sábado, junho 28, 2014

a solidariedade não se faz de cima para baixo

O Carlos que é meu sacristão, vive no limiar da sociedade que quase não tem dinheiro para viver. Faz parte daquele grupo que precisa de quem lhe estenda a mão. Não tem rendimentos nem segurança social. Tem o que a paróquia e os biscates no campo lhe dão. Por isso, sempre que posso ou sempre que o meu coração pede, abro mão dos dinheiros que trago no bolso, entre outras partilhas maiores ou menores. Preocupo-me com ele, como muitos na paróquia se preocupam com ele, e ele sabe. Preocupo-me que não lhe falte nada, até porque lhe tenho uma admiração de santidade. Ninguém precisa saber destes gestos, mas ele sabe.
Há dias fui convidado a almoçar na casa de uns paroquianos que fizeram questão de acrescentar Traga o seu sacristão. Fiquei imensamente feliz por levá-lo comigo. No final da refeição, já não sei a que propósito, o Carlos manifestou o bem que eu lhe fazia. Ouvi e emendei, na frente de quem ouviu. Carlos, por mais que eu lhe faça bem, isso nunca será tanto como aquilo que me tem feito de bem. O que lhe tenho dado é muito pouco comparado com o que ele me tem dado. Ele calou, mas eu aproveitei para pensar. E pensei que a solidariedade não pode ser olhar o outro com pena, como um coitadinho que eu ajudo. Não. Não é ver o outro como um coitadinho. Não é vê-lo de cima. Mas vê-lo de lado, ou melhor, de frente. Com o Carlos isto é até mais fácil do que com os outros pela admiração de fé que lhe tenho. Mas a solidariedade para ser autêntica não pode ser feita de cima para baixo, mas de frente.

terça-feira, junho 24, 2014

a fé das lamparinas

Ainda no mês de Maio, numa das minhas muitas comunidades, ao entrar na Igreja deparei-me com a imagem de Nossa senhora de Fátima num trono bonito rodeado por aquelas lamparinas vermelhas que piscam e piscam até se gastar a pilha. Aquelas lamparinas que costumamos ver nos cemitérios, e que quando as vemos fora deles, não conseguimos afastar a imagem dos cemitérios. Embora as velas de chama e fumo sejam perigosas fora dos horários em que alguém está dentro da igreja e deixem marcas sobretudo nas imagens, a verdade é que não fazem tanto lembrar os mortos. Assim sendo, no final da missa perguntei-lhes o que, porventura lhes faziam lembrar aquelas lamparinas, e foram unânimes em responder que lembravam os cemitérios. Eu concordei e acrescentei que se calhar o melhor era retirá-las de ao pé do trono de Nossa Senhora. Reforço a ideia de que nem sequer usei da força, da persuasão ou dos galões para que retirassem de lá as senhoras lamparinas. Achei que daria melhor a volta à questão fazendo com que fossem eles a retirar as ilações necessárias.
Contaram-me mais tarde que duas senhoras não ficaram nada contentes. Uma delas que costumava ir todos os dias ao terço e à missa quando lá a havia, dissera zangadíssima que os padres só sabiam tirar a fé e que nunca mais tornava ao terço ou à missa. Dito e feito. Não tem aparecido. Eu chamaria a isto a fé das lamparinas ou das velinhas acesas. Mas acho que se calhar devo estar errado. Vale mais termos a nossa fé concentrada numa vela ou numa lamparina, mesmo que lembre os mortos, do que não a ter em lado algum.

sábado, junho 21, 2014

Eu desejava que os padres fossem cada vez mais... [2]

Na continuidade da última sondagem, temos agora mais seis opções possíveis para escolhermos as carecterísticas que gostaríamos de rever ainda mais nos sacerdotes.
Recordo que este tipo de sondagens que vão aparecer aos poucos neste espaço não têm como objectivo julgar ninguém. Muito pelo contrário, tem como objectivo deixar algumas ideias aos sacerdotes, a começar por mim, sobre as virtudes, capacidades ou características que devemos desenvolver na nossa vida e missão. Por estes motivos se agradece, desde já.
Deixamos os resultados da última sondagem e colocamos online a nova.
 

scolhe a opção que mais preferes
Parte 2: Eu desejava que os padres fossem cada vez mais...

