextas-feiras de quaresma, próximo da hora de almoço. Uma das sextas-feiras do ano em que a Igreja nos convida a fazer alguma abstinência. Bom dia a todos os presentes, cumprimentou o Joaquim. Bom dia para aqui e para ali. Bom dia, senhor padre. Cá venho comprar um peixinho que hoje não se come carne, e sorria como se procurasse a minha aprovação. Convém referir que o Joaquim não vai à missa e não creio que vá à missa do Domingo de Páscoa como também não foi na quarta-feira de cinzas. O Joaquim não é má pessoa. Conheço-o do café, onde nos encontramos quando eu saio da missa e ele está lá a beber uns copos. Ainda há dias o convidara a confessar-se, pois deslocara-me lá à terra para as confissões quaresmais. Disse na altura, com ar de gozo, que essas coisas não eram para ele. Mas comprou o peixinho porque nestes dias não se pode comer carne, não é senhor padre! É, Joaquim, nestes dias não se pode comer carne porque os bons cristãos devem fazer abstinência! Não é preciso contar-vos o que falámos depois. Nem falar-vos destas coisa das carnes e dos peixes nas sextas-feiras da quaresma. Deixem-me rezar pelos Joaquins cumpridores da abstinência, mesmo sem saber porquê. Ou deixem-me rezar apenas por mim, que também não sei o porquê destas coisas.

sábado, março 14, 2015

Como classificarias a actual relação entre os ministérios laicais e os ministérios ordenados?

Antes do Concílio Vaticano II, os leigos eram a "multidão dos fiéis", aquele resto que aparecia no final da autodefinição piramidal da Igreja. A tradicional concepção começava com Jesus Cristo e o seu representante na terra, o Papa, seguindo-se os bispos, os sacerdotes e religiosos. Essa poderosa hierarquia confundia-se com a Igreja. Aos leigos competia acolher orientações, normas e mandamentos impostos pela autoridade religiosa. Quando muito, coadjuvavam a acção da Igreja, sem voz nem voto. Afinal, eram leigos, ou seja, não tinham conhecimentos nem competência para desempenhar funções importantes na missão da Igreja. Mas tudo mudou, pelo menos conceptualmente, com o Concílio Vaticano II, e hoje pode dizer-se que a Igreja que Deus quer é uma Igreja que seja comunhão, e na qual todos se sintam como participantes, cada um na sua missão e em colaboração. Mas será que isto acontece na prática? Daí surge esta nova sondagem, para saber como, na vossa opinião, está actualmente a relação entre os ministérios dos leigos e os ministérios do clero, ou de uma forma mais simples, como é a relação entre os leigos e os seus pastores na missão conjunta da Igreja. Fica também o resultado da anterior sondagem, que perguntava: "Na tua opinião, a Pastoral da Igreja está desperta para a diversificação dos ministérios e para a responsabilização dos leigos?"
 

quarta-feira, março 11, 2015

O Galo [poema 45]

O galo bate as horas, é manhã
E manda que a terra se levante,
Que o cão ladre, o rato esconda,
Que o coelho coma, a vaca ande
Mundo e homem se acordem

O galo, que a panela espera,
Manda no dia depois da noite,
Manda nos fortes de cada dia
Porque é galo e canta,
Porque canta para anunciar o dia.

domingo, março 08, 2015

Coisas de padres

Se o homem não tem consciência de caminhar, porque vamos apresentar-lhe um caminho? Se ele não está inquieto, porque havemos de lançar-lhe uma proposta? Se ele não quer escutar-nos, porque havemos de falar-lhe? Estamos a pregar no deserto. Vivemos numa sociedade e numa época sem Deus, onde este, quase nem para os que frequentam a missa é de facto o centro das suas vidas. E porque haveria de ser? perguntou a Carolina. Respondi-lhe, como faço não raras vezes, com outra. E qual é o centro da tua vida? Ela encolheu os ombros e não soube responder. Enderecei-lhe nova pergunta. Qual é o sentido da tua vida, afinal? Baixou os ombros, mas não baixou as armas. Disse. Coisas de padres. Como se as coisas de Deus fossem coisas do imaginário dos padres. Se ao menos os padres fossem o rosto de Deus!

quinta-feira, março 05, 2015

A Galinha [poema 44]

Bate as asas, galinha, bate as asas
Que as asas são asas para voar
Gritas que não, que as tuas não são asas
Mas toda a asa é asa porque é asa
Gritas que não, que estas não são de águia
Tu és galinha, não tens de ser águia
Só tens que voar, porque as asas voam
Mesmo que não sobrevoem o mar.

