segunda-feira, dezembro 30, 2013

Amar com a vontade de Jesus

Num dia destes em que Jesus nos disse no Evangelho Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros, no final da missa tomei a liberdade ou decisão, que alguns deverão ter ajuizado como tola, de sugerir que não tivéssemos receio ou pejo em dizer uns aos outros que nos amamos. Fi-lo porque acho que ainda temos muito medo desta palavra. E também para ser exemplo, algo que me saiu de uma vontade estranha, assim como um apetite que surge e não se explica, disse em cada paróquia como gostava deles. Na paróquia maior fui mais longe e acrescentei-lhe uma introdução. Apesar de, às vezes, não gostar de algumas coisitas, gosto muito de vós. Nem sei bem porque fiz tal acrescento, mas ele estava-me no inconsciente. Vieram depois à sacristia algumas pessoas dizer-me que também gostavam muito de mim. Foi muito bom, e espero que a comunidade seja cada vez mais autêntica no legado que recebemos de Jesus. Mas uma Lúcia mais atrevida perguntou porque é que eu tinha dito que não gostava de algumas coisas, mas gostava deles, como se isso não fizesse sentido. Eu respondi, de forma consciente, com a medida do amor de Jesus, pois que Ele também amava as pessoas não porque fossem boas, mas porque Ele tinha vontade de as amar.
 
E assim me despeço deste ano 2013, na expectativa de que o novo ano traga novidades neste nosso espaço: O Confessionário dum Padre

terça-feira, dezembro 24, 2013

O Natal traz sentido às nossas vidas

A azáfama do meu Natal chegou com festas e missas nos lares, nas casas de alguns doentes, nas escolas, na catequese, em jantares dispersos por motivos variados. Chegou cheia de alegria, como é normal nesta época. Ainda não me cansei. Espero não me cansar porque o Natal não cansa. Nem aos padres que têm muitas missas para celebrar e muitas terras para calcorrear. O Natal é muito mais que as prendas, as luzes, os pinheiros iluminados, os presépios. Para mim o Natal chega a ser muito mais que os encontros, embora seja uma celebração do encontro de Deus com os homens. Infelizmente há muita gente que confunde o Natal com o homem das barbas brancas e com a consoada em família. Vou dizer-vos o que é para mim o verdadeiro Natal. Foi o que fiz com os idosos de um dos lares das minhas paróquias, onde o Natal pode ser uma época de maior dor, porque estão ou são abandonados, porque estão doentes ou sem forças, porque se recordam de forma profunda que a vida está a passar rápido e já lá vai mais um Natal. Comecei a homilia da missa que celebrei com eles a fazer perguntas, informando que quem acertasse ganhava um prémio, o prémio da descoberta. A primeira pergunta era sobre o motivo pelo qual existia o Natal, e lá foram respondendo, por entre os poucos dentitos e muitos sorrisos, e por mais ou menos estas palavras, que o Natal existia porque Deus tinha vindo ao mundo e tinha assumido a nossa humanidade. Estavam de Parabéns. Mas a segunda pergunta era mais difícil. Porque é que o Menino Deus tinha encarnado e se tinha feito homem. As respostas foram variando entre o porque nos amava ou o para nos salvar ou o para nos ensinar muitas coisas. Entretanto, no meio da barafunda que foi todos quererem dizer da sua sabedoria, alguém disse que tinha vindo ao mundo para nos mostrar como se deve viver. Obriguei-os de seguida a fazer silêncio e arregalaram os olhitos. De facto Deus veio ao mundo para nos mostrar o Sentido da Vida. Que esta tem sentido. Que esta é um dom maravilhoso de Deus. Que o Amor de Deus manifesto na sua humanidade, bem como todas as Suas expressões, mostram que vale a pena viver. Bateram palmas os meus amiguinhos. E terminei dizendo que não interessava se estávamos doentes ou a sofrer, por dentro ou por fora, porque o Natal reforçava em nós a certeza de que a vida é tão boa, e que podemos ser felizes mesmo que nos falte tudo ou muita coisa que gostaríamos de ter. O que nunca nos falta é este Deus que nasce para nós e para nos mostrar e garantir o Sentido da Vida! E vão mais palmas, porque estas coisas sabem melhor que qualquer rabanada ou bacalhau.
 
Aproveito para desejar a todos um Natal cheio desta certeza e um ano cheio do Deus que nos garante esta certeza!

terça-feira, dezembro 17, 2013

O Papa que faz hoje anos

Hoje fala-se do Papa. Quer-se dizer, fala-se todos os dias do Papa Francisco e enchem-se as páginas dos jornais e das televisões. E não diria que é mau. Graças a Deus que ele tem proporcionado notícias positivas da Igreja aos escaparates das primeiras páginas de todo o mundo. Ainda há dias um entendido habitual das televisões, que é descrente e usa da palavra para fazer comentários abalizados, dizia positivamente que o "Papa devia dar uma lição de moral aos grandes patrões e banqueiros”. Infelizmente às vezes estas coisas não passam de modas. Mas enquanto durar que dure. Mas hoje fala-se do Papa Francisco porque faz setenta e sete anos. Poucos devem ter ficado indiferentes à notícia e feito caso da idade. Crentes e não crentes.
Ora aconteceu que, numa das minhas pequeninas comunidades, daquelas em que o comum dos participantes tem uma idade acima da mediana e uma cultura dita erudita abaixo da mesma, já quase no final da eucaristia, ali no após comunhão, um senhor de bom coração levantou-se sem ninguém esperar e começou a falar sozinho. Não fiz caso e fiquei na expectativa. Falou alto e bom som por estas ou por outras palavras semelhantes. Olhem, eu acho que nós devíamos dar uma salva de palmas ao nosso Papa que faz hoje anos. Não deram tempo sequer para me levantar e já toda a minha gente batia palmas. Acompanhei-os, levantei-me e convidei-os depois a rezarmos um Pai-nosso para que o Senhor Deus o continuasse a encher de graças e nos continuasse enchendo de graças a nós através dele. Toda a minha gente rezou com entusiasmo. E ainda antes que acabasse a missa eu já conversava comigo mesmo sobre estas coisas dos mediatismos do Papa, sobre o que as pessoas pensam dele e sobre o que os mais simples e comuns dos homens sentem em relação a este Papa que escolheu o nome que mais se lhe ajusta, Francisco. Por isso quero lá saber do que dizem as televisões ou os jornais. O que interessa mesmo é o que vou ouvindo às pessoas e o que vou sentindo no seu pulsar. Parabéns, amigo.

quarta-feira, dezembro 11, 2013

Apartes de Maria

Chamou-me à parte, bem à parte. São assuntos à parte, e não queria pensar que estava a pecar por pensar neles. Tire-me uma dúvida, senhor padre. Então Maria nasceu Imaculada? Sentei-me a seu lado, para sentar igualmente os pensamentos. É um assunto mesmo à parte. Que eu pouco considero. Gosto de dar a Maria o atributo de Imaculada, como o dogma o assinala. Mas não me assusta que ela não fosse assim tão imaculada, pois que Deus não escolhe os perfeitos, os sem pecado. No entanto aceito o dogma. Afinal ela foi a mãe do salvador. Mas quando a interessada da senhora Carla me fez a pergunta, e ainda por cima, uma pergunta que claramente a afrontava, fiquei dominado nos meus apartes. E continuou. Para que precisávamos que ela fosse imaculada? Quanto à sua virgindade, até consigo compreender. Mas para que é que ela havia de ter sido concebida sem a mancha do pecado original. É só uma questão teológica, não é? Admirei-me da cultura religiosa da senhora Carla. E porque concordava com ela, pese embora o risco de contrariar a noção do dogma, eu disse-lhe. Não se preocupe com isso, senhora Carla. A mim também não me preocupa. Que ela foi escolhida, foi. Que ela é a mãe do Salvador, é. Que ela é especial, é. Que ela é dos primeiros modelos de fé, é. Que ela toca profundamente cada crente, toca. Mas não me preocupa se é imaculada ou não. Ficámos ambos sossegados. Mas agora, ao escrever, sinto que algo me perturba diante do magistério e tradição da Igreja.

terça-feira, dezembro 03, 2013

A vida

A vida passa a correr. Amanhã já será para o dia seguinte um ontem. Teimamos em querer viver uma vida cheia, mas amanhã o dia de hoje já não tem nada. Tem apenas o que ficou em nós como o ser que nos tornámos. Teimamos em ser donos da nossa vida quando ela passa sem que lhe demos ordem. E um dia a nossa porta abre para não mais se fechar e é nessa hora que a gente pergunta E agora? esquecendo que a porta esteve sempre aberta. Bastava tão somente saber que era a nossa porta. Porque este mundo tem a nossa porta virada para o norte, o sul, o este e o oeste. Para todo o lado. Perdemos-lhe o norte e convencemo-nos que a escolha tem de ser nossa. E é. Mas ninguém escolhe a porta branca porque não é escura. Tem de se escolher porque é branca. E andamos toda uma vida que passa a correr numa busca que está lá, mas que teimamos em não ver porque queremos ser donos da nossa escolha e isso pode impedir-nos de ver que ela está lá. E quando a porta se abrir para não mais se fechar já é tarde, tal como o dia de hoje já foi e não mais volta. Fica apenas aquilo que ficou de nós.

quinta-feira, novembro 28, 2013

O pequeno Samuel II

Passados uns dias, o Samuel que, recordo, tem três anos, e acrescento que faz parte de uma família cristã, foi com a avó ao lar para visitar, com esta, os velhinhos. Gosta de andar com a avó para todo o lado. Atravessada a porta do lar, escapou-lhe da mão e correu para a capela, que fica do lado esquerdo e que ele já conhece. A avó seguiu-lhe as pisadas, na expectativa, quando deu por ele a conversar com a imagem de Nossa Senhora que está numa das paredes laterais do Sacrário. Olha, mamã de Jesus, o tio está no céu, não está? E fez uma pausa. E ele está bem? Outra pausa. E depois colocou um ponto final na conversa com um Então está bem, deixa estar. E regressou para a mão da avó sem perceber que lhe fizera verter duas lágrimas. Tal e qual a mãe do Samuel quando me contou. E ainda hoje estou intrigado com aquelas pausas.

domingo, novembro 24, 2013

Porque é que Deus precisa dos padres?

Hoje, no meio das desventuras das minhas meditações, onde sempre encontro alguma lenha para me queimar, veio a mim a pergunta Porque é que Deus precisa dos padres? Já sabia que a Igreja precisa de padres. Só que mais não seja para ela se fazer instituição. Só que mais não seja como mediadores entre Deus e os homens, sobretudo nos sacramentos que Deus nos deixou. Mas porque cargas de água há-de Deus querer os padres? Para já Ele não precisa deles, pois Deus não precisa coisa alguma. Nós é que O precisamos. Por isso estou convencido que Deus não precisa dos padres. A prova está que há muitos lugares do mundo que não têm padres, ou têm muito poucos. Então porque haveremos de existir? Pela pura razão de que os homens podem precisar de guias sumamente espirituais ou pastores? E como não estava satisfeito com as minhas respostas e, por sinal, de novo inquieto, achei que alguém me poderia consolar com a resposta. Estando em ou de Retiro com outros colegas padres, andei de um a um, ou procurando-os em vários ocasiões propícias, com a mesma questão que me surgira. Os mais doutos usaram palavras que me escaparam ainda antes de as ouvir. Os mais próximos tentaram sossegar-me com palavras de incentivo ou com as mesmas respostas óbvias da circunstância, do tipo, Deus não precisa de nós, mas somos mediadores. Ele precisa de discípulos e nós somo-lo por excelência da consagração inteira. Ele não precisa de nós, mas quer-nos como instrumentos Seus. Uma coisa eles concordaram na globalidade comigo: Deus não precisa dos padres. Mas se Deus não precisa dos padres, porque os quer, porque os chama, porque os envia? Houve um colega, daqueles que têm amizade suficiente para o fazer, que me disse Acho que precisas de ir ao Sacrário fazer-Lhe essa pergunta. E então, quando a noite já trouxera o silêncio à casa onde nos encontramos, fui à Capela, de mansinho, visitar o Senhor no Sacrário. Estava apenas alumiado. Mal se via, mas sentia-se. Fiz a pergunta umas três vezes sem resposta. Não estava com paciência para esperar e por isso fui mais directo ao assunto. Porque precisaste de mim, Senhor? Esperei. Esperei mais um bocado. Um bom bocado. Acho que procurei a resposta em mim, porque não ouvi nada de especial. Voltei ao meu quarto. Sentei-me a escrever, e aqui estou eu a desenhar letras e palavras, a ver se elas se escrevem por si e não por mim. Às vezes começo a escrever sem saber bem onde o texto me vai levar e leva-me sempre a algum lado. Por isso já disse que era a escrever que eu meditava e mais me encontrava com o Senhor. Mas hoje estou para aqui a escrever e a inventar mais coisas para escrever, e fico com a sensação que só o tempo me dará a resposta. O tempo de Deus, é claro. E hoje termino com reticências. Pode ser que elas não se fechem como, se calhar, eu estou fechado em mim…

