sábado, outubro 29, 2016

Indizível amor

Deus já nos amava antes de sermos. Ele amou-nos desde o seio do seu ser sem tempo que seja antes do que quer que seja. Releio a Palavra de Deus nas Escrituras. Deixo-me encantar com este entendimento. Porém, não entra em mim tamanho amor que consegue amar para além do existir. Nós também conseguimos, de certa forma, amar aqueles que já amávamos e já partiram. Mas não amamos aquilo que não existiu primeiro. Só um amor que não vive sem ser amando consegue amar aquilo que ainda não existe. Como a mãe que ama o filho ainda sem o conceber e sem haver nascido. Isto é tão grande, meu Deus. Pode até ser contestado por quem não quer saber deste seu amor. Mas quem, algum dia, chegou a senti-lo, como não contemplar o excelso, o indizível desse amor!

quarta-feira, outubro 26, 2016

Os filhos que às vezes são esquecidos

Não quero complicar muito. A pequena Rafaela tem poucos anos, mas os suficientes para sentir o seu redor, para se sentir, para que os seus sentimentos puros e desinteressados a façam chorar. Na semana passada dedicou toda uma noite a chorar. Tem dedicado muito tempo às lágrimas. Mais à noite que durante o dia. Os pais separaram-se sem que lhe dessem a certeza que não se amavam. Sem lhe dar as certezas que ela precisava e tanto merecia para viver. Vai-se habituar a viver assim e a pensar o mundo como se descartar fosse o mais normal. Como se fazer sacrifícios não fizessem parte do viver. Como se os problemas se ultrapassassem afastando-se deles. 
Não quero complicar muito. Mas as lágrimas da Rafaela, e o seu rosto envelhecido por estas coisas, amadurecido à força por coisas que não entende, triste pelo amor que deixou de perceber, tocam-me e tornam-me a tocar fundo. 
Eu sei que a vida de muitos casais não é fácil. Mesmo para os casais cristãos que deveriam ter percebido que a cruz é um sinal mais na vida da fé. E não os julgo. Tenho ouvido alguns aos quais as razões válidas ou insuportáveis sobram. Sinto que não é por terem perdido a força e o ânimo que Deus os deixa de amar. Mas quando penso na Rafaela, também a mim me vêm umas lágrimas durante a noite.

domingo, outubro 23, 2016

Marquito, um exemplo de oração

O Marquito anda no quarto ano. É bom moço. Vive com a mãe, que tem um emprego precário. Por isso não são de muitas posses, nem podem gastar dinheiro em coisas prescindíveis. 
No outro dia o Marquito, ao passar numa loja da worten viu um tablet que estava em promoção e que lhe arregalou os olhos. Imaginem o que seria de bom poder receber uma dessas coisas que quase todos os coleguinhas da turma têm. Por isso, sabendo das dificuldades lá de casa, em vez de pedir à mãe, decidiu pedir directamente a Jesus, esse Amigo com letra grande de quem tem ouvido falar maravilhas na Catequese. E assim, contou a mãe, todos os dias à noite, antes de adormecer, dirigia um pedido a Jesus para que no dia do seu aniversário tivesse a alegria de receber um tablet daqueles que são fixes e estavam em promoção. 
A mãe não sabia que fazer, mas sabia que quase de certeza não conseguiria juntar poupanças até ao seu aniversário para esse efeito. Como de facto. E no dia em que o Marquito cumpriu mais um ano de vida, o desejado tablet não apareceu lá por casa. Por isso, à noite, antes de deitar, a mãe decidiu ter uma pequena conversa com o seu filho para lhe diminuir a tristeza. Então, meu filho, estás triste porque Jesus não te respondeu? E para espanto da mãe, o Marquito respondeu que só estava um bocadinho triste e que Jesus lhe tinha respondido. E sem que a mãe interviesse de novo, ele acrescentou. Ele respondeu, mãe. Ele disse-me que não.

quinta-feira, outubro 20, 2016

Beijo de Deus [poema 121]

Beija-me no coração
E diz-me aí teu amor
Sem nome e sem te ver
Arca do tesouro, sem dizer,
Entra, não precisas abrir,
Basta tão só teu sentir

terça-feira, outubro 18, 2016

Nós e vós

O título soa a poema ou a palavras que se fazem beleza. Contudo soa também a dois lados que se separam, que se afastam, que vivem juntos mas não se juntam. E eu não tenciono escrever palavras belas ou poemas. Tenciono deixar meu coração falar do que tenho sentido ultimamente na Igreja. Na minha Igreja que quero Corpo de Cristo. Na Igreja onde tenho sentido que coabita um nós e um vós. 
É um nós e um vós entre padres e leigos. Um nós e um vós entre leigos que participam habitual e sacramentalmente na vida da Igreja. Um nós e um vós entre aqueles que se gostam de afirmar católicos de direitos, mas diferentes dos católicos com deveres. Um nós e um vós entre aqueles que agora, porque vem uma festa ou um sacramento de festa, querem fazer parte do grupo, mas que depois falam da Igreja como se fossem os que lá vão habitualmente. E mais um nós e um vós entre aqueles que acham sempre que a Igreja é para se desconfiar, mas foram baptizados e baptizam os seus filhos. E um nós e um vós entre padres e o seu bispo. E um nós e um vós entre os próprios colegas de sacerdócio. Creio que chega a haver um nós e um vós entre nós e Cristo.
Há tantos nós e vós, que às vezes já não sabemos se somos parte ou somos o todo.

sábado, outubro 15, 2016

Quase a findar o ano santo da Misericórdia, és de opinião que ele foi...

