sábado, dezembro 29, 2018

a folha [poema 199]

A folha caíra no pedaço de terra batida
e no empedrado do granito cinza da vida

Chegara ao seu outono, nunca mais volvida
a pintar de esperança o autor, o castanheiro
Soltara-se de súbito, sozinha e desfalecida
Perdera a sorte de morrer num canteiro

Mas o vento soprou sobre ela e ela veio a mim
Peguei-lhe ao colo como uma criança a nascer
Embalei-a nos braços, embrulhei-a em cetim
No livro de uma vida que há-de renascer...

no fim

terça-feira, dezembro 25, 2018

O Pai Natal dos meus sonhos

Encontrei uma carta no correio. Toda encarnada. Toda enfeitada. Parecia o embrulho de uma prenda. Era uma carta com remetente sem morada. Descobri, depois de aberta, que era uma carta de um pai natal. Apercebi-me disso porque tinha uma caligrafia muito bonita, também encarnada, estava cheia de emojis coloridos e, no final, era assinada por um pai natal. Curiosamente, vinha assinada em minúsculas. A leitura era fácil, dado que o texto não era longo e as letras tinham um tamanho acima da média. Não sei traduzir tal e qual o que li. Não me sinto verdadeiramente autorizado a fazer copi past, nem me dou ao desplante de fazer minhas as palavras que li e que me fizeram chorar. Afinal, tratava-se de uma oração de um qualquer pai natal, dos muitos pais natais que nesta época pululam nas nossas cidades e nos nossos centros comerciais a apregoar felicidade. A oração era dirigida a Jesus. Ao Menino Deus. 
Era a carta de um Pai Natal que se ajoelhava diante do verdadeiro Natal. Dizia palavras como: eu só trago brinquedos e tu trazes amor; eu faço rir as crianças, mas tu ama-las de verdade; eu deixo uma alegria passageira, mas tu deixas o teu coração para sempre; eu tenho bochechas rosadas e uma barba branca e farta, a maioria das vezes postiças, mas tu tens umas cicatrizes nas mãos e no peito que são a maior verdade; podes encontrar vários como eu nas cidades e centros comerciais, mas só tu és o único omnipotente, vivo e verdadeiro; eu alimento a economia e o mercado de consumo, mas tu dás sentido à vida das pessoas; eu brinco às cartas e mensagens de pedidos, mas tu levas a sério cada um de nós… Era tão linda e tão autêntica a carta! 
No final, antes da assinatura, dizia ainda algo do género: diante de ti me dobro no teu aniversário. E depois assinava. Era o Pai Natal dos meus sonhos. 

Aproveito para agradecer a Deus estes 13 anos de vida do "Confessionário dum Padre" e os 1022 textos que nele foram publicados

sábado, dezembro 22, 2018

Onde há-de nascer Jesus este ano?

Quando Jesus estava para nascer, Maria e José, como todos sabemos, encontravam-se em Belém, para se recensear. E quando chegou o momento de Maria dar à luz, pelos vistos, não havia lugar para eles nas hospedarias. Deus decidira habitar no meio da humanidade e esta não arranja um lugarzinho para Ele nascer! Não era preciso um hospital xpto ou um hotel de luxo. Tão só precisava de um lugar acolhedor com as mínimas condições para que Maria pudesse dar à luz e oferecer a Luz à humanidade. Mas não. Não havia. Os homens não tinham lugar para Ele. Ora se não havia lugar entre os homens para Deus encarnar e assumir a nossa humanidade, então que sejam os animais, num estábulo, a acolhê-l’O. Se não havia uma lareira para O aquecer, então que se encarreguem os rebanhos e as palhas de O aquecer. 
Foi assim há mais de dois mil anos. Mas hoje as diferenças não são muitas. Também hoje Deus terá dificuldade em nascer de novo. No meio de tanta azáfama, correrias, ruídos, comidas, talheres, prendas e stresses, terá Ele lugar para nascer? Quando andamos tão ocupados com tantas coisas que nos distraem do essencial, não estaremos de novo a fazer com que Ele procure outro lugar para nascer? 
Ele quer nascer em cada um de nós e hospedar-se no nosso lar. Ele quer habitar no lugar mais especial que temos, o nosso coração. O que nos vale é que Ele não desiste de nós, não desiste de ser a nossa Luz, nem desiste de nos habitar. Assim encontre um lugar, mesmo que seja mais pobre e humilde, para continuar a nascer!

