sábado, junho 20, 2020

A Igreja do relacional

O artigo era duro de ler. Tentei diminuir-lhe o tamanho no coração. Falava de alguns padres que, por desespero, tinham perdido a força de viver. Dava exemplos concretos, usava nomes concretos, tratava números e dados concretos. Dizia que a vida religiosa não dava superpoderes aos padres e que em muitos casos a fé não era forte o suficiente para superar momentos difíceis. Excesso de trabalho, falta de lazer, perda de motivação. O grau de exigência enorme. Espera-se que o padre seja, no mínimo, modelo de virtude e santidade. Qualquer deslize, por menor, que seja, torna-se alvo da multidão que vive para apontar dez dedos aos outros. Não interessa se estão tristes, cansados ou doentes, pelos visto, têm de estar sempre prontos e com sorrisos rasgados. 
Os padres não deviam estar sozinhos. Pelo menos não deviam fazer a vida sozinhos. O comum das pessoas tem, habitualmente, o lado da vida mais profissional e o lado mais relacional. Quando um comum cristão chega a casa do seu emprego, desliga o interruptor do emprego e liga o interruptor do relacional mais próximo. Nós, padres, chegamos a casa, e mantemos o interruptor do profissional sem relacional. Somos profissionais do sagrado sem segundos para o não ser. Falta-nos sermos ou sentirmo-nos comuns cristãos. Não me parece que baste o alimento espiritual dos padres. Na minha modesta opinião, é necessário reorganizarmo-nos como Igreja. Enquanto a vida das comunidades se centrar nos padres, eles não serão apenas mais um membro da comunidade, ainda que com grandes responsabilidades. Serão sempre o foco da comunidade. O alvo. Por isso as pessoas quando falam da comunidade falam dele, pensam nele, apontam para ele. Por isso gosto pouco desta Igreja que deposita no clero a essência do caminho da fé, mesmo que seja feito em comunidade. E sonho com uma Igreja que abraça todos em caminho. Uma verdadeira comunidade onde o relacional esteja acima do doutrinal, do funcional, e até do sacramental. 

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O padre é o 'tem de'"

6 comentários:

Ailime disse...

Boa noite Sr. Padre,
Um texto preclaro que ilustra de forma sublime o que na verdade se passa. Só não vê quem não quer.
Os senhores padres são acima de tudo seres humanos que mereciam uma atenção especial por parte de quem toma as decisões.
Mas a Igreja continua conservadora e a não querer acompanhar os novos tempos, daí cada vez menos vocações.
Bom domingo.
Ailime

Anónimo disse...

"Uma verdadeira comunidade onde o relacional esteja acima do doutrinal, do funcional, e até do sacramental."

Talvez um dia! talvez

Anónimo disse...

Por vezes olha-se o Padre como se fosse alguém muito distante, inatingível... e por isso, não se vê como alguém que deve ser tratado com humanidade. Este texto leva-nos a fazer um exame de consciência se não estamos a exigir muito e a dar muito pouco.

Anónimo disse...

nao concordo deve se contar pelos dedos das maos os que chegam ao fim do diac e nao tm comquem falar ...e nao tou a dizer por mal tem irma , empregada , governanta
e hoje a telmoveis...
a solidao e quando o coracao fala mais alto..porque sao humanos...e dai isso doi

Anónimo disse...

Verdade, último comentário 👏👏👏👏

Anónimo disse...

Um sonho que devia ser realidade...concordo plenamente.
Bj