segunda-feira, outubro 30, 2006

Gostei muito de o ver, senhor padre

Eram para aí umas dez horas. Depois do café da manhã, apeteceu-me, sem explicação, visitar o sacrário. Há dias assim. Poucos, mas há. Nem estava sorumbático. Deu-me. Eu até penso que devia dar muitas mais vezes aos padres. Bem lembro o significado do meu padre lá da paróquia, ainda era eu gaiato, ao entrar na Igreja para passar uns minutos. Um significado de amor profundo a Deus. Um homem de Deus. Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz mas não o que ele faz. Reconheço. Mas aquele dia foi diferente. A porta estava entreaberta. Lá dentro um vulto. Não me assustei, apesar da Igreja ter o seu quê de escuro. Ajoelhei e sentei juntinho ao sacrário. O vulto continuou como se nada fosse. Foram apenas uns minutinhos a minha conversa com Ele. Justifiquei que a maior parte das palavras haviam ficado nas entrelinhas. Rezei duas vezes aquela oração que, após a ter aprendido, rezo todos os dias. Desde pequeno. Ó Jesus, tu és meu amigo, ajuda-me a dizer sempre sim, como aqueles homens pescadores que foram contigo, deixaram os barcos, e confiaram em Ti para sempre. Ajuda-me a conhecer-Te melhor, a não ter vergonha de falar de Ti aos outros, e a ir contigo se Tu quiseres. Levantei-me e dirigi-me para a porta, ainda entreaberta. Batem-me no ombro. Era o vulto, agora reconhecido pelo xaile e pela tez. Bom dia senhor padre. Gostei muito de o ver. Sorri. Ainda não tinha chegado a casa e já eu descortinara algumas das razões daquele cumprimento. Podia ter sido apenas um gesto de quem gosta de ver o amigo. Mas eu pensei no meu pároco, no significado das suas visitas ao sacrário. Ia preparar a homilia para Domingo quando sentei ao computador. Há gestos que pregam mais que mil homilias.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Impotente

Não. Não se trata de uma daquelas coisas mórbidas e libidinosas que atraem a leitura e os desejos. É a sensação que ocupa grande parte das horas dos meus dias. Impotente perante tanta situação constrangedora… Gostava de resolver este e aquele problema, a esta e aquela pessoa, paroquiano ou amigo, ou simplesmente pessoa. Gostava de me resolver a mim. Por fora faço um penteado alinhado ou desalinhado conforme a vontade e o sol. Preparo um sorriso trabalhado ou por trabalhar. Visto umas calças e umas peças mais de adornos engraçados ou porque estavam mais à mão. Mas por dentro não há penteado ou sorriso ou calças para aparecer ao outro como algo que se pode olhar. Por dentro faz como o tempo, um solito acastanhado por entre nuvens espessas, umas vezes. Outras o cinzento do nevoeiro. Outras pura e simplesmente a chuva a cair, molhando e constipando. E outras, graças a Deus, mesmo graças a Deus, com o sol sem sombras. Posso dizer que ontem o tempo anunciado pela rádio de manhã era como o meu tempo. Expliquei a alguém que me perguntou do rosto que tinha, que era do tempo. Talvez quebra de tensão. Por isso me sinto impotente. Porque não sei explicar. Sento-me para rezar. Levanto-me para celebrar a Eucaristia. Trabalho, faço ofícios. Mas não sinto que me esteja a resolver ou a resolver os dos outros. Às vezes penso que só conseguirei resolver os dos outros quando me resolver a mim. Às vezes penso que não sou eu que tenho de resolver o que quer que seja, mas Deus. E depois penso que pode ser desculpa minha, para ficar parado, à espera. Mas esta Igreja não devia ser assim. Devia ser de Deus e não dos homens. E eu também devia ser de Deus e não dos homens. Fazer pelos homens o de Deus. Não fazer o dos homens com a desculpa de Deus. Queria ser padre sem usar o poder que me é dado, mas a vida que me é oferecida. Queria ser impotente para ser apenas um braço de Deus, o todo poderoso. Mas sou apenas impotente porque não consigo sentir, como gostaria, que a minha vida e a dos outros estejam bem, sejam de Deus.

