segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Jesus amava cada um como ele precisava

Foi também no café. Conversa com dois casais amigos. Falavam daquilo que eu já tinha lido, e, às tantas perguntaram: O que acha daquilo tudo senhor padre? Contextualizo agora e traduzo nos meus pensamentos, porque os casais falaram de outra forma mais brejeirita.

Ele ou ela… quer-se dizer, nem se sabe se ele se tornou ela ou se ela sempre foi ela e assumiu que não era um ele. Mas também não é importante o pormenor. Basta dizer que era uma pessoa. Um ser humano que Deus criou com todo o amor com que cria todos os seres humanos. Mais um. Mais um para amar. Com uns 40 anos, mais coisa menos coisa, chegara a Portugal há uns 25. Assim para resumir, começou pela prostituição, passou pelas drogas. Rapidamente pelo grupo dos sem-abrigo. Mais rápido ainda, mesmo sem se notar, pelas doenças ditas difíceis, HIV e hepatite. Quem era? Um ser toxicodependente e prostituto. Sem-abrigo. Sem o abrigo normal de uma casa e sem o abrigo de uma mão ou de umas mãos amigas e desinteressadas. Sem-abrigo e altamente doente. Pessoa marginal. A história resumida desta pessoa cruza-se com outra história, a de uns 12 rapazes com idades entre os 10 e os 16 anos, internos numa instituição de caridade católica. Rapaziada com algum cadastro, ou pelo menos com outra história bem marginal. Não se sabe ainda porquê, mas estes jovens decidem espancar até à morte a dita pessoa.

E agora vem a minha resposta, que, reconheço, foi dita de uma forma dura.
Toda a gente tem opinião sobre o assunto (até eu!). Aparecem os espertos que têm solução para tudo, sabem o que fazer à instituição, aos miúdos, ao morto, aos casos iguais… Mas só sabem dizer, porque não aprenderam a fazer! Distribuem-se responsabilidades, avalia-se a situação. Vamos fazer um inquérito para apurar os responsáveis. Isto agora está um descalabro, ouve-se… como se fosse caso único e ninguém conhecesse casos idênticos de ontem e de sempre!
Mais, toda a gente fica indignada com a forma como morreu esta pessoa, mas não devem ter sido muitos os que se preocuparam vendo-a morrer aos poucos durante a sua vida! E os outros que andam nas ruas como ela…Que lhes fazer, depois de todas as opiniões que emitimos?
Mais, ficamos indignados com a falta de respeito pela diferença e pelo diferente, mas alimentamos isso todos os dias em conversas de café, de rua, da Internet, em piadas e anedotas, em olhares de soslaio.
Mais, toda a gente fica perturbada com a frieza dos rapazes, mas nunca ou poucos se preocuparam de facto em prestar auxílio, educar e promover a dignidade dos mesmos!... ou de outros tantos que andam por aí à porta da casa de cada um… Agora opinam contra aqueles que se preocuparam com eles! Grande hipocrisia esta!
Ao fim e ao cabo, todos queremos ser respeitados como somos, mas não aceitamos certas coisas e pronto!... como se nós não tivéssemos fragilidades!
E acrescentei. O que deve mudar, acima de tudo, não são os outros, mas nós, a nossa atitude perante a vida!
Jesus olhava cada um como ele era, amava cada um como ele precisava. E nós?

