Ande cá, senhor padre, que lhe quero mostrar uma coisa. A Cidália não é mulher de intrigas. Por isso não fiquei intrigado. Somente curioso. Levou-me pela porta lateral da igreja. A porta costuma estar aberta para que o Senhor possa ser visitado pelos seus amigos. A Cidália tem uma hora certa para fazer a sua visita. A seguir ao almoço, que é uma hora de pausa na sua vida, mas não na sua forma de viver com Deus. Entrámos. Depois das devidas vénias em silêncio, encaminhou o meu olhar para a cruz que está num pedestal de granito. Repare no braço, senhor padre. O braço esquerdo de Jesus tinha uma fissura que ainda não dava para colocar um dedo que fosse. Mas era perceptível para quem estivesse mais que um minuto a contemplá-lo. Ficámos assim os dois. Pensei que a Cidália me queria chamar a atenção para o braço que necessitava uma conservação. Mas ela olhou para mim e disse Não lhe parece que Jesus quer desprender este braço? Diga-me, padre, se vê o mesmo que eu. Prendi-me, primeiro, na fissura. Depois no braço que, de facto, parecia querer deslocar-se. Por fim no rosto de Jesus que esboçava um sorriso e, ao mesmo tempo, um ar para o triste. E falei assim como quem está apenas a tentar raciocinar. Vejo um Cristo que se quer solidarizar com as vidas partidas das pessoas. E mais, padre, e mais. Insistiu. O mais da sua insistência e da repetição fez-me pensar que Jesus me ama, por mais que eu não queira prestar-lhe atenção. Ficámos mais dois minutos a olhar. Eu diria, a contemplar. Sabe, padre, a mim parece-me que este Jesus quer desprender o Seu braço para poder tocar-nos. Para afagar-nos. Para abraçar-nos. Para que sintamos que está vivo. Retirei o meu olhar do braço e pousei-o na Cidália. Ó Cidália, só os que amam podem dar conta do Amor de Cristo. Deixe-o ficar assim, respondeu-me. Não o mande arranjar. Eu preciso de sentir que este braço é para mim.
Coloquei o meu braço à volta do seu pescoço e pensei. Há tantos Cristos que não devíamos arranjar!
Coloquei o meu braço à volta do seu pescoço e pensei. Há tantos Cristos que não devíamos arranjar!