sábado, agosto 14, 2010

Que dizer quando apetece berrar ou calar?

Caminho a passos largos, desconcertados e rápidos. Vou ao confessionário falar com o padre. Entro e bato a porta. Não é com força, mas ouve-se bem a inquietação. Estou dum lado para falar. Estou do outro para ouvir. Dirijo-me a mim próprio e digo como é isso? Que dizer daqueles que vão acompanhar o falecido no funeral, mas que ficam do lado de fora da Igreja, acompanham o caminho até ao cemitério em amenas cavaqueiras com os parceiros que se colocarem ao lado e que precisam por as conversas em dia. Ou as mexeriquices. Chegam ao cemitério. Encostam às boxes. Do lado de fora do muro. Continuam a cavaqueira. Acabam as exéquias e regressam com a consciência tranquila para casa. Que dizer?! Que dizer daqueles que enchem as igrejas na bênção dos ramos, mas são capazes de sair após a bênção. Ou vão naquele dia e não aparecem em outro. Que dizer daqueles que querem e exigem baptizar os seus filhinhos queridos, de preferência quantos antes. O antes que aconteça algo. E não colocam sequer a hipótese de casar com a bênção matrimonial de Deus. Que dizer daqueles que enchem a praça para ver a procissão passar, porque tem de passar, e eu tenho de estar para ela passar. Tão só isto, que eu não preciso caminhar na procissão e muito menos ir à missa. Gosto mais dos santinhos a passear do que Deus lá na missa. Que dizer daqueles que batem no peito porque têm um peito do tamanho da religião, mas depois vivem apontando os dedos, atirando nos outros com os seus murmúrios e comentários?
Como é isso?! E como é aquilo?! E aqueloutro ou aqueloutra coisa?! Que cristãos são?! Que amigos são?! Que gente é?! Que respeito possuem?! Que rituais cumprem?! Que orações cumprem?! Que enganos professam? Que vida vivem?! Que fé é essa?!
Acho que a palavra Fé soou mais alto porque do lado de dentro dei um salto na cadeira. E, do lado de fora, esperei pela minha resposta. O que obtive? Um longo silêncio.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Estou a ficar velho

Olho para o meu pai e penso. Estou a ficar velho. E depois penso na vida que não tem tempo. Ou tem um tempo que se vive, mas que não é a vida. Engraçado que fazemos tudo para medi-lo como se fosse a vida. Medimo-lo com segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, mas ele é sempre um algo que está a passar. Ainda agora era e já não é. Por isso apenas dou conta que deve existir um tempo, mas que a vida não anda com ele. A vida é mais do que o tempo. Está para além do tempo. Depende mais de nós do que do tempo. Depende mais de Deus do que do tempo. Depende mais da intensidade que da longevidade.
Estou a ficar velho. Aliás, estamos sempre a ficar velhos. E ponto final. Mas até aqui não pensava nisso e agora penso. Essa é que a é a diferença. Aqui há uns anos atrás, sentia que ainda tinha muito para viver e não pensava senão em viver. Ou melhor, nem pensava que tinha muito para viver. Simplesmente vivia. Agora começo a pensar que rapidamente a vida corre e nós somos apenas quem a vive neste tempo que, constantemente, ainda agora era e já não é.
Não tenho medo de morrer. Já há muito que tenho a certeza de que esse momento é a plenitude da vida e do amor. A plenitude do encontro com Deus. Mas existe algum temor dentro de mim perante aquilo que posso perder entretanto. As forças, as capacidades, as energias, a memória, a elegância, a sensatez. Resta-me a certeza de que as virtudes não se perdem. Porém, quando estiver reduzido às virtudes e àquilo que os outros podem fazer por mim, que será desta missão que Deus me entregou? Que será da minha vida? Como me poderei ainda gastar nela? Que me pedirá Ele que eu faça ou seja nessa ocasião? Que tempo será o meu?
Olho para mim e penso. Estou a ficar velho.