domingo, dezembro 31, 2006

Devo o meu filho à minha mãe

A discussão foi acesa. Não nos zangámos. Mas fiquei triste. Sobretudo porque no meio das palavras amigas e sinceras de parte a parte denotei pouca informação e apenas a informação da televisão, aquela que há mais de dois anos tem aparecido numa campanha desenfreada pela liberalização do aborto. Não quero falar do meu respeito ou compreensão pelas opiniões diferentes da minha nem pelas mães que optam por uma atitude destas. No entanto o meu rosto enrugado provocou nos amigos, sobretudo num deles, algum desconforto. Digo-o pela mensagem que me enviou no dia seguinte. Mas a história, se quisermos dar-lhe esse atributo, veio depois da discussão e da mensagem. O amigo porventura dialogou com a mãe sobre o meu rosto. E a mãe ligou-me depois. Padre, hoje contei ao meu filho o que ainda não achara oportuno ele saber. Se hoje tenho um filho lindo e perfeito devo-o à minha mãe, que, na sua gravidez do meu ser, estivera prestes a abortar. Sabia que eu não tinha as condições melhores para a minha existência. Não as explicou e eu entrevi pelo que conheço dela. Pareceu-me que as palavras estavam molhadas, mas não vi porque o telefone não mostra. A sua mãe não se arrependera de lutar, e quase todos os dias ela dá graças a Deus e à mãe pela sua opção. Por isso, dizia-me, o meu filho é resultado do meu não aborto.
A mim calou-me. A ele não sei.

terça-feira, dezembro 26, 2006

Um ano depois e um Obrigado

O “Confessionário dum padre” nasceu num entusiasmo de alguém que gostava e gosta de escrever. Nasceu em 2004, apenas como espaço onde deixar os meus sentimentos e pensamentos. Nasceu para ser a expressão escrita daquela parte de mim que se entrevia pelas minhas atitudes e pela minha forma de viver, como pessoa e sobretudo como pessoa que é padre. Na altura, havia poucos espaços de cariz religioso, e este nem pretendia propriamente sê-lo. Queria apenas ser o “meu espaço”. Com o tempo, o espaço deixou de ser o “meu espaço” para ser o espaço de muitos outros. E como “onde estiverem dois ou três aí estarei Eu no meio deles”, tornou-se um dos “Seus espaços”. Em 2005 o “Confessionário” perdeu a vida que tinha por causa de alguns desaires e dificuldades, coisas que acontecem com facilidade na virtualidade da blogosfera. Os outros, os amigos e penitentes, insistiram para que nascesse de novo. E no dia 25 de Dezembro de 2005 - fez ontem um ano - juntamente com o Menino Deus, o “Confessionário dum padre” renasceu. Olho para trás. E por um lado, quantificando 75 posts e mais de 50.000 visitas (dei conta há pouco!), e por outro, qualificando novos amigos, e muita, mas muita reflexão, meditação e oração que surgiram dos comentários e das chamadas de atenção, sinto-me obrigado a agradecer a todos os que têm visitado este espaço, e sobretudo a Deus… pela oportunidade, pelo dom, pelas graças recebidas, pela força e pela vida que me tem concedido. Vale a pena ser padre assim. Obrigado.

domingo, dezembro 24, 2006

A Bola do Menino

A Malu, da Capela, lançou no ar esta bolinha azul,a bolinha do Natal, uma bola especial.
Será a do menino Deus?!
A Xana, do Portinho de Abrigo,
continuou e passou para o Joaquim,
e este passou-a ao Pensar Cristo
que pensou e a passou à Gota de Chuva
que numa grande jogada a enviou à Joana
Esta à Maria João
Esta à Sandra Dantas
E esta à Elsa, do Eu Estou Aki
Veio depois o mensageiro Ângelo
E o Pe Tó Carlos que enviou antes o Menino
ao S.P e este à Sonhadora.
Esta malandra, por vingança, entregou-ma
como amigo de Verdade. Valeu pelas palavras.Chegou então a minha vez...
É o meu presente com o presente que embrulho com todos estes amigos.
Aproveito para desejar a todos um NATAL VERDADEIRO.

Que linda bolinha
Tenho no meu regaço
Será tua, será minha?
Ou do nosso abraço?

Disseram que trazia
Atrás de si o Natal
Mas não veio vazia
Trouxe algo afinal.

Trouxe um presente
Ui, tão pequenino.
Mas parece gente!
Um lindo menino.

Bato: truz, truz, truz
Abre-se a bolinha
E ouve-se Jesus.
Que diz? Adivinha

Ele precisa de nós
Da minha, da tua
Da nossa voz


Refrão:Este blog tem uma bolinha azul,ó tem, tem, tem......

Por isso Migalhas, grande amigo, aqui vai a bolinha azul,a bolinha do Natal, o Menino Jesus,que quer a tua voz.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Hoje sinto uma vontade enorme de amar

Reconheço que a educação que tive no Seminário era um tanto ou quanto redutora no que se refere ao amor. Mesmo que os meus superiores não o exprimissem de uma forma clara, demonstravam-no. Aproveitavam-se encontros, reuniões abertas, conversas de café, aulas, para falar no assunto. Nós, padres, temos de amar a todos. É esta a nossa forma de amar. A que Deus quer. Tratava-se, numa linguagem teológica, de um amor divergente. Parte de um ponto, nós, e alarga-se para os outros, todos os que nos forem confiados.
Sempre desconfiei desta teoria. E com alguma irreverência ia expondo a minha. Que também não é nova. Não é original. Mas é minha. Foi sempre minha desde o momento em que a pensei, e achei que era minha. Nós temos de amar de uma forma directa. Numa linguagem teológica, de uma forma convergente. Parte-se de um ponto, nós, e converge-se para outro ponto, o outro. Aliás, penso que esta é a única forma possível de amar. Ama-se em concreto e não no abstracto, Eu amo-te. A ti. E a ti. E a ti também. E não eu amo-vos. O “eu amo-vos” torna tudo pouco explícito, pouco claro. Eu diria mais. Um pouco hipócrita.
Sinto que nós, padres, devemos amar cada pessoa. Muitas. Mas cada uma. Só assim experimentaremos o que é amar. O resto – aquilo do divergente – é apenas dar-se. O que também é bom. Mas não chega.
Eu tento amar assim. Amo a Maria, o Manuel, o Tó, a Ana, o Zé e outros mais complicados, como a Di, a Gui, o Mi, o Pi, a Jacinta, a Marilim, o Tonito, o Tozito, a Aniki, a… São tantos, mas também são cada um. Se não fosse assim, acho que não conseguia continuar fiel ao meu sacerdócio.
É a minha teoria. É o meu dogma.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

sondagem_ " Destas questões ético-morais, quais as que te preocupam mais?”

Passados que vão mais de 40 dias da última sondagem e 665 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado direito, no sidebar. A questão era:

Destas questões ético-morais, quais as que te preocupam mais?

