Telefonou. Não me conhece. Apenas distingue a minha voz porque já me ligou algumas vezes. Sempre que se sente resvalar pela vida. Atendi sem forças, porque há uns dias que elas também me passam ao lado. Mas atendi que ela pode precisar mais que eu. Conversa puxa conversa, vai dizendo que está melhor, que a quimio tem feito alguma coisa, que o lado esquerdo da paralisia melhorou, que está cansada, mas tem tentado, conseguido alguma esperança. Agradecia-me alguns telefonemas, enquanto eu falava de forças, forças que devemos procurar dentro de nós. Ela recordou-me que um dia lhe dissera que devemos encontrar forças dentro de nós, no Deus que existe dentro de nós. Que bem lá no fundo está sempre essa força à espera de vir ao nosso encontro. Eu sorri porque já não me recordava dessas palavras. Precisava delas também para mim. Isto de ser padre não é só para os outros. É essencialmente para nós. Mas neste vai e vem de palavras, cumprimentos, agradecimentos e abraços, ela acrescentou. É difícil, mas estou a tentar. Não gostei. Não gostei da palavra difícil. Ela existe, mas não deve ser pensada. E falei-lhe exactamente este sentir. Sabe para que serve a palavra difícil? Para nos fazer fortes. Se tudo fosse fácil à nossa volta, tornar-nos-íamos fracos, débeis. O difícil é algo que, bem vistas as coisas, é bom para o homem se tornar forte. É como subir uma montanha e no final sentir que estamos mais preparados para subir outras montanhas. ´
Nem vale a pena contar o que falámos depois. Basta dizer que nessa noite dormi mais descansado e acordei mais bem humorado.
Nem vale a pena contar o que falámos depois. Basta dizer que nessa noite dormi mais descansado e acordei mais bem humorado.