quarta-feira, outubro 25, 2006

A Jurisdição, a comunhão e outros ãos

Juntam-se os homens e de que falam? Mulheres e futebol. Juntam-se jogadores da bola e que falam? Do penalty, do treinador tal, do golo tal e qual. Da jogada. Do arbitro. Juntam-se os comparsas e falam do que lhes vai na alma. Das suas coisas. Dos seus interesses. Das suas vidas. Juntam-se padres e falam do bispo, dos colegas, dos paroquianos. Às vezes também falam de Deus. Quando rezam juntos.
Estávamos, deste modo, a falar das nossas vidas. Numa de comunhão fraternal. Veio à baila um colega. Histórias à parte, que cada um sabia, do dito, as suas. Vem a questão. Tinham sido uns noivos que me haviam informado do seu interesse em que fosse eu celebrar o seu casamento. Mas na paróquia tal, do padre tal. E contaram do imbróglio que ouviram. Não. Ele não permite que alguns padres presidam casamentos na sua paróquia. Refreámos a questão da jurisdição. É dono de querer ou não. E contava que ensinara que os casamentos de alguns não eram válidos. Os noivos insinuaram nomes. Por caso, ao de leve, não referiram o meu, mas também não o iam declarar no momento. O do meu colega do almoço sim. Cum catano. Apetecia-me fazer-lhe uma espera, como se costuma dizer numa linguagem de quem já se cansou de estar em posição correcta. O meu colega esbracejou. E falam de comunhão fraterna?! Os nossos olhos nem se encontravam, porque as caras abanavam da direita para a esquerda e vice-versa. Quem se julga ele? O substituto de Deus? O próprio Deus? Os meus dentes ferraram um pouco. Então sim, lembrámos histórias antigas, como um puzzle em definição. A conversa demorou. Procurámos justificações. Consolos. O essencial demorou. Foi só ai que o meu colega estacionou os gestos mais rápidos, para acalmar. Olha, para ser sincero, agora apetecia-me abraçá-lo, disse. E eu abri a boca sem a tapar. Não com hipocrisia, insistiu.. Mas com vontade. A comunhão é isto. A questão é apenas circunstancial. O essencial está lá em cima. Para Ele é que devemos olhar. Para o que nos ensinou. Resumo apenas as suas palavras, que me calaram os pensamentos e os desejos.
Quando saí do almoço e entrei no carro, mesmo antes de o ligar, voltei aos pensamentos e desejos. Apetecia-me apertar o homem, que é como quem diz esganar. Mas ainda mais me apetecia apertar o meu colega com um abraço. Telefonei ao chegar a casa. Obrigado.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Sou contra o aborto

Um casal bonito. Por dentro e por fora. Há muito tentavam descobrir no seu seio a criança, para a família ficar completa. As tentativas eram mais que muitas. Naturais. Acompanhamento médico. Terapias. Medicação. Insemi-nação. Quando parecia que Deus estava a ceder ao seu pedido, ao seu desejo, tudo se desmorona. Já era difícil engravidar. Muito dinheiro empatado naquilo que achavam ser o mais importante das suas vidas e da sua partilha. Agora a dificuldade mantinha-se. Já não era só difícil engravidar. Tornara-se difícil não abortar. Estávamos a conversar da sua ansiedade. Que deviam esforçar-se, mas com serenidade. Que acima de tudo o mais importante era o amor que sentiam um pelo outro. Que não deviam deixar que a situação afectasse isso. Que deviam viver a vida e não deixar que ela os vivesse. Que havia sempre algumas alternativas. Curioso, pois tínhamos acabado de assistir a um programa sobre adopções de crianças com deficiência. Eram altas horas da madrugada. Mas a conversa mantinha-se oportuna e interessada. Às tantas ela surge com este desabafo. Andam aí a lutar para que o aborto seja legalizado. Andam aí tantas mães a abortar porque os não querem. E quem os quer, sofre porque os não consegue. Curioso como não falou da intervenção divina. Nem eu. Já encontrei pais bem felizes com as adopções que fizeram. Continuou. É injusta esta sociedade. Eu sou contra o aborto. Sou-o sobretudo porque acho que é uma perda quando há tanta gente que gostaria de encontrar a felicidade nos filhos que não consegue dar à luz e há quem os destrua com o argumento egoísta da felicidade. A conversa não ficou por ali. Mas o assunto sim.