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

O que está dentro não chega para o que está fora

Hoje é um daqueles dias em que o que está dentro não chega para o que está fora. Por muito cheio que se esteja por dentro, está-se cheio por fora também. Cheio do problema do outro, da chatice do outro, da palavra do outro, do gesto do outro, do pedido do outro, da exigência do outro. Cheio do outro. Dia em que apetece cerrar as portas e imaginar que só existe o nosso interior. Que só existimos nós e quem nos conhece por dentro. É tão mais fácil imaginar que só existimos nós e o Deus que nos ama! Ainda não bati porta alguma. Apetecia. Continuo sentado. Porque não apetece sequer erguer-me. Os olhos vidrados em palavras e em pensamentos. Olhar apenas para a frente. Não mover as pupilas. Os dentes semi-cerrados. Porque não vou cerrar a porta, cerro o que é mais fácil. Podem bater à porta do confessionário a qualquer momento, que eu vou fingir que estou ocupado… comigo e com Deus. Com perguntas a Deus. Pode ser que ao insistirem, se insistirem mais que doze vezes, eu abra a mesma com o interior mais cheio que o que está fora. Cheio com as respostas de Deus.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Que é preciso para ajudar os pobres desta terra, padre?

Estava a chegar quando ele chegou. Descapotável vermelho. Roupas de marca. Padre, quer vir tomar um café. Eu pago. Como se pagar fosse só apenas para quem ostenta dinheiro. Parecia um gesto de poder, mas quis antes pensar que era um gesto de carinho. Acedi. Entrámos no café. Umas conversas do tipo superficial. Eu faço isto, eu tenho aquilo, eu compro aqueloutro. Um rapaz de Eucaristia. Quase sempre. Fez-me lembrar o “jovem rico”. Estava quase para me afastar, quando lançou o assunto. Padre, que é preciso para ajudar os pobres desta terra? Sabe, tenho pensado nisto. Há por aí muita gente no álcool, na droga. Pessoal sem emprego. Velhotes. Eu gostava de ajudar. Perfeito. O “jovem rico do evangelho”. Quanto de ti estás disposto a entregar?, perguntei. Estava a pensar numas centenas de euros, respondeu. O Centro podia aplicar. Ou o padre entregava como quisesse. Não vi inconveniente na proposta. Tomara que mais gente as lançasse. Mas num repente, acrescentei: Porque não te entregas tu? Porque não te dedicas a esta gente? Engasgou-se um bocado enorme. Quase engolia de um trago o resto do café já frio. Ó padre, não tenho vida para isso. O senhor sabe. Mas o padre tem. Lá vinha outra vez a história dos leigos e dos padres, da diferença. A questão não está na disponibilidade, mas na atitude. Cada um faz na sua medida. Aliás, se a tua for essa, óptimo. Mas é mais fácil dar do que temos do que dar o que somos. Ele entendeu. Digo-o, porque fixou bem os olhos nos meus. Bebi mais um gole. Tempo suficiente para ele acrescentar. O padre deixou-me a pensar. Há dias aprendi consigo na missa que o mal não está no ter, mas sim no como usar o que se tem. Que o mal não está na riqueza, mas no não desprendimento. E agora diz mais isso. Neste ponto da conversa calou-me. Tinha a sua razão. Mas eu também tinha. Ele teve de sair. Pediu desculpas.
Já na despedida. Vou pensar no teu caso, disse. E ele respondeu que ia também pensar no meu.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

sondagem_ "Qual a personalidade mais marcante falecida em 2005?"

Passado que vai cerca de um mês, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado direito, no sidebar. A questão era:
Qual a personalidade mais marcante falecida em 2005?

E os resultados são:
1º- João Paulo II_ 63%
2º- Ir Roger_ 15%
3º- Álvaro Cunhal_ 11%
4º- Ir Lúcia_ 6%
5º- Eugénio de Andrade_ 3%
6º- Terri Schiavo, Vasco Gonçalves, Richard Burns_ 1%
7º- Rainiero III, Bob Hunter_ 0%

