Cada ano é mais um ano. Disso ninguém duvida. Até aos dezoito somam-se numa lentidão que até custa. A partir dos dezoito, a velocidade é aquela que as multas permitem ou impedem. A partir de uma certa idade, que nem vale a pena explicar ou definir, os anos somam-se a correr. Já não olhamos o presente. Temos apenas olhos para o passado que já foi e o futuro que está tão perto. E depois ainda existem alguns dias do ano em que tudo passa com a velocidade do sol. São os dias que acabam e começam os anos. São aqueles dias em que agora é um ano e num instante, que é um segundo, já é outro ano. É aquele instante que teimamos em contar com doze segundos e doze passas. É aquele instante em que as doze passas têm de ser engolidas a correr e a saltar de alegria. Uma alegria que contrasta com a sensação de envelhecer. É aquele instante que passa num instante.
E é nesse instante que a vida passa na nossa frente cheia de desejos, de intenções, de vontades, de promessas, de esperanças. Não temos tempo suficiente para pensar na vida, mas cuido que ninguém ousa passar este instante sem pensar na sua vida. Recordo que no ano em que a minha mãe faleceu, passei vinte minutos em silêncio numa varanda aberta para as luzes da noite. O silêncio natural das lágrimas. Era com a minha mãe que costumava passar aquele instante famoso do agora é um ano e agora já é outro. Já lá vão umas décadas. A pele ainda era macia. Ainda não tinha sido endurecida pela vida. A penugem começava a parecer-se com uma barba. Devia ter uns dez, onze, doze anos. Já andava no Seminário. Já sabia muitas coisas e faltavam-me saber milhares. Mas levava tudo a sério. E recordo que na passagem de ano toda a gente lá de casa saía para a noite. Conhecia o significado da noite, pois também saíra algumas. Mas na passagem de ano não. Ficávamos apenas eu, meu pai e minha mãe. Uns minutos antes da hora marcada para mudar de ano, já a minha mãe estava na cama, sentada, passando as contas do terço. Nalgumas dessas ocasiões o meu pai também estava com ela. Eu vestia o meu pijama verde-claro, entrava dentro dos seus lençóis, e sentava-me a seu lado. Pegava no meu terço, igualmente verde-claro, aquele que no escuro ficava iluminado, e contava ave-marias com minha mãe. Passávamos aquele instante com a oração do terço. Não imaginam o que eu sentia. A alegria que era poder partilhar aquele instante com Deus e com a minha mãe. Parecia que o ano seguinte se enchia deles os dois. E com eles, os desejos, as intenções, as vontades, as promessas, as esperanças tornavam-se certezas.
Com os anos, aquela forma de passar aquele instante passou ao esquecimento, porque as passas dos amigos caíram-me nas mãos e deixei-me levar pela corrente do engole passas, berras naquele segundo, bates nos tachos, beijas toda a gente, ligas aos mais chegados, e ponto final.
Por isso hoje não vou pegar nas passas. Vou pegar nos amigos que estiverem ao meu lado. E vou levá-los comigo a rezar uma pequena oração. Talvez o Pai Nosso porque gosto muito dele. Preciso de um ano cheio de certezas.
E é nesse instante que a vida passa na nossa frente cheia de desejos, de intenções, de vontades, de promessas, de esperanças. Não temos tempo suficiente para pensar na vida, mas cuido que ninguém ousa passar este instante sem pensar na sua vida. Recordo que no ano em que a minha mãe faleceu, passei vinte minutos em silêncio numa varanda aberta para as luzes da noite. O silêncio natural das lágrimas. Era com a minha mãe que costumava passar aquele instante famoso do agora é um ano e agora já é outro. Já lá vão umas décadas. A pele ainda era macia. Ainda não tinha sido endurecida pela vida. A penugem começava a parecer-se com uma barba. Devia ter uns dez, onze, doze anos. Já andava no Seminário. Já sabia muitas coisas e faltavam-me saber milhares. Mas levava tudo a sério. E recordo que na passagem de ano toda a gente lá de casa saía para a noite. Conhecia o significado da noite, pois também saíra algumas. Mas na passagem de ano não. Ficávamos apenas eu, meu pai e minha mãe. Uns minutos antes da hora marcada para mudar de ano, já a minha mãe estava na cama, sentada, passando as contas do terço. Nalgumas dessas ocasiões o meu pai também estava com ela. Eu vestia o meu pijama verde-claro, entrava dentro dos seus lençóis, e sentava-me a seu lado. Pegava no meu terço, igualmente verde-claro, aquele que no escuro ficava iluminado, e contava ave-marias com minha mãe. Passávamos aquele instante com a oração do terço. Não imaginam o que eu sentia. A alegria que era poder partilhar aquele instante com Deus e com a minha mãe. Parecia que o ano seguinte se enchia deles os dois. E com eles, os desejos, as intenções, as vontades, as promessas, as esperanças tornavam-se certezas.
Com os anos, aquela forma de passar aquele instante passou ao esquecimento, porque as passas dos amigos caíram-me nas mãos e deixei-me levar pela corrente do engole passas, berras naquele segundo, bates nos tachos, beijas toda a gente, ligas aos mais chegados, e ponto final.
Por isso hoje não vou pegar nas passas. Vou pegar nos amigos que estiverem ao meu lado. E vou levá-los comigo a rezar uma pequena oração. Talvez o Pai Nosso porque gosto muito dele. Preciso de um ano cheio de certezas.