E os resultados são:
1.
Eutanásia _23%
2. Aborto _17%
3. Droga _17%
4. Terrorismo _13%
5. Tortura e escravidão _10%
6. Clonagem _7%
7. Pena de Morte _6%
8. Contrabando de órgãos _3%
9. Suicídio _3%
10. nenhuma _1%
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algumas considerações:
1. Já não me foi fácil lançar esta sondagem. Porém, agora é-me muito mais difícil comentá-la. Estou como aqueles que disseram que todas estas questões ético-morais os preocupam e é difícil perceber qual a que os preocupa em especial. De facto a cultura de morte que existe já em muitos países e que começa a existir em Portugal preocupa-me imenso. Qualquer dia vai tornar-se normal apontar uma arma a alguém com o qual não se concordo e, só por este motivo, apertar o gatilho. Aliás, os noticiários já nos dão conta de casos assim.
2. Parece-me interessante a análise da Maria que, relativamente às nove questões ético-morais enumeradas, afirmava que “cinco conduzem directa e objectivamente à morte (aborto, eutanásia, pena de morte, suicídio, terrorismo) e que estas seriam a mesma coisa com nomes diferentes”. É interessante, mas discordo em parte. A mim parece-me que o fim é o mesmo e que os valores ou ideologias por detrás destas opções serão as mesmas, mas que têm implicações ou circunstâncias diferentes. Por exemplo, e vejamos em crescendo: no aborto, a pessoa a “aniquilar” não tem hipótese de se defender; na Eutanásia, a pessoa a “aniquilar” está fragilizada e pode até optar; no suicídio, a opção é claramente do próprio “aniquilado”, embora motivada a maior parte das vezes por condições adversas. Eu penso que se chega à pena de morte depois de ter como natural estas anteriores, como resultado da forma de entender a vida e o mundo, quem é que está a mais ou a menos. O terrorismo é uma forma dissimulada de Pena de Morte. Mata-se o outro porque se decide em favor de “bens” maiores.
3. Relativamente às restantes quatro opções (droga, tortura e escravidão, clonagem, contrabando de órgãos), a Maria afirmou que “conduzem a uma morte espiritual, moral, cultural”. Gostei desta definição e aproprio-me dela. No entanto, não posso deixar de recordar que, para se contrabandear órgãos, uma pessoa deixa de os ter ou de ser. Em qualquer dos quatro casos, as pessoas deixam de ter ou de ser. E isto também é objectivo.
4. A opção vencedora nesta sondagem (que nenhuma delas é vencedora!) foi a EUTANÁSIA. Há dias li no “Ver para Crer” que um enfermeiro numa clínica injectou letalmente 28 pacientes com uma mistura de valium e anestésicos para "os aliviar" do sofrimento, alegando que tinha compaixão deles. Para este homem tornou-se normal tirar o sofrimento com tirar a vida. È o resultado desta cultura de morte e desta forma de viver sem sacrifícios. Não será necessário recordar aos mais atentos aquilo que valeu o sofrimento da minha mãe nos últimos dias: o sofrimento pode valer muito! Só não entendi o porquê desta opção ser a vencedora. Alguém me explicará? Porventura os que votaram nela, podem explicar?!
5. A segunda opção, o ABORTO, desculpem a sinceridade, é a que mais me preocupa porque se trata de um ser que, de forma alguma, poderá manifestar o seu parecer. Eu votei nela. O assunto especula-se muito hoje por causa do referendo do dia 11 de Fevereiro. Por isso não vou ser extenso. Eu também não quero que as mães sofram! Apenas pergunto: porquê? A próxima sondagem vai nessa pergunta.
6. Também não entendi como a DROGA aparece em 3º lugar. Talvez por ser um flagelo diário e ao nosso lado, visível e que mata aos poucos. Será?!
7. Para mim todo o TERRORISMO é apenas um questão de poder. Suponho que esta opção aparece em 4º lugar porque os americanos ainda ocupam grande espaço das nossas televisões e das nossas referências. Será?! Lembrem o dia 11 de Setembro de há 5 anos. Ou teremos nós, aqui em Portugal, tanto medo de atentados bombistas? Ou, ao escolherem esta opção, estavam a pensar em terrorismo dissimulado nos nossos trabalhos, entre as nossas amizades, nos nossos políticos, no nosso futebol?!...
8. Não sei ao certo quais são as ESCRAVATURAS e as TORTURAS dos nossos tempos! As que me lembram primeiro são as relacionadas com o sexo. As jovens ou crianças comercializadas. Ou então as que em cima conotei como terrorismo dissimulado. Não sei não. Help.
9. Relativamente à CLONAGEM, repito a afirmação de Gaia: “porque o ser humano deve nascer e morrer (independentemente do tempo e da forma) e não deve ser repetido... tira-lhe a essência.” Além disso, o objectivo de ajudar a ciência e a medicina, argumento mais utilizado, não me convence totalmente. Quer-me parecer que atrás desta evolução hão-de vir novas “doenças”. Não acham? Mas bem que dava jeito um clone ou dois para eu poder descansar umas temporadas. Hehe…
10. Ainda não entendi muito bem nem a PENA DE MORTE, nem o TERRORISMO. Parecem-me apenas uma questão de poder. Será?! Por pior que uma pessoa seja, não me parece que se justifique julgá-la, comos se mandássemos na Vida Humana. Como se nos coubesse a nós decidir o que fazer com a vida de uma pessoa. O princípio é sempre o mesmo. Decidir o que fazer com a vida de outro é não saber de facto o que significa a Vida. Nem sei como lida a consciência de uma pessoa com essa forma de lidar com a vida! Como será a mente de um terrorista ou de alguém que executa uma pena de morte?!
11. Continuo a achar que todas estas questões ético-morais têm subjacentes interesses, sobretudo económicos. Para servir interesses de alguém, e sobretudo dos mais poderosos. O CONTRABANDO DE ÓRGÃOS, por exemplo, é limitar um ser frágil e saudável para contribuir com a saúde de um ser rico.
12. O nosso mundo parece caminhar para o SUICÍDIO. O que irá acontecer? Onde acabaremos? Onde iremos parar? Será possível ainda recuperar a confiança nos outros e em nós próprios? Eu por mim, prefiro confiar em Deus.
13. Uma boa conclusão chega no final. Ao menos as pessoas que me visitam preocupam-se com a Vida. Apenas 1% não se preocupa com nenhuma destas questões. Valha-me ao menos isso.

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Hoje surge nova sondagem. Porque continuo preocupado com a Cultura de Morte, porque me preocupa o início desta cultura em Portugal, porque me preocupa não saber quais os valores que regem as decisões das pessoas, esta sondagem pretende fazer reflectir sobre o valor da vida humana que tem início na fecundação. A pergunta é:

Para ti quais os principais e reais motivos que levam uma mulher a desejar um aborto?

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Uma história dos fundos

Adoro ver as criancinhas como acólitos. Adoro ser rodeado por elas. Mesmo no meio de algumas confusões, no meio da eucaristia, em que tenho de repetir como se faz. Não que não estejam organizados. Não que não tenham alguma formação. Mas há paróquias em que o dito fica por dizer ou ensinar, por mais que seja dito ou ensinado. Mesmo assim, gosto de os ter à volta do altar.
Estava eu há dias no meio de uma eucaristia quando fugi, inconscientemente, para este pensamento. Como era bom ser rodeado por estes meus acólitos! Aturo-os, apesar das tropelias e tropeços. Faz-se por amor. De repente, sem ruído, do fundo, e no meio da consagração, o cheiro chegou-me, e cresceu de forma progressiva. Tentei não respirar e pensar que a suposta criança, que nem consegui adivinhar qual delas seria, estava precisada. Mas a situação era constrangedora. Consagrar sem respirar é difícil, descobri. Sorrir era delatar o infractor. Que fazer, então, com acólitos assim?! Ó Cristo, é que nem tu me ajudaste nesta!

sábado, dezembro 09, 2006

É que me lembrei da esperança

Há muito que não vejo a senhora dos cães. Mais de trinta em sua casa. Sempre perfumada. Arranjada. Pintada. Apesar de tudo, queria parecer uma senhora. Todos os dias frequentava o chá do café com amigas mais ou menos influentes. O marido era professor. Estivera na guerra das antigas colónias portuguesas. Contavam que uma bala o atingira em zona que agora o deixava desprotegido em questões fisiológicas, as mais simples, como reter águas. Nem devia contar estas coisas. Diziam que os alunos se afastavam dele, a não ser quando pretendiam nota mais alta. A vida sorrira muitos anos antes para esta gente. A casa herdada era enorme. Contavam que havia muito dinheiro, ou não fosse o tratamento veterinário no Porto para todos os cães que pernoitavam em casa. Ou para os alimentar.
E hoje, ao rezar este advento, lembrei-me deste casal, e da casa que lhes ardeu, com os animais, com as mobílias, com a mãe da senhora. Foi o caos por lá. Por cá. Não se falou noutra coisa durante tempos. A minha oração partiu deles. É que me lembrei da esperança, e da forma como esta mulher a perdeu. O marido nem sei. Contaram que moravam longe. As amigas tinham-na abandonado. Os amigos influentes, os colegas, a casa, os bens, o dinheiro. Tudo ficara para trás nas suas vidas. Não sei deles. A última notícia que tive não dizia mais do que: andavam meios perdidos. A minha oração de hoje pergunta onde habitualmente depositamos a nossa esperança? No dinheiro, nos nossos bens, nas nossas capacidades, nos nossos amigos, mais ou menos influentes. Tudo coisas que podem deixar de ser. Efémeras. Finitas. Por isso o nosso mundo perdeu a esperança, escondida por detrás de nuvens que criamos e que escondem o sol. Porquê?! Porque não havemos de descobrir a esperança no presépio, com a Vida Daquele que mudou a vida e a morte, Aquele que faz sentir que a vida tem sentido, mesmo quando tudo parece perdido, porque o que nunca perdemos é o Seu Amor e a certeza de quem um dia, quando tudo acabar, começará de novo?

quarta-feira, dezembro 06, 2006

O padre é o “tem de”

Vem um e tem de fazer o baptizado neste dia. Outro, tem de aceitar o meu filho para o crisma. E tem de perdoar as faltas à catequese. E tem de fazer igual ao seu colega. Vem um emigrante e tem de fazer nesta data. Não importa se quer ir para férias. E tem de passar ali com a procissão. E tem de aceitar este padrinho. Tem de ser compreensivo para a noiva se esta chegar atrasada. Tem de fazer um casamento à maneira.
Tem de passar pelo lar. Tem de marcar confissões assim, porque esqueço-me de vir antes da missa. Tem de estar atento aos jovens. Eles estão a afastar-se. Tem de ir buscar o morto a casa. E tem de estar a pé às 8.00 porque tem de estar disponível para um que se lembrou de tratar um assunto a essa hora. Ou então tem de estar sempre em casa para o caso de alguém se lembrar de lá ir. Tem de ter cuidado com quem anda. Tem de ter cuidado com as mulheres. Tem de ouvir os desaforos de quem não gostou de alguma coisa. Tem de ser agradável a celebrar a eucaristia. Não interessa se está cansado ou doente ou triste. Tem de ser simpático. Tem de ser aberto, acolhedor. Tem de estar sempre bem-disposto. Tem de preparar a homilia. E tem de reflectir mais. Havia de ler mais. Tem de organizar o programa da paróquia. Se não tiver uma gata, tem de viver sozinho. Tem de viver com o que lhe dão. E tem de declarar o IRS para ser igual aos outros. Tem de tratar dos bens da paróquia. Já estarão registados? Tem de ir às finanças. Tem de entregar a acta de casamento. E tem de enviar os extractos e informar o pároco do baptismo. Tem de registar o óbito. E o baptismo. Tem de nomear novo Conselho Económico. Tem de encontrar as pessoas ideais. Tem de fazer esta e aquela reunião. Tem de estar sempre solícito na reunião. Não pode irritar-se. Tem de ir às compras lá para casa. Tem de tratar do carro. Pneus novos de tanto andar.
Vem um amigo e tens de estar mais connosco. Vem um pretenso amigo e diz que tens de ser compreensivo. Vem um que diz o que quer e tens de ouvir e calar. Tens de aceitar. Tens de compreender tudo. Vem um que diz mentiras a teu respeito e tens de continuar a sorrir. Vem o meu pai e diz que tens de rezar mais. Vem a minha família e diz que tenho de os visitar. Vem o bispo e diz que tens de aceitar mais esta paróquia. E tens de compreender e fazer compreender os teus paroquianos. Não pode haver missas em todas. E tens de estar uma tarde com eles. E tens de levar gente ao simpósio. E tens de convencer os ministros-extraordinários. Tens de apostar na formação. Tens de arranjar mais catequistas. Tens de conversar com uma por causa de uma mãe. E conversar com uma mãe por causa de um catequista. Tens de ir mais vezes ao café para estar com as pessoas. Tens de ir ao retiro do clero. Há uns cursitos a propósito em Madrid. Tinhas de ir! E tens de fazer isto e aquilo. E ainda tens uma tese para fazer.
Tanto “tem de” que vem de fora, do exterior. Do que os outros querem. Exigem. Se ao menos ainda viessem do interior. Daquilo que eu quero. Daquilo que eu me exijo.
Vem ainda Deus e diz: tens de ser bom e tens de amar.
E eu só já tenho palavras para dizer Tenho de descansar para ser bom e amar!