algumas considerações:
1. Os resultados confirmam aquilo que se esperava. João Paulo II, que em breve será canonizado, a avaliar pela rapidez do processo, foi considerado pela grande maioria como a personalidade mais marcante falecida em 2005 (63%). Podemos considerar esta sondagem um contributo para a sua canonização?!
2. Depois veio-lhe no seguimento outro homem marcante, um homem do ecumenismo e dos jovens, Ir Roger (15%). Isto faz pensar duas coisas. Que os jovens, a quem estas duas personalidades marcaram claramente ou quem estas duas personagens influenciaram, são as principais visitas do "Confessionário"; ou que é do senso comum a influência destes dois homens no mundo contemporâneo. Quero crer que é esta a razão principal.
3. Não muito longe do Ir Roger aparece a figura carismática do Portugal político, Álvaro Cunhal. Sem dúvida, uma figura a reter na memória dos Portugueses.
4. A Ir. Lúcia foi outra das escolhidas (6%). Como os visitantes do "Confessionário" são portugueses e, na sua maioria cristãos, esperava-se que esta obtivesse mais votos. No entanto, colocando-a ao lado de outros homens influentes na sua fé e na sua santidade, como são os casos de João paulo II e o Ir. Roger, facilmente se descobre a causa desta votação. Nos ultimos dias obteve mais votos: sem dúvida motivados pela trasladação do seu corpo para Fátima e pelas notícias da TV.
5. Eugénio de Andrade representa a cultura do nosso país. Os poetas, os escritores, os que sabem fazer uma boa escolha de leitura saberão porque o escolheram (3%).
6. Com 1% temos Terri Schiavo, Vasco Gonçalves e richard Burns; com nenhum voto, Rainiero III e Bob Hunter. Isto demonstra clramente o perfil de quem visita este espaço.
7. Foram contabilizados 156 votos. Desta contagem não teço considerações...

Hoje surge nova sondagem. Para mim tem todo o interesse saber que imagem temos de Deus... se é que temos alguma! A pergunta é essa:
Que imagem tens de Deus?

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Se a desligam, vai

Mais ou menos onze horas da noite. Umas horas tardias, mas as adequadas para quem precisa de falar. Bateram três vezes, descompassadamente, com pouca força, como que a pedir com licença, peço desculpa. A sala estava fria. A conversa também não demorou. Quer dizer, não dei conta que demorasse. Que hei-de dizer àquela família, padre? Venho agora do hospital. E foi contando a história clínica da amiga. Quarenta anos. Tumor nos ossos. Fase Terminal. Estou a tentar resumir, que ela também tentou. Uma família bem cristã, se é possível chamar-lhe assim. Ela está, estava consciente do seu estado. Pedira ao marido para morrer em casa. Queria muito morrer no seu aconchego, no da casa e no dos seus. Tinha piorado rapidamente. Levaram-na para o hospital. A família não media meios. Tudo tentar para lhe salvar a vida. Tudo tentar para a ter o maior tempo possível aqui. Quem não faria o mesmo?!, perguntava-me. Ela era tão boa, padre! Depois que chegou ao hospital não demorou mais que uma hora a entrar em coma. Está ligada às máquinas. Se a desligam, vai. Os pulmões não funcionam. Não tem consciência. Não reage. O tumor atingiu proporções elevadas. Pulmões, como já disse, fígado e não sei que mais. O médico disse que se a desligassem das máquinas morria em questão de segundos. Que para o fazerem a família tinha de assinar um termo de responsabilidade. Não conseguiram, pelo menos ainda. Estão a sofrer há duas semanas. Sofrem por vê-la assim. Sofrem por não saber que fazer. Sofrem porque queriam que ela estivesse em casa a morrer, mas querem fazer tudo o que estiver ao alcance. Sofrem porque são cristãos e não sabem que ética ter. Julgo que neste caso quem menos sofre é ela. E perguntaram-me, como amiga da casa e como cristã, o que haviam de fazer, padre. E eu não sei que lhes hei-de dizer. Ajude-me.
Tudo isto, em poucos segundos, me fez lembrar a minha mãe, o que ela sofrera, os últimos dias, os momentos em que desejei que ela partisse rápido, os momentos em que chorei de saudades com ela ainda viva. Mas enchi os pulmões de ar e de coragem. Ela já está em fase vegetativa? Não percebia e expliquei. Ela respondeu que sim mais ou menos. Falei então da distanásia. Que era prolongar a todo o custo, com todos os meios possíveis, a vida a uma pessoa que está já em fase vegetativa, atrasar o mais possível uma morte eminente ou inevitável. A Igreja diz que não devemos abusar do meios extraordinários para estes casos. É necessário distinguir entre meios ordinários ou extraordinários. Melhor se calhar, entre meios proporcionados e meios desproporcionados. E Terminei dizendo: se a deixarem partir em paz não creio que haja eutanásia. Devem sossegar a consciência e a fé. Devem estar a sofrer muito, e quanto mais tempo, mais vão sofrer. São sofrimentos diferentes, mas um é mais sossegado que outro.
Ela saiu. Beijou-me e pediu forças. Reze por nós, padre, e para que eu saiba dizer o que for melhor.
Ao deitar-me rezei por eles, por ela e por mim, que fiquei assustado!

