quinta-feira, novembro 28, 2013

O pequeno Samuel II

Passados uns dias, o Samuel que, recordo, tem três anos, e acrescento que faz parte de uma família cristã, foi com a avó ao lar para visitar, com esta, os velhinhos. Gosta de andar com a avó para todo o lado. Atravessada a porta do lar, escapou-lhe da mão e correu para a capela, que fica do lado esquerdo e que ele já conhece. A avó seguiu-lhe as pisadas, na expectativa, quando deu por ele a conversar com a imagem de Nossa Senhora que está numa das paredes laterais do Sacrário. Olha, mamã de Jesus, o tio está no céu, não está? E fez uma pausa. E ele está bem? Outra pausa. E depois colocou um ponto final na conversa com um Então está bem, deixa estar. E regressou para a mão da avó sem perceber que lhe fizera verter duas lágrimas. Tal e qual a mãe do Samuel quando me contou. E ainda hoje estou intrigado com aquelas pausas.

domingo, novembro 24, 2013

Porque é que Deus precisa dos padres?

Hoje, no meio das desventuras das minhas meditações, onde sempre encontro alguma lenha para me queimar, veio a mim a pergunta Porque é que Deus precisa dos padres? Já sabia que a Igreja precisa de padres. Só que mais não seja para ela se fazer instituição. Só que mais não seja como mediadores entre Deus e os homens, sobretudo nos sacramentos que Deus nos deixou. Mas porque cargas de água há-de Deus querer os padres? Para já Ele não precisa deles, pois Deus não precisa coisa alguma. Nós é que O precisamos. Por isso estou convencido que Deus não precisa dos padres. A prova está que há muitos lugares do mundo que não têm padres, ou têm muito poucos. Então porque haveremos de existir? Pela pura razão de que os homens podem precisar de guias sumamente espirituais ou pastores? E como não estava satisfeito com as minhas respostas e, por sinal, de novo inquieto, achei que alguém me poderia consolar com a resposta. Estando em ou de Retiro com outros colegas padres, andei de um a um, ou procurando-os em vários ocasiões propícias, com a mesma questão que me surgira. Os mais doutos usaram palavras que me escaparam ainda antes de as ouvir. Os mais próximos tentaram sossegar-me com palavras de incentivo ou com as mesmas respostas óbvias da circunstância, do tipo, Deus não precisa de nós, mas somos mediadores. Ele precisa de discípulos e nós somo-lo por excelência da consagração inteira. Ele não precisa de nós, mas quer-nos como instrumentos Seus. Uma coisa eles concordaram na globalidade comigo: Deus não precisa dos padres. Mas se Deus não precisa dos padres, porque os quer, porque os chama, porque os envia? Houve um colega, daqueles que têm amizade suficiente para o fazer, que me disse Acho que precisas de ir ao Sacrário fazer-Lhe essa pergunta. E então, quando a noite já trouxera o silêncio à casa onde nos encontramos, fui à Capela, de mansinho, visitar o Senhor no Sacrário. Estava apenas alumiado. Mal se via, mas sentia-se. Fiz a pergunta umas três vezes sem resposta. Não estava com paciência para esperar e por isso fui mais directo ao assunto. Porque precisaste de mim, Senhor? Esperei. Esperei mais um bocado. Um bom bocado. Acho que procurei a resposta em mim, porque não ouvi nada de especial. Voltei ao meu quarto. Sentei-me a escrever, e aqui estou eu a desenhar letras e palavras, a ver se elas se escrevem por si e não por mim. Às vezes começo a escrever sem saber bem onde o texto me vai levar e leva-me sempre a algum lado. Por isso já disse que era a escrever que eu meditava e mais me encontrava com o Senhor. Mas hoje estou para aqui a escrever e a inventar mais coisas para escrever, e fico com a sensação que só o tempo me dará a resposta. O tempo de Deus, é claro. E hoje termino com reticências. Pode ser que elas não se fechem como, se calhar, eu estou fechado em mim…

quinta-feira, novembro 21, 2013

A ver se me aquieto

Estou inquieto. Neste Retiro, em que me encontro neste momento, estou inquieto. Dentro de mim está a parábola da ovelha perdida, que me obriga a ir em busca dela. Mas também está a do Filho Pródigo, ou do Pai misericordioso que está à espera para se lançar aos ombros do filho, mas que não vai em busca dele pelos caminhos afastados que ele escolheu. Esta ali no meio dos seus. E se na primeira parábola quero querer ir em busca daqueles que se afastaram da Igreja ou de Deus, ou que nunca os conheceram, na segunda quero querer estar ali à espera que aqueles que se afastaram da Igreja ou de Deus, ou que nunca os conheceram, apareçam, nem que seja ao fundo do caminho, para os acolher com o abraço misericordioso de Deus. Ficar ali com os meus, à espera. Estão estas duas parábolas dentro de mim e depois estou eu. Inquieto. Sinto que tenho de Ir, ou de Estar ali. E depois. E depois descubro que caiu no esquecimento o Ser. Devo ir ou devo estar, mas quero Ser. Inquieto, pergunto-me se às vezes não andarei demasiado ocupado a pensar que tenho de ir ou tenho de estar, quando o mais importante era ser padre, ser pastor, ser discípulo, e deixar que fora de mim, e naturalmente, eu fosse em busca ou estivesse à espera. Neste retiro, onde me encontro, encontrei-me como aquele que, mais do que se preocupar com o que tem de fazer e o modo de fazer, se deve preocupar com o que deve ser. O resto virá por acréscimo. Vou dizer estas coisas ao Senhor que está no Sacrário. A ver se Ele me entende. A ver se me aquieto.

domingo, novembro 17, 2013

O que mudavas ou melhoravas na Catequese da Infância e Adolescência em Portugal?