quinta-feira, novembro 30, 2006

Se não fosse pecado, deixava-o

Esta história dos pecados deixa qualquer um congelado, mesmo que se pense numa fogueira eterna. Não é com medo, mas estático, sem saber que dizer para ser conforme aos pensamentos de Deus. Fantasiamos um final do mundo todo calamitoso. Deus com uma vara de muitos quilómetros a apontar destinos, a vergastar os mais distraídos. Não me parece.
Assim ela veio ter comigo com o rosto macerado. Repito macerado, porque as marcas não eram visíveis, mas perceptíveis nos olhares, no seu fechar constante e tremeliquente, nos gestos, nos tiques, na forma de abrir a boca, como se esta não se pudesse abrir muito porque podia sofrer as consequências. Perguntei da sua aflição. Ela falou que já não era aflição. Era a sua vida. Vivia com isso desde pouco tempo depois de casar. Tivera filhos. Adorava-os, mas preferia que tivesse sido com outro. Intriguei-me. Continuou. Padre, ele não sabe dar amor. Todos os dias deixa de ser ele próprio para ser o álcool. Até tenho medo de sair, de ir à missa. Já levei muitas, mas o pior foram as que se evitaram porque o estado moral estava já bem tratadinho. Como aguenta, perguntei-me. O peso da moral impedia-me de lhe perguntar. Os divórcios não foram feitos por Deus, penso. E embora estejam previstas as anulações, não são fáceis, como convém para que o matrimónio seja um dos maiores dons de Deus. A forma mais intensa do amor. Porém, apetecia-me perguntar. Mas a resposta veio na sua afirmação seguinte. Se não fosse pecado, deixava-o. Olhei-a com ar maternal zangado. O de uma mãe que quer repreender a atitude ou a postura ou a posição, mas que continua a amar o seu rebento porque ele precisa de sentir o seu amor. Afinal, de quem é o pecado? Esta saiu-me só para mim. Nesta conversa com ela conversei muito comigo. Para ela apenas o olhar maternal zangado. Esperei que ela entendesse que eu não conseguia dizer mais nada, mas que queria dizer tudo, esta tensão entre aquilo que é correcto e aquilo que é necessário, entre aquilo que é amar e aquilo que é sofrer, entre aquilo que é viver e aquilo que é deixar-se viver, entre aquilo que é sacrifício por amor aos homens e aquilo que é sofrer por amor a Deus, entre aquilo que os outros nos ensinam e aquilo que a vida nos ensina, entre aquilo que Deus quer e aquilo que Deus não quer, entre aquilo que é pecado e aquilo que é mal, entre o que aprendemos na catequese e o que aprendemos com o Evangelho, entre o que o senso do religioso nos diz e o que o senso da fé nos diz, entre a formação cristã convergente e a formação cristã divergente. Falei. Falei para mim, calado. E como demorei, ela indagou. Não diz nada, senhor padre? Não sei se seria pecado, minha senhora. Não me parece. Mas tenho a certeza que a sua força é um dom de Deus.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Como podemos ter a certeza da nossa fé, senhor padre?

Ele de óculos. Professor. Ela de um penteado de cabeleireira. Filha de um médico. Gente culta. Entendida. Com formação. Estávamos a preparar o baptismo do seu filho mais novo, o Rodrigo. Até pelo nome parecem o que são. Digo eu, que tenho um nome mais usual. Costumo explicar o baptismo e o ritual com palavras simples, comparações engraçadas. Coisas da vida de cada um. Uma hora de diálogo aberto. Claro que abordamos a fé. O tema. Porque, às vezes, a fé não se aborda. Não está no lugar. Não se sabe. A tradição é que aparece. Ou os avós. Ou a festa de apresentação da criança. Ou sempre foi assim. Ou a religião onde nascemos. Ou… sei lá. Mas o baptismo é uma questão de fé. Nem que seja a fé dos pais ou dos padrinhos.
Depois de umas quantas palavras e sorrisos e assentimentos, o professor rodou a cara ligeiramente. Olhou-me de soslaio e declarou. Honestamente Senhor padre, como podemos ter a certeza da nossa fé? Não leve a mal. Pode até parecer que não sabemos o que estamos a fazer. Mas esclareça-me, por favor.
Apanhou-me desprevenido. Não o tema, mas a pergunta. E falámos mais uns largos minutos. A fé não é fruto de certezas, mas pode ser uma certeza. Ou ser uma certeza nossa. São coisas distintas. A fé é fruto do coração e não da razão. Não podemos raciocinar a fé. Podemos senti-la. E podemos ter a certeza desse sentimento. Quando acreditamos (em algo que é mistério) estamos a sentir que amamos e não a provar que conhecemos o mistério. Esta dualidade é que confunde muito as pessoas. Quando um jovem se enamora de uma jovem não tem certezas de saber quem ela é, como é ou como vai ser. Mas ama. E mesmo depois de casado, vai descobrindo novas coisas, porque está mais próximo da amada. Porém, esta permanece um mistério. E porém também, ele continua a querer estar do lado dela, a querer viver com ela. É mais ou menos assim a fé. De qualquer forma, quando a fé é verdadeira, ela passará indubitavelmente por momentos de incerteza e de dúvidas. Mas é isso que a enriquece. Também não concordo muito com aqueles que têm a fé porque sim. Só por isso. Que não questionam. Costumo dizer que essas pessoas vivem mais a religião que a fé. E Deus o que nos pede é que vivamos a fé.
Não sei se expliquei bem. Ou o suficiente. Eles foram embora com vontade de voltar, disseram. Fiquei apenas com a certeza da minha fé.

quinta-feira, novembro 23, 2006

A chamada de Deus

Engalanados, como se costuma ir à missa, que é Domingo. Olhos e ouvidos atentos, pelo menos daqueles que não soçobravam do sono da noite anterior mal dormido. Estava no meio da homilia. Procurava que as minhas fossem as palavras de Deus. Ia já nos cinco minutos quando do meio dos engalanados se ouve um barulho estranho. Um telemóvel. Além desse, ouvem-se uns murmúrios, um cochichar. Olham-se uns aos outros. Eu não paro, que estava concentrado naquilo que afirmava. O telefone é desligado. Porém, não passou muito tempo para tocar de novo. Queria abstrair-me, mas não conseguia. Parei. Olhei para o nunca e pensei. Estarei a dizer alguma inconveniência e Deus quer-me prevenir?! Respirei fundo e falei com calma. Olhe, se é para mim, diga que agora não posso, que estou ocupado a fazer uma homilia. Só respondo se for Deus, e mesmo se for Ele, só atendo se for uma coisa urgente.
Gargalhada geral, e a minha foi a primeira, apesar de, com estas coisas de Deus não se brincar. Espero que não tenha sido Ele a ligar. Se foi, pelo menos ficou com medo e desistiu.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Mandei-lhe rezar pela outra

Desabafou do alto do seu lenço preto e carcumido. Veja bem que ela partiu um dos vasos da minha escada. E batia-me no braço, para ter a certeza que me chamava bem a atenção. Repetidamente. Mais do que eu queria. Ainda me estragou umas floritas que tinha por lá, deixando os restos destas na porta. É ruim ou não é? Eu não lhe posso perdoar nunca. Diga-me que devo fazer, senhor padre. Embora ela já tivesse a resposta porque sabia que não ia perdoar, que não queria, que esta era a forma de agir perante a ocasião, eu tentei, óh se tentei, que ela manifestasse um gesto, uma qualquer unhazita de perdão. Nunca. E não recorda como Deus faz? Como Jesus fez? perguntei e respondeu. Lembro, senhor padre. Mas ele era santo. E torna-me a bater no braço, com os dentes, embora poucos, a bater também num sorriso matreiro. Para não divagar muito da sua questão, não lembrei que todos devíamos caminhar para a santidade. Ele não quer que a gente seja burro, e costumo dizer que se uma pessoa não merece a nossa confiança, não devemos conceder-lha. Mas isso é muito diferente de não perdoar nem abrir um espaço ao amor. Que não, que nunca. Queria que eu lhe sossegasse a consciência, e queria colocar na minha boca as suas palavras. Queremos sempre que os outros nos digam o que queremos ouvir e não o que precisamos. Já sem saber que fazer, mandei-lhe rezar pela outra, a pessoa que a prejudica. Ai senhor padre, o senhor tem cada uma! Está bem. Vou rezar. De novo no braço. Olhe, insisti, reze pelo menos uma vez por dia até fazer um mês. Está bem. Quase me piscou o olho. O que a senhora não sabia é que ao lembrar-se tanto dela e ao rezar tantas vezes por ela o seu coração começaria a abrir-se a Deus e ao perdão. Ela julga que a oração vai modificar a outra. Porém mais facilmente modifica quem reza. Pelo menos espero, que eu não sou propriamente vidente. Da oração, usufrui mais a pessoa que a faz que a pessoa por quem se faz.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Deus de folga

