quinta-feira, julho 02, 2015

As pombas e o Espírito Santo

Um padre amigo contou como em tempos muito idos um missionário entrara na China para fazer aquilo que chamamos evangelização. E que ao deparar-se com a forma como as pombas eram entendidas pelos habitantes daquela cultura, achou que devia pedir ao papa da altura para lhe permitir não apresentar o Espírito Santo como uma pomba, pois os habitantes daquele local viam as pombas apenas como uns animais incomodativos e porcos. Era assim que falavam delas. Contava o padre amigo que a resposta do papa fora que sempre assim foi e que assim deveria continuar a ser.
Não sei até que ponto a história é verídica. Porém, de certa forma, ela continua a acontecer nos dias de hoje quando uma igreja ocidental tenta impor a Igreja de Cristo com a sua cultura. Como se Deus só fosse autêntico no Ocidente. Como se Deus existisse no sempre foi assim ou no sempre falámos assim. Como se Deus se formatasse a uma qualquer forma de entendimento,

8 comentários:

Febe disse...

Por isso, em tempos, falei no Totalmente Outro!

Abba,Amoroso,Amigo,Envolvente...mas sempre o Totalmente Outro!

Anónimo disse...

"Como se Deus se formatasse a uma qualquer forma de entendimento,"
Em verdade Deus não se formata a nenhuma forma de entendimento, mas não foi isso que a igreja católica nos impôs no passado?
Falo por experiência própria.
Quase que chego a ser excomungada, por na altura utilizar no meu dia o gesto a a expressão "Namastê" e como espontânea que sou tê-lo feito com o padre lá da terra.
Valeu-me uma reprimenda seguida de um "conselho" que não segui e um afastamento de alguns anos da igreja católica.
Actualmente faço parte de uma comunidade católica bastante conservadora onde ainda se pede conselho ao padre.
É uma daquelas comunidades que trancam Jesus a sete chaves lá no sacrário. Ele fica lá quietinho não os incomoda a não ser de Domingo a Domingo. Durante a semana é dada a todo o tipo de "desvarios". Mas não contam porque Ele está no sacrário da igreja, benzem-se quando passam por ela e se passarem em frente da porta principal fazem vénia. Gestos tão nobres usados de uma forma impessoal, mas fica tão bem especialmente se o padre vir.
É o resultado de anos e anos de "jugo". Quem ousava fazer diferente era banido, sem misericórdia. Digo isto sem mágoa nem rancor e agradeço até por ter sido banida. Renasci dessas cinzas e fui mais longe porque não aceitei o jugo, paguei um preço elevado.
"Como se Deus só fosse autêntico no Ocidente." Não é, nunca foi, mas tenho esperança que os lideres católicos comecem por viver dessa forma abandonem a velha máxima "fazei o que eu digo e não o que eu faço" especialmente que não se esqueçam que o exemplo é a melhor forma de educação.
Assunto polémico este sobre o qual escreveste mas termino desta forma.

Namastê
Curvo-me perante a TI.

Anónimo disse...

gostei... obrigada

Emmanuel disse...

também gostei muito

JS disse...

Isto da inculturação daria para muita conversa...
Mas atendendo apenas ao conteúdo do post, não estou de acordo.
Por muito universalista que seja a fé cristã, não deixa de ter, como outras religiões, a sua dimensão de particularidade, pois tem na sua raíz uma narrativa concreta, uma história particular cujos elementos não são alteráveis, sob risco de falsificar a história, de tornar a narrativa uma farsa. Pode-se desenvolver interpretações, estabelecer equivalências, procurar adaptações; mas não podem ser mudados nem substituídos a bel prazer das épocas ou das latitudes.

No caso concreto da pomba e do seu simbolismo, até nem se trata propriamente de um elemento da cultura ocidental, porque tem raízes bíblicas, pertence à cultura semita ou do médio-oriente. Mas imaginemos que se prosseguia no intuito de mudar este símbolo. Ia-se também mudar o relato do baptismo de Jesus? Afinal, teria sido a águia do Benfica que teria descido naquele momento? E o raminho de oliveira que Noé avista, teria sido trazido por um ganso-patola?
Também por respeito à cultura chinesa, estar-se-ia nesta altura a contar nas missas o milagre da multiplicação das taças de arroz feito por Jesus? Teria Ele dito depois: "Eu sou o arroz da vida"?...

