segunda-feira, março 28, 2022

A Igreja dos pobres

Gesticulava para que aqueles que o ouviam entendessem a intensidade das suas palavras e a força da sua intenção. A Igreja tem de fazer a opção preferencial pelos pobres. Isto é o que repete continuamente o papa Francisco. Isto é o que o concílio Vaticano II disse e ficou oculto entre palavras e documentos. E que agora a teologia, influenciada pelas tendências da América Latina, trazidas aos de cima com auxílio do mesmo papa, mais referem. O dedo no ar voava junto com as frases afirmativas. Ou imperativas. E depois para se justificar, deu um exemplo. Vem um pobre à igreja – referindo-se ao templo – e não lhe fazemos caso, deixando-o ao fundo da igreja. Vem um rico ou importante, e levamo-lo para a primeira fila. E neste momento, o dedo esgrimia-se como uma espada apontada aos ouvintes. Quase a gritos, disse Quem deveríamos levar para a primeira fila era o pobre. 
 Ou seja, este amigo entusiasta pelo lugar teológico dos pobres, como ele fazia questão de salientar, estava tão focado nos pobres que, afinal, a única coisa que mudava era o lugar do pobre. Ele passava o pobre para a frente da igreja, por causa da sua condição de pobreza. Quando, na minha humilde opinião, se devia olhar para a nossa Igreja – referindo-me ao conjunto de seguidores de Cristo – como o lugar teológico dos iguais entre iguais, sem qualquer tipo de discriminação, ainda que esta pareça ser positiva. Eu sei que não se deve tratar o pobre como se ele não fosse pobre. Assim como defendo que a paternidade ou maternidade da Igreja e de Deus se concretizam num amor segundo as necessidades do amado ou amados. Nesse sentido, a Igreja deve esforçar-se por prover ou diminuir as necessidades materiais – ou outras - dos pobres. O que eu não concordo é que se tratem os pobres como se a condição deles, embora mais assinalada e defendida por palavras, teologias e pastorais, seja uma condição inferior às outras. Creio que os verdadeiros pobres – e não me refiro propriamente aos indigentes ou pedintes de esmolas – gostam de se sentir iguais entre os iguais. Ou estarei errado?!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "a solidariedade que não se faz de cima para baixo"

quarta-feira, março 23, 2022

Barrabás

Queria saber mais de Barrabás. O agitador do povo, o homicida que Jesus substituiu. Sim, porque Jesus sbstituiu este homem que só aparece no evangelho para ser substituído por Jesus no seu crime. Pouco falamos dele e sabemos ainda menos dele. Gostamos mais de lembrar aquele que substituiu Jesus, o Cireneu. A antítese de Barrabás. O substituído e o que substitui. Ambos Cristo, porque Cristo quer e porque Cristo quer muito. Porque a configuração com Cristo tem nome e tem história. Tem passado e tem futuro. Tem tudo. Porque Ele é tudo. Queria saber mais de Barrabás, porque foi o sortudo da cruz. Todos os outros que acompanharam o mestre à morte ou eram algozes ou murmuradores ou acusadores ou juízes. Todos condenaram Jesus. Mesmo os que, diz o evangelho, eram seus amigos ou conhecidos e iam vendo a cena de longe. A distância de coração, que é muito maior que a distância dos metros. Mas Barrabás não aparece a condenar. Talvez até tenha dado graças a Deus pela sorte que teve em ser substituído pelo próprio Deus. Ou então não. Ou então foi apenas o acaso do amor de Deus, como a cruz é o amor de Deus em plenitude, independentemente de quem participa nesse caminho de amor. 
 
revisitar Lc 23, 13-25
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Entre mim e Deus não há nada"

segunda-feira, março 21, 2022

chão [poema 347]

a casa está amortalhada 
tem uns degraus que não sobem nem descem 
só Deus passa e leva a casa 
só Deus sobe e desce 
entre flores cor de paixão 
sangue adulterado, 
no chão. 
 
da casa

quinta-feira, março 17, 2022

O Não do Bispo

Numa diocese longe da minha, mas não tão distante que não me doa como se fosse minha. Porque as distâncias das dioceses são apenas geográficas. A Igreja é a mesma. Em cada uma está toda a Igreja. Numa diocese sem nome, distante geograficamente da minha, o bispo convocou uma reunião dos seus padres, isto é, o seu presbitério, com um parco grupo de leigos para que estes últimos relatassem a sua experiência num congresso de leigos em que tinham participado. Dizia-me um colega padre dessa diocese que, a determinada altura, e porque os leigos presentes faziam algumas reclamações relacionadas com a participação dos leigos na Igreja, o bispo se levantou, levantou igualmente a sua voz, e disse que não aceitava o que estavam a dizer. Aqui quem manda sou eu, referiu. E a reunião terminou naquele exacto momento. Nem uma voz mais se ouviu. Não sei o que aqueles leigos disseram nem se o que disseram era bom ou mau. Mas sei que a voz foi-lhes tão dada como calada. E é assim que vive uma Igreja que quer escutar todos, mas que não dá voz a todos. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "Nós e vós"

terça-feira, março 15, 2022

simeonus [poema 346]

havia uma parede e um eco do outro lado 
punha-me à escuta, encostado a ti 
em punho erguia o meu passado 
para sentir o teu palpitar 
 
ouvia ao longe como se fosse dentro de mim 
o cair da lágrima sobre o lago, e a chuva 
nascia como uma voz que vem do outro lado 
sem fim 
 
havia um muro que galguei como escada 
e um som de longe que estava bem perto 
em mim

quinta-feira, março 10, 2022

Se as mulheres parassem, a Igreja parava.