Que Jesus nasça em nossos corações neste Natal

quinta-feira, dezembro 20, 2018

O Francisco que Deus nos deu

Francisco, que foi eleito Papa em 13 de março de 2013, é o 266º Papa da Igreja Católica. É o primeiro papa nascido no Novo Mundo, o primeiro latino-americano, o primeiro pontífice do hemisfério sul, o primeiro papa a utilizar o nome de Francisco e o primeiro pontífice não europeu em mais de 1.200 anos. Claro que não é perfeito, porque se o fosse, seria Deus. Como ser humano pode cometer erros e ser frágil. Mas é o Papa que Deus nos quis dar no momento actual do mundo e da Igreja. Estou convencido disso. 
Tem muitos seguidores, como gosta de referir a comunicação social, mas também tem alguns críticos acérrimos. Sobretudo dentro da própria Instituição da Igreja. São aqueles que gostam de o tratar por “Sumo Pontífice”, e criticá-lo porque, segundo dizem, veio por em causa a doutrina da Igreja. Como se esta tivesse estagnado no século IV, ou os sucessivos papas não tivessem reinterpretado o que havia a reinterpretar. 
De facto, há uma corrente na Igreja chamada de restauracionista e conservadora, para não dizer caduca, que deseja uma Igreja de outros tempos, como se a fé, para ser real, não tivesse de acontecer na cultura real.
Após várias leituras de todos os seus documentos magisteriais, não consigo encontrar assim tantas alterações à doutrina. Aliás, cita imenso os seus antecessores. O que se verifica é um novo modo de apresentar, que de tão simples e próximo ao comum dos mortais, parece algo novo. O que se verifica é um olhar mais compreensivo, mais aberto, mais pastoral, mais humano.
Bem-haja, Papa Francisco, pelo serviço que tem prestado à Igreja e ao mundo. Bem-haja, meu Deus, pelo dom que nos concedestes com o Papa Francisco. 

Grato a Deus pelo seu 82º aniversário no passado dia 17 de Dezembro.

segunda-feira, dezembro 17, 2018

papel [poema 198]

Pareciam passos, mas eram folhas de àrvore
a cair à beira da minha janela de papel

Mergulhei nelas como pude, de roupas vestido,
Tapando a cabeça do frio que mendigava na rua

Nadei, por dentro delas, até me sufocar
Eram demasiado envelhecidas, caídas e amarelas
Passara o tempo verde, mas continuavam a ser elas

Mais uma vez voei sem me levantar do chão.
A árvore estava viva e os passos que eram folhas
Vinham até mim, de mansinho, e eras tu

no papel

sexta-feira, dezembro 14, 2018

O Cristo escondido

Possui em sua casa duas mesas cheias de santinhos, como gosta de referir. Depois faz a visita guiada ao santuário. Uso a palavra possui, porque é mesmo esse o sentido verbal da coisa. Ela tem posse daqueles santos todos. Reza a todos. Olhe este Santo António tão lindo. E é mesmo. Distingue-se das outras miudezas que por ali abundam. Digo miudezas no sentido em que são pequenos e, no meio de tantos, acabam por se tornar ainda mais pequenos. Porém, eu não desgosto disto. Nem da atitude da senhora Alcinda, nem da sua piedade. Muito menos da forma autêntica como acho que reza. Aliás, eu próprio tenho duas mesas cheias de cruzes. Como uma coleção ou quase coleção. Gosto de juntar as cruzes das minhas peregrinações, dos amigos que mas oferecem, daquelas cruzes que me prendem o olhar e tenho de as fazer minhas. 
Contudo, na visita guiada da senhora Alcinda, não consegui encontrar Cristo algum. É certo que também não sou pródigo na visão. É certo que era quase como descobrir uma pessoa no meio de muitas pessoas. Mas nem ajeitando os óculos mais aos olhos. A custo lá encontrei um Cristo muito pequenino. Por sinal também numa cruz muito pequenina, por detrás de um Santo que lhe não sei o nome, mas que lhe fazia muita sombra. Era como um anão vigiado por guarda-costas, aqueles homens acima do tamanho normal. Era, afinal, um Cristo escondido. Era aquele tipo de Cristo que se esconde nas nossas muitas piedades, nas nossas muitas jaculatórias aprendidas desde criança, nos rituais a que nos habituámos, nas missas a correr, nas tradições populares, nos muitos afazeres da vida e da religião. O Cristo que se vai escondendo no meio de tanta coisa que lhe faz sombra.

terça-feira, dezembro 11, 2018

O que melhoravas na Catequese da Infância e Adolescência em Portugal?