Já passaram mais de dois meses da última sondagem postada, que perguntava sobre os atentados terroristas e sobre o modo como deveríamos reagir. Em baixo ficam os resultados dessa sondagem, que podem ainda ser comentados.


Hoje surge nova sondagem a propósito do ano santo da Misericórdia, esse ano jubilar que o papa Francisco propôs à Igreja e que está a findar. O objectivo é levar-nos a pensar, a meditar, a reflectir sobre os frutos, as vantagens, as mais valias, as acções que foram concretizadas, a forma como a generalidade das pessoas lidou com esta ano. Fazêmo-lo em forma de perguntas com respostas simples e abrangentes que, depois, esperamos sejam comentadas e justificadas.

Quase a findar o ano santo da Misericórdia, és de opinião que ele foi...

quinta-feira, outubro 13, 2016

As picadas estranhas

Não a conhecia e quase de certeza que não a voltarei a ver. Disse-me que estava fora. Percebi que era emigrante. Não pretendia confessar-se. Trazia consigo apenas um pedido. E nem deixou que lhe perguntasse qual era. Dizia que tudo se iniciara há três anos, desde a morte de uma pessoa que agora frequente ou diariamente lhe aparecia e a picava. Mostrou-me os dedos deformados pela idade para me indicar onde a picava. Também a picava na cabeça e não sei mais onde. Nem ela me soube dizer. Disse que não a deixava dormir. Dizia que já tentara tudo. Mesmo tudo. E como lhe perguntei se tomava medicação, contou-me que os médicos e os remédios não faziam nada. Mais me contou que as rezas de um outro padre também não tinham feito nada. Não tinham dado resultado. Talvez o padre não fosse em condições. Por assim dizer que eu poderia ser em condições. Estava disposta a pagar o que fosse necessário. Falámos inclusive de exorcismos, mas essas coisas exigem processos complicados e morosos que os bispos devem presidir. Ela não sabia o que era isso dos exorcismos, mas estava disposta a tudo. Até a ir falar com o bispo. Estava perdida, desesperada, disposta a tudo em troca de uma paz que ela esperava que alguém lha desse. Também eu fiquei meio perdido sem saber que lhe dizer, pois penso que a percebia para além das picadas e das medicações. Mas não queria deixar de a acolher com amor. E acabámos a conversa com a única coisa que penso poder fazer por ela. Rezarei por si, disse. E já o fiz.

terça-feira, outubro 11, 2016

deixar-se [poema 120]

Vai-se a força, vai-se a vontade
Vai-se a vida, vai-se o viver
Vai-se o tempo, vai-se o fingir
Vai-se tudo sem se querer

Vai-se
e só volta o não querer
Vai-se sem me dizer

segunda-feira, outubro 10, 2016

reú que não és [poema 119]

Como o mundo assim é
E voltado está sobre si

Como abespinhado estou
E voltado sobre o mundo

Vou entregar-me ao castigo
sem que a culpa seja minha

Vou sentar-me no banco dos réus
Por que sou!

sábado, outubro 08, 2016

Leitura [poema 118]

Costumo ler-te por dentro
Como livro sagrado e antigo
Leio-te com pó envelhecido
Na teia trabalhada a ouro
Pela aranha de mil pés
Tudo cheira a bafio e distante
Mesmo que por dentro eu leia
E passeie as folhas com desvelo

Deixarei de ler-te dentro de mim
E passarei a ler-te por ti adentro

sexta-feira, outubro 07, 2016

7 de Outubro [poema 117]

Hoje

É dia do silêncio por fora das palavras ditas
É dia de gritar para dentro até o sono regressar
É dia trazido pela noite na quietude das cores
É dia do fado que a guitarra tange lá tão longe  
É dia para ser dito que a morte não nos separa
É dia que a vida diz para não se dizer a si 

Hoje é um dia que é só teu e meu
No mais escondido de mim Hoje

domingo, outubro 02, 2016

Praia e Deus

Na praia passa-se muito tempo deitado, de barriga para cima ou para baixo. Numa toalha quase sempre descolorida ou desbotada pelo sal, pela areia e pelo sol. De olhos fechados, e com a mente vazia. Vazia de preocupações. A mim ocorre-me assim e deixo-me levar pelo sol. O sol é coisa que se nota, que não se disfarça, que às vezes se afasta, mas que se deseja. É assim comigo. E deixo a sugestão de que sintam como eu sinto. 
Experimentem então, numa dessas ocasiões, de preferência com a barriga para o ar, deixar os olhos fechados e abrir os restantes sentidos ao que está ao nosso redor. O som das ondas que vão e que vêm, que batem, que inspiram. O mar como se fosse um comboio a correr para algum lado. O sol a preencher-nos a pele, e a entrar para dentro de nós. O ruído das conversas que não se percebem mas que estão lá. A algazarra das crianças que se divertem com as areias. O vento a bater no guarda-sol com a força necessária para não o derrubar. Passados uns minutos que não se conseguem contabilizar, talvez consigam dizer, como eu disse ainda no outro dia. Isto é uma autêntica experiência de Deus. Tão simples, mas tão de Deus.