E sim, Deus formata-se a uma forma de entendimento. É isso o que significa encarnação. Condescendência, kenose. Não é apenas questão de assumir um corpo humano, mas também de habitar uma determinada história, de se enformar numa determinada cultura, a que temos acesso por uma determinada narrativa. É essa a mediação que temos para a sua Revelação.
Deus não se reduz a uma determinada forma; mas também não prescinde dela. Não podemos tomar a forma pelo conteúdo (o Espírito Santo não é uma pomba). Mas também não podemos tomar o conteúdo sem a forma. Isso chama-se gnosticismo: foi imediatamente combatido pela Igreja primitiva; mas a tentação continua bem viva.

Confessionário disse...

Amigo JS,
uma precisão: não se trata de acabar com o símbolo, mas saber usá-lo!
(é quase o mesmo que teres duas homilias que falam da mesma Palavra de Deus, e uma não tem sumo e outra tem... ´não se meche no conteudo, mas no modo)

e sim, a Igreja õcidental impõe-se imenso, desta e de outras formas. Conheço.

JS disse...

Não tenho a certeza se te entendi, Confessionário. "Saber usar o símbolo". Se estás a falar de, quando temos um símbolo problemático, capaz de gerar ruído na comunicação, ser melhor secundarizá-lo, deixá-lo num segundo plano, optando por dar destaque a outros símbolos, ou mesmo criando novos, concordo. Não pode é ser descartado, eliminado.

Mesmo o decidir escondê-lo vem, mais cedo ou mais tarde, a criar alguns problemas. Lembro, por exemplo, o caso do livro do Cântico dos Cânticos ou dos salmos imprecatórios, que se decidiu quase não incluir na liturgia. Quando as pessoas se confrontam depois com esses conteúdos, costuma surgir alguma incompreensão por essa decisão, vista como um desconfiar de que as pessoas não são suficientemente inteligentes para lidar com as dificuldades inerentes a tais textos. Há pessoas que se sentem menorizadas; e não ficam contentes. Às vezes, faria falta uma catequese franca e o confiar mais nas pessoas e na sua capacidade para digerir as ambivalências e as contradições sempre presentes nas narrativas e simbologia religiosas.

Quanto ao domínio da Igreja ocidental, certo. Mas também aqui as coisas não podem ser colocadas em termos demasiado simplistas. Sabemos como as coisas funcionam em termos de culturas e civilizações, mesmo quando há um real esforço por valorizar o respeito recíproco, o diálogo, os consensos, a criação de pontes e o enriquecimento mútuo. O lado da competição, da concorrência, da influência, do controlo está sempre em funcionamento, a ditar as suas leis. E claro que faz falta recordar as palavras de Jesus: "Sabeis como os poderosos exercem domínio... Não deve ser assim entre vós..." Mas sabemos que muitas vezes tem sido; se não estivéssemos hoje a culpabilizar a Igreja ocidental, provavelmente estaríamos a apontar o dedo a outra Igreja qualquer.

Outras vezes, no entanto, confunde-se autoridade e liderança com domínio; equívoco que com frequência é alimentado propositadamente como forma de subversão, e de implantação de novos domínios. Não podemos ser ingénuos neste ponto; os resultados que este tipo de ideias provoca estão à vista de todos. Os pais não podem dominar os filhos, os professores não podem dominar os alunos, os polícias não podem dominar os cidadãos, os padres não podem dominar as comunidades... Na teoria é muito lindo, mas na prática é uma desgraça. Os filhos acabam a dominar os pais, os alunos os professores, etc. As acusações de domínio à Igreja ocidental partem bastas vezes de instâncias secularizadas, laicas e maçónicas que pretendem é impôr as suas agendas e visão do mundo. Aí, a Igreja ocidental encontra-se, de facto, numa posição de resistência a esse domínio. E não podemos dizer que estejamos a ganhar as batalhas...

Confessionário disse...

JS, não eliminá-lo, mas contextualizá-lo