quinta-feira, novembro 21, 2013

A ver se me aquieto

Estou inquieto. Neste Retiro, em que me encontro neste momento, estou inquieto. Dentro de mim está a parábola da ovelha perdida, que me obriga a ir em busca dela. Mas também está a do Filho Pródigo, ou do Pai misericordioso que está à espera para se lançar aos ombros do filho, mas que não vai em busca dele pelos caminhos afastados que ele escolheu. Esta ali no meio dos seus. E se na primeira parábola quero querer ir em busca daqueles que se afastaram da Igreja ou de Deus, ou que nunca os conheceram, na segunda quero querer estar ali à espera que aqueles que se afastaram da Igreja ou de Deus, ou que nunca os conheceram, apareçam, nem que seja ao fundo do caminho, para os acolher com o abraço misericordioso de Deus. Ficar ali com os meus, à espera. Estão estas duas parábolas dentro de mim e depois estou eu. Inquieto. Sinto que tenho de Ir, ou de Estar ali. E depois. E depois descubro que caiu no esquecimento o Ser. Devo ir ou devo estar, mas quero Ser. Inquieto, pergunto-me se às vezes não andarei demasiado ocupado a pensar que tenho de ir ou tenho de estar, quando o mais importante era ser padre, ser pastor, ser discípulo, e deixar que fora de mim, e naturalmente, eu fosse em busca ou estivesse à espera. Neste retiro, onde me encontro, encontrei-me como aquele que, mais do que se preocupar com o que tem de fazer e o modo de fazer, se deve preocupar com o que deve ser. O resto virá por acréscimo. Vou dizer estas coisas ao Senhor que está no Sacrário. A ver se Ele me entende. A ver se me aquieto.

domingo, novembro 17, 2013

O que mudavas ou melhoravas na Catequese da Infância e Adolescência em Portugal?

A última sondagem proposta questionava-nos sobre a forma como tem funcionado a Catequese em Portugal. Ao que se apurou, uma larga maioria de pessoas é de opinião que tem funcionado “pouco”. Se lhe acrescentarmos a quarta opção disponível, “nada”, então esta sondagem torna-se um motivo urgente de reflexão, pois constitui 77% da população votante. Relativizando a sondagem, dado que é sempre uma sondagem, e tem as limitações que tem, parece-me motivo mais que suficiente para lançarmos uma outra questão à reflexão:
O que mudavas ou melhoravas na Catequese da Infância e Adolescência em Portugal?
Agradeço que justifiquem as vossas opções para se fazer uma boa reflexão com esta sondagem.

quinta-feira, novembro 14, 2013

O Amor da minha vida

O vento soprava, não sei de que lado. Soprava forte quando me fizeram a pergunta. Qual é o amor da sua vida? Gelei com a força do vento. Em tempos diria com facilidade que era o Senhor Jesus. Hoje o peso da idade faz-me pensar duas vezes. Três ou quatro. O peso da idade faz-nos pensar muito antes de dizer as coisas. Eu quero que seja o Senhor. Gostava que fosse Ele. Mas olho em redor e vejo tanta gente que me escolhe no amor. Poderia também desculpar-me com a minha mãe. Ou até o meu pai. Ou até a Igreja. Mas sou um simples humano que, como tal, peregrina buscando o amor. Buscando-o na vida e nos outros. São os amigos, respondo. Então o senhor padre não tem em Deus o seu maior amor? E eu respondo convicto, sem pensar mais que meia vez. Esse é o maior amigo. E o vento leva as minhas palavras, não sei para que lado. Mas leva-as. Leva-as na certeza de que a algum lado irão parar. Talvez cheguem a Deus e Ele me compreenda que, com o avançar da idade, a gente deixa os ideais para procurar a realidade, a certeza do que se vive. E que só O consigo encontrar na vida que vivo e com quem a vivo. Só através disso e da felicidade que me advém dessas experiências ou vivências. Chega de ideias abstractas, pensamentos teológicos, morais ou litúrgicos. É na vida que vivo e com quem vivo que encontro o Amor da minha vida.

segunda-feira, novembro 11, 2013

O filho da Glória

A Glória tem um filho que a costuma acompanhar à missa, embora ainda esteja longe da idade escolar. Costuma estar sossegado e parece atento. O atento possível naquelas idades. No Domingo passado o refrão do salmo dizia “Senhor, ficarei saciado quando surgir a Vossa Glória” e, como é normal, as pessoas repetiram o refrão as vezes necessárias. No final da leitura do salmo, enquanto, no silêncio próprio da espera, a pessoa que ia ler a segunda leitura se dirigia ao ambão, o habitualmente sossegado do filho da Glória levanta-se, sobe para o banco onde estava sentado, vira-se para as pessoas que agora o viam perfeitamente, e pergunta numa voz fininha, ainda meio indefinida, mas compreensível. Porque é que hoje só dizem o nome da minha mãe e não dizem o nome das mães dos outros meninos? E sentou-se, com o sururu da assembleia a sorrir, e com a mãe a cruzar o dedo com os lábios, para fazer pouco barulho. Em casa a mãe explica, disse. E o senhor padre do altar repetiu. A mãe Glória em casa já explica.
Estou mesmo a ver qualquer dia o filho da Ressurreição a fazer o mesmo. Falamos tanto dela na Missa!

sexta-feira, novembro 08, 2013

O Pequeno Samuel

O tio, de pouco mais de trinta anos e que deixou esposa e duas filhas em idade de escola, falecera-lhes há dois meses, e a conversa entre o pequeno Samuel, de três anos, e a prima, de oito, aconteceu na simplicidade que é própria das crianças. A prima dizia que o tio tinha morrido e que tinha ido para o céu. O Samuel concordava. No entanto, a prima, como tinham ido ao cemitério ver a sua campa no dia dos finados, achou por bem acrescentar que também estava debaixo da terra, ao que o Samuel respondeu. Não, não. E apontando para o seu coraçãozito, acrescentou. Ele está aqui.

terça-feira, novembro 05, 2013

Porque este mundo não é meu.

Magico e magico sobre a vida, sobre esta minha forma de viver. Encho os pulmões de ar e fico com uma vontade enorme de mudar o mundo. De mudar sobretudo a Igreja. Porém, à medida que os pulmões vão esvaziando, dou conta que para essa tarefa não basta encher os pulmões, por mais ar que lhes entrem. Invento todas as forças para que os pulmões se esvaziem devagarinho, para ver se consigo reter algum ar que se respire, mas nada. Aos poucos vai-se todo, e escapa à minha vontade de ter os pulmões cheios. Tal como tudo na vida e na Igreja de que sou padre. Resisto-me. Insisto-me. Encho continuamente os pulmões. Mas eles esvaziam logo a seguir. Porque não sou dono deles. Porque o ar não é meu, é de Deus. Porque o mundo e a Igreja são de Deus. Posso. Mas afinal não posso. Hoje dei comigo a magicar sobre a vida e sobre a Igreja, que no fundo se confunde com a minha vida. Queria que tudo fosse de outra forma. Mas a forma de Deus não cabe nesta forma. É muito maior. Rezo a pedir que me dê forças para mudar o mundo, mas nem o meu mundo consigo mudar. Rezo a pedir que me dê forças para mudar a Igreja, mas nem eu consigo ser autentico na minha fé. Rezo a pedir para que consiga mudar os que me rodeiam, mas nem a mim me consigo mudar. Não há pulmões que aguentem. Porque este mundo não é meu. É de Deus. Eu é que me esqueço.

segunda-feira, outubro 28, 2013

A irmã Graça

A irmã Graça tem o tamanho que tem. É a irmã mais baixa da comunidade religiosa que a minha paróquia tem. Há dias uma outra irmã da comunidade completou mais um aniversário. Teve direito a surpresas quanto baste. Esta não cabia em si de alegria. Porém, ao olhar para a irmã Graça, o seu rosto de alegria parecia ainda maior. Muito maior que o seu tamanho. Se a irmã aniversariante não cabia em si de alegria, a alegria da irmã Graça não cabia no tamanho da irmã aniversariante. Estava feliz com a felicidade da irmã que, na mesma comunidade, fazia anos. Regressei a casa, encantado pelo tamanho da irmã, tão grande. Assim acontecesse na comunidade cristã com a alegria e o sucesso dos outros cristãos. Assim acontecesse entre o clero, com a alegria e o sucesso dos colegas. E fiquei a meditar com o testemunho cristão da irmã Graça, que de pequena, só deve ter o tamanho.

terça-feira, outubro 22, 2013

Os diáconos

Uns domingos atrás, um colega levou um diácono, homem casado, às três missas que tinha nas três terras em que as tinha marcado. Decidiu apresentar o diácono e explicar às pessoas este ministério. Embora não querendo entrar na cabeça do meu colega e muito menos ajuizar, ocorreu-me que as estava a preparar para Celebrações Dominicais na Ausência do Presbítero presididas pelo diácono. Não sei bem como foi. O colega não se alongou na história. O remate que lhe queria dar é que tinha importância. E contou que no final de uma das missas um senhor os havia esperado para dizer que estava feliz, porque agora já sabia que a Igreja não ia acabar. O meu colega não adiantou mais palavras à conversa, porque não tinha palavras que resumissem os seus pensamentos. Entendi. Entendi que para muita gente os diáconos, que são assim uns quase padres mas não são ainda, poderão ser a solução de uma Igreja que vê diminuir em crescendo o número de padres. Como se o diácono fosse um prolongamento ou um substituto dos padres. Como se um homem casado que pode fazer quase igual aos padres fosse a solução fácil para o celibato dos padres. Não. O padre não disse, mas eu grito que não. Não quero crer, pois o diácono é um ministério que vale por si e não vale pelo sacerdócio. Não quero crer que a nossa Igreja possa confundir o papel dos diáconos. Não quero, pior ainda, acreditar que haja cristãos que ousam pensar que a Igreja pode acabar. Restou-me um pensamento positivo, pois, por mal ou por bem, no meio de tanta gente que nem sabe o que são os diáconos ou não sabe da sua necessidade intrínseca na Igreja, também há quem se deixe regozijar pelos e com os diáconos.

quinta-feira, outubro 17, 2013

És de opinião que a Catequese da Infância e Adolescência em Portugal tem funcionado bem?

A última sondagem proposta questionava-nos sobre a forma como cada um se relacionava com o seu pároco. Incrivelmente algumas pessoas nem sabiam que figura era essa. Mas, se acaso o número de pessoas que responderam que não conviviam com ele, ou só conviviam quando precisavam, ou não o conheciam, ou nunca falaram com ele, somava uma percentagem de 36%, o número daqueles que o têm como muito próximo ou que é mesmo como se fosse da família somava um total de 42%.
Hoje surge nova sondagem, numa época em que se reinicia a Catequese de Infância e Adolescência, para auscultar se acaso esta catequese tem funcionado ou não. Agradeço que justifiquem as vossas opções para se fazer uma boa reflexão com esta sondagem.
És de opinião que a Catequese da Infância e Adolescência em Portugal tem funcionado bem?

quinta-feira, outubro 10, 2013

Deus quer que a vida nunca pare

Não se entende como o tempo passa e nos acomodamos à vida que nos surge. Nada aqui neste mundo é eterno. Deus fê-lo tão bem feito que hoje aquilo que nos parece sem sentido, ou acaba por fazer sentido ou aceitamo-lo porque não admitimos não aceitar ou aceitamos que a vida é assim. É interessante esta forma de viver. Difícil de entender, mas maravilhosa ao mesmo tempo. Há doze anos caiu tudo por terra e parecia que nada mais havia naquele momento. A minha mãe partira para o Pai. Convencera-me que aquela marca iria tornar escuro o resto dos meus dias. Mas não. Acreditava já, com todas as forças, na Ressurreição. Sabia que a minha mãe terminara a sua missão aqui na terra. Porém, o mundo desabara em mim e pesava. Fui marcado com a graça de Deus nesse dia. No meio das lágrimas havia sorrisos. A minha mãe era a minha mãe. Não há ser mais unido a nós que a nossa mãe. Já lá vão doze anos. Não é como se fosse hoje. Às vezes parece, mas não é. Não fiquei parado no tempo e na vida com a vida dela. Por isso hoje estou tranquilo. Algo dentro de mim me traz melancolia. Não se explica. Sente-se. Mas não vou chorar. Não quero. Não sei se me apetece, ou não sei o que me apetece. Estou apenas tranquilo. Deus quer que a vida nunca pare. Nem quando morremos.
 