Do outro lado da linha ouviu-se a voz de uma avó. Pela voz não parecia muito idosa. Mas avó. Senhor padre, sou daí, mas estou a viver aqui. O senhor não me conhece. Mas fiz aí tudo. Baptizado, primeira comunhão, profissão de fé. Contou metade da sua vida sacramental. Depois anuiu. Queria que o senhor deitasse águas sobre a minha netinha. Primeiro perguntei-me, a sorrir em silêncio, que águas seriam. A seguir, com uma maldadezinha da minha parte, perguntei se estava a referir-se ao baptismo. Que sim. Ainda bem que o senhor padre me entende. Ela gostava de conversar. Estivemos seguramente uma meia hora ao telefone. Contou da sua forma de ver a vida e a fé. Contou das suas maleitas. Dos azares, dos milagres. Do dedinho que descobria sempre quando algo de mau estava para acontecer. Contou vários casos. Eu não quis dizer que era coincidência, mas dei a entender que podia ser. Ela que não. Imaginei a casa dela cheia de ferraduras e comezinhas. Mas que era verdade. E agora estava a telefonar-me para ver se eu podia baptizar a netinha. A filha não estava muito virada para ai. Mas aceitava. Só que não podíamos perder tempo porque a criança já estava com dois ou três meses. Nunca se sabe, senhor padre! Mas agora a minha filha já está disposta a fazer-me a vontade. Por isso gostava que fosse aí, senhor padre. Na minha terrinha. Estou a tentar resumir a conversa. E falou do marido que era muito religioso. Passava muito tempo nas igrejas. Ela não. Até se fartava da conversa do marido. Mas que tinha de deitar-lhe as águas. Depois conversámos sobre datas possíveis. Horas possíveis. Sempre no meio da eucaristia para que a comunidade acolhesse. Aceitou. Aceitava tudo. Só não podia ser depois do sol se pôr e numa sexta-feira. Expliquei que todos os dias e horas eram de Deus. Mas depois do sol se pôr dá azar. E na sexta-feira, já se sabe.
E assim aprendi que na sexta-feira e depois do sol se pôr Deus não está atento ou está de folga.

quarta-feira, novembro 15, 2006

A Joaninha

A cidade estava aberta. O café estava aberto. A mesa também. Avistei-os no meio do fumo. Conheça aqui este casal, insistiram os dois, em sintonia de ideias. Eram dois jovens lá da paróquia. Estudantes. Cumprimentos aparte, assuntos triviais. Um café para amargar ou para incentivar a vida. Gosto muito dos três. O café, o amargo e a vida. O casal era um casal de professores. Os meus paroquianos admiravam as suas aulas. Mais que as missas, suponho, pois que não os via por lá amiúde. Eu também não consigo perceber muito bem quem está ou não está na missa. E o que é estar ou não estar na missa!? Mas eles não iam. Eu sabia. Das aulas justificaram que eram muito abertas. O assunto era política, ou o país, que as coisas vão-se confundindo. Meio revolucionários, que essa palavra é inexplícita ao falar de jovens, queriam ouvir opiniões dos professores. Eu não falava. Mas agradava-me que se discutisse algo importante. É que geralmente o governo dispara assuntos para desviar a atenção do essencial, e estes jovens não surfavam nessa onda. Estava neste pensamento quando surge um assunto dos tais, dos paralelos. Lá se vão por água abaixo os meus pensamentos. IVG. Interrupção voluntária da gravidez. Que acha stôr? IVG. Que nome tão interessante, pensei. Dizer interromper quando é terminar. Dizer voluntária quando se defende que é condicionada. Dizer que é voluntária porque é da vontade do próprio, mas o verdadeiramente próprio não é tido nem achado. A única palavra certa era a gravidez. Não retroquei. Deixei avançar o diálogo. O casal insistia, com um sorriso apenas, que a vida era um dom. Acolhiam os jovens para meu espanto. Nada agressivos. A confusão deles era grande. Os jovens foram-se encolhendo. Falou-se da vida no início da fecundação. Então os jovens lembraram alguns casos especiais. E se o feto tiver anomalias? Se se provar que o embrião tem uma deficiência? A esposa olhou o marido e este a esposa. Eu olhei ambos. Houve alguns segundos de espera. Respirei. Os jovens também se olharam. Foi a mãe que falou, a esposa. Vamos revelar-vos um segredo. Quando estava grávida da nossa filha mais velha, a Joaninha, após uma ecografia, foi-lhe diagnosticada trissomia 21. A princípio foi aflitivo. Houve quem nos aconselhasse o aborto. Não conseguimos, porque desejávamos imenso a Joaninha. Não foi nem é fácil. Mas pode-se ser feliz ao lado da Joaninha. Nós somos, e todos os dias agradecemos a Deus, eu e o Manuel, pela confiança que Ele depositou em nós para cuidar da Joaninha.
Engolimos estas palavras em seco e ficámos sem elas. Os jovens porque se sentiram desarmados. Eu porque me senti pequeno.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Não deitar lixo no cemitério

Paramentava-me quando se aproximou, ele e um vozeirão. Tesoureiro da Junta de Freguesia. Senhor padre, quero que diga às pessoas que eu não quero lixo junto ao cemitério. E que tenham cuidado, que agora saíram novas leis. Primeiro sorri. Depois respondi. O senhor quer que eu, portanto, diga que o senhor manda! Depois expliquei porque disse desta forma e não o que ele queria ouvir. Não é melhor pedir que mandar? Não acha que o lixo deve ser retirado de lá, não porque o senhor mande, mas porque é melhor para todos e para a dignidade da paróquia? O homem fechou então o vozeirão e abriu a boca. Tem razão, senhor padre. Bom, mas o senhor tem jeito. Diga lá qualquer coisa de forma que eles não esqueçam.
Celebrámos. No final, já mesmo no finzinho, chegou a hora do cemitério, isto é, do aviso do cemitério. Lembrei-me que o tesoureiro falara em leis novas. Expliquei que não se devia deitar lixo junto ao cemitério. Além disso, eu havia sido informado de novas leis do estado português que tinham acabado de sair. Pausa para respirar fundo. Depois e rapidamente para me aguentar direito. A lei diz que quem deitar lixo no cemitério morre mais cedo. Quê?! Gargalhada geral. Até Deus deve ter retirado das suas entranhas uma gargalhada. Respirei fundo de novo, no meio da minha gargalhada. Ita missa est. Pelo menos nesse dia, não esqueceram o aviso, e saíram da Igreja com um sorriso bem aberto.

sexta-feira, novembro 03, 2006

sondagem_ " Quais as razões que impedem o aumento das vocações sacerdotais?”

Passados que vão mais de 40 dias da última sondagem e 584 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado direito, no sidebar. A questão era:

Quais as razões que impedem o aumento das vocações sacerdotais?

E os resultados são:

1. Celibato _24%
2. Falta de coragem _20%
3. Fraca formação religiosa _15%
4. Desinteresse religioso _14%
5. Exemplo dos padres _8%
6. Falta de Fé _8%
7. Individualismo e materialismo _4%
8. Desagregação das famílias _3%
9. taxa de fertilidade _3%
10. Diversidade de interesses _2%
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algumas considerações:
1. Intriga-me ter sido o CELIBATO a primeira escolha. Não que constitua motivo de admiração. Porém, os padres ortodoxos, que podem casar, têm os mesmos problemas que a Igreja Católica no número de vocações sacerdotais. Por outro lado, às vezes parece-me que os nossos cristãos querem padres casados, mas quando conhecem situações de fragilidade afectiva dos mesmos, geralmente não reagem de acordo com esta opinião. Acredito, no entanto, que, para um jovem a quem se coloque a questão vocacional, seja um factor preponderante, porque parece limitar a palavra Amor.
2. Embora todas as respostas possíveis tenham a ver com a questão pessoal de cada um dos candidatos à vocação sacerdotal, reconheço que a vossa segunda escolha seja a que surge naqueles que dão o primeiro passo, isto é, se perguntam acerca da sua vocação. As outras respostas são de um carácter mais geral. Pressuponho que, pelo facto de a FALTA DE CORAGEM ter sido a segunda escolha, houve quem se colocasse na pele de um candidato, e, perante diversas e variadas situações, actuais e inerentes ao sacerdócio de hoje, tivesse imensos receios. Porque será?!
3. A terceira e a quarta opções têm a ver uma com a outra. De facto, tem crescido o DESINTERESSE por tudo aquilo que é RELIGIOSO, ou pelo menos que seja um religioso exigente, e tem diminuído a FORMAÇÃO RELIGIOSA. Ainda há dias uma catequista me contava da sua tristeza quando, perante a pergunta aos seus catequizandos de 8º ano sobre o que era ser cristão, eles lhe haviam respondido que não sabiam.
4. Vem em quinto lugar O EXEMPLO DOS PADRES, que, por ter sido tão votado, depreendo que se tenha como mau. No entanto, prefiro pensar que esta opção vai mais no sentido de se reconhecer nos padres de hoje pessoas que vivem uma vida demasiado apressada, demasiado solitária, demasiado funcionária. Porque será?!
5. Tem o seu quê a sexta opção, a FALTA DE FÉ. Existe uma ligação intrínseca entre esta e a terceira e a quarta. Mas esta pressupõe um total afastamento de Deus, enquanto que as outras duas não necessariamente. Ninguém que não tenha fé, pode dar um passo destes. Porém as pessoas comuns, mesmo não tendo propriamente fé, continuam a recorrer ao sacerdote por diversos motivos, sobretudo sacramentais e de desabafos. Não existe aqui algo estranho?!
6. É engraçado como nas minhas opções, sempre esteve claro que o INDIVIDUALISMO, o MATERIALISMO e a DESAGREGAÇÃO DAS FAMÍLIAS, constituíam factores importantes para impedir o aumento das vocações. São questões de base, e na minha humilde opinião, o problema reside sobretudo aqui, na base. Não acham que tenho alguma razão?!
7. Embora seja de pouca importância, por motivos proporcionais em relação a outras épocas, o que aconteceu também na vossa escolha, não podemos esquecer que diminuiu a TAXA DE FERTILIDADE. Hoje existem menos crianças, menos jovens. Se não os há…
8. Hoje os jovens são confrontados com muitos INTERESSES, com muitas propostas, e, a maior parte, bem mais agradáveis ou prazenteiras, que uma vocação ao sacerdócio. Antigamente não haviam tantas oportunidades ou interesses. Porém, se esta questão vocacional não é colocada por eles, o problema, como provaram os votos, não se prende com isto. Quem se deixa apaixonar por Cristo, não se deixa ofuscar por nada que não seja o Seu Amor.
9. Termino com algumas ideias, para mim, fundamentais:
- Ninguém pode ser sacerdote ou sequer seminarista, se não se deixar apaixonar por Cristo
- Ninguém ama aquilo que não conhece;
- Como em todas as relações de amor, nem tudo são rosas…
Vale a pena pensar nisto!
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Hoje surge nova sondagem. Numa época em que cresce com uma velocidade enorme a “Cultura de Morte”, esta sondagem pretende levantar algumas questões, promover o debate, e fazer reflectir sobre os valores do Evangelho. A pergunta é:

Destas questões ético-morais, quais as que te preocupam mais?
Se possível, explica as razões das tuas escolhas.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Gostei muito de o ver, senhor padre

Eram para aí umas dez horas. Depois do café da manhã, apeteceu-me, sem explicação, visitar o sacrário. Há dias assim. Poucos, mas há. Nem estava sorumbático. Deu-me. Eu até penso que devia dar muitas mais vezes aos padres. Bem lembro o significado do meu padre lá da paróquia, ainda era eu gaiato, ao entrar na Igreja para passar uns minutos. Um significado de amor profundo a Deus. Um homem de Deus. Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz mas não o que ele faz. Reconheço. Mas aquele dia foi diferente. A porta estava entreaberta. Lá dentro um vulto. Não me assustei, apesar da Igreja ter o seu quê de escuro. Ajoelhei e sentei juntinho ao sacrário. O vulto continuou como se nada fosse. Foram apenas uns minutinhos a minha conversa com Ele. Justifiquei que a maior parte das palavras haviam ficado nas entrelinhas. Rezei duas vezes aquela oração que, após a ter aprendido, rezo todos os dias. Desde pequeno. Ó Jesus, tu és meu amigo, ajuda-me a dizer sempre sim, como aqueles homens pescadores que foram contigo, deixaram os barcos, e confiaram em Ti para sempre. Ajuda-me a conhecer-Te melhor, a não ter vergonha de falar de Ti aos outros, e a ir contigo se Tu quiseres. Levantei-me e dirigi-me para a porta, ainda entreaberta. Batem-me no ombro. Era o vulto, agora reconhecido pelo xaile e pela tez. Bom dia senhor padre. Gostei muito de o ver. Sorri. Ainda não tinha chegado a casa e já eu descortinara algumas das razões daquele cumprimento. Podia ter sido apenas um gesto de quem gosta de ver o amigo. Mas eu pensei no meu pároco, no significado das suas visitas ao sacrário. Ia preparar a homilia para Domingo quando sentei ao computador. Há gestos que pregam mais que mil homilias.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Impotente

Não. Não se trata de uma daquelas coisas mórbidas e libidinosas que atraem a leitura e os desejos. É a sensação que ocupa grande parte das horas dos meus dias. Impotente perante tanta situação constrangedora… Gostava de resolver este e aquele problema, a esta e aquela pessoa, paroquiano ou amigo, ou simplesmente pessoa. Gostava de me resolver a mim. Por fora faço um penteado alinhado ou desalinhado conforme a vontade e o sol. Preparo um sorriso trabalhado ou por trabalhar. Visto umas calças e umas peças mais de adornos engraçados ou porque estavam mais à mão. Mas por dentro não há penteado ou sorriso ou calças para aparecer ao outro como algo que se pode olhar. Por dentro faz como o tempo, um solito acastanhado por entre nuvens espessas, umas vezes. Outras o cinzento do nevoeiro. Outras pura e simplesmente a chuva a cair, molhando e constipando. E outras, graças a Deus, mesmo graças a Deus, com o sol sem sombras. Posso dizer que ontem o tempo anunciado pela rádio de manhã era como o meu tempo. Expliquei a alguém que me perguntou do rosto que tinha, que era do tempo. Talvez quebra de tensão. Por isso me sinto impotente. Porque não sei explicar. Sento-me para rezar. Levanto-me para celebrar a Eucaristia. Trabalho, faço ofícios. Mas não sinto que me esteja a resolver ou a resolver os dos outros. Às vezes penso que só conseguirei resolver os dos outros quando me resolver a mim. Às vezes penso que não sou eu que tenho de resolver o que quer que seja, mas Deus. E depois penso que pode ser desculpa minha, para ficar parado, à espera. Mas esta Igreja não devia ser assim. Devia ser de Deus e não dos homens. E eu também devia ser de Deus e não dos homens. Fazer pelos homens o de Deus. Não fazer o dos homens com a desculpa de Deus. Queria ser padre sem usar o poder que me é dado, mas a vida que me é oferecida. Queria ser impotente para ser apenas um braço de Deus, o todo poderoso. Mas sou apenas impotente porque não consigo sentir, como gostaria, que a minha vida e a dos outros estejam bem, sejam de Deus.

quarta-feira, outubro 25, 2006

A Jurisdição, a comunhão e outros ãos

Juntam-se os homens e de que falam? Mulheres e futebol. Juntam-se jogadores da bola e que falam? Do penalty, do treinador tal, do golo tal e qual. Da jogada. Do arbitro. Juntam-se os comparsas e falam do que lhes vai na alma. Das suas coisas. Dos seus interesses. Das suas vidas. Juntam-se padres e falam do bispo, dos colegas, dos paroquianos. Às vezes também falam de Deus. Quando rezam juntos.
Estávamos, deste modo, a falar das nossas vidas. Numa de comunhão fraternal. Veio à baila um colega. Histórias à parte, que cada um sabia, do dito, as suas. Vem a questão. Tinham sido uns noivos que me haviam informado do seu interesse em que fosse eu celebrar o seu casamento. Mas na paróquia tal, do padre tal. E contaram do imbróglio que ouviram. Não. Ele não permite que alguns padres presidam casamentos na sua paróquia. Refreámos a questão da jurisdição. É dono de querer ou não. E contava que ensinara que os casamentos de alguns não eram válidos. Os noivos insinuaram nomes. Por caso, ao de leve, não referiram o meu, mas também não o iam declarar no momento. O do meu colega do almoço sim. Cum catano. Apetecia-me fazer-lhe uma espera, como se costuma dizer numa linguagem de quem já se cansou de estar em posição correcta. O meu colega esbracejou. E falam de comunhão fraterna?! Os nossos olhos nem se encontravam, porque as caras abanavam da direita para a esquerda e vice-versa. Quem se julga ele? O substituto de Deus? O próprio Deus? Os meus dentes ferraram um pouco. Então sim, lembrámos histórias antigas, como um puzzle em definição. A conversa demorou. Procurámos justificações. Consolos. O essencial demorou. Foi só ai que o meu colega estacionou os gestos mais rápidos, para acalmar. Olha, para ser sincero, agora apetecia-me abraçá-lo, disse. E eu abri a boca sem a tapar. Não com hipocrisia, insistiu.. Mas com vontade. A comunhão é isto. A questão é apenas circunstancial. O essencial está lá em cima. Para Ele é que devemos olhar. Para o que nos ensinou. Resumo apenas as suas palavras, que me calaram os pensamentos e os desejos.
Quando saí do almoço e entrei no carro, mesmo antes de o ligar, voltei aos pensamentos e desejos. Apetecia-me apertar o homem, que é como quem diz esganar. Mas ainda mais me apetecia apertar o meu colega com um abraço. Telefonei ao chegar a casa. Obrigado.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Sou contra o aborto

Um casal bonito. Por dentro e por fora. Há muito tentavam descobrir no seu seio a criança, para a família ficar completa. As tentativas eram mais que muitas. Naturais. Acompanhamento médico. Terapias. Medicação. Insemi-nação. Quando parecia que Deus estava a ceder ao seu pedido, ao seu desejo, tudo se desmorona. Já era difícil engravidar. Muito dinheiro empatado naquilo que achavam ser o mais importante das suas vidas e da sua partilha. Agora a dificuldade mantinha-se. Já não era só difícil engravidar. Tornara-se difícil não abortar. Estávamos a conversar da sua ansiedade. Que deviam esforçar-se, mas com serenidade. Que acima de tudo o mais importante era o amor que sentiam um pelo outro. Que não deviam deixar que a situação afectasse isso. Que deviam viver a vida e não deixar que ela os vivesse. Que havia sempre algumas alternativas. Curioso, pois tínhamos acabado de assistir a um programa sobre adopções de crianças com deficiência. Eram altas horas da madrugada. Mas a conversa mantinha-se oportuna e interessada. Às tantas ela surge com este desabafo. Andam aí a lutar para que o aborto seja legalizado. Andam aí tantas mães a abortar porque os não querem. E quem os quer, sofre porque os não consegue. Curioso como não falou da intervenção divina. Nem eu. Já encontrei pais bem felizes com as adopções que fizeram. Continuou. É injusta esta sociedade. Eu sou contra o aborto. Sou-o sobretudo porque acho que é uma perda quando há tanta gente que gostaria de encontrar a felicidade nos filhos que não consegue dar à luz e há quem os destrua com o argumento egoísta da felicidade. A conversa não ficou por ali. Mas o assunto sim.

a propósito visitar novo blogue com "As razões do Não"

sexta-feira, outubro 20, 2006

Outra promessa esquisita

Chamo-a de esquisita, não porque seja de outro mundo, como se costuma dizer, mas porque é irreflectida e contém um pormenor esquisito. Um homem possante, daqueles que não põe os pés na Igreja a não ser nos funerais e casamentos. Até nos baptizados fica a assistir fora de portas, onde tem mais espaço para dialogar. Prometi levar este andor todos os anos. Era o tal andor pesadão. Esqueceu-se de referir foi o significado de “todos os anos”. Eu sorri discretamente. A procissão estava para iniciar. Alguém lhe respondeu. Quer dizer, se houver mais do que quatro pessoas a querer cumprir promessa como a tua, nunca vai ser possível concretizá-la! A resposta-questão estava bem elaborada. Mas lá está. Era uma questão prática. O homem insistiu. Os mordomos, que tinham tudo organizado, estavam baralhados. O outro da resposta-questão insistiu. Quero-te ver com 80 anos e ainda a levar o andor. Vi-me e desejei-me para conter o sorriso discreto. O da resposta-questão parecia ter lido os meus pensamentos.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Mudanças que, espero, agradem...