a propósito visitar novo blogue com "As razões do Não"

sexta-feira, outubro 20, 2006

Outra promessa esquisita

Chamo-a de esquisita, não porque seja de outro mundo, como se costuma dizer, mas porque é irreflectida e contém um pormenor esquisito. Um homem possante, daqueles que não põe os pés na Igreja a não ser nos funerais e casamentos. Até nos baptizados fica a assistir fora de portas, onde tem mais espaço para dialogar. Prometi levar este andor todos os anos. Era o tal andor pesadão. Esqueceu-se de referir foi o significado de “todos os anos”. Eu sorri discretamente. A procissão estava para iniciar. Alguém lhe respondeu. Quer dizer, se houver mais do que quatro pessoas a querer cumprir promessa como a tua, nunca vai ser possível concretizá-la! A resposta-questão estava bem elaborada. Mas lá está. Era uma questão prática. O homem insistiu. Os mordomos, que tinham tudo organizado, estavam baralhados. O outro da resposta-questão insistiu. Quero-te ver com 80 anos e ainda a levar o andor. Vi-me e desejei-me para conter o sorriso discreto. O da resposta-questão parecia ter lido os meus pensamentos.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Mudanças que, espero, agradem...

E assim o Confessionário mudou a sua cara... Também os Confessionários têm de se tornar lugares aprazíveis para se poder estar... para cada um se encontrar. Espero que gostem de aqui estar!

quarta-feira, outubro 18, 2006

A promessa de quem sofre

Grande festa. Grande procissão. Várias promessas. Vários andores. Um com um peso enorme, cimentado para equilibrar a cruz do Senhor que é pesada e verga. Necessidade de quatro homens possantes. Uma promessa de quem sofre. A senhora tinha sido tratada com radiações por causa de um tumor. A médica, soube-o, pedira para ter cuidado com o sol e com esforços, porque está debilitada. Mas teima em prometer levar o referido andor. A família não concorda. Mas aceita. Ninguém concorda, mas todos aceitam. Eu também não, mas faço-me despercebido. Não foi a minha melhor atitude, e até se pode achar que foi para me facilitar a vida dos meus problemas. Podia ter sido duro, tirano. Optei por perceber os porquês e por permitir que a família resolvesse aquilo que devia. Eles eram afectivamente os principais interessados. Nada. Na hora ela lá estava com a sua promessa para cumprir. Escusado será referir a confusão, apesar de conformada, dos outros carregadores do andor. Eles é que carregaram com o peso, mais desiquilibrado, pois claro, até porque ela tinha dimensões diminutas em relação a eles. Um outro ofereceu-se para dar uma mãozinha. E assim foi a promessa cumprida. Graças a Deus que a senhora continua de saúde. Ou melhor, não consta que tenha piorado, que a sua saúde já não era das melhores.
No entanto decidi falar com os novos mordomos. A pensar no próximo ano e nas próximas promessas. E se fossem quatro promessas como esta? E se ela tivesse adoecido? Quem assumia as responsabilidades? E que dizer das consequências para os outros três carregadores? E se a senhora soçobrasse a meio do trajecto? O que poderia ter acontecido? Que desfecho teria o andor? Ou as pessoas mais próximas do mesmo? Quem assumia as responsabilidades?
Eles compreenderam, o que não significa que as outras pessoas venham a entender. Tratei com estes apenas pormenores práticos, que é só esses que a maior parte das pessoas entende. Não falei dos morais ou evangélicos. Esses ainda me confundem mais.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Como posso sentir amor por um padre?