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Dois em um, duas correntes numa...

Fui apanhado duas vezes em pouco tempo! Não é que goste muito de aceder a estas correntes. Mas também não sou capaz de dizer "não" aos amigos: ao meu colega Manuel e ao jovem amigo Laços Azuis. Assim, respondo dois em um. Deixo o questionário do Manuel para segundo lugar que é mais difícil. Ai ai…
CORRENTE 1
1. Quatro empregos que já tive na vida:
Bom (quer-se dizer), eu não considero ser padre uma profissão. Para mim é algo mais. É um modo de vida. Eu costumo dizer, em tom de graça, que quando tomo banho ou estou a dormir, ou estou sem fazer nada, continuo a ser padre. Por isso deixa-me cá pensar em voz alta: empregos… eu já fui professor, educador num Seminário e mais nada… ahhh, quando era novo, durante as férias do Verão, carregava caixas para lojas… hi hi

2. Quatro filmes que vejo vezes sem conta:
Não vejo muita TV nem frequento muito o cinema. Mas já revi várias vezes o filme “O Clube dos poetas mortos”… não recordo mais nenhum. Nem mesmo o da minha ordenação vi mais que duas vezes.

3. Quatro sítios onde vivi:
Eh pá, não queria expor-me muito. Mas sempre posso dizer que vivi na minha diocese (ah ah), vivi uns tempos num Seminário, depois noutro, depois voltei ao mesmo, e agora vivo numa das minhas paróquias. Ahhh, claro que também vivi com os meus pais.

4. Quatro séries de TV que não perco:
Não costumo ver TV. Não sei se pode considerar uma série, mas tentava a todo o custo (às vezes não conseguia) ver a Operação triunfo. Bem, amigos... é uma série sem ser filme. Ah ah ah. E também gosto de jantar ao som dos Morangos com Açúcar… quando janto a horas decentes, tipo uma vez ou duas por semana.

5. Quatro sítios onde estive de férias:
Pois, Brasil, Tunísia, Aveiro, Algarve…

6. Quatro dos meus pratos favoritos:
Bacalhau à Braz, Bacalhau à Gomes de Sá, Bacalhau com Natas, Bolos de Bacalhau… pois, eu diria que o bacalhau tem uma relação especial comigo. Mas também gosto de outros pratos, mas agora não me lembro mesmo.

7. Quatro Websites que visito diariamente:
Também conta o confessionário?!
Tirando esse, o
Portugalmail, por causa do correio electrónico; a página da Ecclesia, porque sim; alguns amigos em blogues (não tenho todos em link… para já), sobretudo quando tenho tempo, e umas páginas ligadas a uns serviços pastorais que tenho.

8. Quatro sitios onde gostava de estar agora:
Na cama, a descansar, que isto anda mal de horas de sono;
Na praia, porque gosto sempre de praia, fosse em que praia fosse, de preferência com sol, claro;
Em casa de alguns amigos…
E já agora… no céu, a visitar a minha mãe!