domingo, junho 15, 2014

Deus faz tudo perfeito

Um senhor, daqueles senhores carecas e castiços que gostam de dar um ar de graça, querendo meter-se com o senhor padre, contou-me uma pequena história sobre um bispo que fora fazer a visita pastoral a uma determinada paróquia e no meio do sermão repetira umas dez vezes que Deus fazia tudo perfeito. Ora um senhor corcunda que se encontrava no meio da assembleia, no final da missa resolveu ir dar um dedinho de conversa com o tal do senhor bispo que dizia umas coisas que na cabeça dele não faziam lá grande sentido. Era corcunda, mas não era parvo. Era corcunda, mas também era destemido. Por isso, chegado ao pé do tal senhor bispo, resolveu abordá-lo de chofre. O senhor disse umas quantas vezes que Deus fazia tudo perfeito. Interrompeu as palavras com o dedo na direcção da corcunda, e acrescentou. Acha que isto é perfeito? O senhor bispo, sem meias medidas, respondeu prontamente. Olhe que dos corcundas que eu já vi, o senhor é o mais perfeito.
O senhor careca e castiço metera-se comigo. Mas não soube que se metera também com os meus pensamentos. De facto não será uma corcunda que dita a nossa perfeição ou imperfeição. Como a perfeição é algo bastante relativo. A perfeição para a qual Deus nos cria foge muitas vezes ao homem ou ao seu conceito de perfeição. Além de que se nos permite ter algo que identifiquemos como uma deficiência, nos costuma conceder a força ou a capacidade de vivermos com ela ou de vivermos usando-a para alcançarmos a perfeição. Mais ainda, muitas das nossas chamadas imperfeições não são senão fruto das nossas opções em liberdade, a mesma liberdade que nos foi concedida por Deus. Mais ainda, aquilo que a nós nos parece imperfeição, a outro pode parecer uma forma de perfeição ou uma imperfeição que não chega aos calcanhares da sua. Mais ainda, aquilo que para muitos é um mundo imperfeito, para outros não é mais que o mundo perfeito, que foi assim feito com imperfeições para ser perfeito.
Gosto muito de pensar, e por isso o repito, que a perfeição com que Deus cria tudo vai muito para além do conceito de perfeição para o homem. Por isso é que nos faz olhar para além das nossas fragilidades. Por isso é que as Suas grandes obras foram e têm sido feitas no meio de tantas fragilidades.
Feitas as contas, o tal do senhor bispo tinha toda a razão quando disse que Deus faz tudo perfeito.

quinta-feira, junho 12, 2014

não precisa título [poema 15]

Um dia vi-te por entre a folhagem das folhas, despida,
Como a noite regelada, com uma nesga de calor que era luz,
Uma tabuleta a dizer É por aqui a estrada gasta da vida,
O rumo que outrora os santos mártires levaram por ti.
Lá estavas tu, senhora dona Esperança, a falar escondida:

A vida eterna reluz
Logo a seguir à cruz

sexta-feira, junho 06, 2014

Eu desejava que os padres fossem cada vez mais... [1]

A ultima sondagem proposta surgiu na sequência do acontecimento pascal com o objectivo de pensarmos a nossa morte e a forma como lidamos ou pensamos nela. Os resultados foram muito interessantes, e não farei considerações deles. Farei antes o desejo de que aos poucos cada um de nós vá procurando lidar com este assunto com a naturalidade, a tranquilidade e a esperança necessárias. Pelo menos isso!
 
Hoje surge nova sondagem, ou melhor, uma sequência de sondagens (daí a classificação "parte 1") para apurarmos um pouco que tipo de padres desejávamos ter nas nossas vidas e nas nossas caminhadas de fé. Não. Não é uma obcessão com o assunto. É apenas mais uma vontade de descobrir e abrir caminhos. A questão é colocada da seguinte forma:
Escolhe a opção que mais preferes
Parte 1: Eu desejava que os padres fossem cada vez mais...

terça-feira, junho 03, 2014

Fuga de Deus [poema 14]

Apetece-me fugir de Ti
Mas estás em todo o lado

Apetece-me fechar os olhos para Te não ver
Mas estás para além do olhar

Apetece-me dizer que não existes
Mas sem Ti decerto não existiria eu
Nem os meus apetites