quarta-feira, outubro 25, 2017

Lar [poema 161]

Não conheço mais que esta vida
Moro numa casa que não foi construída
No meio do nada para que seja assim
Um passado a que não encontro o fim

Em tudo busco o teu regaço em mim

quarta-feira, outubro 18, 2017

O negócio da salvação

Senhor padre, um colega seu disse-me que se me confessasse, comungasse e rezasse pela alma de uma pessoa à minha escolha, essa alma era salva e ia para o céu. Por isso lhe peço se me pode confessar. 
Não o conhecia, mas não o deixei ir-se embora sem a pretendida confissão. Também não conheço o denominado colega que lhe fez tamanha proposição. E mais uma vez não me quero julgar dono do juízo de Deus ou das boas intenções, tanto do colega como do senhor que me batera à porta. Não obstante, gostava de saber que raio de negócio é este que compra a salvação, ainda por cima, a salvação de alguém que não é o beneficiário directo da confissão, da comunhão e da oração. Que raio de negócio será este que limita a opção de Deus à nossa acção. Talvez tenha razão o meu colega, e talvez eu deva ir ali à igreja mais próxima comprar uma salvaçãozita para um amigo que faleceu e que gostava muito de ver no céu.

sábado, outubro 14, 2017

encontro [poema 160]

Fechámos a porta atrás de nós
No quarto redondo sem saída
Para além do abraço e da voz.

No escuro teus olhos me consumiam
Como lampiões que não se sabe donde
Não encontrei mais a porta para sair
Ou a esquina que o quarto não tinha

Eram grades de ouro, feitas sem nós
E ali ficámos sem nada mais que um e o outro
Preparados para sermos nós

terça-feira, outubro 10, 2017

morrer a meio tempo [poema 159]

Não tenho medo de morrer...

Mas tenho medo de morrer a meio tempo
Prédio erguido com tijolos sem massa
Floresta de árvores sem fruto
Flor sem perfume ou cor de traça
Laranja cortada em pedaços sem sumo
Fogo de fumo, sem brasas
Fonte de águas impróprias para viver
E ser apenas um ser para morrer...

sexta-feira, outubro 06, 2017

Bilhete para o céu [poema 158]

No céu não se entra sozinho
Connosco vão malas e malas de gente
Que sabe a nossa história no coração

Malas de roupas que eram nossas e não vestimos
Seguras em mãos que apertámos como se fossem nossas
Malas pesadas que transportámos como prédios habitados
por rosas

E malas como baús vestidos de livros antigos,
Na infância dos contos de fadas e de heróis que venceram
pelo bem, sem espada

Malas, e mais malas, malas que não cabem
Senão noutras malas de gentes
que sabem de cor a nossa história,
e vão connosco até ao céu,

Essa casa comum, de tanta gente,
Para que não entremos sozinhos.