Nem consigo se confessava e referia que não se podia confessar a nenhum padre da sua paróquia. Só Deus sabia até àquele momento. Nem ela sabia bem o que dizia. Deus sabia melhor. Tenho feito tudo para que ele não desconfie. Mas desde que o vi a tocar o órgão na igreja que não o consigo esquecer. Na altura imaginei que fosse um novo paroquiano. Eu, que até colaboro activamente na paróquia, só descobri mais tarde que era o novo padre, o coadjutor. E agora restam-me os sentimentos que me degolam a vida e me fazem sentir verme. Como posso sentir amor por um padre?! E como posso não sentir? Que hei-de fazer, perguntava-me. O senhor, que é padre, deve saber. Deve saber a forma de não sentir isto. Garanto, como garanti no momento pelo meu gesto de abrir a boca e retorcer o sobrolho, que aquela não encaixou bem. O senhor deve saber os limites, a forma de gerir amores e desamores. Continuo o retorcer. Já falou com ele? Perguntei, desconfiado da resposta. Não. Apesar de me ter aproximado dele por motivos de serviços, não. De resto sempre procurei respeitar a sua condição de padre, de servo de Deus, tentando abafar o que sinto. Hoje soube que ele vai ser transferido da paróquia. Procurei encontrá-lo na Missa e já não estava. Passei a missa inteira tentando controlar-me. Fui convidada para ler a primeira leitura e não consegui aceitar. As lágrimas escreviam as suas palavras no rosto, nas mãos. Imaginei o seu sofrimento. Tanto que ela afirmou ter pedido a Deus para a ajudar a esquecer e este não tivera em conta a sua oração. Num misto de paradoxo, agora pedia algo diferente a Deus. Que a ajudasse a esquecer a sua ausência. Por ironia, a nova paróquia é ao lado. Mas não posso pensar em lá ir. Nunca falei ou demonstrei o que fosse, mas sempre tive a sensação, a impressão de não lhe ser indiferente. Eu vi-o olhando para mim com olhos não apenas de quem olha. Ele não permitiu despedidas. Mas hoje sinto, mais que nunca que o amo.
Também não consegui ficar indiferente. Um padre ouve. Mas não pode ouvir apenas. Eu não ouvi apenas. Ouvi-me. Retive-me. Utilizei poucas palavras. Afinal aquilo parecia amor verdadeiro. Impossível, ou inacessível, de momento. Mas verdadeiro. E ela tinha fé. Sabia colocar Deus no meio das suas decisões. Apenas esquecera que o coração atraiçoa. Não facilitava. Não permitia o coração pensar muito. Mas este teimava em esgrimir-se com a razão. Despedaçada. Confusa.
Quis dizer-lhe que somos poucos. Que precisamos de todos. Que os padres já têm muito com que sofrer. Mas disse-o de uma forma muito murmurada. De tal maneira que ela pediu para repetir. E limitei-me a pedir para rezar, que o coração tem de aprender a não ser livre, aprender a respeitar as opções dos que ama, a ser feliz sem exigir respostas. Levantei-me primeiro. Saí da Igreja primeiro. Entrei em casa primeiro.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Uma confissão ou um abraço?

Estive em Taizé. Foi muito bom. Foi uma fonte para mim. Mais não foi porque não deixei. Mas foi bom. À noite, após duas experiências no Oiak, o espaço da desbunda, decidi juntar-me aos sacerdotes de diferentes países que se dispunham a confessar. Dispus-me a atender em português e espanhol, embora fale um “inglês de taizé”, como lhe chamei. Entendo outras línguas, mas não consigo falá-las, por falta de prática. Desculpo-me a mim mesmo. Mesmo assim confessei em inglês, ouvi um italiano e outro francês a quem respondi em inglês, uma italiana que não percebia qualquer outra língua e que me fez confiar na providência divina e no valor da confissão, entre outras confissões pouco habituais e de horas. Mas o mais interessante e inóspito aconteceu com uma rapariga de que não consegui perceber a origem. Falou em inglês e eu traduzo. Abrace-me. Abrace-me. Eu perguntei se não queria confessar-se. Ela repetiu. Abrace-me. Eu sorri e abracei confundido. Foi muito apertado e senti o seu grande tremor. Durou alguns segundos, um tempo que não deu para pensar em nada senão sentir. Depois que ela se afastou, sim, perguntei-me sobre a situação. Não descobri a resposta. Seriam segundas intenções? Seria de outra Confissão religiosa que desconheço e que não possua este sacramento? Seria apenas uma necessidade de se sentir amada? Seria o abraço de Deus?