terça-feira, março 03, 2015

a força dos mártires

Os cristãos mártires incomodam. Incomodam o nosso egoísmo. Questionam a nossa forma de viver uma fé que foge da dor. Inquietam a compreensão das coisas da vida e de Deus. Os cristãos mártires, mesmo mortos, fazem perguntas. Sobre a vida, sobre a morte, sobre Deus, sobre a fé, sobre a força, sobre a dor, sobre eles e sobre nós.
Um dia destes, a propósito do que se tem passado para os lados da Síria e do Iraque, no meio destas questões, veio a pergunta sobre o porquê ou sobre o como são capazes, ou sobre o que está por detrás de tal força da fé.
Na mesma ocasião ou por diferença de poucas horas, li uma entrevista de uma freira contemplativa a quem um jovem lhe havia feito a pergunta cliché Como é que conseguiam estar fechadas num convento? A irmã explicou-lhe que nunca se sentira fechada, que sempre se sentira livre. Que nem dava conta das grades do locutório. E dizia na entrevista que a determinada altura, lá para o final da conversa, o jovem concluía que ela no convento, fechada, era mais livre que ele, no mundo livre. Ela não disse muito mais acerca do assunto. Não precisava. E assim, depois de ler a entrevista e de associar pensamentos, descobri que os mártires são mártires porque são livres, porque usam a verdadeira e autêntica liberdade interior. Eles não têm qualquer tipo de prisão ou cadeia na vida. Nem sequer a morte.

quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Perseguição [poema 43]

Aqui viajo e aqui me acho
Entre o mundo que me persegue
E o mundo que persigo
Entre o Deus que me persegue
E os deuses que persigo
Aqui viajo e aqui me acho
perseguido

terça-feira, fevereiro 24, 2015

Na tua opinião, a Pastoral da Igreja está desperta para a diversificação dos ministérios e para a responsabilização dos leigos?

Fica aqui o resultado da última sondagem que apurou os três melhores textos de 2014, a saber: Como te amo, Senhor?, Entrego-te e O baptizado social da Sara.
Hoje surge nova sondagem para responder a uma inquietação que trago comigo, que ressoa do concílio Vaticano II, e que tem a ver com o conceito de Igreja que aí se propõe na Lumen Gentium, Igreja como Povo de Deus. Nesta perspectiva me parece que a Igreja deveria incluir mais espaço aos leigos e aos ministérios laicais. Mas há muitas resistências, quer da parte dos padres quer da parte dos próprios leigos. Não quero manipular nenhuma das vossas opções, mas auscultar o que pensais e como o vedes. As próximas sondagens andarão à volta deste assunto, e hoje proponho que me digais a vossa opinião sobre a diversificação dos ministérios e a responsabilização dos leigos. Podem e devem justificar as vossas opções.

sexta-feira, fevereiro 20, 2015

uma mãe a falar da fé

Foi-me dito por uma mãe de uma idade próxima aos quarenta, após um encontro com os pais daqueles que vão fazer a festa da vida e durante o qual se falou abertamente sobre questões de vida e de fé. Reproduzo-o porque me deslumbrou o que me contou. Não vou conseguir usar tão bem das palavras que ela usou. Mas foi mais ou menos assim. Senhor padre, eu queria tanto, mas tanto, que os meus filhos percebessem em mim a importância de ter fé, que às vezes até exagero. Procuro testemunhá-lo com a vida, mas ainda assim eles não conseguem perceber-me, e fico triste. Porém não desisto. Compreendo que não lhes posso impor nada e que eles estão numa fase complicada. O mais velho tem quinze anos. Vem de uma hora de catequese e diz que não aprendeu nada ou que não se lembra. Que não entende porque tem de ir à catequese. E há uns dias tiveram um grande diálogo em casa sobre estes assuntos. E que lhe disse: meu filho, enquanto tu tiveres tudo para te sentires satisfeito e preenchido, é óptimo. Mas quando deixares de o ter, também podes continuar a sentir-te satisfeito e preenchido. É isso que a fé faz. Por isso ela é tão importante.
Fiquei de boca à banda com o que ela falou ao filho. É mesmo isso que faz a fé. E para atestá-lo estão milhares de homens e mulheres que, embora ficando sem nada, envelhecendo, perdendo as capacidades e as forças da vida, continuam com uma vida cheia, preenchida e satisfeita, porque a fé lhes dá o que as outras coisas já não conseguem dar. Claro que a fé não é supletiva. Ela não substitui. Preenche. Preenche a vida.

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

quaresma [poema 42]

Quero
Arrancar as grades da minha janela
E tocar as flores,
Limpar cada pedaço de vidro
Não me cortar,
Nesta janela que me faz olhar para além
Ver que há além,
Que as flores lindas do Paraíso estão além
E eu vejo daqui,

Não toco nem as flores nem o além,
Afinal estou aqui e elas além
E entre nós há uma imensa janela
Com grades e vidros.

