sexta-feira, março 25, 2016

morte que não é [poema 100]

Veio sem nuvens para morrer,
E fazer da morte um renascer

Veio para nos levar na mão
Ao mais íntimo do seu Ser,

Veio para morar na vida
E nunca mais dela sair

... e
A morte não é mais morte
Não é mais nada que ir

Nota: Desejo a todos uma Páscoa certa da Vida!

quinta-feira, março 24, 2016

Mãos na obra [poema 99]

Era meio dia nos meus braços
E nos joelhos descansaram as horas
Aquietou-se o silêncio do tempo
Amanhã será o dia de por as mãos
Na obra. Mãos à obra

terça-feira, março 22, 2016

Mais do que ser bons

Um colega, padre e amigo meu, disse um dia algo que já citei algumas vezes, referindo-se ao resumo de cada uma e de todas as homilias. Dizia que quase bastaria dizer um “Sede bons”. E reafirmava que isso bastaria. Tenho este colega em sincera admiração. As homilias dele nunca se resumiam a um “Sede bons”. Aprendi imenso com ele a actualizar a Palavra de Deus na homilia. 
Mas há dias, quando uma mãe sofrida pelo facto de os seus filhos não lhe seguirem os passos da fé, e perante a indicação que eu dera a propósito do melhor meio de evangelização que constituía o testemunho, ela respondeu-me simplesmente que tentava ser boa a todo o custo. Essa resposta deixou-me em aberto as possibilidades reais da evangelização. 
Na verdade não me parece que baste ser bom. Isso qualquer um pode e deve ser, independentemente da sua fé ou do seu credo. Um não cristão pode ser muito melhor pessoa que um cristão. A fé é mais que isso. Trata-se da configuração com uma pessoa que é Cristo. É um modo de vida a que nem sempre o “ser bom” bastará. É toda uma forma de viver, de amar, de sofrer e de pensar cada coisa para além de si mesma, centrado no caminho para Deus. Um caminho, que afinal, vai para além da bondade.

domingo, março 20, 2016

em saída [poema 98]

Sai a alma a passear
Na primavera

Sai entre as nuvens
No céu

Sai com os anjos
A passear

E hoje na terra deseja sair
A passear

quinta-feira, março 17, 2016

Falou-lhe na comunhão espiritual

Conheço um jovem que descobriu a fé depois de estar casado pelo civil e ter uma bela filha. Está a fazer uma caminhada muito bonita, muito entusiasta e, ao mesmo tempo, muito respeitadora dos tempos e espaços da esposa e do resto da família. Aprendeu que a fé não se impõe. É o testemunho que propõe. Já lá vão uns anos e a esposa também tem dado uns pequenos passos. São pequenos, mas são passos. 
Há dias um colega negou-lhe a absolvição e negou-lhe a possibilidade de comungar. Falou-lhe da famosa comunhão espiritual. O jovem contou-me resignado. Iria levar isto a sério, mesmo quando consegue viver a Quaresma em castidade e mesmo quando a vida que ele queria viver de modo agradável aos olhos de Deus, como diz, não dependa somente dele. O que está a fazer – digo-o porque o conheço - é muito autêntico e muito bonito. Imagino que Deus esteja a olhar por ele e para ele com um amor e uma vontade muito maiores do que se calhar olha para mim e para esse meu colega que lhe negou a absolvição. 
Mas eu fiquei triste, por dentro sobretudo. Esta forma de ser Igreja-juíza que impõe e não propõe caminhar cansa.

terça-feira, março 15, 2016

A propósito e a despropósito

A propósito e a despropósito do filme que agora anda na boca do mundo, e embora eu evite falar do que as bocas do mundo costumam ter em modas, apetece-me partilhar uma simples ideia que me surgiu após ler um artigo e um comentário de um colega. O filme “Spotlight” retrata uma situação verídica ocorrida na diocese de Boston e que pôs a nu a vida de alguns sacerdotes que, pelos vistos, abusavam de crianças. Ainda não o vi, mas já li várias coisas sobre este filme que, como dizia o órgão oficial do Vaticano, não parece nada anticatólico. 
A propósito e a despropósito de algumas dessas leituras que afirmavam e reafirmavam que a Igreja tinha de falar nestes assuntos, gostava de dizer que para mim uma coisa é afrontar, enfrentar, procurar soluções para os problemas, e outra necessitar de falar deles. Dizê-los pode significar que se pretende enfrentá-los, mas não significa necessariamente resolvê-los. Há tantos assuntos que a sociedade se farta de dizer e não os resolve! 
A propósito e a despropósito desta insistência no dever de falar-se, ocorreu-me pensar numa comparação igualmente triste. Não imagino que alguém que tivesse uma mãe ou uma irmã prostituta, embora encarasse a realidade e se esforçasse por dar o contributo à sua resolução, tivesse a mínima vontade em falar disso.