escrito no dia 7 de Outubro de 2013, no 12º aniversário da morte de minha mãe

segunda-feira, outubro 07, 2013

A catequista e o menino

No grupo de catequistas da paróquia há uma catequista que prima pela discrição. Ouve atentamente tudo o que se passa à sua volta. Absorve o que se passa e usa poucas palavras para se fazer ouvir. Acho interessante esta forma de ser. Encontrámo-nos à saída do centro, quase tropeçámos um no outro e ela aproveitou o tropeço para me dizer que Já agora, estava capaz de lhe dizer uma coisa. Que no ano passado quase desistira de dar catequese. A vida familiar era-lhe exigente. Não era muito compreendida pelo marido. As crianças da catequese eram muito desordeiras. Estava cansada. Mas numa das últimas catequeses do ano, no dia exacto em que tomara por definitiva a decisão de não voltar a dar catequese, o Senhor a fizera de novo pensar. Há um menino no seu grupo, o mais miudinho deles todos, que está sempre a sorrir. Um sorriso que contagia. Já não era a primeira vez que, quando a semana estava a ser dura, o menino lhe enviava um sorriso que a fazia pensar no sorriso de Deus. Ora, no tal dia definitivo, os meninos do seu grupo, quase garantindo que fizera a decisão mais acertada, estavam por demais irrequietos, desordeiros, barulhentos. E enquanto tentava acalmá-los, uma pequenita mão acariciara o seu rosto. Quando abriu os olhos que se tinham fechado pela irritação, deu conta que era o tal menino do sorriso contagiante. No mesmo instante, viu-se a olhar para o menino Jesus a acariciar a sua mãe no meio da sua labuta diária, cansativa e penosa. O miúdo esticara-se para lhe dar um beijo, dizendo que gostava muito da catequista. Padre, naquele momento senti que o Senhor me trocara as voltas e me estava a dizer que ainda não chegara o momento para a decisão que programara. E aqui me tem, padre. Também me estiquei, embora menos que o menino, para lhe dar um beijo e não dizer mais nada que não tivesse sido já dito. O Senhor troca-nos muitas vezes as voltas.

quarta-feira, outubro 02, 2013

Casamento não tem custo

Noivo comum, jovem e mais ou menos despachado. Vive há uns dois anos com a futura esposa. Lugar-comum. Vai casar para lhe fazer a vontade. Trataram dos papéis, dos processos civil e religioso. Na hora das contas, revelou um jeito desconfiado. Há uma licença para pagar, informo. Ele responde que um amigo casou há pouco tempo e não pagou nada. Acho estranho e pergunto se ele casou realmente pela Igreja, pois não era possível casar sem a licença. Alguém lha deve ter pago, acrescento. Que era o correspondente ao processo civil que custou uns 150 euros e que esta licença religiosa era apenas uns 20 euros. Comparação feita, e ainda não estava desfeita a má ou pouca vontade do noivo. Expliquei que paguei do meu bolso por adiantado, evitando que tivessem de fazer uma deslocação a fim de tratarem do assunto na Curia, o equivalente à Conservatória do Civil. Repare-se que nem abordámos os possíveis, ou plausíveis, ou adequados, ou desejáveis pagamentos do trabalho da cerimónia. Ele achava que não devia pagar nada. E até certo ponto tinha razão, pois as coisas de Deus não deviam ter custos. Ou melhor, não têm custos. Porém, ninguém vive do ar. Pode viver da generosidade, mas não do ar. Além disso, uma coisa é presidir a um casamento de graça, e outra ter de pagar para o presidir. E às tantas acabei por lhe insinuar, com alguma maldade, reconheço, que iria fazer uma pergunta, mas que era melhor não me atrever a fazer, mas que acabei por fazer, perguntando sobre custos com flores, grupos corais a propósito ou despropósito, fotógrafos, boda e similares. É que às vezes parece que a cerimónia do casamento, que é o centro da festa, é apenas o irmão menor da mesma.
O jovem noivo acabou por perceber e pagou. Penso eu. De facto pagou. Mas para ser sincero, eu gostava de não ter tido aquele tipo de conversa. Não gostei de lhe pedir dinheiro. Não gostei de sentir a tal má vontade, que me pareceu desajustada. Não gostei de ter feito a insinuação que fiz. Gostava que o mundo, a Igreja e as pessoas fossem diferentes, e que estas coisas não fossem sequer assunto.

quinta-feira, setembro 26, 2013

Cristãos de funerais que não acreditam

Andavam na vindima, e nas vindimas há tempo para todas as conversas. Uma senhora querida, que vai sempre à missa e até faz parte do grupo dos cantores, aproveitou a ocasião para evangelizar, que é assim que os cristãos autênticos deveriam fazer. São palavras dela, que eu assumo, mas para as quais prefiro usar a expressão Testemunhar a Fé. Mas foi em vão, contou-me ela. Só faltou enxovalharem-me. Estava lá um senhor de bigode, aqui da terra, que nunca vem à missa, e que me disse assim. Vossemecê julga que por ir à missa e cantar na missa vai para o céu? Vai tanto como eu, porque não há céu. E ela que lhe respondeu com outra pergunta. Então se não há céu, que foste fazer à missa do funeral do teu irmão? E o senhor, com uma mão nos cachos e outra a alisar o bigode, não tardou com a resposta na ponta da língua. Tem razão, e olhe que não fui lá fazer nada. E depois é o que se vê, senhor padre, disse-me ela no final da missa. Eu contei as pessoas que cá vieram, e só estávamos oito pessoas na missa.

sexta-feira, setembro 20, 2013

As três formas de lidar com ela, a morte

A morte batera-lhe à porta, prematura, por entre um cancro. Não chegara ainda aos quarenta anos e deixara uma esposa com uma barriga do tamanho de uma criança. O tamanho de uma vida por outra. A vida que passa por nós e nos afronta quando deixa de passar.
A esposa e a barriga encontravam-se ao ombro de um padre amigo que não eu. De pouco serviriam as palavras, que nestes momentos só ouvimos a saudade. Porém, voltado o seu rosto para o lado onde me encontrou, sorri e disse-lhe. Perante a morte, temos três formas de lhe espreitar a porta.
Ou deixamos que a revolta se apodere de nós, azedando aquilo que é a beleza da nossa vida que permanece. Ou usamos de indiferença, como se nada tivesse acontecido, apagando da memória tudo o que a beleza da vida que parte e a beleza da vida que permanece nos trouxe, tornando-nos sombra da nossa própria vida. Ou encaramos a força do caminho de rosto descoberto, com a naturalidade que brota da fé, e que nos faz viver ainda mais a beleza desta vida que passa e desta vida que permanece.
A esposa abriu os olhos e esboçou uma lágrima. Logo vi que, mais que para ela, estava a falar para mim. E apanhei-lhe a lágrima com o dedo, como se fosse a única palavra que ela me conseguia responder.

Escrevi este texto por uma situação de há uns meses, mas hoje partilho-a, juntamente com uma pequenina lágrima, para a oferecer a uma outra família amiga que, hoje mesmo,  de novo nas minhas paróquias, está a passar por provação idêntica.

quinta-feira, setembro 12, 2013

Lá mais para a Páscoa

A comunidade é pequenina, é certo. Tem poucas mais pessoas que os dedos das mãos. Vou lá poucas vezes por ano, mais ou menos as mesmas que os dedos das mãos. Vou, mas vejo-me lá numa confusão interior de tamanho que não tenho palavras para dizer, dado que ninguém comunga naquela missa, porque, dizem, é melhor só la para a Páscoa. Havia pouca gente, é certo. Mas fazemos um banquete com o Senhor e dizem-nos Lá para a Páscoa, senhor padre. Como se Deus tivesse querido que só uma vez houvesse Páscoa. Como se o sacrifício que é a Eucaristia acontecesse só na Páscoa. Eu bem lhes perguntei como ficariam se, convidado para as suas casas numa festa, onde, como é tradição em Portugal, há sempre uma boa mesa, repleta, um bom presunto, um bom queijo e um bom naco de pão, e eu dissesse que só comeria na Páscoa. Encolheram os ombros e repetiram Lá para a Páscoa, senhor padre. Sabe, não estamos confessados. Então vamos lá confessar-nos. Dispus-me a fazê-lo logo ali e no momento. Porém, insistiram Lá mais para a Páscoa, senhor padre. Passei toda a celebração a pensar que só devia voltar àquela terra para a Páscoa.

sexta-feira, setembro 06, 2013

pequenina oração

Faltava uma hora para o dia dar lugar a outro dia quando me sentei nos bancos do santuário, do lado oposto à vitrina onde a imagem de Nossa Senhora se destaca. Olhei ao meu redor e contei doze pessoas espalhadas, cada uma por si e em seu canto, tantas quantas o número dos apóstolos. Curioso, disse para os meus botões. O silêncio da noite, iluminado por uns quantos focos, contrastava com o ruído do dia e o vai e vem dos peregrinos, uns a pé e outros de joelhos ou de vela na mão. Permaneci naquele banco cerca de meia hora e meia. Havia terços que eram quase devorados pelas mãos dos doze peregrinos. Iam desaparecendo e tornavam a aparecer por entre os seus dedos. Uma conta atrás de outra nas mãos e nos dedos em ritmo certo, mas calmo, como se um metrónomo estivesse na oração daquele gente. Dei por mim a rezar com a forma de estar daquelas pessoas. Contemplando-as, encantado pelas que não temiam rezar de joelhos. Mulheres e homens, sem distinção.
No banco fui arrastado pela sensação de pequenez diante dos outros doze. Pequenino padre. Pequenina oração. Não há hora melhor para se estar nos bancos daquele capelinha, em Fátima.

sexta-feira, agosto 30, 2013

Hoje em dia

Os jovens que nos pedem o casamento, na sua maioria, já estão juntos há muito tempo. Os pais ou mães que nos pedem o batismo, muitos deles estão juntos e não casados, ou em situação irregular perante a Igreja. As Eucaristias estão vazias de gente nova, e cheias de gente que se habituou a ir à missa. A Catequese passou a ser apenas a preparação de umas festas engalanadas. O Crisma tornou-se a forma de poder ser padrinho. As confissões diminuíram. Culpa em parte dos padres que reduziram o tempo que lhe dedicavam, mas igualmente porque as pessoas deixaram de sentir essa necessidade ou a consciência do pecado. A forma de entender a sexualidade mudou completamente. A família desestruturou-se. Há diversas formas de existir em família. Monoparentais imensas vezes. Mais de metade dos filhos experimentam o peso do divórcio. Há cada vez mais cristãos recasados. Bem como divorciados. Parece que a sociedade perdeu a noção ou diferença entre bem e mal. O mal passou a ser aquilo que me incomoda e o bem aquilo que me agrada. Vivemos mais para os nossos interesses que para os melhores interesses. Não existem muitas vocações à consagração. Ser padre às vezes parece que é apenas mais uma profissão entre tantas. Hoje as pessoas sabem mais coisas, mas sabem viver menos. Deus tornou-se uma ideia e deixou de ser resposta. É o mesmo, mas mudou a forma de se entender. O mundo muda tão rápido que não conseguimos acompanhá-lo. Passa rápido e depressa morremos sem vontade, sem certezas, sem fé.
Por tudo isso, hoje gostava de perguntar a Deus como se sente. Como se encontra. E aproveitava para lhe perguntar também onde está ou deveria estar a Sua Igreja. Porque não sei ou não sei como saber, ou não sei como viver sem saber.

sábado, agosto 17, 2013

Como consideras a tua relacção de proximidade com o teu pároco?

A última sondagem proposta questionava-nos sobre a opinião que hoje a sociedade em geral tem sobre a Igreja em particular. A partir das respostas obtidas, podemos constatar que na opinião dos penitentes deste espaço, a maioria das pessoas é muito pouco favorável à Igreja. Se somarmos as respostas que abonam como favoráveis, obtemos um resultado de 13%, o que é muito pouco. As conclusões estão em baixo, mas cada um pode fazer as suas próprias conclusões.
Hoje propomos nova sondagem com uma pergunta que nos questiona sobre a relação de proximidade que temos ou não com o nosso pároco: Como consideras a tua relacção de proximidade com o teu pároco?
Já sabem que podem deixar aqui a justificação das vossas opções.

quinta-feira, agosto 08, 2013

Qual é o limite para amar a Deus?