9. Quatro blogs que desafio:
Eu até nem queria… mas assim de repente, surgiram-me estes
(que não obrigo a responder)
-
Portinho de Abrigo: porque te admiro
-
Zé Beirão: tinha de ser
- À Mi, como
Presente
- Ao Manuel, como castigo

CORRENTE 2
E agora em resposta ao Manuel, já castigado, aqui vão as minhas tentativas de dirimir as minhas manias, ou vícios, ou trejeitos, ou sei lá que coisas estranhas que a gente faz habitualmente. Vou tentar ser sincero, que isto não é nada fácil. Primeiro temos que fazer um exame de consciência. Depois vem a análise de cada mania. Depois vem a reflexão sobre se sim ou não publicar. Será que não posso só apresentar uma, “uminha”?! Chiii. A um padre não se fazem perguntas destas, que os padres não têm manias (esta também dava uma boa mania!). Bom… só para não dizerem que sou um desmancha prazeres (o que até nem seria em desacordo com Deus!):

1. Nunca me sento na sanita sem levar telemóvel 1 e 2 e portátil, revista, jornal ou livro (o último foi "Introdução ao Cristianismo" de Joseph Ratzinger)
2. Não consigo ter os dedos sujos a comer. Explico: se por acaso sou obrigado, pelo tipo de comida, a mexer na mesma com os dedos, só utilizo dois e depois levanto para os lavar.
3. Tenho o vício de fazer trocadilhos com as palavras ou expressões que me dizem (às vezes com certa malícia, mas isto não é para se saber!); adoro brincar e sorrir com as palavras e as pessoas.
4. A primeira coisa que faço ao chegar ao meu escritório é ligar o computador, e depois a aparelhagem.
5. Tenho a mania de que no que me meto, é para levar a sério, custe o que custar. Ai no que me meti agora!!!

Puxa, agora que estava assim a pensar já me estavam a vir à ideia mais umas quantas manias. Ainda bem que só eram precisas cinco!!
E agora a quem passo? Penso que uma grande parte dos amigos já respondeu a esta corrente. Assim vai para um novo blogue que começo a gostar, porque gosto muito de música, o maestro do
Jesusgroove, mais a Carla do try Again porque gosto muito dela, mais a sonhadora do Ele está no meio de nós, porque é uma pessoa especial, mais a MI, do Presente, para estar presente, e por fim o Laços Azuis, por castigo, ahh pois!
adenda: o Ivan (Aka Bandinho) do Caixa de Esmolas também me desafiou para uma destas correntes. Peço desculpa por não lhe ter feito referência. Mas a resposta é também dirigida para ti, Ivan.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Custa tanto ser padre nestas ocasiões…

Estava de cama. Bastante mal. Muito sofrimento. Um sofrimento que eu chamaria de calado. Porque não se transformava em queixas. Só se percebia nas expressões do rosto que, mesmo assim, continuava a sorrir. O meu velhinho predilecto. Ainda por cima sem família. Ele e a irmã. Os dois com muita idade. E um dia, conta alguém que o visitou, pois que merecia muita atenção dos amigos, ele estava de olhos fechados. Parecia dormir. O amigo chamou: Ti Zé-é. Nada. Olhos fechados. De novo Ti Zé-é. Nada. Ainda se pensou o pior. Passados uns cinco longos minutos, abriu os olhos. E a boca: desculpa, mas estava a rezar. Boca aberta do amigo também.
Mas não é só esta. Outra foi comigo. Já não conseguia rezar. Não tinha forças para passar as contas do terço. Pediu-me para ajudar. Eu disse para pensar em Deus, que era uma bonita, uma outra forma, de rezar. Mas que isso fazia e queria mais. Terço na mão. Muito concentrado. Umas cinco ou seis vezes caiu o terço das mãos. Ai que tenho de começar do início. Não tinha forças para segurar o terço. Mas insistia. Eu olhava estarrecido. Às tantas, para o sossegar, peguei no terço caído e emendei: Já vai aqui nas últimas ave-marias. Eu vi. Não tinha visto, mas disse-lhe que sim. Rezamos os dois. Ele sorriu. Se o Senhor padre diz!
Parecem pequenas coisas. Mas para mim foram e são grandes. Mais ainda neste momento, pois daqui a nada vou ajudar a levá-lo para Deus. O funeral do meu velhinho predilecto é daqui a nada. Estou um pouco sem saber como. Vai ser bonita a missa, como todas as outras. Ou melhor que estas. Um sacristão que serviu durante 53 anos a Igreja merece. Um indivíduo que se dedicou a Deus merece.
Isto anda complicado. Na semana passada foram quatro. Nesta já tenho dois marcados. No Sábado foi o funeral da velhinha que pedia para lá voltar. Custa tanto ser padre nestas ocasiões…
adenda:
"...agora que terminou o funeral: Aprendi que, apesar da nossa fragilidade, da nossa forma simples e discreta de ser, podemos entregar-nos completamente a Deus. Foi isso que aprendi com este homem, com este amigo que se entregou discretamente a Deus em toda a sua vida!"