A 30 de Junho colocámos online uma sondagem que perguntava sobre questões ético-morais. Depois, a 19 de Setembro, e porque foram sugeridas outras questões ético-morais preocupantes, fizémos nova sondagem. Esta apurou os seguintes resultados:
Hoje surge nova sondagem, com um assunto que tem preocupado alguns dos principais agentes de pastoral em Portugal, a Catequese. Embora não querendo reduzir a reflexão a estas opções, achamos oportuna a questão, e achamos que pode gerar um debate interessante. Já sabem que podem/devem indicar a justificação das vossas opções.
O que melhoravas na Catequese da Infância e Adolescência em Portugal?

domingo, dezembro 09, 2018

Uma simples toalha que cai e que se levanta

Coloquei a toalha de rosto no local onde me pareceu que ficava mais segura. Era o local, para o efeito, mais óbvio que o quarto de banho possuía. Estava atrás da porta. Ali a pendurei porque também me pareceu óbvio. Entretanto, cada vez que entrava no quarto de banho, a toalha caía. Cada vez que havia um movimento da porta, ela caía. E eu fazia o óbvio. Baixava-me, para a apanhar e a devolver ao cabide. Caía e eu levantava-a. Numa dessas ocasiões, apeteceu-me desistir, como quem atira a toalha ao chão. Apeteceu-me deixá-la no soalho, mesmo que fosse pisada e não mais lhe fosse fácil cumprir a missão de limpar o meu rosto. Apanhei-a, apesar da pouca vontade. Pendurei-a de outro modo, mais segura. Mas a um novo movimento da porta, tornou a cair. 
É assim a nossa vida. Por mais que nos levantemos, tornamos a cair. Os movimentos da vida, oportunos e inoportunos, desejados e indesejados, naturais ou forçados, como uma necessidade, como uma urgência ou como a única saída, são movimentos que nos fazem cair. E que fazer perante tanta queda? Levantar. Erguer de novo a nossa vida. Pendurá-la de novo e procurar o local mais seguro. Talvez, mesmo assim, tornemos a cair. 
Talvez o melhor fosse pendura-la única e exclusivamente em Deus. Mas até nessa localização, o mais natural é cair de novo. Tal como a toalha possui um peso, por si só, que faz com que caia, mesmo sem querer, assim a nossa vida, por mais sustentada em Deus que esteja, tem um peso, por si só, que a poderá fazer cair. 
Não basta desculpar-nos que somos humanos. O melhor é assumir que somos vasos de barro, e que não há vaso de barro que não necessite de ser moldado, usado, gasto, remendado. Dizia Tolentino Mendonça, no “Elogio da sede”, que o caminho espiritual não nos impermeabiliza da vulnerabilidade. Transportamos o nosso tesouro em vasos de barro. As tentações sempre vão existir. O que a nossa intensidade espiritual pode fazer é ensinar-nos a olhá-las numa outra perspectiva. É a sabedoria de as interpretar. É a sabedoria de as incorporar. O melhor caminho da plenitude, em Deus, é o que fazemos com o que somos, melhor ou pior, mais querido ou mais preterido, mais amado ou mais odiado.

quarta-feira, dezembro 05, 2018

A catequese serve para fazer pessoas boas?

É uma boa catequista. É interessada. Não se conforma com uma catequese doutrinal, escolar, com base no ensino e aprovação de conhecimentos e verdades. Mas há dias, no meio de uma reunião de catequistas, deu a entender que o objectivo da catequese, pelo menos como ela a via, era formar pessoas boas. A discussão que se gerou deu-me azo a clarificar que não basta formar pessoas boas na catequese. É necessário formar pessoas boas por causa de Cristo, ou melhor, por Cristo, com Cristo e em Cristo. Crescer na fé não é apenas crescer na bondade. Esse pode ser um dos efeitos da fé. Mas a fé é mais que isso. Basta recordar que um muçulmano pode ser uma pessoa bondosa. Um ateu pode ser uma pessoa bondosa. O que a catequese deve fazer é iniciar, formar e ajudar as pessoas a chegar á maturidade da fé, por Cristo, com Cristo e em Cristo.

domingo, dezembro 02, 2018

O cristianismo virá de Cristiano Ronaldo?

A filha da senhora Alcina creio que não tem mais que uns quatro aninhos. É franzina, mas um poço de vida, como se costuma dizer. Está numa fase de perguntas e porquês. Está numa fase em que quer saber tudo o que não sabe. E a mãe, a senhora Alcina, sabe muitas coisas, mesmo em termos religiosos. É uma daquelas pessoas que teve uma boa formação cristã, e que não tem receio de falar da sua fé, da sua catolicidade, do seu cristianismo. Pelos vistos, a filha ouve com atenção as suas palavras sábias. E por isso, um dia destes, interrompeu a mãe no diálogo que esta fazia com uma amiga, para lhe perguntar se o cristianismo vinha do Cristiano Ronaldo. De certo que ele é bem capaz de, nos dias de hoje, ser mais conhecido que o próprio Cristo. Não há sequer uma criança, pelo menos em Portugal, que não conheça este ídolo das nossas gerações. Considerações sérias aparte, com esta história lembrei a piada que em tempos li, na língua castelhana, sobre os argentinos que, numa época conturbada e mais frágil do seu patriota, futebolista e mediático Messi, pediam ao Papa Francisco, argentino de gema, que “bautice a Messi para que se convierta en Cristiano”. Tradução quase literal de “baptize Messi para que se converta em cristão”.