sexta-feira, março 11, 2016

Último lugar [poema 97]

O último lugar é onde me visto de branco
Esse lugar que não tem sítio onde existir
Uma casa que não se vê no meio da cidade
Onde me esvazio sem palavra ou contexto

Vou ao seio de minha mãe, descalço
Em busca do último lugar que não sei
Que és tu

quinta-feira, março 10, 2016

Qual a obra de misericórdia espiritual que mais tens praticado neste ano jubilar?

Enquadrada no ano da Misericórdia, a última sondagem proposta, que era acerca das obras corporais da misericórdia, fez-nos chegar (pelo menos a mim) a uma conclusão: "há muita gente que não quer saber destas coisas"! Faço esta afirmação para não fazer outras com menor caridade. Mas se a realidade é esta, é nesta que temos de viver e professar a nossa fé feita vida.
Hoje, em continuação com a anterior sondagem, surge uma outra que se refere às obras de misericórdia espirituais.

terça-feira, março 08, 2016

Confissão entrou em recessão

Dois padres, hora e meia em dois dias seguidos. Não sei se chegou às duas dezenas as pessoas que vieram confessar-se para que a Páscoa fosse mais graça de Deus este ano. Já não há filas de pessoas para confessar. O sacramento da penitência entrou em recessão. Os homens já não sabem que pecam. Os homens já não se lembram que Deus perdoa. Os homens esqueceram que além deles há Deus.
Talvez este ano da Misericórdia nos ajude a descobrir que precisamos de misericórdia.

domingo, março 06, 2016

Eclésia [poema 96]

Resides entre a casa e a rocha,
Cativo por ideias da empreitada
Decretadas do alto da enxurrada.

Manda quem apoucou a casa
Encostada à rocha encorpada,
Que não fujas dessa morada.

Manda quem almejou a casa
que um dia a rocha há-de rolar
sobre a casa Ou nela entrar

sexta-feira, março 04, 2016

Sair da ideologia do sistema

O Papa tem falado muito na “Igreja em saída”. E como está de moda, imaginamo-nos e imaginamos a nossa igreja em bairros pobres, bares escuros de vidas marginais, submundos fora de horas a fim de evangelizar ou fazer o bem. Mas não vamos, nem nos imaginamos a ir. E não é por falta de sabermos que algo deveríamos fazer para mudar a sociedade pluralista e desequilibrada em que vivemos.
Perdoem a ousadia, mas parece-me que não estamos a perceber o Papa. A mim estas insistências do Papa sugerem-me a necessidade de deixar o cristianismo burguês, palavras do teólogo Metz, um cristianismo que está assimilado no sistema, envolvido por uma ideologia cristã altamente fundada em séculos passados. O que o Papa diz da Igreja em saída devemos entendê-lo noutra das suas repetições e que se refere a deixarmos de ser uma Igreja autorreferencial, uma Igreja metida para dentro, isto é, o sistema. O que o Papa diz é que a Igreja precisa mais da práctica que da ideologia. Afinal a fé não é um conjunto de ideias ou uma doutrina. A fé é vida. O ano da misericórdia não é outra coisa senão a tentativa de sair da ideologia do sistema.

terça-feira, março 01, 2016

Temos medo do silêncio

Temos medo do silêncio. Na nossa sociedade ruidosa temos medo de fazer silêncio. Por isso, mesmo quando não se fala ou não se tem com quem falar, como é o caso de andar de metro, comboio, autocarro, ou simplesmente a pé, ali vai toda a gente com auscultadores nos ouvidos a passar música. Temos medo do silêncio exterior e interior, que nos faça dar conta de nós próprios e daquilo que somos na verdade: um pequenino corpo da criação de Deus. 
Temos medo do silêncio e falamos mais que escutamos. Ora, se não conseguimos escutar o outro, como conseguiremos escutar Deus? Temos medo do silêncio e não fazemos silêncio para ouvir Deus. Por isso a oração que fazemos é mais a falar que a escutar. Falamos mais que ouvimos. Por isso não damos conta de que Ele fala. Por isso nos queixamos que Ele não nos fala. 
Por isso fugimos do silêncio e achamos que Deus está em silêncio.