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O casal que não é casal

Foi na altura da Primeira Comunhão do filho mais velho. Bateram à porta os dois. Em sintonia. Truz, truz, truz. Três vezes que três é a conta que Deus fez. Ela encantara-se por ele assim que o viu. Ele encontrara nela aquilo que ainda não conhecia. Não se trata de um simples casamento civil. Uniu-os aquilo que Deus mais pediu entre os homens, o Amor. Hoje são felizes. Mas ele esteve casado com outra senhora. Uma que o atraiçoou várias vezes. Uma loiraça daquelas que não se contenta com o que tem em casa. Claro que o divórcio foi uma questão de tempo. Não tinham filhos. Foi um nadinha mais fácil.
Ela provém de família de laços cristãos. Apaixonou-se. Ele inclusive andou no Seminário. Colaboram na paróquia activamente. Mais importante ainda, sabem porque são cristãos. Que haviam de fazer? Queriam acompanhar o filho no sacramento da Eucaristia. Queriam participar plenamente. Sabiam que era importante a comunhão, a partilha de Cristo. Queriam mostrar ao filho que era mesmo assim. Não porque outros dissessem, mas porque os pais acreditam. Porém, eles não podiam. A Igreja afastara-os da comunhão. Eles até entendiam. Foi opção consciente dos dois. Mas não sabiam agora como fazer para com o filho. Como explicar. Ainda falei da hipótese remota de uma anulação do outro matrimónio. Baixei logo as defesas. Era mesmo remota. Ainda por cima a Primeira Comunhão era daí a dias. Já tinham pensado nisso muitas vezes. Comungavam por intenção, diziam. Mas agora. Agora não sabiam como agir. Nem eu propriamente. Falei, conscien-temente, da importância da felicidade e do amor. Depois, o que mais me custou, falei das leis da Igreja. Caramba, o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado! Cada caso é um caso! Mas calei este grito. Foi só meu. E para mim. Expliquei que Deus os amava. Mas não foi suficiente. Pelo menos para mim. Apeteceu-me dizer que Deus quer partilhar-se na comunhão com eles. Mas não disse. Calou-me a lei. Depois ainda abordei a questão como se de um escândalo pudesse vir a tratar-se. Pois que se não fosse, talvez até nem houvesse crise. Abordei a história da consciência, que se salvaguarda sempre. E lavei as mãos, como Pilatos. Ou sujei. Ou fizeram-me sujar.
Eles tranquilizaram a minha consciência. Nós explicamos-lhe, senhor padre. Fique descansado. Decidimos não comungar. Pode mesmo ser escândalo. Nesta terrinha é muito fácil fabricar escândalos.
Pensaram que sim, mas não sossegaram a minha consciência. Porque eles são gente de fé. São mesmo.