O João é um homem atarefado. Um homem dos tempos modernos que fala com pressa de dizer tudo, com pressa de ir para outro lado ter outra conversa ou tarefa. Tem uma vontade enorme de absorver o que a vida tem para lhe dar. E assim procede nas coisas de Deus. Quer Deus em todos os minutos da sua vida, mas não sabe como ajustá-lo à vida preenchida que tem. Por isso, à saída de uma daquelas missas que o tinha feito reflectir, fez-me uma série de perguntas que afinal eram a mesma. Qual é o limite para amar a Deus? Em termos emocionais qual é o limite razoável para não perdermos o equilíbrio e mantermos uma dedicação a Deus e aos outros? Como é que noventa por cento dos crentes podem amar a Deus acima de todas as coisas e ao mesmo tempo trabalhar para ganhar a vida, dar atenção à mulher, aos filhos, ao carro, aos estudos para ter aquela promoção, ao grupo coral, aos colegas, aos outros? Sim, sei que tudo isto é ou pode ser amor a Deus. Mas estou a falar do sentimento, daquele que nos faz sentir pequeninos, de nos tirar a respiração, de sentir como se nos furassem o peito com uma lança.
Fiquei encantado com a pergunta e com a vontade de ouvir a resposta. E ela veio-me com o mesmo ímpeto. Amar a Deus não deve ter limites, como amar uma pessoa no mais íntimo não deve ter limites. Mas tudo deve ser feito no equilíbrio, porque o amor verdadeiro é equilibrado, livre, desinteressado, aberto. Se não for desta forma, deixa de ser amor para se tornar uma obcessão ou fanatismo. O verdadeiro amor não nos oprime ou prende. Não ocupa espaço ou tempo. O verdadeiro amor acontece para além da distância, das horas ou do espaço. Para além da presença. É uma entrega nem sempre revelada, mas que nos faz agir em quase tudo conformes a esse sentimento. Além disso, uma das mais claras formas de amar a Deus é exactamente amar os outros todos e tudo no máximo de nós. A família, o trabalho, os colegas de trabalho, os jovens do grupo, da escola, a casa, o que acontece, o que nos rodeia. Em tudo podemos amar a Deus sem limites. Em tudo podemos ver o Deus que amamos. Em tudo podemos sentir o amor de Deus a agir em nós. A nossa vida pode ser um constante amar a Deus. Se for autentico, o nosso amor a Deus não tem espaço, tempo ou limites.

segunda-feira, agosto 05, 2013

Os padres também se confessam

Quando entrei no confessionário, penso que no número cinco da fileira de confessionários do Santuário de Fátima, não sabia o que esperar. Há sempre aquela expectativa. Que rosto estará do outro lado do confessionário! Já me aconteceu aproveitar a passagem por Fátima para me confessar, e sair de lá com a sensação de que o colega foi mais juiz que instrumento do perdão, e com a nítida sensação de que me faltava ainda a graça de Deus. Numa dessas ocasiões fiz o meu exame de consciência de confessor e prometi a mim mesmo nunca julgar ninguém na confissão. Ao abeirar-me do confessionário quero apenas pensar na misericórdia de Deus. Não quero pensar quem será o meu confessor. Mas penso. E creio que deve acontecer o mesmo com todos os que se abeiram de um padre para se confessarem. Como me vai acolher este padre. Como me vai olhar. Que irá pensar de mim, das minhas fragilidades, do peso dos meus pecados. Irá aliviar-me ou ainda me fará sentir mais pecador. Sairei de lá com a graça ou com a desgraça de Deus. E ocorrem-me também estas perguntas todas. Porque com o saco dos pecados aos ombros, não há sotaina ou batina que faça diferença. Ou que lhe retire peso.
Entrei e o colega recebeu-me com um português meio arranhado. Cheguei a pensar que estava safo. Informei que era padre. Abri o meu coração. O colega era muito acolhedor. Reparei no pormenor do terço na mão. Agarrava nele, sem o rezar. Ouviu-me, e afinal entendeu-me. O que conta na confissão somos nós e Deus. O padre é apenas a ponte de misericórdia de Deus. Mas este colega surpreendeu-me. Não me julgou nunca. Já há bastante tempo que não me confessava. Às vezes, nós padres, deixamo-nos andar. Também para nós nem sempre é fácil encontrar o colega que nos ouça em confissão. Aqueles que nos estão mais próximos e que nos conhecem e que até nos ouvem nos nossos desabafos, nem sempre são aqueles que escolhemos para entregar o saco dos pecados. E o meu colega confessor lembrou-me aquela frase do Papa Francisco que dizia algo mais ou menos do tipo “Deus nunca se cansa de nos perdoar; nós é que nos cansamos de lhe pedir perdão”. Quantas vezes eu não lera já essa frase. Mas dita naquele momento e por aquele colega confessor, abriu em mim algo que não consigo explicar. Falo tantas vezes do perdão de Deus para os que me escutam, que acabo por esquecer de perceber o perdão de Deus em e para mim. No final da confissão, saí mais vazio e mais cheio, na certeza e vontade de me confessar mais vezes.

quarta-feira, julho 31, 2013

Na tua opinião, hoje a sociedade em geral é favorável à Igreja em particular?

Depois de várias tentativas para conseguir uma sondagem que fosse mais fidedigna e que não apagasse por si os resultados, decidi procurar uma alternativa. Depois de estarmos vários meses sem nenhuma sondagem, decidi experimentar nova webtool. Depois de, banalmente sentado a uma mesa de um restaurante, me terem questionado sobre o credito ou descredito da Igreja católica hoje, fiquei no meu pensamento e no meu coração com esta questão: Na tua opinião, hoje a sociedade em geral é favorável à Igreja em particular?
Sei que esta época pode não ser a mais indicada, pois tem havido ataques sucessivos à Igreja, por um lado, e por outro assistimos há pouco tempo a uma participação massiva de fé nas JMJ. Porém, achei que valia a pena colocar a questão. Ou melhor, não resisti.
Convido a explicarem as vossas opções aqui nos comentários.

sábado, julho 27, 2013

O Papa nas Jornadas Mundiais da Juventude

Não tenho acompanhado muito as Jornadas Mundiais da Juventude. Em tempos garantia a minha presença in loco. Este ano foi diferente. E tenho acompanhado apenas o suficiente. Sinto que ainda nem bebi desse espírito que me levava a andar quilómetros e quilómetros para sentir de forma única a alegria de ser de Cristo juntamente com milhares de jovens e outros cristãos. Mas hoje fiquei preso com as fotografias e comentários que tenho visto estes dias na televisão e nas redes sociais. O Papa. Este Papa que se estreia nas presenças mundiais de fé. Um Papa que se senta como os outros. Que se ajeita nas circunstâncias como os outros. Os homens. O comum dos mortais. Que retira o pedestal que o podia afastar das pessoas, tal como Jesus fazia. Gosto deste guia que guia do mesmo patamar da escadaria onde se encontram os outros. Que guia como quem também está a caminho, a caminhar. Que olha a sorrir para todos sem excepção, do fundo e do cimo dos seus castiços óculos. Mas olha em especial os menos olhados. A preferência clara pelos pobres. Genuíno. Autêntico nos gestos e nas palavras. Não esconde quem é. Não estuda quem deve ser. É de Deus e ponto final. Está ali por Deus e com Deus e ponto final. Não há protocolos que lhe sirvam, mesmo correndo riscos. Ainda que eu ache que isso também arrasta consigo problemas e preocupações. Afinal ele também é o Papa. Mas nota-se que vive, desprendido, a felicidade dos simples cristãos, sem pesos de hierarquia, sem preocupações senão a de ser presença de Deus. O homem é um ser a caminho. O cristão é um ser a caminho de Deus. Este Papa Francisco é um cristão autêntico. Não veste senão a capa da fé. E a caminho aponta o caminho. Excelente exemplo de Deus.

quarta-feira, julho 24, 2013

Sem título

Ontem recebi duas cartas registadas, com o peso que têm as cartas registadas. Uma falava das dívidas da paróquia. Outra de uma questão de Segurança Social. Depois de abertas recebi um telefonema da senhora tal que queria uma coisa que não faz parte dos esquemas normativos dos sacramentos. Digamos desta forma discreta o pedido da senhora. A empregada falou do assunto que outra senhora fizera assunto sobre uma tal coisa que enfim, nem valia a pena falar. E ainda tenho de preparar a homilia da missa que vem a seguir. Sobra-me pouco tempo para Deus. Ou para mim. E porque penso que sou capaz, e porque tem de ser, e porque assim seja, e porque não tenho tempo para pensar que Deus é que é capaz, deixo-me arrastar para algo a quem um amigo chamaria de auto-projecção em Deus. Como se fosse eu o Deus que tudo pode. E depois vem em mim uma ansiedade que me impede de ter tempo, outra vez, para Deus. Porque tenho de conseguir. E outra vez porque tenho de ser capaz. E zango-me interiormente com as pessoas, porque elas é que me causam estas dores e estas necessidades de ser capaz, e ainda por cima parece que não me entendem, como se o problema fosse delas. E a partir do momento em que eu penso assim, a verdade é que o problema é meu. Só meu. Como ouvi alguém em tempos. Parece que te estás a levar muito a sério. E depois perdemos a liberdade. Acabamos por fazer aquilo que tem de ser feito apenas porque tem de ser feito e não porque Deus aja em nós ou porque de dentro de nós haja esta vontade de fazer assim. E aquilo que eu achava que era confiança em mim, afinal não é bem confiança. E aquilo que era eu deixar Deus ser em mim, acaba por ser um eu agir em mim. Ou se quiserdes, um deixar de ser Deus em mim, para ser eu como deus em mim. A ver se não me esqueço mais disto.

segunda-feira, julho 15, 2013

As missas ou missinhas

Um colega ligou. Estava aflito. Ia ter um funeral e já tinha missas marcadas. Não tinha como fazer tudo. E era mais uma missa. Perguntei-lhe porque não pensava na hipótese de fazer uma celebração sem missa. E ele respondeu que demorava o mesmo tempo. E já tinha arranjado um colega mais livre. Também mais velho. Também mais reformado. E assim sossegava. Na altura não pensei muito no assunto. Desligámos o telefone e eu desliguei o assunto. Mas agora, noite dentro, ocorreu-me que nós, padres se calhar, andamos a banalizar a missa. Corremos a celebrar missas como quem vai e toma um café para se recompor ou angariar mais cafeína. Quantas missas, afinal, somos capazes de celebrar por dia ou por semana ou no tempo? Celebrar missas será a nossa missão? Depois de corrermos de um lado para o outro a celebrar missas para uma meia dúzia de pessoas, ou como alguém lhe chamava em tempos de missinhas, não estaremos a banalizar a missa?

quinta-feira, julho 11, 2013

São muitos os convidados

(in)completa 3
autoria de Bruno
 
Oito andores à minha frente cheios de flores, pesados. Um mar de gente por todos os lados com roupas novas e óculos de sol. Está calor. Vou debaixo do pálio. Mas o calor insiste em entrar por debaixo da sombra, por debaixo da alva e da estola. Uma banda filarmónica faz por abafar o barulho que a multidão faz. É festa. A festa de um santo que agora não me lembra, porque são muitos os santos que vão nos andores. É festa porque o barulho é de festa. A multidão ri, conversa como se estivesse na rua e está, atende telemóveis, faz da procissão uma feira de pessoas que no aparato da coisa esquece que uma procissão não é bem uma feira. São assim as nossas festas religiosas. E ali vai um padre atrás de oito andores… e de repente apercebo-me que falta o mais importante. Jesus não foi convidado. Como ainda estamos perto, tiro a alva e a estola, entrego-as a um dos homens que segura o pálio, e vou à igreja buscar um crucifixo, aquele que me deram na comunhão para o meu quarto e que me tem acompanhado nas minhas paróquias. Volto. A procissão continuou e, sem a alva, ninguém se apercebeu que eu saí e poucos se aperceberam que voltei. São assim as nossas festas religiosas, convida-se toda a gente, mas nem sempre há tempo para convidar Deus.

terça-feira, junho 18, 2013

(in)completa 3

Oito andores à minha frente cheios de flores, pesados. Um mar de gente por todos os lados com roupas novas e óculos de sol. Está calor. Vou debaixo do pálio. Mas o calor insiste em entrar por debaixo da sombra, por debaixo da alva e da estola. Uma banda filarmónica faz por abafar o barulho que a multidão faz. É festa. A festa de um santo que agora não me lembra, porque são muitos os santos que vão nos andores. É festa porque o barulho é de festa. A multidão ri, conversa como se estivesse na rua e está, atende telemóveis, faz da procissão uma feira de pessoas que no aparato da coisa esquece que uma procissão não é bem uma feira. São assim as nossas festas religiosas. E ali vai um padre atrás de oito andores…

