Sacudi a lama das botas no tapete da entrada. E a porta abriu-se, apressada, para que eu entrasse. A filha mais velha de dez irmãos procurara-me na noite anterior para dar lá um salto a casa. O pai estava de cama, a última cama que o vai receber, de certeza, padre. Está deitado nos últimos lençóis que vai usar. Pressinto-o. Pode lá dar um salto? As palavras não eram directas, porque não queriam ser assumidas. Não queriam ser verdade no seu coração. Por isso dizia o que queria dizer sem que dissesse o que pensava dizer.
Seriam umas dez horas quando bati à porta. Sacudi a lama porque o tempo na rua nunca é igual ao tempo por dentro da nossa casa. Ela não tinha avisado o pai, para que ele não pensasse que ela pensava que ele precisava. Recordo que na rua estava frio e escuro. Nublado. Mas em casa havia um ambiente quente, claro, terno. Entrara noutra realidade. Olhe, pai. Disse a filha. Olhe quem o veio ver. Abriu os olhos, vivos, ao contrário de quase todo o corpo. Olhe. Olhou. Sorriu e disse Hoje entrou Deus em minha casa.
Não consigo descrever-vos o que senti, porque as emoções fortes, mais do que escrevê-las, vivem-se. Porém, posso garantir que naquele dia senti que valia a pena ser padre. Nem que só por uma vez na vida reconhecessem que nós éramos um caminho que Deus atravessa para chegar ao homem, já valia a pena. Não estava em causa ser confundido com Deus, porque de Deus não tenho senão o que Ele quis. Esteve em causa sentir que, independentemente do barro com que somos feitos, Deus usa-nos e molda-nos para se manifestar ao homem.
Seriam umas dez horas quando bati à porta. Sacudi a lama porque o tempo na rua nunca é igual ao tempo por dentro da nossa casa. Ela não tinha avisado o pai, para que ele não pensasse que ela pensava que ele precisava. Recordo que na rua estava frio e escuro. Nublado. Mas em casa havia um ambiente quente, claro, terno. Entrara noutra realidade. Olhe, pai. Disse a filha. Olhe quem o veio ver. Abriu os olhos, vivos, ao contrário de quase todo o corpo. Olhe. Olhou. Sorriu e disse Hoje entrou Deus em minha casa.
Não consigo descrever-vos o que senti, porque as emoções fortes, mais do que escrevê-las, vivem-se. Porém, posso garantir que naquele dia senti que valia a pena ser padre. Nem que só por uma vez na vida reconhecessem que nós éramos um caminho que Deus atravessa para chegar ao homem, já valia a pena. Não estava em causa ser confundido com Deus, porque de Deus não tenho senão o que Ele quis. Esteve em causa sentir que, independentemente do barro com que somos feitos, Deus usa-nos e molda-nos para se manifestar ao homem.