E assim o Confessionário mudou a sua cara... Também os Confessionários têm de se tornar lugares aprazíveis para se poder estar... para cada um se encontrar. Espero que gostem de aqui estar!

quarta-feira, outubro 18, 2006

A promessa de quem sofre

Grande festa. Grande procissão. Várias promessas. Vários andores. Um com um peso enorme, cimentado para equilibrar a cruz do Senhor que é pesada e verga. Necessidade de quatro homens possantes. Uma promessa de quem sofre. A senhora tinha sido tratada com radiações por causa de um tumor. A médica, soube-o, pedira para ter cuidado com o sol e com esforços, porque está debilitada. Mas teima em prometer levar o referido andor. A família não concorda. Mas aceita. Ninguém concorda, mas todos aceitam. Eu também não, mas faço-me despercebido. Não foi a minha melhor atitude, e até se pode achar que foi para me facilitar a vida dos meus problemas. Podia ter sido duro, tirano. Optei por perceber os porquês e por permitir que a família resolvesse aquilo que devia. Eles eram afectivamente os principais interessados. Nada. Na hora ela lá estava com a sua promessa para cumprir. Escusado será referir a confusão, apesar de conformada, dos outros carregadores do andor. Eles é que carregaram com o peso, mais desiquilibrado, pois claro, até porque ela tinha dimensões diminutas em relação a eles. Um outro ofereceu-se para dar uma mãozinha. E assim foi a promessa cumprida. Graças a Deus que a senhora continua de saúde. Ou melhor, não consta que tenha piorado, que a sua saúde já não era das melhores.
No entanto decidi falar com os novos mordomos. A pensar no próximo ano e nas próximas promessas. E se fossem quatro promessas como esta? E se ela tivesse adoecido? Quem assumia as responsabilidades? E que dizer das consequências para os outros três carregadores? E se a senhora soçobrasse a meio do trajecto? O que poderia ter acontecido? Que desfecho teria o andor? Ou as pessoas mais próximas do mesmo? Quem assumia as responsabilidades?
Eles compreenderam, o que não significa que as outras pessoas venham a entender. Tratei com estes apenas pormenores práticos, que é só esses que a maior parte das pessoas entende. Não falei dos morais ou evangélicos. Esses ainda me confundem mais.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Como posso sentir amor por um padre?

Nem consigo se confessava e referia que não se podia confessar a nenhum padre da sua paróquia. Só Deus sabia até àquele momento. Nem ela sabia bem o que dizia. Deus sabia melhor. Tenho feito tudo para que ele não desconfie. Mas desde que o vi a tocar o órgão na igreja que não o consigo esquecer. Na altura imaginei que fosse um novo paroquiano. Eu, que até colaboro activamente na paróquia, só descobri mais tarde que era o novo padre, o coadjutor. E agora restam-me os sentimentos que me degolam a vida e me fazem sentir verme. Como posso sentir amor por um padre?! E como posso não sentir? Que hei-de fazer, perguntava-me. O senhor, que é padre, deve saber. Deve saber a forma de não sentir isto. Garanto, como garanti no momento pelo meu gesto de abrir a boca e retorcer o sobrolho, que aquela não encaixou bem. O senhor deve saber os limites, a forma de gerir amores e desamores. Continuo o retorcer. Já falou com ele? Perguntei, desconfiado da resposta. Não. Apesar de me ter aproximado dele por motivos de serviços, não. De resto sempre procurei respeitar a sua condição de padre, de servo de Deus, tentando abafar o que sinto. Hoje soube que ele vai ser transferido da paróquia. Procurei encontrá-lo na Missa e já não estava. Passei a missa inteira tentando controlar-me. Fui convidada para ler a primeira leitura e não consegui aceitar. As lágrimas escreviam as suas palavras no rosto, nas mãos. Imaginei o seu sofrimento. Tanto que ela afirmou ter pedido a Deus para a ajudar a esquecer e este não tivera em conta a sua oração. Num misto de paradoxo, agora pedia algo diferente a Deus. Que a ajudasse a esquecer a sua ausência. Por ironia, a nova paróquia é ao lado. Mas não posso pensar em lá ir. Nunca falei ou demonstrei o que fosse, mas sempre tive a sensação, a impressão de não lhe ser indiferente. Eu vi-o olhando para mim com olhos não apenas de quem olha. Ele não permitiu despedidas. Mas hoje sinto, mais que nunca que o amo.
Também não consegui ficar indiferente. Um padre ouve. Mas não pode ouvir apenas. Eu não ouvi apenas. Ouvi-me. Retive-me. Utilizei poucas palavras. Afinal aquilo parecia amor verdadeiro. Impossível, ou inacessível, de momento. Mas verdadeiro. E ela tinha fé. Sabia colocar Deus no meio das suas decisões. Apenas esquecera que o coração atraiçoa. Não facilitava. Não permitia o coração pensar muito. Mas este teimava em esgrimir-se com a razão. Despedaçada. Confusa.
Quis dizer-lhe que somos poucos. Que precisamos de todos. Que os padres já têm muito com que sofrer. Mas disse-o de uma forma muito murmurada. De tal maneira que ela pediu para repetir. E limitei-me a pedir para rezar, que o coração tem de aprender a não ser livre, aprender a respeitar as opções dos que ama, a ser feliz sem exigir respostas. Levantei-me primeiro. Saí da Igreja primeiro. Entrei em casa primeiro.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Uma confissão ou um abraço?

Estive em Taizé. Foi muito bom. Foi uma fonte para mim. Mais não foi porque não deixei. Mas foi bom. À noite, após duas experiências no Oiak, o espaço da desbunda, decidi juntar-me aos sacerdotes de diferentes países que se dispunham a confessar. Dispus-me a atender em português e espanhol, embora fale um “inglês de taizé”, como lhe chamei. Entendo outras línguas, mas não consigo falá-las, por falta de prática. Desculpo-me a mim mesmo. Mesmo assim confessei em inglês, ouvi um italiano e outro francês a quem respondi em inglês, uma italiana que não percebia qualquer outra língua e que me fez confiar na providência divina e no valor da confissão, entre outras confissões pouco habituais e de horas. Mas o mais interessante e inóspito aconteceu com uma rapariga de que não consegui perceber a origem. Falou em inglês e eu traduzo. Abrace-me. Abrace-me. Eu perguntei se não queria confessar-se. Ela repetiu. Abrace-me. Eu sorri e abracei confundido. Foi muito apertado e senti o seu grande tremor. Durou alguns segundos, um tempo que não deu para pensar em nada senão sentir. Depois que ela se afastou, sim, perguntei-me sobre a situação. Não descobri a resposta. Seriam segundas intenções? Seria de outra Confissão religiosa que desconheço e que não possua este sacramento? Seria apenas uma necessidade de se sentir amada? Seria o abraço de Deus?

sábado, outubro 07, 2006

Obrigado pela fé que me destes

Estava a conduzir quando me descobri com as lágrimas nos olhos e depois a escorrer pela face. Apeteceu-me não parar de conduzir. Deixar o rumo das lágrimas conduzirem-me. Deixar que o volante circunscrevesse as linhas da estrada. Sim, padre também chora. Como agora, as lágrimas a desenharem o teclado. Lembras-te, mãe? Foi nos últimos dias que te apresentei o meu carro novo, pela janela. Disseste, da cama, que tinha uma cor linda, que o resto não conseguias ver bem. Eu respondi, num sorriso forçado, que ainda havíamos de viajar muito nele. Hoje, passados cinco anos, penso que ainda fazes muitas viagens comigo. Agora fizeste de certeza. Lembras, mãe, a força que tinhas e que eu gostava de ter no sofrimento? Ainda ontem me contaram coisas que doeram. Como é possível que haja gente interessada no sofrimento dos outros, sem interesse, nem que para isso se inventem as histórias mais inóspitas!? Sinto-me atraiçoado pelo mundo, pela vida, pela morte. Mas tu aguentavas e sorrias. E agradecias a Deus. Não esqueço nunca as palavras que numa das últimas eucaristias que eu celebrei para ti, em casa, disseste: obrigado, Senhor, pelo sofrimento que me dás. E aqueles segundos em que eu elevava a hóstia, já consagrada, e os dois olhávamos, discretamente, através dela, um para o outro, num sinal de cumplicidade umbilical?! E a tua despedida, quando chamaste todos os filhos e genros à beira da cama e pediste perdão por alguma falha?! Meu Deus, como foi difícil sorrir! Mereceste a Festa com que te presenteei no funeral. Dia de Nossa senhora do Rosário. Nada melhor para quem rezava todos os dias o rosário. Três terços, e um deles pela fidelidade do filho consagrado. Deus lá sabe porque escolhe estes dias. Foi das eucaristias mais verdadeiras que celebrei. Cantei quanto pude. Falei da minha felicidade, da tua missão, da fé, da alegria de ir ao encontro do Criador. Muitos amigos. E a canção que os teus filhos cantámos no velório, à volta da tua mortalha? Ó anjos cantai comigo, ó anjos cantai sem fim. Dar graças eu não consigo. Ó anjos dai-as por mim. Aprendemos tanto contigo. Hoje sinto saudades do teu colo, o colo que escutava os meus desabafos de padre, de homem. Fazes-me falta. Na fotografia do meu escritório tenho uma rosa seca. Já secou, mas ainda lá está, como eu desejo que estejas sempre perto de mim, dos meus trabalhos, da minha vida. Ainda hoje rezo quase todos os dias as orações que me ensinaste. E peço a Deus, porque os médicos disseram que o teu cancro possivelmente era hereditário, que se alguém tiver de ser escolhido entre nós, que seja eu, que não tenho filhos e esposa. Até na dor ensinaste a fé. Dizia uma flor de uma criança que tu ensinaras na catequese: Obrigado por me teres ensinado a fé! E hoje, outra vez dia de Nossa Senhora do Rosário, vou ver-te ao teu último reduto. Sei que já estás com Deus. Mas aquele pedaço de terra é como que o santuário da tua vida, o altar onde te podemos mostrar o nosso amor. Vou levar-te uma flor. Eu sei que não precisas. Mas preciso eu de a levar. Devo-te a vida, tanto a biológica como a da fé. Por isso vou lá dizer três coisas, uma a Deus, outra a ti, e outra a ambos. Obrigado, Senhor, pela mãe que me deste. Obrigado, mãe, por seres a minha mãe. Obrigado pela fé que me destes.