Se queres ser tu a decidir o rumo desta história, então o "(in)completa 3" é para ti. Tens oportunidade de imaginar o final do texto e seres o seu autor. O melhor final será publicado como post. As regras são simples:
  1. Para participar, deves enviar o teu texto como "coment"
  2. deves dar um nome ao texto (com maiúsculas)
  3. deves repetir a última frase na íntegra, retirando as reticências.
  4. deves assinar no final, mesmo que seja com pseudónimo
  5. deves esforçar-te por não alongar muito o texto (no máximo 600 caracteres, isto é, cerca de 125 palavras)
  6. deves respeitar o espírito e personalidade do "Confessionário dum Padre"
  7. se o texto for, de alguma forma, abusivo, não será publicado
  8. podes participar com o máximo de 3 textos

N.B. Também poderás comentar nos coments os textos dos participantes.

quinta-feira, junho 13, 2013

A Igreja da senhora Alcinda

A senhora Alcinda ia escorreita pela calçada, evitando as pedras mais altas, como se de um jogo do pé-coxinho se tratasse. Passou por mim distraída. Dirigi-lhe o meu Boa Tarde, e parou para me olhar e me cumprimentar. Então onde vai tão apressada, perguntei. E ela respondeu que ia a caminho da igreja, tal como eu, para a missa. Quase de braço dado, foi o que fizemos. E no meio da caminhada para a igreja, ocorreu-me perguntar-lhe se sabia o que era a Igreja. A pergunta foi apresentada de forma inocente e ela respondeu de forma igual. Então, senhor padre, não é para lá que vamos, para a nossa igrejinha de Santo António? E assim aproveitei para lhe ensinar algo que ou já se tinha esquecido ou não sabia mesmo ou não dava importância. Olhe que a Igreja não são estas quatro paredes que dedicámos a Santo António. Lá veio ela de novo com o Então, pois gosta de começar assim as frases. Então são os senhores padres a Igreja. Ia interrompe-la quando acrescentou Ai, e o Papa, pois claro. Bom, e então é que me saiu uma ensaboadela de eclesiologia. Ora bem, assim como não é, como a comunicação social costuma dizer, o Papa ou quem está à frente da Igreja, padres ou afins, assim também não são as quatro paredes de Santo António. Ainda pensei em falar-lhe do Concílio Vaticano II, mas como para ela deviam ser alhos e bogalhos, e como já estávamos para entrar nas ditas quatro paredes, disse-lhe mais ou menos o seguinte. A Igreja somos nós, senhora Alcinda. Somos nós os que nos reunimos nestas quatro paredes. Sou eu, que sou padre, e é a senhora Alcinda, e todos os outros. Só faz sentido que assim seja. A minha missão dentro da Igreja é diferente da sua, mas todos fazemos a verdadeira Igreja de Cristo, do qual Ele é a cabeça e nós os membros. E entrámos na igreja de Santo António. Um dia destes tenho de falar de novo destas coisas na homilia. Ainda há gente que confunde a Igreja com paredes e seus ministros.

quinta-feira, junho 06, 2013

Os ordenados dos padres

Um jovem de idade mais parecida com a minha do que com a dos jovens no vigor da idade, dizia-me em conversa, com uma certa admiração para comigo e que me deixou admirado com ele, que eu devia receber muito dinheiro. Não o disse como quem perguntasse ou desdenhasse, mas para afirmar que eu merecia um enorme ordenado, dado que o que fazia dava sempre algum fruto, ou de outra forma, onde tocava, algo de bom acontecia. Foi esta a explicação que me deu. Claro que fui para casa preenchido, como se não houvesse um cantinho em mim onde pudessem caber outras coisas, sobretudo as minhas fragilidades. Umas horas mais tarde, em conversa telefónica com um colega, assim como quem não quer a coisa, mas até quer, contei-lhe o sucedido. Este respondeu-me da seguinte forma, que me deixou com um espaço enorme para preencher com as minhas fragilidades. O que fazes, fazes a pensar em ti ou para ti, ou em Deus e para Deus? Eu esclareci-lhe que era em Deus, ou que às vezes era o que tinha de ser feito. E ele acrescentou. É que se fazes as coisas a pensar em ti, deverias receber muito mais dinheiro. Mas se as fazes a pensar em Deus, até o que recebes é demais.

quinta-feira, maio 30, 2013

A minha Igreja do futuro

A minha Igreja do futuro não tem portas. Só tem janelas para entrar muita luz. O resto são entradas. Ou estradas. Por onde se caminha e por onde se chega. Por onde se vai ao encontro e se vem ao encontro. A minha Igreja é umas mãos abertas, largas. Está ajoelhada diante do mundo, porque no mundo está Deus. Onde mais Ele podia estar! No céu trancado a sete chaves? Ele está onde deposita o Seu amor. Desconfio que vamos estar muitas vezes sozinhos na minha Igreja do futuro. Mas não estaremos a olhar para nós. Porque a minha Igreja não tem portas. Só tem janelas. Assim Deus entra como luz e sai como nós. Estou convencido que um dia as pedras das catedrais cairão quase todas. Mas vão permanecer as que sustentam os nossos altares e a nossa fé. Um dia ninguém vai querer entrar na minha Igreja, porque ela será o mundo, e no mundo já nos estamos.

sexta-feira, maio 24, 2013

Uma senhora que precisava confessar-se

Não conheço a senhora que se sentou ao meu lado para se confessar, numa paróquia vizinha. Diria que tem mais de setenta anos e mora, ou vive sozinha. Depois de uns bons minutos a contar repetidamente as mesmas coisas, na confissão, ficou em silêncio. Julguei que já tinha exposto tudo o que sentia. Não me lembro de lhe ter ouvido pecados. Ficou em silêncio. Um silêncio de espera, meu e dela. Por isso achei que estava na hora da penitência e da bênção. Olhe, como penitência vai rezar… e fui interrompido pelo pedido. Fale comigo, senhor padre. O que ela precisava era ouvir alguém. Alguém que fizesse eco das suas palavras. Alguém que olhasse para ela e não resistisse a estar com ela. Já não tinha forças para mais diálogos. Por isso esperava que eu não acabasse ali a sua conversa e pudesse sentir que era capaz de se relacionar ainda, por mais idade, menos filhos e marido que tivesse. Sem os olhos no relógio, nos minutos que passavam, achei que devia falar-lhe do tempo, do sol, da vida com sol, mesmo quando chove e o sol está escondido ou noutro lugar do planeta a brilhar, à espera de voltar para as nossas vidas. E assim passou um tempo de confissão, que não foi confissão, mas uma conversa de um Deus que está ali, para nós e para dialogar connosco. As pessoas hoje em dia não têm com quem conversar, fechadas nos seus problemas, ou num ecran de computador, ou num qualquer quarto de uma qualquer casa desabitada. Vou aproveitar o sol para uns dedos de conversa fiada.

terça-feira, maio 21, 2013

Fui buscar ao baú das recordações com uma lágrima

Fui ao baú das recordações buscar uma lágrima. Vieram duas. Depois três, mas mais pequeninas. São pequenos sinais que desenham as faces, e me recordaram aqueles que o Senhor tinha para mim já lá vão dois anos. Recordei muitos dos seus rostos e a primeira lágrima veio do baú para mim, não porque esses rostos estivessem longe ou se tivessem perdido já no meu esquecimento. As segundas vieram apressadas para me recordar que as saudades são apenas formas de amar quem não está aqui ao lado, mas pode estar por dentro. As outras três vieram para me fazer sorrir, e dizer que ainda não houve um adeus, e que os que estão hoje connosco são os que amamos tanto como os que tivemos outrora. São aqueles que Deus nos deu para amar, ontem e hoje. Mas como fui ao baú, reescrevi, quase a papel químico, o que escrevera e deixara por lá, debaixo de umas mantas: Uma, duas, três lágrimas. Perco-lhes o conto. Tenho os olhos fechados, mas olho para trás. Olho para o tempo. E prefiro pensar que este partir não é senão um até já. Prefiro dar mais valor ao tempo que foi do que ao tempo em que acaba. Se me perguntassem se era o que eu queria ou desejava, eu teria sempre de honestamente responder que não, porque afectivamente o meu coração iria sempre pedir para ficar com aqueles que amo. Mas é assim a vontade de Deus. E deve ser essa a vontade que os padres devem seguir. Foi para isto que me ordenei. Para dizer Sim a Deus quando e onde Ele quisesse. Foi assim há muitos anos e espero ter forças para o fazer todos os anos da minha vida. Mas o coração aperta tanto. E queria dizer Não. Queria que as lágrimas não se soltassem. Queria recuar no tempo e fazer de conta que ainda falta um ano ou que estamos noutro tempo, noutro ano. E mesmo assim, olho o tempo e dou graças a Deus. Aliás, é esta a forma mais cristã, mais altruísta e mais honesta de ver as coisas. Mais do que ver esta situação como um fim, uma partida, é olhar para estes anos e vê-los como uma graça que Deus nos concedeu a todos, a mim e a vós. Afinal um dia em que se diz adeus não pode apagar os tantos anos em que se construiu tanta coisa bela.

sexta-feira, maio 17, 2013

A história do meu pai

No meio da nossa conversa de bastidores, isto é, de sacristia, enquanto chegava a missa e não, a Adelina ia contando a história de uma familiar que estava doente. A doença que todos temem. O Cancro. O que lhe valia era a fé. Eu lembrei e lembrei-lhe a história da minha mãe. Depois falei do meu pai. Que o que lhe tinha valido na morte da minha mãe tinha sido a fé. Assim como ao resto da minha família. E às tantas ela contou algo, que pelos vistos, há bastante tempo tinha vontade de partilhar comigo. Logo pouco depois de eu vir aqui para a paróquia, encontrara o meu pai no hospital, onde este faz voluntariado, e perguntara-lhe que fazia ali. E que o meu pai respondera prontamente. Sabe, comecei isto com a minha mulher. A minha mulher era santa. Depois de ela morrer, eu tinha de continuar o trabalho dela. A missão dela. Eu acrescentei cá para comigo. A missão de santidade dela. Não sabem vocês como me soube bem celebrar a missa a seguir.

terça-feira, maio 14, 2013

O retiro das mulheres

Eu estava à porta do Retiro a receber as pessoas quando chegou a Alice, uma senhora bem-posta de cerca de setenta anos, que amadrinhou um sobrinho de cerca de cinquenta anos que perdeu os pais e não tinha recursos humanos, físicos e mentais para se bastar a si próprio. Os nossos beijos tiniram nas faces, e perguntei-lhe pelo sobrinho. A Alice respondeu que ele bem queria ir ao retiro, mas que ela lhe dissera, num tom de reprovação, que aquelas coisas eram de mulheres. Fiquei danado, mas sorri e respondi-lhe que entrasse e que reparasse nos homens que estavam na sala. Ela engoliu em seco quando entrou, pois havia vários. Mas não voltou atrás, nem com o corpo nem com as palavras. E eu pensei como, às vezes, são as mulheres que distinguem o seu lugar na Igreja, como se houvesse uma forma de se ser homem cristão, e outra de se ser mulher cristã. Como se houvesse coisas que são só para as mulheres e coisas só para os homens. E assim não sei se não serão as mulheres, que tanto querem a emancipação na Igreja, quem mais impede que isso aconteça. Tal como não sei se aquela Igreja que mais parece querer mudar, não continua a ser aquela que mais agarrada fica ao lugar que sempre ocupou. Ora bolas.

quinta-feira, maio 09, 2013

A lenha do Carlos, que é meu sacristão

O Carlos, que é meu sacristão, como já havia dito, andou a trabalhar comigo numa destas manhãs frias de vento e chuva miudinha. Depois foi à vida dele, e encontrámo-nos de novo ao final da tarde que manteve o frio, o vento e a chuva miudinha. Encontrámo-nos na igreja para a missa. Cumprimentos para aqui e acolá, conversas sobre o tempo, e saiu-me sem querer a pergunta sobre o que tinha feito desde a manhã. O Carlos respondeu-me que tinha ido à lenha, pois o frio aperta e não tinha em casa. Pois muito bem, disse eu, então já tem o lume aceso para mais logo. Acenou que não e sorriu. Sabe, padre, quando vinha para casa, com o carro de mão carregado, encontrei uma senhora, daquelas que precisam sempre de uma mãozinha de ajuda, e perguntei-lhe se tinha o lume aceso. Ela respondeu-me que não, e eu ofereci-me para lho acender. Lá fui e lá lhe deixei o molho de lenha. Levara-lhe a lenha que tinha no carro, acendera-lhe o lume e fora em paz para casa. Como há coisas que não cabem facilmente no entendimento da nossa humanidade, e eu faço parte desse grupo que habita o mundo inteiro e que se vai esquecendo que ainda há Deus em muitas pessoas, perguntei-lhe, basicamente, Então e agora? Fora à lenha porque fazia frio, e agora não tinha lenha para emendar o frio. E o senhor Carlos encolheu os ombros e repetiu o Então e agora sem exclamações e interrogações. Agora é o que é. É o que se pode. E um dia se há-de ver no céu, que aí, sim, é que importa. E fez-me três perguntas. Primeira, Não é, senhor padre? Segunda, Então não é assim que temos de ser? Terceira, Somos cristãos ou não? E Mais uma vez o Carlos, que é meu sacristão, me deixou de boca e coração abertos.