sábado, outubro 07, 2006

Obrigado pela fé que me destes

Estava a conduzir quando me descobri com as lágrimas nos olhos e depois a escorrer pela face. Apeteceu-me não parar de conduzir. Deixar o rumo das lágrimas conduzirem-me. Deixar que o volante circunscrevesse as linhas da estrada. Sim, padre também chora. Como agora, as lágrimas a desenharem o teclado. Lembras-te, mãe? Foi nos últimos dias que te apresentei o meu carro novo, pela janela. Disseste, da cama, que tinha uma cor linda, que o resto não conseguias ver bem. Eu respondi, num sorriso forçado, que ainda havíamos de viajar muito nele. Hoje, passados cinco anos, penso que ainda fazes muitas viagens comigo. Agora fizeste de certeza. Lembras, mãe, a força que tinhas e que eu gostava de ter no sofrimento? Ainda ontem me contaram coisas que doeram. Como é possível que haja gente interessada no sofrimento dos outros, sem interesse, nem que para isso se inventem as histórias mais inóspitas!? Sinto-me atraiçoado pelo mundo, pela vida, pela morte. Mas tu aguentavas e sorrias. E agradecias a Deus. Não esqueço nunca as palavras que numa das últimas eucaristias que eu celebrei para ti, em casa, disseste: obrigado, Senhor, pelo sofrimento que me dás. E aqueles segundos em que eu elevava a hóstia, já consagrada, e os dois olhávamos, discretamente, através dela, um para o outro, num sinal de cumplicidade umbilical?! E a tua despedida, quando chamaste todos os filhos e genros à beira da cama e pediste perdão por alguma falha?! Meu Deus, como foi difícil sorrir! Mereceste a Festa com que te presenteei no funeral. Dia de Nossa senhora do Rosário. Nada melhor para quem rezava todos os dias o rosário. Três terços, e um deles pela fidelidade do filho consagrado. Deus lá sabe porque escolhe estes dias. Foi das eucaristias mais verdadeiras que celebrei. Cantei quanto pude. Falei da minha felicidade, da tua missão, da fé, da alegria de ir ao encontro do Criador. Muitos amigos. E a canção que os teus filhos cantámos no velório, à volta da tua mortalha? Ó anjos cantai comigo, ó anjos cantai sem fim. Dar graças eu não consigo. Ó anjos dai-as por mim. Aprendemos tanto contigo. Hoje sinto saudades do teu colo, o colo que escutava os meus desabafos de padre, de homem. Fazes-me falta. Na fotografia do meu escritório tenho uma rosa seca. Já secou, mas ainda lá está, como eu desejo que estejas sempre perto de mim, dos meus trabalhos, da minha vida. Ainda hoje rezo quase todos os dias as orações que me ensinaste. E peço a Deus, porque os médicos disseram que o teu cancro possivelmente era hereditário, que se alguém tiver de ser escolhido entre nós, que seja eu, que não tenho filhos e esposa. Até na dor ensinaste a fé. Dizia uma flor de uma criança que tu ensinaras na catequese: Obrigado por me teres ensinado a fé! E hoje, outra vez dia de Nossa Senhora do Rosário, vou ver-te ao teu último reduto. Sei que já estás com Deus. Mas aquele pedaço de terra é como que o santuário da tua vida, o altar onde te podemos mostrar o nosso amor. Vou levar-te uma flor. Eu sei que não precisas. Mas preciso eu de a levar. Devo-te a vida, tanto a biológica como a da fé. Por isso vou lá dizer três coisas, uma a Deus, outra a ti, e outra a ambos. Obrigado, Senhor, pela mãe que me deste. Obrigado, mãe, por seres a minha mãe. Obrigado pela fé que me destes.

terça-feira, outubro 03, 2006

A novela e os padres

Há dias, coisa que nem me é comum, estive várias horas ligado à TV, assistindo às novas novelas das nossas televisões. Não vou referir nem o que penso nem os motivos pelos quais perdi ali aquele tempo no sofá, teclando no comando bastas vezes. Houve uma cena de uma delas, das novelas, que me chamou a atenção. O nome é “Jura” ou “Jura-me”. Não juro o nome com certezas. E havia uma senhora, casada, mãe, que decidiu sair de casa, apesar de continuar a amar o seu marido e o seu filho. Assisti à cena. Chorava que nem uma madalena na hora da despedida. O seu coração não queria, mas ela, no seu todo, sentia essa necessidade. Dizia a umas amigas. Amigas na novela, claro. De resto não sei. Que não sabia quem era. Que precisava encontrar-se. Que a rotina e a vida fácil, preestabelecida, cumprindo as suas necessidades, não lhe chegava. Tinha-se perdido na vida que tinha. E apesar de gostar dessa vida, precisava encontrar sentido nela. Não dissera um adeus definitivo ao marido e ao filho. Mas dissera, de alguma forma, à vida que tinha. Queria sentir mais, ser mais. Queria. Queria tanta coisa no meio das lágrimas.
Não sei como será o desfecho desta telenovela. Nem vou saber porque não pretendo ver muito mais. Mas esta situação fez-me pensar. Em quê, perguntou o meu colega enquanto estávamos a almoçar. No grande número de padres, de colegas nossos, que se encontram numa situação idêntica. Não expliquei mais nada, obviamente. Ele entendera o raciocínio e acenou com o rosto conformado, para cima e para baixo.