terça-feira, outubro 03, 2006

A novela e os padres

Há dias, coisa que nem me é comum, estive várias horas ligado à TV, assistindo às novas novelas das nossas televisões. Não vou referir nem o que penso nem os motivos pelos quais perdi ali aquele tempo no sofá, teclando no comando bastas vezes. Houve uma cena de uma delas, das novelas, que me chamou a atenção. O nome é “Jura” ou “Jura-me”. Não juro o nome com certezas. E havia uma senhora, casada, mãe, que decidiu sair de casa, apesar de continuar a amar o seu marido e o seu filho. Assisti à cena. Chorava que nem uma madalena na hora da despedida. O seu coração não queria, mas ela, no seu todo, sentia essa necessidade. Dizia a umas amigas. Amigas na novela, claro. De resto não sei. Que não sabia quem era. Que precisava encontrar-se. Que a rotina e a vida fácil, preestabelecida, cumprindo as suas necessidades, não lhe chegava. Tinha-se perdido na vida que tinha. E apesar de gostar dessa vida, precisava encontrar sentido nela. Não dissera um adeus definitivo ao marido e ao filho. Mas dissera, de alguma forma, à vida que tinha. Queria sentir mais, ser mais. Queria. Queria tanta coisa no meio das lágrimas.
Não sei como será o desfecho desta telenovela. Nem vou saber porque não pretendo ver muito mais. Mas esta situação fez-me pensar. Em quê, perguntou o meu colega enquanto estávamos a almoçar. No grande número de padres, de colegas nossos, que se encontram numa situação idêntica. Não expliquei mais nada, obviamente. Ele entendera o raciocínio e acenou com o rosto conformado, para cima e para baixo.

sábado, setembro 30, 2006

Parece que a vida não lhes foi dada por Deus!

Almoçava com um colega. Veio e sentou-se ao nosso lado. Emagrecido. Tom de pele pálido. Já há muito que não o víamos. Nem queiram saber da minha vida, disse. Andei três meses num desalinho. Então? Perguntámos em coro. Foi a minha neta. Um problema grave. Os médicos não conseguiam. Na primeira semana ficou no hospital. Umas vezes diziam que estava a recuperar. Outras que nada. Outras nem sabiam dizer o que fosse. Experimentaram de tudo. Imaginava a menina como um daqueles animais de experiências científicas e sofri. A caminhar quase todos os dias para lá. A família num pranto. Mas, graças a Deus, Ele levou-a. Foi o melhor, apesar de ser difícil. Já fui a Fátima agradecer de joelhos, em frente a Nossa Senhora. Foi complicado, ia contando. E eu nem sabia que não podia ter missa. Estive para vos ligar. Mas depois o padre xis falou connosco. Não podia ter missa. Não estava baptizada. Não podia entrar na Igreja. Eram as normas. E nem podia pedir-se ou rezar-se pela sua alma. Foi só a enterrar. Eu e meu colega olhámos instintivamente um para o outro. Não rimos porque o caso não estava para tal. Deixámos o amigo na ignorância porque era melhor. Preferível não sofrer mais. Depois, quando se afastou para a sua mesa, conversámos. Estes colegas não conhecem o ritual que prevê exéquias de crianças não baptizadas. Nem conhecem o poder de Deus que quer salvar todos. Isso ensino eu, a partir da Sagrada Escritura, aos meus. Quem somos nós para julgar o que Deus quer e quem quer salvar?! Quem pode ou não ter direito a uma missa?! Quem pode ou não entrar numa Igreja?! Quem pode ou não ter direito a funções exequiais?! Quem pode ou não precisar da nossa oração?! Quem tem ou não tem alma?! Ou o que é ter alma?!
E digo mais. Isto irrita-me. Andamos a lutar para que os fetos a partir de determinadas semanas sejam considerados como pessoas, isto é, seres com corpo e alma, para depois estes colegas impedirem Deus de se abeirar de seres que ainda não foram baptizados, ou impedirem estes de se abeirarem de Deus com o argumento que não têm direito à salvação. Parece até que a vida não lhes foi dada por Deus!

quarta-feira, setembro 27, 2006

É um pai que ama como o Pai ama

Cheguei na hora de jantar. O convite era para comer em família. A porta foi aberta de soslaio. O acolhimento vinha da cozinha muito ruidoso. Não era hábito. Pelo menos o acolhimento assim. O pai, sentado. O filho mais velho em pé. Eram dois, como a história do Filho Pródigo”. Lembrei por causa da discussão e não pelo número. Quero dinheiro para este fim-de-semana. O pai calava-se. Os seus olhos vieram na minha direcção e pediram desculpa. O filho nem olhou. Retorquia. Mas ao mano dás o que ele pede. Gostei da expressão carinhosa de mano, mas não do significado escondido da observação. O referido mano está fora, na Universidade. Tem problemas cardíacos. Mesmo assim os pais concordaram na oportunidade. Ligavam-lhe várias vezes e não desistiam de enviar tudo o que era necessário. O mais velho gastava muito dinheiro nos copos. O pai já mo contara. Por isso era desigual a distribuição dos euros. Não és bom pai, não és justo, terminou o filho, e bateu a porta. Segui-o, discretamente. Entrara no quarto. Queres ouvir-me, perguntei. Padre, não me apetece. O meu pai é injusto para comigo, e se considerar o que faz ao meu irmão... Não frequenta a missa e naquele momento não lhe interessavam valores bíblicos, evangélicos ou morais. Tapara o rosto, a cabeça, tudo, com as mãos e os ombros. Eu sabia que se fechara fisicamente às minhas palavras. Mas também imaginava que, lá no fundo, as iria ouvir. Falei sozinho, mas em voz alta. O bom pai é aquele que trata cada filho como cada um precisa e não quer dizer que tenha de ser de forma igual. A justiça que nós conhecemos pode ser muitas vezes injusta. Achas que se deve dar uma licenciatura a quem estuda como a quem não estuda? Ou a mesma quantia de pão a quem tem muita fome como a quem tem pouca? Ou dar um “benuron” tanto a um doente como a um que está bem de saúde? Dei mais alguns exemplos, penso que sem maçar. Um pai que ama verdadeiramente os seus filhos, ama-os com toda a intensidade, ama-os o mais que pode, mas cada um de sua maneira. Não ama mais uns que outros. Ama-os de maneiras diferentes, consoante o que cada um precisa de si. A verdadeira justiça não é tratar todos por igual, mas dar a todos e cada um o que cada um precisa. Saí, encostando a porta devagar. Sentei-me à mesa com o pai, e antes de abençoar a refeição, disse-lhe: O senhor é um pai que ama como o pai que é Deus ama.

sábado, setembro 23, 2006

O amor é a melhor cabeceira para resolver os problemas

A cara dele não me era estranha. Mas parecia. A cor do sorriso habitual dera lugar ao estranho mundo amarelecido de uma foto. Tinha sido escolhido, sabe-se lá como ou porquê, ou por quem, ou se tinha escolhido o seu coração. Não perguntem. Estas coisas não se explicam. Era um verdadeiro pai, apesar de adoptivo. Sei-o. E levava Jesus a sério, o que o abonava em grande favor, para se dedicar com verdade. O moço tinha sido abandonado ou abandonara-se à vida pelos pais biológicos. Um, porque não dava, e o outro porque sim, porque ele próprio tinha achado melhor. E a única muleta fora o tal substituto. O tal que levava Jesus a sério. Nem vale a pena contar a história porque é muitas e não apenas uma. A asneira tinha sido feita umas semanas antes. O substituto, agora afectivamente verdadeiro, berrara. Esgotara-se a tentar compreender. Soltara o que havia nos olhos para soltar. O jovem, ali, de rosto enrugado, pesado. Eu diria doente, mas não digo. Recordo apenas que combinava com o amarelecido estranho da foto. A escolha era errada. Porém, ele preferia errar mais uma vez. De facto, às vezes não se entendem os jovens. Sabem o caminho da felicidade, mas preferem ser como os outros. E os outros até nem são como eles pensam. Mas é a mania dos outros, a mania desta sociedade que se impõe inconscientemente. Porém, o que conto não tem a ver com este. Tem a ver com o “afectivamente verdadeiro”. Esse que desabafou comigo a confusão. Não posso dizer que fosse confusão espiritual, como ele apresentou. Pois foi dizendo que sabia que não podia fechar a porta. Nem da Casa nem do seu coração. Dois dias a seguir aos berros, haviam conversado novamente, e o “verdadeiro” abria mais uma vez o coração. Como o de Deus. Para ajudar era mais fácil que o moço não fosse abandonado de novo. Sabia que poderia perder. Mas que valia a pena que o moço não perdesse também. Tudo, desta vez, de certeza. Valia a pena mostrar que o amor verdadeiro continua na ausência, na perda, na forma cristã de ser diferente. O moço continua no erro. Mas levou a certeza de que o “seu pai” ia estar com o coração aberto, se ele precisasse. Este pai chorou ao contar-me mais tarde. Tinha a certeza de que valia a pena sofrer. Assim amou Jesus na cruz, dizia. Na confusão interior, nascera a certeza de que o amor é a melhor cabeceira para resolver os problemas. Era assim que Jesus resolvia.

terça-feira, setembro 19, 2006

sondagem_ "Em que deve apostar, hoje, um padre na sua paróquia?"

Passados que vão dois meses da última sondagem, depois do meu descanso, e 459 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado direito, no sidebar. A questão era:
Em que deve apostar, hoje, um padre na sua paróquia?