A última sondagem proposta questionava-nos sobre a forma como tem funcionado a Catequese em Portugal. Ao que se apurou, uma larga maioria de pessoas é de opinião que tem funcionado “pouco”. Se lhe acrescentarmos a quarta opção disponível, “nada”, então esta sondagem torna-se um motivo urgente de reflexão, pois constitui 77% da população votante. Relativizando a sondagem, dado que é sempre uma sondagem, e tem as limitações que tem, parece-me motivo mais que suficiente para lançarmos uma outra questão à reflexão:
O que mudavas ou melhoravas na Catequese da Infância e Adolescência em Portugal?
Agradeço que justifiquem as vossas opções para se fazer uma boa reflexão com esta sondagem.

quinta-feira, novembro 14, 2013

O Amor da minha vida

O vento soprava, não sei de que lado. Soprava forte quando me fizeram a pergunta. Qual é o amor da sua vida? Gelei com a força do vento. Em tempos diria com facilidade que era o Senhor Jesus. Hoje o peso da idade faz-me pensar duas vezes. Três ou quatro. O peso da idade faz-nos pensar muito antes de dizer as coisas. Eu quero que seja o Senhor. Gostava que fosse Ele. Mas olho em redor e vejo tanta gente que me escolhe no amor. Poderia também desculpar-me com a minha mãe. Ou até o meu pai. Ou até a Igreja. Mas sou um simples humano que, como tal, peregrina buscando o amor. Buscando-o na vida e nos outros. São os amigos, respondo. Então o senhor padre não tem em Deus o seu maior amor? E eu respondo convicto, sem pensar mais que meia vez. Esse é o maior amigo. E o vento leva as minhas palavras, não sei para que lado. Mas leva-as. Leva-as na certeza de que a algum lado irão parar. Talvez cheguem a Deus e Ele me compreenda que, com o avançar da idade, a gente deixa os ideais para procurar a realidade, a certeza do que se vive. E que só O consigo encontrar na vida que vivo e com quem a vivo. Só através disso e da felicidade que me advém dessas experiências ou vivências. Chega de ideias abstractas, pensamentos teológicos, morais ou litúrgicos. É na vida que vivo e com quem vivo que encontro o Amor da minha vida.

segunda-feira, novembro 11, 2013

O filho da Glória

A Glória tem um filho que a costuma acompanhar à missa, embora ainda esteja longe da idade escolar. Costuma estar sossegado e parece atento. O atento possível naquelas idades. No Domingo passado o refrão do salmo dizia “Senhor, ficarei saciado quando surgir a Vossa Glória” e, como é normal, as pessoas repetiram o refrão as vezes necessárias. No final da leitura do salmo, enquanto, no silêncio próprio da espera, a pessoa que ia ler a segunda leitura se dirigia ao ambão, o habitualmente sossegado do filho da Glória levanta-se, sobe para o banco onde estava sentado, vira-se para as pessoas que agora o viam perfeitamente, e pergunta numa voz fininha, ainda meio indefinida, mas compreensível. Porque é que hoje só dizem o nome da minha mãe e não dizem o nome das mães dos outros meninos? E sentou-se, com o sururu da assembleia a sorrir, e com a mãe a cruzar o dedo com os lábios, para fazer pouco barulho. Em casa a mãe explica, disse. E o senhor padre do altar repetiu. A mãe Glória em casa já explica.
Estou mesmo a ver qualquer dia o filho da Ressurreição a fazer o mesmo. Falamos tanto dela na Missa!

sexta-feira, novembro 08, 2013

O Pequeno Samuel

O tio, de pouco mais de trinta anos e que deixou esposa e duas filhas em idade de escola, falecera-lhes há dois meses, e a conversa entre o pequeno Samuel, de três anos, e a prima, de oito, aconteceu na simplicidade que é própria das crianças. A prima dizia que o tio tinha morrido e que tinha ido para o céu. O Samuel concordava. No entanto, a prima, como tinham ido ao cemitério ver a sua campa no dia dos finados, achou por bem acrescentar que também estava debaixo da terra, ao que o Samuel respondeu. Não, não. E apontando para o seu coraçãozito, acrescentou. Ele está aqui.

terça-feira, novembro 05, 2013

Porque este mundo não é meu.

Magico e magico sobre a vida, sobre esta minha forma de viver. Encho os pulmões de ar e fico com uma vontade enorme de mudar o mundo. De mudar sobretudo a Igreja. Porém, à medida que os pulmões vão esvaziando, dou conta que para essa tarefa não basta encher os pulmões, por mais ar que lhes entrem. Invento todas as forças para que os pulmões se esvaziem devagarinho, para ver se consigo reter algum ar que se respire, mas nada. Aos poucos vai-se todo, e escapa à minha vontade de ter os pulmões cheios. Tal como tudo na vida e na Igreja de que sou padre. Resisto-me. Insisto-me. Encho continuamente os pulmões. Mas eles esvaziam logo a seguir. Porque não sou dono deles. Porque o ar não é meu, é de Deus. Porque o mundo e a Igreja são de Deus. Posso. Mas afinal não posso. Hoje dei comigo a magicar sobre a vida e sobre a Igreja, que no fundo se confunde com a minha vida. Queria que tudo fosse de outra forma. Mas a forma de Deus não cabe nesta forma. É muito maior. Rezo a pedir que me dê forças para mudar o mundo, mas nem o meu mundo consigo mudar. Rezo a pedir que me dê forças para mudar a Igreja, mas nem eu consigo ser autentico na minha fé. Rezo a pedir para que consiga mudar os que me rodeiam, mas nem a mim me consigo mudar. Não há pulmões que aguentem. Porque este mundo não é meu. É de Deus. Eu é que me esqueço.