Desejo a todos Quaresma com esperança!

sábado, fevereiro 14, 2015

Gostava de ter os melhores paroquianos do mundo

Gostava de ter os melhores paroquianos do mundo. Aqueles que não incomodam, que não criticam, que não se queixam, que não pedem coisas sem sentido ou que sejam difíceis de conceder, que sabem rezar e rezam, que conhecem bem a Deus, que possuem uma grande fé.
Gostava de ter os melhores paroquianos do mundo. Quase como se fossem de outro mundo! Sim, porque ao procura-los, não os encontro neste mundo. E se os houvesse assim, porque precisariam de mim? E que dizer do meu desejo de que os outros fossem os melhores quando eu não o consigo ser?
Ainda bem que os meus paroquianos não são os melhores do mundo, porque também não têm o melhor pároco do mundo. Ainda bem que eles precisam de mim, assim. Como eu preciso deles, assim. Ainda bem que podemos caminhar juntos.

sexta-feira, fevereiro 06, 2015

Que faço aqui? parte dois

Que faço aqui? Não sei que faço. Que faço aqui? Sei que algo faço. Ninguém está ou vive sem fazer algo. Mesmo quem se encontra numa cama do hospital com parte dos órgãos sem funcionar. Ou aquela pessoa que tem trissomia vinte e um. Ou aquela que deixou de poder andar. Ou que já não vê ou nunca viu. Ou que mora do outro lado do mundo e não sabe senão que tem de caçar para comer. Ou a criança que tenta dar os primeiros passos. Ou aquele idoso que dá os últimos.
Que faço aqui? Sei que a cada dia será um dia menos para o que faço aqui. Sei que em cada dia cresço para o céu. Cada dia é mais um dia que aproxima o céu. Sei que em cada dia consigo algo mais e por isso cresço, na idade e na vida. Mas não consigo ainda dar a reposta que gostava de merecer à pergunta que tantas vezes faço. Que faço aqui? E hoje faço outra pergunta. E tu, que fazes ai? Talvez na tua resposta eu encontre a minha. Ou a nossa.

terça-feira, fevereiro 03, 2015

barco à vela [poema 41]

Fazem ruído as velas,
Mas não são elas.
É o vento
A movê-las
Numa dança de advento.

Falam as velas
Mas não falam delas
Falam do vento.

sábado, janeiro 31, 2015

Mais uma vez o Carlos

O Carlos, que é meu sacristão, tem pouca comida em casa. Tem a que lhe oferecem. Mas quando o Pedro vai a sua casa com fome, este senta-se à mesa e come, nem que o Carlos deixe de comer para que o Pedro coma. O Pedro quase não para em casa, tem de tomar uns remédios para sossegar a tensão, mete-se em problemas a toda a hora. É daqueles jovens que quase ninguém quer receber em casa, com medo de que algo de lá desapareça ou que venham complicações atrás dele. Mas o Carlos deixa-o entrar, acolhe-o, dá-lhe espaço à mesa, ouve-o, confia nele quanto baste, mata-lhe a fome com o pouco que tem, e faz do Evangelho vida.

terça-feira, janeiro 27, 2015

Amizades especiais

Soube ontem que tenho quase dois mil amigos. Conto-os como conto as horas que passam. Mais uma e já foi. São os amigos que se contam em fotos de comida, de animais, de coisas que se vêem e guardam em fotos. São amigos que partilham o que os amigos partilham. E dizem que gostam sem apreciar-lhe o verdadeiro gosto. É só para dizer que vi ou que li. Tenho quase dois mil amigos no facebook. Gente que entra e sai pela internet, numa rede que socializa muitas banalidades do ser. Tem coisas boas, claro que tem. A magia da divulgação e da partilha. A força do encontro e do reencontro. A forma fácil de dizer ao outro qualquer coisa. Isso é muito bom e por isso tenho e uso esta rede social.
Mas ontem chegou-me um convite especial. São raros os convites que faço. Estou lá com as minhas fotos escarrapachadas porque um dia tive de entrar para ver algo que não poderia ver noutro lado. E lá me fiquei. E assim recebi o convite de uma jovem que não conhecia ou que não me lembrava de conhecer. Mas como na nossa vida de padres passam tantas pessoas que não conseguimos reconhecer facilmente, aceitei o convite. Poderia, inclusive, ser alguém com uma necessidade especial de me contactar ou de contactar um padre. Veio depois um Olá. E outro. Um dia após outro. E um “és super giro, parabéns”. A declaração inóspita levou-me a perguntar-lhe que desejava, e respondeu que me queria conhecer. Conhecer. Mas conhecer-me através do facebook?! Ainda por cima depois daquela declaração?! Questionei-a do acto de conhecer através do facebook, pedi desculpas mas tinha coisas mais importantes para fazer e desejei-lhe as maiores felicidades. O que mais me intrigou foi o nem se ter dado ao trabalho de perceber que eu era padre. Ou se calhar até deu. O que seria ainda mais intrigante. Ou então sou eu que no facebook sou pouco padre. Ou então eu não sei socializar no facebook .Ou então esta rede social tem possibilidades que eu desconhecia. Ou então não sei que diga. Onde irá parar este mundo social que é virtual?