domingo, maio 05, 2013

a minha mãe está viva

Hoje apoderou-se de mim uma vontade de ti. Não era uma vontade dos teus beijos ou dos teus abraços. Nem do teu colo. Era uma vontade de ti. Na primeira missa do dia lembrei-me vagamente do teu dia, que não é exclusivamente teu, mas de todas as mães. Na segunda missa, depois de uma oração que uma jovem mãe leu durante o momento da acção de graças, valeu-me que estava sentado e pude contrair-te toda em mim, atrás do altar. Na terceira, escapaste-me numa lágrima, quase ao final da missa. Hoje fui obrigado, entre aspas, a celebrar uma quarta missa de festa. E foi nesta que mais se apoderou de mim uma vontade de ti, mãe do meu coração e da minha alma, da minha vida e do meu ser, da minha vocação e da minha fé. Foi como se uma saudade me tivesse apertado contra ti. Busquei as palavras da oração das oblatas, mas elas teimavam em desaparecer do livro em cima do altar. Teimavam em desviar-se do lugar que deviam ocupar, de tão nubladas que se encontravam. Dei por mim sem conseguir olhar o meu povo na festa, engasgado nas palavras e no gesto de pegar no lenço de papel para me limpar. Todos na assembleia daquela missa sabiam que a minha mãe partiu já lá vão vários anos. Quando a força me chegou à voz, esclareci da minha fé, que se me perguntassem se eu queria a minha mãe junto de Deus ou longe de Deus, escolheria sempre a primeira opção. Por isso estava feliz por ela já lá estar, agarrada pela mão mais carinhosa do Deus que amo, aquela mão que está sempre aberta. Por isso dava graças, embargadas de lágrimas, a Deus. Um crente deseja que os que mais ama estejam o mais próximo de Deus. Por isso dava graças, embargadas de lágrimas, ao Deus que quis a minha mãe.
Naquela missa de festa uma outra jovem mãe ousara ler uma frase que tiniu em mim e ainda não saiu. Uma mãe nunca morre. E agora ouso acrescentar que enquanto houverem filhos, uma mãe nunca morre. Só morre quando os filhos morrem. E eu não quero que morras nunca.
Obrigado, Senhor, neste dia da mãe, porque a minha mãe está viva.

terça-feira, abril 30, 2013

A franja em pé

A franja do cabelo tapava-lhe o olho direito, e pendurava-se no esquerdo a querer tapar-lhe os dois. Assim falava-me sem correr o risco de me olhar nos olhos. Sentámo-nos à mesa do café. Para um simples café e troca de palavras. Aos aromas do café juntámos o novelo da sua vida, que desfiou devagar e com paragens, pois estava cheio de nós. Tinha-se divorciado. O marido não fora violento, nem nada que pareça. Não havia razões daquelas que os noticiários parecem adorar. Ela queria ser mais feliz do que era, e separou-se. Depois disso já teve vários namorados, com quem sonhara ser feliz. Nunca fora propriamente depravada. Nem propriamente feliz. E perguntava-me. Será que é mal ou pecado ter sentimentos e procurar ser feliz? Eu achei que esse era o anseio de todos. Não julguei. Não quis. Já chega o que os outros devem julgá-la. E embora não queira aligeirar o tema, digo que fiquei incomodado. De franja em pé. E às vezes penso que a Igreja tem de se sentir incomodada.

sexta-feira, abril 26, 2013

Gostava de fechar a minha igreja.

Gostava de fechar a minha igreja. Ela tem umas portas tão bonitas. Servem para entrar e sair, entrar e sair. As pedras de granito estão expostas umas em cima das outras. Pois que assim é que se colocam as pedras da igreja. Os antigos percebiam de construção e não precisavam de cursos. A minha igreja tem retábulos tão bonitos que dá gosto entrar só para apreciar. Aos Domingos ela fica engalanada. Cheia de flores, luzes e pessoas. Toda a gente olha a minha igreja com vaidade ou inveja. Fica-se com uma vontade mórbida de a fechar para ser só nossa. A minha igreja engalanada. Mas não é por egoísmo que eu gostava de fechar a minha igreja. Na verdade eu sei que ela não é só minha. Ela é a Igreja. Apetecia-me fechá-la para que fosse difícil entrar nela e, os que entrassem, em vez de a apreciarem, reparassem nela. Talvez sem pedras ou retábulos, sem flores ou adornos, até sem portas, as pessoas percebessem, de facto, o que ela é, para que ela é, quem ela é.

sábado, abril 20, 2013

A geração do telemóvel

Não falo da geração que passa o tempo a tocar nas teclas do telemóvel, ou a ver as horas, ou a mandar uns toques. Essa geração que é ainda nova e que vai ter doenças nos dedos de tanto mexer e remexer nessa invenção que foi o telemóvel. Falo antes da geração que tem mais idade e que também faz do telemóvel o uso diário que está no bolso das calças ou na carteira e que toca a qualquer hora. São aqueles que só sabem usar o telemóvel para ligar uns determinados números previamente marcados em teclas especiais, e que sabem atender cada vez que toca aquele som que, digamos, já o ouvimos um centenar de vezes e não conseguimos gostar. A geração que ainda é nova sabe usar o botão que diz silêncio e raramente ouvimos um telemóvel desta geração tocar durante a Eucaristia. A geração mais velha, como não sabe sequer que tem a possibilidade de deixar o telemóvel funcionar em silêncio, passa a vida a atender telefonemas em qualquer lado. Ou se não atende, deixa tocar indefinidamente até ele próprio se calar. É comum uma vez que outra um telemóvel destes tocar durante a missa e do meio da multidão ver-se alguém incomodado e tentar passar a bola para canto. E olhem que isto está a ser cada vez mais comum. Por isso não apontem sem dó o dedo aos mais novos, porque os mais velhos já aprenderam a ser geração do telemóvel sem aprender todas as suas funcionalidades. Que façam como eu, que nunca levo o telemóvel para a Igreja. Mas não. O telemóvel, que antigamente não existia, agora tem de ir connosco para todo o lado. Bom, e depois desta tão grande introdução, deixem-me contar o que esta tarde aconteceu apenas em duas Igrejas, em duas missas. Na primeira, um destes telemóveis tocou e a senhora salta do banco a meio da homilia, corre desenfreada para a porta e enquanto chega lá e não, já se ouve Tá lá, sim, tá. Na segunda Igreja, depois de um ou dois telemóveis se ouvirem esquecidos, há um outro que toca da carteira de uma outra senhora. Esta levanta-se com o telemóvel a tocar na mão, estávamos numa leitura, sai com passo calmo e sereno, como se nada estivesse a acontecer, e do lado de lá da porta da Igreja faz o seu diálogo que só não se ouviu distintamente, porque a leitora também estava a usar da palavra. Nisto veio o Aleluia, estávamos a preparar-nos para o Evangelho, e toca um terceiro telemóvel, pois não há duas sem três, e o seu dono não esteve com meias medidas, atende logo ali, meio acocorado, e diz Liga mais tarde que agora estou na missa. Ora, pois nós também estávamos na missa. Eu só acho é que qualquer dia quem sai da missa é Deus.

quarta-feira, abril 17, 2013

Tens gostado da atitude ou atitudes do Papa Francisco?

Já lá vai mais de um mês que o Cardeal Bergoglio foi eleito Papa, o actual Papa Francisco. Desde o dia 13 de Março que as televisões, radios, jornais e redes sociais não se cansam de falar que ele fez isto e aquilo, que fez assim e assado, que disse isto e assim. Tem crescido um entusiasmo grande em volta da sua figura, mas, ao mesmo tempo, têm surgido críticas duras, sobretudo de uma certa ala mais liturgista e legalista no seio da hierarquia da Igreja. Tem deixado muita gente estupefacta, quer pela positiva, quer pela negativa. Algo está a mexer no seio da Igreja com este Papa. E tu, "Tens gostado da atitude ou atitudes do Papa Francisco?".
Convido-vos a darem razões da vossa escolha nos comentários.

sexta-feira, abril 12, 2013

Três perguntas e muitas mais

Num dia destes, numa homilia destas, a pensar numa sondagem que li algures, sobre coisas destas como a ressurreição, fiz três perguntas. Primeiro perguntei se acreditavam em Deus, e quase toda a gente, senão mesmo toda, levantou o braço cheio de certezas. Claro que supostamente quem está na missa acredita em Deus, mas nunca se sabe, dadas as tradições que temos coladas a nós. Baixados os braços, perguntei-lhes se acreditavam na Ressurreição de Jesus. E o mesmo número de pessoas, ou quase o mesmo, levantaram o braço com algumas incertezas, pois o ânimo da resposta pareceu, aos meus olhos, menor. Além disso, baixaram os braços muito depressa, como se fosse melhor assim. Fiz então a terceira e última pergunta, que era se acreditavam na nossa ressurreição. E o levantar de braços tornou-se lento. Medido ou incerto. Como se os braços não tivessem forças para se levantar sozinhos, seguros. O número de braços levantado também diminuíra. Quis convencer-me que foram os meus olhos que viram desta maneira. Porém, uns dias mais tarde, alguém me confirmou com os seus olhos. Senhor padre, levantei o braço nas duas primeiras e na última não. Outra pessoa, inclusive, disse que não levantara em nenhuma, pois eu levantara-lhe mais questões que aquelas que fizera. O assunto chegou aos cafés. Quero crer que os meus paroquianos ficaram a pensar, tanto quanto eu. Porque a Ressurreição é a razão principal da nossa fé que dá sentido à nossa Vida. E isso deve fazer pensar. Mas o que mais me intrigou foi a quarta pergunta, que só fiz a mim mesmo, e que se relacionava com aqueles que tinham levantado o braço na segunda pergunta e na terceira não o tinham feito. Porque havia de Jesus ter ressuscitado? E a esta pergunta respondi com outra. Apenas para mostrar o Seu poder?

terça-feira, abril 09, 2013

é assim que me apetece ser padre

Começou por pequenos desabafos. Continuou num grande desabafo. Prolongou-se por vários meses em inúmeros desabafos ou inúmeras vezes o mesmo desabafo. Todos os dias procurava em mim uma resposta, uma palavra, uma atenção, um refúgio. Algumas vezes era maçadora, cansativa, exigente. Eu respondia à medida da minha disponibilidade. Mas respondia. Penso que até correspondia. Já lá vão vários meses, e há dias a pessoa que me contactava por email perguntou porque é que eu não a abandonava. Porque é que eu ainda lhe respondia às canseiras e desabafos. Se e porque é que eu precisava dela. E eu respondi de coração. Não te abandono porque Deus não te abandona. Quero precisar de ti porque Deus quer precisar de ti. Depois perguntou porque motivo eu era assim e dizia aquelas coisas. E eu respondi. Porque sou padre e é assim que me apetece ser padre.

quarta-feira, abril 03, 2013

O leite que seca no cemitério

A barriga da Carla ainda não está proeminente, mas nota-se. A forma da barriga, para o vestido que a dona veste, parece dizer que está lá a pulsar mais alguma vida. Veio falar comigo à saída do carro, apressada, quando me deslocava para celebrar missa numa Capela que está ladeada pelo cemitério. Não nevava, mas fazia frio de neve. Por isso lhe sugeri que entrássemos na Capela para falar. Esta não tem Sacrário nem Santíssimo exposto, e com facilidade lhe fiz a proposta. Mas a Carla não podia. Não podia passar dos umbrais da porta que dão para a capela e para o cemitério. Umas senhoras de xaile na cabeça que ouviam a conversa piscavam os olhares entre elas e acenavam que era melhor não entrar mesmo. Não ouvi nenhum miar, mas achei que ali havia gato. Não seriam remorsos de falar na Capela, pois é habito fazerem-no, até ao exagero, como já assisti. Porque seria então? E no mesmo então fiz a pergunta. Diz-me lá, Carla, o que te impede de entrar. Meio corada, meio a olhar para as senhoras mais idosas, respondeu-me. Dizem que uma grávida não pode entrar no cemitério senão seca-se-lhe o leite. O gato fez-se sapato, e abri a boca num espasmo de admiração. Não conhecia o dito. Não conhecia a lição. Mas aprendi alguma coisa. Que a nossa vida está cheia de ditos que nos afastam ou podem afastar de Deus. Que uma grávida deve ter cuidados não só com a saúde, mas com a fé. A brincar a brincar ocorreu-me que as vaquinhas, coitadas, não podem nunca entrar num cemitério, correndo sérios riscos de deixarem de ser aquilo que são. Claro que ninguém as está a imaginar por lá a dar cabo dos arranjos das campas. Mais me ocorreu que faltava lembrarem-se de que uma grávida não deve entrar no cemitério, pois poderia ser prenúncio ou anúncio de morte ao nascituro. Não comentei nada disso. Seria um despropósito grande, que ainda agora acho que é. Mas a Carla acabou por entrar comigo através dos umbrais da Capela e do cemitério sem a anuência das senhoras de xaile. Fazia frio de neve e não queríamos gelar a conversa. Entrámos e ao que sei, até ao momento, àquela mulher ainda se lhe não secou o leite. Mas nunca se sabe.

