sexta-feira, dezembro 30, 2005

Cruz, credo!

De 60 anos de idade, nunca na sua vida tivera dúvidas destas. A senhora professora sempre pendurara nas paredes da sala de aulas uma cruz, simples, de madeira. Ela fazia todos os dias uma oração antes de os alunos entrarem. Pedia a Jesus que, na sua cruz, de mãos abertas, abraçasse aqueles meninos. Os enchesse de coragem e de vontade para estudar. Para acreditar que era possível construir um mundo melhor. Bons sentimentos, penso. Mas agora estava ali, sentada. Ao meu lado. Uma confissão demorada.
Que fazer? Aquela cruz representava muita da sua força e sabedoria. O governo dita as leis de acordo com lobbies e interesses maçónicos, dizia. Levantei-me. Não que para mim aquele fosse um mal maior. Penso que a Igreja deve ter preocupações mais importantes! A minha fé não é abalada porque retiram um crucifixo da sala do meu trabalho ou da minha escola. Mas é a identidade de uma Igreja, a identidade dos cristãos que está em causa. A identidade de um país maioritariamente católico. Fui ao meu quarto buscar uma bandeira portuguesa. Daquelas que sobrou do Europeu. E expliquei. Estas 4 quinas azuis representam as primeiras batalhas na conquista do país. Diz-se que são os 5 reis mouros vencidos na Batalha de Ourique por D. Afonso Henriques. Cada quina contém 5 pontos brancos que representam as 5 chagas de Cristo que ajudou D. Afonso a vencer esta batalha. Repare. Forma uma cruz. Ela olhou. Já tinha olhado várias vezes, mas não conhecia este significado. Abriu a boca de espanto. Continuei depois dizendo-lhe que não era grave. Que a tolerância (bendita para os interesses de alguns intolerantes) o aconselhava. Embora não haja ainda muito muçulmano por aí, ou Jeovás, ou assim ou assado, tínhamos de os deixar respirar a sua fé. Sim. Porque a cruz na parede podia indigná-los. Como a mim não me indigna nada que os muçulmanos ou hindus usem turbante. Nada! Mas pronto.
Ela saiu com a mesma dúvida. Eu não fora suficientemente claro.
Ao fechar a porta olhei para o presépio que estava na rua, a enfeitar o Natal. Ainda não se lembraram de te atirar daí. Enquanto fores útil ao comércio…

domingo, dezembro 25, 2005

Nasceu numa humilde casa

Veio ter comigo num passo demasiado compassado. Foi depois da missa de Natal. De preto. As roupas e os sentimentos. A contrastar, as lágrimas sem cor no rosto cheio de rugas. Porquê? Perguntei. O meu filho, senhor padre, o meu filho, mora aqui perto do lar. Que bom, disse eu. Pode vir com mais facilidade. Vou passar o Natal aqui. Se calhar ele anda muito ocupado, sabe. O Natal é uma época de muitas correrias. Carros por todo o lado. Filas de carros nas estradas e filas de carros nas compras. Ele vem. Não vem não, senhor padre. Nem hoje nem amanhã. Esqueceu a mãe que o trouxe no seio. Não é como Jesus. Quem me dera ser a mãe de Jesus. E é, disse-lhe. A Mãe de Jesus é aquela que traz Jesus dentro de si. Aquela que o traz no coração. Mas, como pode ser se eu sou tão pobrezinha?! Sabe, é dessas casas que Ele gosta. Não chore mais. Limpei-lhe a última lágrima. Dei-lhe um beijo na face enrugada. Mas é o tempo da família. E a minha família... Nesse momento lembrei um velhinho de outro lar. Contaram-me. Que esperava os filhos do estrangeiro. Emigrantes. Sabia que eles tinham vindo. Sabia que eles iam levá-lo para passar o Natal em casa. Não apareceram. Passados dois dias, precisamente no dia 27 o senhor foi a enterrar. Nesse dia os filhos apareceram mesmo. Só nesse dia. E a casa não era assim tão pobre!

Nasce mais uma vez

Uma amiga escreveu assim depois que lhe contei da minha vontade em voltar:

Sim.... Sim... Sim...
Nasce mais uma vez,
Menino Deus!..
Não faltes, que me faltas...

Miguel Torga