sábado, julho 31, 2010

O caso descaso!

Dirijo-me à conservatória do registo civil. Vou apressado porque é o último dia para entregar a acta do casamento de sábado. Temos três dias úteis para o fazer. Esqueci de retirar os óculos de sol. Está um calor insuportável. Entro e tudo se faz escuro. Continua, porém o calor. Estavam várias pessoas na fila de espera. Os padres já são conhecidos por tantas actas que entregam. Apesar de ser uma entrega simples e rápida, não quis ultrapassar ninguém da fila. Porém, de entre o escuro reconheço uma paroquiana. Olhamos um para o outro. Por aqui, padre? E tu também por aqui, Sofia? São as perguntas óbvias, como se não tivéssemos percebido que estávamos lá. Eu tinha a desculpa dos óculos escuros. Ela tinha a desculpa de estar de costas. Mas fizemos a aproximação normal das pessoas que se conhecem bem. Então que faz? Perguntou. Trago uma acta de casamento. Por acaso é do casamento deste sábado na paróquia. E tu? Trabalha num escritório de advogados e trazia um pedido de divórcio. Fiquei incomodado. Mas está a tornar-se normal e, sem querer, tentamos que seja normal para nós. Conheço? Tornei. São o José e a São, padre. Os do supermercado. Os meus olhos estavam cobertos pelos óculos e foi o que valeu. Mas fez-se ainda mais escuro e mais calor. Enquanto acrescentava um casal ao número dos casados, na mesma hora ela acrescentava um casal ao número dos divorciados. Não era propriamente novidade que as coisas não andavam bem, pois já os tinha escutado a ambos. Mas não pensei que as minhas palavras e orações não tivessem o efeito desejado. O diálogo gerou-se a partir do caso e descaso das pessoas. O caso hoje e descaso amanhã. A admiração dos que duram mais de dez anos. A admiração pelos que duram dezenas de anos. O conservador explicava que ganhava mais com os divórcios. E eu disse que as famílias, os filhos, a sociedade perdiam. Olhe que se calhar temos mais divórcios por ano que casamentos, padre. Acrescentou. A conversa prolongou-se. Mas fugi dali assim que consegui. Pena que não deixei lá a conversa. Entrei no carro. Continuava muito escuro e muito calor.

sábado, julho 10, 2010

Cumpri tudo

O Afonso veio de fora. Veio para marcar o casamento com a Susana. Apresentaram-se-me os dois à porta de casa para por os pontos nos is, que é como quem diz, para acertar o que houver de acertar. Queriam casar e precisavam saber o que era preciso. Cumpri tudo, diz o noivo. Referia-se ao baptismo, à primeira comunhão, à profissão de fé, ao crisma. Escrevo com letra pequena porque me pareceu que ele falou com letra pequena. Fiz a catequese até ao décimo ano. Faz parte deste grupo que, cada vez, se torna mais minoritário. Por isso, sorria. Cumpri tudo, padre. Ao que eu perguntei se não faltava alguma coisa. E ao que ele respondeu que tinha razão. Faltava o casamento.
E com a resposta, com tudo o que cumpriu, e com o significado da palavra cumprir, fiquei sem saber se tinha aquilo que deve ter um cristão que decide realizar este sacramento do matrimónio, ou outro, com verdade.