sexta-feira, março 29, 2013

Ser padre como um cireneu

Gostava de começar este texto com o blá blá blá fácil, embora sentido, que vem a propósito da quaresma, ou até da semana santa, ou até da Páscoa. Dizer coisas que são bonitas e tocam o coração. Falar da Paixão ou da morte, ou até da Ressurreição. Mas, com o avançado do cansaço, subiram-me os azeites à tona do sabor da boca, e apetece-me começar o texto com Esta é a minha cruz. Por isso dou asas à minha vontade e começo. Esta é a minha cruz. Depois digo que a minha cruz é ser padre. Imagino-me no meio de uma enorme multidão de pessoas que me acusam, que me insultam, que me açoitam, que me escarnecem, que me comparam ou à Igreja a um criminoso, que me fazem carregar com o fardo da cruz e me fazem subir montanhas mostrando a minha cruz. Aqui está ela. Para quem não conseguir avistar ao longe, que venham as televisões. E os jornais. Embora o papel esteja caro, que venham a voar com o vento, pois leves, chegam cá depressa. Sim. Esta é a minha cruz. Sou padre, digo. E depois de subir os montes, subo a cruz. Estou já com os braços abertos. Alguns querem abraçar-me e dizer que precisam dos meus braços, das minhas pernas, da minha voz, que precisam que eu desça da cruz, me torne vivo e lhes indique caminhos. Afinal o padre é isso. Mas outros olham-me com vontade de me darem vinagre a beber. Toma, que o teu sangue há-de jorrar todo pelos sulcos desta terra. Bem que eu queria ser padre doutra época. Padre doutra história. Pode ser da Tua, Senhor. Mas Ele não responde. Está também cansado e com o rosto sobre o madeiro. Afinal estamos ali os dois. Eu queria ser padre da Sua história, mas Ele diz-me que Ele é que está na minha história. Cansado disto, destas correrias que me trouxeram ao cimo deste calvário, as correrias de um lado para o outro, de uma missa para outra, de uma paróquia para outra, de umas vidas para outras, vou gritar. Vou gritar Pai, perdoa-lhes que não sabem o que fazem. Mas hesito. Porque eu também preciso do Seu perdão. E porque está ali Jesus na outra cruz e envergonho-me de usar as Suas palavras. Já sei. Vou dizer Meu Deus meu Deus porque me abandonaste. Vem a propósito. Tem tudo a ver. Porque a cruz era pesada e não a senti mais leve. Porém, não consigo. A voz ficou-me embargada nas duas primeiras palavras. Meu Deus. Fiquei com a boca aberta e de boca aberta. Voltamos então ao início. Vou só dizer que esta é a minha cruz. Ser padre. E do outro lado ouço uma voz conhecida. Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso. É Ele. Só pode. Foi Ele que mo disse do alto da Sua cruz. Já não o vejo bem. Estou com os olhos sem forças. Mas reconheço-lhe a voz. Ouvi-a muitas vezes ao longo da minha vida de padre. Ouvia na boca de muitos que vieram ter comigo e precisavam de um padre. Ou de mim somente. Como eu estava de braços abertos e Ele também, ocorreu-me dar um salto à Sua cruz para nos abraçarmos. Mas já não tinha forças. Não tinha forças para descer e subir de novo à cruz. Mas ainda conseguia falar. E tinha a certeza de que Ele era capaz de ler os meus pensamentos. Olha, Mestre, estás a ouvir o que eu estou a pensar? Esta aqui é a minha cruz. E acrescentava. Sou padre. Ser padre é a minha cruz. Sou um dos que gostaria de ser dos Teus. Se quiseres eu vou ai e dou-te um abraço. Imaginei-O a sorrir. Vou ai e tiro-te dessa cruz. Tiro-te a cruz. Atiro com ela para bem longe. Imaginei-O às gargalhadas. Como se fosse possível atirar a Sua cruz quando eu nem conseguia descer da minha. Mas estávamos ali os dois. A Sua cruz era maior. Era do tamanho Dele. E já ninguém quer saber de mim. Pressinto que estão todos a olhar para lá, para Ele na cruz. Foi um alívio. Ainda bem que Ele estava por perto na Sua cruz. Já posso descansar. Afinal a minha cruz é bem mais pequena. Sou padre. É pequena, mas pesa-me mais que a dos outros. Dessas não sei o peso. Se pudesse, atirava com ela. E no momento em que me apetecia dizer Afasta de mim este pequeno cálice, ouvi do cimo do calvário, daquela cruz gigante, uma voz conhecida que me disse Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso.
 
Aproveito para desejar a todos uma Santa Páscoa. Que a nossa cruz seja um braço da Sua cruz que aponte sempre o Paraíso na Vida Eterna.

sexta-feira, março 22, 2013

A minha experiência de confessar

Veio uma e sentou. Outra e sentou-se. Uma de cada vez. Sentaram-se várias senhoras, ao meu lado, para se confessarem. Cada uma com as suas vidas. No meio de tanta outra gente que não se confessa, ainda há quem tire um pouco da sua vida para tirar-lhe peso, e para o entregar a Deus, através do sacramento da Confissão. Ainda há quem busque a esperança que vem do saber-nos olhados por Deus com misericórdia. Foi assim ontem e hoje, dois dias, duas experiências, que tocaram a minha vida no mais íntimo de si. Nesta certeza de que, nós padres, somos um vaso muito frágil, às vezes algo partido, onde Deus deposita a sua água viva para refrescar quem dele beber. Aconteceu ontem numa paróquia envelhecida pelo tempo. Daquelas que são feitas de pedras antigas trabalhadas com vasos nos varandins. E no meio do desfiar de pequenos nadas daquelas muitas mulheres e alguns homens que se abeiraram da confissão, senti-me pequenino. Ouvia cada palavra como se aquelas fragilidades, aqueles pecados, fossem apenas a virtude que eu queria ter na minha vida. Porque eram uma manifestação de fé simples e humilde. Porque, na simplicidade daquelas confissões, eu me achava indigno da tamanha bondade que o sacramento da confissão tem por si. Tinha dificuldade em perceber como Deus me podia usar a mim, pois que ao lado daquela gente eu era um aprendiz. E hoje, ao confessar umas dezenas de crianças da catequese, ainda mais pequeno me senti. Elas, com o seu tamanhito de palmo e meio, fizeram-me crer que possuíam mais três ou quatro palmos que eu. Sei que eu estava na cadeira que concedia a absolvição e elas na cadeira dos absolvidos. Mas fiquei com a sensação de que as cadeiras estavam trocadas ou poderiam estar. Por mais teologias que saibamos. Por mais liturgias e pastorais, normas canónicas e sacramentais. Por mais certezas de fé que a nossa vocação sacerdotal tenha, na hora em que o perdão de Deus age através de nós, somos apenas uma frágil criatura, pequenina, que é somente instrumento, e mais nada. Inquieto por não me saber merecedor, depois destas horas em que estive a confessar, agigantou-se em mim a certeza de que sou muito pequenino.

terça-feira, março 19, 2013

Gostaste da eleição do Papa Francisco?

No dia em que se inaugura definitivamente o Pontificado do Papa Francisco, após as sondagens em que falámos sobre o Papa Bento XVI e sobre a possível proveniência daquele que o substituisse, tendo já na nossa cabeça e no nosso coração uma série de dados sobre o cardeal Jorge Mario Bergoglio e do Papa que assumiu o nome daquele que marcou de uma forma ímpar a Igreja de Cristo, Francisco de Assis, achei oportuna esta nova sondagem: Gostaste da eleição do Papa Francisco?
Podes justificar a tua opção nos comentários.

quinta-feira, março 14, 2013

Habemus Deus

Tenho um apetite enorme de dizer que se alguém tinha dúvidas da existência de Deus ou se alguém tinha dúvidas de que a Igreja era de Deus, apesar da chuva que cai, hoje tire o cavalinho da chuva. Através de homens, é certo, mas foi Ele que lá meteu o seu dedo de, não tanto um tudo pode, mas um pode com tudo, e escolheu um homem simples, com o mais simples das roupas a que é obrigado, com uma aparição que começa com uma inclinação perante todos os que estão à sua frente, com palavras de quem tem uma missão de ser bispo de uma Igreja e não o dono de um mundo, com palavras que todos entendem também ser suas, com um pedido de bênção e não com uma bênção pura e simples, com um pedido de oração não somente por ele mas por outros mais, com uma apresentação que nem é a sorrir que se farta nem é fria que se farta, pois que assim somos o comum dos mortais, com uma procedência longe dos habituais cumes do poder, lá de um continente que eu tinha escolhido interiormente se fosse eleitor, com um nome que lembra alguns dos que mais mostraram o rosto de Deus na História da Igreja, quer na vida desprendida quer na evangelização aos mais afastados, Francisco de Assis e Francisco Xavier.
Dizem coisas deste homem, e só saberemos com o tempo se são tão autênticas como queremos. Mas para já dá gosto saber delas. Que anda nos transportes como quase toda a gente. Que cozinha suas próprias refeições. Que deixou um palácio para morar num apartamento. Filho de gente humilde e trabalhadora. E por aí fora. Não quero saber tudo deste homem. Não sei bem sequer quem é. Sei que não era um papabile. Que não é uma escolha da comunicação social que tanto vaticinou, para o bem e para o mal, para os seus interesses e para os interesses de um mundo que não quer as coisas de Deus mas as dos homens. Sei apenas que ser alguém que não se contava, alguém que tem, segundo dizem, nem um para a frente nem um para trás, isto é, um sentido moderado das coisas, me faz pensar num Jesus que se preocupava mais com as pessoas que com as coisas das pessoas. Este saber faz-me bem. Faz-me bem pensar que Deus andou ali a trocar as voltas. Faz-me bem pensar que Deus vai na barca e não dorme, mesmo quando parece que o barco pode estar a afundar. É como se uma borboleta tivesse poisado no meu coração e continuasse a esvoaçar.
Repito que não sei bem quem é este homem e só daqui por bastante tempo saberei. Sei que tudo pode ser precipitado, como a chuva que está la fora, e que posso um dia ter vontade de levar de novo o cavalinho para a chuva. Sei que hão-de haver coisas, assuntos, resoluções que não me vão agradar. Sei que não se devem bater palmas ao santo, pois a procissão ainda vai no adro. Sei que este Papa continuará a ser um homem. Sei que a Igreja continuará feita de homens. Mas também sei que a Igreja é de Deus e não de um Papa ou dos homens.

quarta-feira, março 13, 2013

Já ninguém se confessa

Já ninguém se confessa, senhor padre. Disse-me uma senhora antes de desapertar o xaile da cabeça e se sentar para se confessar. Ela é do tempo das confissões que duravam várias horas com pelo menos cinco padres. Os padres passavam o período da Quaresma de terra em terra. Ali almoçavam e confraternizavam. Juntavam-se quase todos os padres do arciprestado. Segundo um colega desse tempo, era das melhores alturas do ano. Havia tempo para tudo. Até para estar às horas com a mesma pessoa na confissão. Hoje não é assim, e a senhora do xaile tem razão. Também há menos pessoas nas terras. São muito menos os padres. Não há tempo para estar horas com a mesma pessoa na confissão. Para a maior parte das pessoas a antiga desobriga pouco diz. A palavra Desobriga também não abonava este sacramento. Mas a senhora do xaile tem razão. Mesmo quem se confessa, costuma fazer da confissão um desfiar de frases feitas, memorizadas, de pequenos nadas, mas não daquilo que intrinsecamente está lá dentro de si e é pecado. Eu diria que a senhora do xaile tem alguma razão e que já pouca gente se confessa ou sabe confessar. Ou tem consciência do que é pecado. Ou consciência do perdão de Deus. E depois ainda existem aqueles que acham que não se devem confessar ao padre. Porque ele é como nós, um de nós. Pecador como nós. E embora seja Deus quem de facto perdoa, e não o padre, esquecem a graça sacramental da Confissão. Esquecem que a Confissão é um sacramento. Mas tanto dá. Dá igual estar em graça ou não. Assim como dá igual ir à missa ou não. Assim como dá igual ter fé ou não. Assim como há muitas outras coisas na fé que tanto dá ou não. É a fé dos nossos cristãos que tanto dá.

