terça-feira, março 31, 2015

Festa no céu [poema 47 ]

Rufem os tambores no ar
Soltem as amarras da festa
Façam passos de dança
Batam as palmas sem ritmo
Façam festa

Mais um amigo entrou no céu

homenagem saudosa a dois jovens amigos, a Dina e o Igor, na certeza de que no céu estão em festa

sábado, março 28, 2015

Os filhos do pecado

Sentou-se à beirinha da cadeira, caso fosse necessário fugir. Ou pela humildade de não ocupar tanto espaço. Penso que a idade lhe ensinou que não se deve ocupar muito espaço, porque o nosso espaço é sempre pequenino. Eu já estava sentado. Pronto para darmos início ao sacramento da penitência. Arregalou os seus olhos pequeninos para dizer que não sabia bem o que dizer. E assentiu resignada: Ó senhor padre, mas todos nós pecamos, pois somos filhos do pecado.
Aquela expressão feriu-me os ouvidos. Ela não pensou no que dissera como eu o imaginei. Mas ser filho do pecado é quase afirmar que somos filhos do Demónio. Por isso emendei-a e pedi-lhe que nunca mais dissesse isso, porque nós somos é filhos de Deus. Sei que ela deve ter aprendido a dizer estas coisas no tempo em que o pecado era aquilo que nos levava para o castigo dos infernos, no tempo em que não havia remédio senão pensar que tínhamos nascido condenados pelo pecado. Era outro tempo, embora os pecados fossem o que são hoje: uma pedra no sapato que dificulta caminhar. Mas é uma pedra que o Senhor Deus aligeira com a sua graça e com o seu amor misericordioso. Às vezes sem pedras no sapato e porque o pé não dói, não percebemos sequer que estamos a caminho. E além disso a pedra não é senão uma pedra, e o caminho é setenta vezes sete vezes maior que a pedra.

quarta-feira, março 25, 2015

escolhas [poema 46 ]

Quero agarrar tuas entranhas
Como animal que alimenta a presa
E, preso por meu punho cerrado
Que não larga tuas entranhas
Ter o poder de decidir que fui escolhido
Que te escolhi

sábado, março 21, 2015

o padre como um deus

Estou um pouco cansado das pessoas que me cobram perfeição. Quando é que percebem que quero ser livre! Quero ser eu. Quero caminhar como caminha um peregrino, calçado ou descalço, vestido ou por vestir. Quero saber que vou na direcção certa, embora muitas vezes por caminhos errados. Quero meter dentro de mim que Ele me ama e que só isso basta. Não preciso alimentar-me com mais amor ou desamor, com mais agrado ou mais desagrado. Estou um pouco cansado de me sentir obrigado a ser padre sem que me deixem respirar como cristão. Estou um pouco cansado das pessoas que me cobram. Peço desculpa às que não me cobram e são muitas. Peço desculpa às pessoas que me procuram sem cobrar, e na minha imperfeição esperam uma palavra amiga, mas sincera e cheia de Deus. Peço desculpa àquelas que não percebem que estão a cobrar, mas cobram. Peço desculpa àquelas que não me cobram, mas que eu penso que estão a cobrar. Peço desculpa por estar a escrever estas frases meio desajeitadas. Mas olhem que isto de ter de ser um padre perfeito porque Deus também é perfeito, cansa um pouco. É quase como esperar que cada padre seja tão divino como Deus. É quase como esperar que cada padre seja um deus.

segunda-feira, março 16, 2015

Os Joaquins que comem peixe às sextas-feiras

Estava no super-mercado quando surgiu à porta o Joaquim, nome fictício de um pai de família com os seus trinta e poucos anos. Foi uma destas sextas-feiras de quaresma, próximo da hora de almoço. Uma das sextas-feiras do ano em que a Igreja nos convida a fazer alguma abstinência. Bom dia a todos os presentes, cumprimentou o Joaquim. Bom dia para aqui e para ali. Bom dia, senhor padre. Cá venho comprar um peixinho que hoje não se come carne, e sorria como se procurasse a minha aprovação. Convém referir que o Joaquim não vai à missa e não creio que vá à missa do Domingo de Páscoa como também não foi na quarta-feira de cinzas. O Joaquim não é má pessoa. Conheço-o do café, onde nos encontramos quando eu saio da missa e ele está lá a beber uns copos. Ainda há dias o convidara a confessar-se, pois deslocara-me lá à terra para as confissões quaresmais. Disse na altura, com ar de gozo, que essas coisas não eram para ele. Mas comprou o peixinho porque nestes dias não se pode comer carne, não é senhor padre! É, Joaquim, nestes dias não se pode comer carne porque os bons cristãos devem fazer abstinência! Não é preciso contar-vos o que falámos depois. Nem falar-vos destas coisa das carnes e dos peixes nas sextas-feiras da quaresma. Deixem-me rezar pelos Joaquins cumpridores da abstinência, mesmo sem saber porquê. Ou deixem-me rezar apenas por mim, que também não sei o porquê destas coisas.

sábado, março 14, 2015

Como classificarias a actual relação entre os ministérios laicais e os ministérios ordenados?