Não era uma campanha feminista ou coisa do género. Era um diálogo um pouco surdo, ou em surdina, entre duas gerações de mulheres que se dedicam com alma à Igreja, na comunidade onde vivem e celebram a fé. O diálogo ocorreu na minha presença. Uma presença discreta, a minha, que as deixou falar à vontade. 
Uma das mulheres, a mais velha, está habituada a servir o marido e todos os demais à sua volta. Fá-lo com uma generosidade ímpar. A outra, a mais nova, gasta-se a servir como se a sua missão lhe viesse de uma vontade de ser útil, estar presente, ser uma voz entre iguais, fazer o que tem de fazer porque entende que vive numa sociedade e numa Igreja que precisa dela e do seu carisma. A segunda exaltava o papel das mulheres. A primeira apagava o papel das mulheres. Uma esgrimia argumentos a dizer que elas eram imensamente importantes na Igreja. A outra esgrimia poucos argumentos. Ouvia mais que falava. Gostava do que ouvia, mas não precisava disso para fazer o que fazia na comunidade. Era uma mulher submissa. Talvez ainda haja mulheres que sentem ou vivem a palavra “submissão” como subjugação, dependência, servidão, subordinação, sujeição, vassalagem. Eu prefiro entender a palavra como entrega humilde, como disponibilidade. Mas entendo que seja uma palavra difícil, tanto de entender como de usar. Estava interessante a conversa daquelas duas mulheres. Eu gostava do significado das palavras, inclusive dos silêncios e das pausas. Daqueles dois exemplos de fé professada, celebrada e vivida. Na primeira pessoa, ou na segunda ou na terceira. Dava igual. 
Sem as interromper, anotei. Se as mulheres parassem ou fizessem greve nas comunidades cristãs, a Igreja parava. De facto. As mulheres são quem mais trabalha nas comunidades cristãs, quem mais ocupa ministérios litúrgicos e pastorais, quem está mais presente, quem mais se dedica à Igreja. Ei-las no coro, no ambão, no zelo dos altares, na catequese, nos grupos de oração, nos encontros espirituais, na acção socio-caritativa, e por aí fora… Apesar da  hierarquia da Igreja ser constituída só por homens, atrevo-me a dizer que cerca de 95% das comunidades cristãs, no seu todo e no seu particular, são asseguradas por mulheres.
Mais depressa a Igreja parava sem as mulheres que sem os homens. Se as mulheres parassem, a Igreja parava. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Beatas, ratas de sacristia ou santas"

domingo, março 06, 2022

menos catequese

Neste último período mais difícil da pandemia, a paróquia teve de suspender a catequese presencial, que está agora a retomar. Durante dois anos, ora há catequese ora não há. Os itinerários têm sido interrompidos ou intermitentes. Os catequistas bem tentam manter uma presença através de outros meios não presenciais. Contudo, na maioria das vezes, é apenas isso, uma presença. E embora eu sinta, tal como já o afirmei aos catequistas, que é ou pode ser uma oportunidade para tornarmos a nossa catequese mais kerigmática e menos doutrinal, a verdade é que a catequese intermitente é como uma fé intermitente. Não agarra. Não compromete. Não fomenta caminho. Ainda assim, agora que estamos a retomar as sessões presenciais, uma mãe veio ao meu encalço a pedir se a catequese poderia ser menos vezes. Ó senhor padre, assim só de quinze em quinze dias. É bem capaz de ter razão aquela mãe. Também a vida da fé deveria ser só de quinze em quinze dias. Ou até menos. Quanto menos, melhor, Senhor. Menos catequese, por favor! Menos… 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Nem Pai-Nosso nem Avé-Maria"

quinta-feira, março 03, 2022

os likes da paz

Por estes dias abundam e tornam a abundar nas redes sociais imagens, textos e propostas relacionadas com pedidos de paz. Parece-me bem. Imensamente melhor do que partilhas de fotos de comidas ou similares. Como o Papa Francisco convidou a Igreja a que, no primeiro dia da Quaresma, as pessoas fizessem jejum e oração pela paz na Ucrânia, multiplicaram-se, e bem, os convites e as propostas neste sentido.  Multiplicaram-se também os likes nestas propostas, como era de esperar. O que eu não sei é quantas pessoas que colocaram likes nestas publicações fizeram de verdade jejum ou rezaram pela paz na Ucrânia. Não sei e não queria ajuizar. Mas tenho um dedo mindinho que não para de tentar adivinhar, o malandro. Pois, como é normal no mundo dos likes, muito se resume a likes
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Amizades especiais"

terça-feira, março 01, 2022

Os padres fixes

Veio ao meu encontro com uma das mãos no peito e um pouco acabrunhada. Senhor padre, olhe, às vezes ouço dizer mal do senhor padre, porque não faz as vontades às pessoas, como outros que aceitam qualquer um para padrinho e o número de padrinhos que as pessoas quiserem, aceitam qualquer um para se crismar, não exigem preparação aos noivos, entre outras coisas parecidas. Eu fico triste ao ouvir estas coisas e nem lho queria dizer. Mas ela disse. E eu sei-o. E já nem sei se fico triste, porque muitos desses que ela designou de ‘outros’, fazem, geralmente, parte do grupo de colegas que apenas celebra sacramentos, espera receber o contributo respectivo e vive para agradar. 
O que eu gostaria mesmo que dissessem de mim não é que lhes fazia as vontades e que era um fixe, mas que os ajudava a crescer na fé. Que lhes anunciava a Boa Nova de Salvação. Que, quando me escutavam, conseguiam estar mais próximos de Deus. Que confiavam nas palavras de alento que lhes dou no meio do desalento. Porque quem conta não sou eu, mas Deus. O importante não é o padre, mas Deus. Não é Deus que existe porque o padre existe, mas ao contrário.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A queixaria"