sexta-feira, março 08, 2013

Não nos dá o que pedimos mas o que precisamos

A Luísa é catequista de um grupo de adolescentes do oitavo ano. Estão naquela fase. Todos nós sabemos. A fase de colocar tudo em causa. A fase de fazer perder a paciência a qualquer um. A fase em que a presença de Deus deixa de ser passivamente aceite para ser uma realidade na minha vida. Se Deus quiser e se eles quiserem. Mas a Luísa não se explicou com estas frases. Queixou-se apenas. Estou cansada. Baixou os braços e suspirou. Depois disse que às vezes tinha a sensação de que Deus estava distraído. Não nos ajuda nesta coisa que, ainda por cima, é Dele. Na última hora da catequese, no outro dia, só me faltou chorar, senhor padre. Saí zangada porque Deus não me ajudava. O que me valeu é que quando cheguei cá fora, à rua, estava lá a mãe da jovem que me havia provocado tamanha zanga do coração. Falámos vários minutos seguidos. Foi o que me valeu. Foi Deus que lhe valeu, interrompi. Nós queremos que Ele nos resolva os problemas. E o que Ele faz é dar-nos a forma de os resolvermos. Ele não faz tudo o que queremos. Mas está lá, discreto, a fazer o que precisamos. Não nos dá o que pedimos. Mas dá-nos o que precisamos.

segunda-feira, março 04, 2013

O Papa Emérito

O hábito faz o monge e eu não sou superior ao hábito. Daí que este Domingo, na hora em que se intercede ou invoca o Papa, engasguei-me em quase todas as missas. Não veio mal ao mundo, nem à Igreja, digo eu. E cuido que os meus colegas, no geral, se devem ter engasgado também. Além do hábito, não se sabia o que pronunciar. Papa Bento XVI, pois que ainda é Papa. Papa emérito Bento XVI. Ou talvez unicamente Papa emérito. Ou nada mesmo nada. Investiguei as normas e umas coisas, mas não fiquei seguro. Escolhi, por isso, Papa emérito Bento XVI, decisão que não impediu nem o engasganço nem que fizesse um Papa emérito, pausa, Bento XVI. Ora depois da missa, corri para o café com alguns paroquianos. Fazia parte deste alguns a Adriana, que tem pouco mais de vinte anos. Qual não é o meu espanto, quando esta pergunta. Então já temos novo Papa? De onde é o senhor Emérito? Gargalhada geral incontida. A Adriana não sabia o significado da palavra emérito e convenceu-se que era o novo Papa. Valha-nos Deus, que os Papas pouco nos valem. Ainda estou engasgado de tanto rir. É o que dá termos Papa e não termos.

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Hoje é o dia final, o dia do Obrigado

Tal como na morte, não se trata de um fim autêntico. Mas como estamos pouco habituados a agradecer, e faz-nos bem, quer como cidadãos, pessoas que existem na busca de melhorar as suas vidas, quer como cristãos católicos, que sustentam a sua fé nos seus pastores, hoje queria também assinalar neste nosso espaço o dia em que Bento XVI se torna Papa emérito e vai recolher-se para uma nova missão, a de “rezar” pela Igreja. Uma das mais nobres missões na Igreja de Deus! Por isso faço aqui jus ao meu “Obrigado, Bento XVI” e convido-vos, se quiserdes, a fazê-lo também nos comentários. Pode ser um simples “obrigado”!

terça-feira, fevereiro 26, 2013

o verdadeiro amor

A Vanda, que trabalhava na cozinha do Hospital, descobriu há dois anos que tinha um cancro. A vida parou. Mas ela decidiu não parar. Pelo contrário, decidiu acelerar. Vou aproveitar a vida ao máximo, dizia. Como se o máximo estivesse naquilo que nós queremos e não naquilo que é uma vida com o máximo sentido. Por isso decidiu deixar o emprego, deixar o marido e os filhos, deixar a vida do dia-a-dia. Sempre que o tempo o permitia, passava-o junto à piscina. Quando vinha a noite, e se esta lho permitisse, passava-a na noite. Juntou-se, e com ela o seu corpo, a outro homem, um médico lá do hospital. Afastou-se dos amigos e não quis saber nem o que eles nem o que o comum dos mortais pudessem pensar ou dizer. Mesmo os filhos. Mesmo o marido.
Há dois meses, porém, a Vanda iniciou uma fase terminal. E o João, que era o marido, sem mas nem meio mas, foi busca-la para casa, para morrer junto dos que eram verdadeiramente dela e a amavam. Ele e os filhos. A Vanda acabou por falecer nos braços do grande amor que o João lhe tinha. Um amor que não se importou com a sua queda, com o seu pecado, com o seu virar de costas, com a sua escolha. É assim o verdadeiro amor que não olha senão para a pessoa que escolheu amar, que a ama porque isso lhe sai do coração e não porque saia de qualquer interesse ou contrapartida. Foi assim a história que costumamos chamar de Filho Pródigo. É assim que infinitamente nos ama Deus. Nós escolhemos os nossos caminhos, caímos, viramos-lhe as costas, e Ele escolheu amar-nos.

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

De onde desejarias que fosse proveniente o novo Papa?

A sondagem que hoje proponho é quase um exercício de retórica que não tem sequer qualquer efeito, quer seja em nós, quer seja na própria questão em si, pois como alguém já disse, temos de acreditar que estas decisões passam pelo Espírito Santo. Quero crer que sim! Porém, achei interessante promover, de alguma forma, uma pequena reflexão que parta da pergunta: De onde desejarias que fosse proveniente o novo Papa?
Ainda sem data definida para o próximo conclave, o grupo de 117 cardeais com direito a voto no dia 1 de março está assim distribuído geograficamente: Europa – 61; América Latina – 19 e América do Norte – 14; África -11; Ásia – 11; Oceânia - 1. Os países mais representados são a Itália (28), Estados Unidos da América (11), Alemanha (6), Brasil, Espanha e Índia (5 cada), com mais de metade do total de eleitores. Em 2005, os 115 que entraram na Capela Sistina provinham também dos cinco continentes: Europa – 58; América Latina – 20 e América do Norte – 14; África -11; Ásia – 11; Oceânia - 1. O último Papa não-europeu foi São Gregório III, da Síria, que liderou a Igreja Católica entre 731 e 742. De Portugal estarão presentes dois: D. Manuel Monteiro de Castro, penitenciário-mor da Santa Sé, e D. José Policarpo, patriarca de Lisboa.
254 dos 265 Papas, na sua maioria italianos (212), foram europeus - incluindo o português João XXII, eleito em setembro de 1276 e falecido em maio do ano seguinte. Fora da Europa, além do Médio Oriente, com 8 Papas, apenas três bispos africanos, na altura em território do Império Romano, ocuparam a sede de Roma.
Justifica as tuas opiniões nos comentários.

sábado, fevereiro 16, 2013

A Igreja que não é de um Papa

Pensava eu que a resignação do Papa passara ao lado dos meus paroquianos, quando ontem alguém desabafava dizendo que se sentia um pouco órfã por causa da renúncia do Papa. Que se sentia sem terra debaixo dos pés. E agora, senhor padre, como vai ser? Como se o mundo acabasse com esta renúncia. Ou como se a Igreja acabasse com esta atitude. E já estou como aquele meu colega que se perguntava. Mas as pessoas seguem o Papa ou seguem Jesus Cristo? Que Igreja é esta que depende de um Papa, ou dos bispos ou dos padres, e não de Cristo? Vou-vos afirmar que fiquei muito contente com esta forma de se manifestar a Igreja, onde os homens passam e fica o mais importante, Deus. Vou ainda confidenciar-vos que, quando João Paulo II, que muito estimei sempre, completou os seus setenta e cinco anos, eu encontrava-me ansioso por perceber se ele iria ou não resignar, como propõe o Código de Direito Canónico, dando assim um exemplo que seria único. Mas não. E na altura fiquei, digamos, algo frustrado. Mais tarde, quando os seus ensinamentos já lhe não saiam das palavras, mas de um rosto cheio de dor, eu percebi. Percebi aquilo que toda a gente comentava na época. A força do sofrimento que não se resigna e que se manifesta ao lado de cada um que sofre. Vi nele o rosto de um Deus que não se cansa de estar com todos, sem excepção de dor, de saúde, de sofrimento. Quando surgiu o nome de Bento XVI na pessoa do cardeal da Doutrina da Fé, frustrei-me igualmente, pois desejava um Papa que renovasse a Igreja. Não passaram muitos anos e percebi. Percebi que a renovação da Igreja passava pela sua autenticidade. Nestes dias, quando ouvi a notícia da sua resignação, não quis frustrar-me de novo. Já tinha aprendido a lição com as anteriores frustrações. Antecipei-me. E percebi. Percebi que a Igreja precisa de força e de homens que sabem aceitar a sua condição de fragilidade e que, humildes, corajosos e cheios de lucidez, sabem dar estes passos. Para que a Igreja de Cristo continue. Para que outros possam fazer ainda melhor que eu, porque eu não sou o dono do saber, da vida e da Igreja. Claro que não falei desta forma com a senhora órfã. Recordei-lhe apenas o que em muitas paróquias acontece quando o padre envelhece. Quando não tem forças senão para manter a calmia e comodidade da comunidade. Quando não consegue senão celebrar umas missas com falhas aqui e acolá. Quando já não consegue ser o condutor da comunidade porque o carro engripou. Quando já não consegue ir à frente da comunidade e vai atrás, arrastando-se. Por muito bom que seja. Por muito lúcido. Por muito que tenha vontade. Nessas ocasiões facilmente as pessoas gritam por mudança, por um padre mais novo ou mais capaz. Ora, a Igreja, que é de Deus e todo o Povo de Deus, continua. Há-de sempre continuar. A Igreja não é de um Bento XVI ou de um João Paulo II. Nem é nossa. Nós é que somos dela. Nós é que somos ela. Os homens passam. Só Deus não passa.

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Que achas da resignação do Papa?

Hoje as notícias quase não falaram de outra coisa: O Papa Bento XVI vai resignar no próximo dia 28 de Fevereiro. A notícia apanhou quase toda a gente de surpresa. E assim, numa abordagem quase a quente, que pensaremos nós disto?
Desta pequena inquietação, surge nova sondagem com a pergunta clara e simples: "Que achas da resignação do Papa?"
Já sabem que podem e devem justificar a vossa resposta aqui nos comentários. Acho que ainda vai correr muita tinta, e já tenho outras questões que gostaria de vos propor. Mas demos tempo ao tempo!

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

O padre que decidira deixar a comunidade sem padre

Hoje acordei com um sonho. Acordei quase num salto e fiquei na dúvida se não seria antes um pesadelo. Dizem que os sonhos são coisas do nosso subconsciente, coisas do dia-a-dia que levamos apenas para a noite de forma que não pareça realidade. Ou fruto da realidade que queríamos agendar. Não lembro as personagens do sonho. Tenho a sensação que conhecia alguns rostos. Mas a história desenvolvia-se à volta da figura de um padre que decidira deixar tudo para trás. Não sei se era por causa de uma mulher. Não sei se era por causa do bispo. Não sei se era por causa da paróquia. Não sei se era por causa de Deus. Não sei se era eu o padre. Só sei que o padre decidira deixar a comunidade sem padre. A mesma comunidade que o fizera sofrer quando não o tinham compreendido na sua fragilidade, quando não o tinham aceitado na sua pouca disponibilidade, quando conversavam desconfiadamente sobre ele no café, na fábrica ou na vindima, quando diziam mal dele nas costas, quando criavam uns piropos ao padre para apimentar conversas, quando evitavam os olhares com o padre, quando diziam que o padre só via dinheiro, embora não pagassem a Côngrua, quando não queriam saber se o padre estava bem ou mal, e só queriam saber se tinham padre para o que precisavam, quando o padre não era tido nem achado, quando o padre era só mais um padre. O padre decidira abandonar a comunidade. Decidira deixar a comunidade sem padre. Acordei quando me surgiu a pergunta. E agora que vai ser da comunidade? Por isso é que acordei num salto.