Antes do Concílio Vaticano II, os leigos eram a "multidão dos fiéis", aquele resto que aparecia no final da autodefinição piramidal da Igreja. A tradicional concepção começava com Jesus Cristo e o seu representante na terra, o Papa, seguindo-se os bispos, os sacerdotes e religiosos. Essa poderosa hierarquia confundia-se com a Igreja. Aos leigos competia acolher orientações, normas e mandamentos impostos pela autoridade religiosa. Quando muito, coadjuvavam a acção da Igreja, sem voz nem voto. Afinal, eram leigos, ou seja, não tinham conhecimentos nem competência para desempenhar funções importantes na missão da Igreja. Mas tudo mudou, pelo menos conceptualmente, com o Concílio Vaticano II, e hoje pode dizer-se que a Igreja que Deus quer é uma Igreja que seja comunhão, e na qual todos se sintam como participantes, cada um na sua missão e em colaboração. Mas será que isto acontece na prática? Daí surge esta nova sondagem, para saber como, na vossa opinião, está actualmente a relação entre os ministérios dos leigos e os ministérios do clero, ou de uma forma mais simples, como é a relação entre os leigos e os seus pastores na missão conjunta da Igreja. Fica também o resultado da anterior sondagem, que perguntava: "Na tua opinião, a Pastoral da Igreja está desperta para a diversificação dos ministérios e para a responsabilização dos leigos?"
 

quarta-feira, março 11, 2015

O Galo [poema 45]

O galo bate as horas, é manhã
E manda que a terra se levante,
Que o cão ladre, o rato esconda,
Que o coelho coma, a vaca ande
Mundo e homem se acordem

O galo, que a panela espera,
Manda no dia depois da noite,
Manda nos fortes de cada dia
Porque é galo e canta,
Porque canta para anunciar o dia.

domingo, março 08, 2015

Coisas de padres

Se o homem não tem consciência de caminhar, porque vamos apresentar-lhe um caminho? Se ele não está inquieto, porque havemos de lançar-lhe uma proposta? Se ele não quer escutar-nos, porque havemos de falar-lhe? Estamos a pregar no deserto. Vivemos numa sociedade e numa época sem Deus, onde este, quase nem para os que frequentam a missa é de facto o centro das suas vidas. E porque haveria de ser? perguntou a Carolina. Respondi-lhe, como faço não raras vezes, com outra. E qual é o centro da tua vida? Ela encolheu os ombros e não soube responder. Enderecei-lhe nova pergunta. Qual é o sentido da tua vida, afinal? Baixou os ombros, mas não baixou as armas. Disse. Coisas de padres. Como se as coisas de Deus fossem coisas do imaginário dos padres. Se ao menos os padres fossem o rosto de Deus!

quinta-feira, março 05, 2015

A Galinha [poema 44]

Bate as asas, galinha, bate as asas
Que as asas são asas para voar
Gritas que não, que as tuas não são asas
Mas toda a asa é asa porque é asa
Gritas que não, que estas não são de águia
Tu és galinha, não tens de ser águia
Só tens que voar, porque as asas voam
Mesmo que não sobrevoem o mar.

terça-feira, março 03, 2015

a força dos mártires

Os cristãos mártires incomodam. Incomodam o nosso egoísmo. Questionam a nossa forma de viver uma fé que foge da dor. Inquietam a compreensão das coisas da vida e de Deus. Os cristãos mártires, mesmo mortos, fazem perguntas. Sobre a vida, sobre a morte, sobre Deus, sobre a fé, sobre a força, sobre a dor, sobre eles e sobre nós.
Um dia destes, a propósito do que se tem passado para os lados da Síria e do Iraque, no meio destas questões, veio a pergunta sobre o porquê ou sobre o como são capazes, ou sobre o que está por detrás de tal força da fé.
Na mesma ocasião ou por diferença de poucas horas, li uma entrevista de uma freira contemplativa a quem um jovem lhe havia feito a pergunta cliché Como é que conseguiam estar fechadas num convento? A irmã explicou-lhe que nunca se sentira fechada, que sempre se sentira livre. Que nem dava conta das grades do locutório. E dizia na entrevista que a determinada altura, lá para o final da conversa, o jovem concluía que ela no convento, fechada, era mais livre que ele, no mundo livre. Ela não disse muito mais acerca do assunto. Não precisava. E assim, depois de ler a entrevista e de associar pensamentos, descobri que os mártires são mártires porque são livres, porque usam a verdadeira e autêntica liberdade interior. Eles não têm qualquer tipo de prisão ou cadeia na vida. Nem sequer a morte.