E os resultados são:
1º- Formação_ 22%
2º- Direcção Espiritual_ 19%
3º- Eucaristia_ 18%
4º- Comunhão paroquial_ 11%
5º- Oração_ 10%
6º- Movimentos e grupos_ 6%
7º- Cidadania_ 5%
8º- Catequese inf-adolesc
_ 5%
9º- Caridade Social
_ 3%
10º- Primeiro Anúncio_ 2%
algumas considerações:
1. Não era novidade para mim a necessidade de FORMAÇÃO. De facto há mais de 20 anos que deveria ser uma preocupação de todos os párocos para que hoje os leigos tivessem maior consciência do seu papel e daquilo que constitui a verdadeira fé. Porém, nos tempos que correm e por causa do número de sacerdotes e das suas ocupações, esse papel deveria ser cumprido com a ajuda dos leigos. No entanto, como estes ainda não têm a formação necessária, está aqui “um molho de brocas”. Que fazer? Aproveitar as homilias?! É um bom princípio, desde que o Evangelho seja pregado.
2. De novo uma conclusão que retirámos noutras sondagens. A vossa segunda opção, a DIRECÇÃO ESPIRITUAL, clarifica a importância que cada vez mais os sacerdotes têm em ouvir, ou dito de outra forma: as pessoas têm necessidade de serem ouvidas.
3. A EUCARISTIA é o centro da vida dos cristãos. Se ela não for autêntica ficamos coxos. Mas será que hoje as eucaristias conduzem e alimentam a vida dos cristãos?!
4.
Entendo como COMUNHÃO PAROQUIAL todo o esforço em fazer da comunidade cristã uma comunidade como nos princípios do cristianismo, em que a cabeça é Cristo é o corpo somos nós, uma comunidade de amor. Mas com os conflitos inerentes a uma estrutura organizada, e com uma sociedade cada vez mais individualista, como conseguir que toda a gente se ame?!
5. Engraçado como nem eu saberia em que escala da sondagem colocar a ORAÇÃO. Ela é essencial na vida de cada um e na vida da comunidade, mas sabemos que ficar a olhar para o céu sem os pés assentes na terra não chega para se ser verdadeiro cristão! Encontrar esta escolha no meio da tabela deixa-me descansado.
6. Aqui há uns anos ouvi um sacerdote falar da importância dos MOVIMENTOS numa comunidade porque eles possuem já percursos que ajudam tanto os seus membros como a comunidade. Caminham por si. Porém, às vezes também se fecham em guetos e ficam virados para si, impedindo aquilo que se pretenderia de uma verdadeira comunidade de cristãos.
7.
Fiquei um pouco preocupado pelo facto de se ter deixado para um segundo plano, muito segundo, a CATEQUESE DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA, porque a julgo um pouco o coração da paróquia. Mais me preocupei pelo facto de estar em pé de igualdade com a CIDADANIA, algo que escolheria em último porque vejo esta opção quase como uma questão política, e, apesar de os cristãos terem obrigações de cidadania, julgo que o mais importante é descobrirem a fé e o sentido das suas vidas na paróquia. Encontro uma razão para esta opção da Catequese pelo facto de ela precisar de uma grande renovação, sobretudo em Portugal. Estarão os catecismos a corresponder às necessidades?!
8. A CARIDADE SOCIAL é uma constante em cada paróquia. Já existe em abundância e é verdade que podem haver outras instituições preocupadas com ela. Mas não podemos esquecer a preferência de Jesus pelos pobres e marginalizados. É uma forma de viver o Evangelho na vida.
9. Engraçado como acho que hoje, apesar de não ser o seu papel, as paróquias e os párocos deviam preocupar-se mais com os afastados da Igreja, com o PRIMEIRO ANÚNCIO. A vossa escolha, se calhar, deveu-se ao facto de nem sequer ainda termos os ditos católicos com a formação necessária!
10. Não sei bem que conclusão podemos tirar do facto de esta ter sido a 1ª sondagem do confessionário com resultados mais equilibrados, mas eu vou reflectir e rever, à luz delas, os objectivos pastorais deste ano para as minhas paróquias. Valeu.
Hoje surge nova sondagem. Num início de ano e verificando cada vez mais a necessidade de novas vocações sacerdotais, a pergunta é essa:
Quais as razões que impedem o aumento das vocações sacerdotais?

sábado, julho 29, 2006

...descanso...

Caros amigos e "paroquianos virtuais", vou estar ausente para descanso, para férias. Vou fazer uma paragem (embora pequenita) para refazer forças físicas, mentais e espirituais. Como têm reparado, ultimamente tenho escrito pouco, comentado pouco. É já o espírito das férias e do descanso. Mas nos próximos dias vai ser mesmo mais difícil aparecer por aqui. Desejo a todos umas boas férias, caso seja o caso, ou bom trabalho, caso seja o caso, ou, por outras palavras, tudo de bom para todos. Amo-vos muito.
Um abraço em Cristo...

quinta-feira, julho 20, 2006

Que pode Deus fazer através de mim?

O rosto significava a sua vida. Uma vida cansada, desgasta-da pelo tempo, pelas escolhas. Vou chamar-lhe Manuel, mas o seu nome não é, de todo, este. Escolho-o porque me lembra o Emanuel, o Deus connosco. Participava na Eucaristia, ouvia minha homilia. Eu reparei nele, pois a face distinguia-se do meio da multidão, da comunidade. Cara nova e estranha. No final tivemos uma oportunidade de cruzar os olhos e uma conversa. Ex-toxicodependente, drogas duras, vida de rua, álcool à mistura. Entrara numa casa de recuperação havia quatro anos. Estava bem, ou melhor. Reconhecera a mão de Deus nesta melhoria. Mas, a determinada altura da conversa, perguntava. Que pode Deus fazer através de mim? Quem sou eu para ser útil a Deus? O padre fala na missão que cada um recebe de Deus, mas eu não me acho nada capacitado para o que quer que seja na Igreja, na vida, no mundo?!
A minha resposta estava na ponta da língua. Ainda bem que me dera a oportunidade de lhe dizer o que me estava atravancado na garganta desde que o vira desanimado no meio da assembleia. Já reparou como Deus manifesta, costuma manifestar, ou manifestou o seu poder? Através, quase sempre de fragilidades, derrotas, coisas simples, actos banais. Ele pediu que desse alguns casos. Só falei em quatro. Mas podia lembrar-lhe mais. O nascimento de Jesus, na maior pobreza, a escolha de Maria, mulher a quem ninguém daria importância, os santos, na sua maioria, frágeis, simples, e alguns com passado bem pecador, e por fim a morte de Jesus. A morte que habitualmente consideramos uma derrota, foi a manifestação máxima do seu poder e do Seu amor. Perguntei se chegava. Ele respondeu que bastava. O rosto mudou de figura.
Afinal, disse-me ele, Deus pode fazer muita coisa por meu intermédio!

sexta-feira, julho 07, 2006

sondagem_ "Que virtudes achas que fazem mais falta num sacerdote?"

Passados que vão dois meses, e 251 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado direito, no sidebar. A questão era:
Que virtudes achas que fazem mais falta num sacerdote?

E os resultados são:
1º-Amor_ 29%
2º- Disponibilidade_ 26%
3º- Humildade_ 15%
4º- Equilíbrio Afectivo_ 7%
5º- Desprendimento_ 7%
6º-Sabedoria_ 5%
7º- Castidade_ 5%
8º- Obediência_ 2%
9º- Auto-estima_ 2%
10º-Austeridade_ 1%
algumas considerações:
1. O primeiro lugar, indiscutível, vai para aquela resposta que, no passado questionário, se tornara a imagem preferida de Deus, AMOR. Eu concluo, com isso, que se espera do sacerdote uma imagem o mais viva possível de Deus.
2. Em segundo lugar ficou a DISPONIBILIDADE. Infelizmente algo que falta nos dias de hoje ao sacerdote em paradoxo com as pessoas que cada vez mais precisam ser ouvidas, acompanhadas. Isto preocupa-me, porque algo me diz que a pouco e pouco os sacerdotes serão menos, terão menos tempo, e estarão ocupados essencialmente com as funções e não com as pessoas. Que fazer? Mais vocações? Menos funções sagradas? E para que serve a disponibilidade dos sacerdotes? Para os sacramentos nas horas que queremos? Ou para nos escutar e acompanhar sistematicamente?
3. Apesar de ter sido uma opção sem votações regulares e constantes, a não ser nos últimos dias, a HUMILDADE foi a terceira escolha. Agrada-me pensar quão importante é sermos simples como as crianças. Humildade não é deixar que façam de nós o que querem, imagino. Mas é servir e deixar que todos os outros sejam mais importantes. Vou meditar.
4. À quarta opção não sei muito o que dizer: EQUILÍBRIO AFECTIVO. Eu sei que é imprescindível um padre ter o equilíbrio necessário, quer afectivo, quer emocional, quer psicológico, quer espiritual. Mas não imaginei, sinceramente, que esta fosse uma das maiores opções. A meu ver, os responsáveis dos seminários terão de estar mais atentos!
5. DESPRENDIMENTO. Esta sim, seria uma das minhas opções principais, não só porque Cristo ensinou o desprendimento e a atenção ao pobre, como sobretudo porque quem se deixa ofuscar pelo dinheiro ou pelos bens, não tem espaço no seu coração para mais nada. E ainda por cima, corremos muito esse risco, por causa do nosso egocentrismo, sobretudo familiar, isto é, não termos mais com quem partilhar obrigatoriamente.
6. A SABEDORIA e a castidade aparecem logo a seguir, em pé de igualdade. Eu costumo dizer que não se quer um padre doutor, mas um padre pastor. Tudo é necessário, mas um bom pastor sabe o que fazer com as ovelhas, mesmo sem ler os livros.
7. Quanto à CASTIDADE, deixem-me fazer uma revelação que pode ter passado despercebida. De um dia para o outro (como é possível fazer refresh) a votação deixou de ser de 3 pessoas para ser de 23. Hoje é de 24. Quero crer que alguém interessado na castidade dos sacerdotes, insistiu para se fazer notar. Por isso abstenho-me de comentar. Não porque seja apologeta do fim do celibato, mas porque não me parece ser sintoma da generalidade dos “penitentes”. Porém, não deixa de ser interessante como se vota o Equilíbrio Afectivo, uma perspectiva positiva, e não tanto o celibato, uma perspectiva menos positiva.
8. Obediência, auto-estima, austeridade em últimos lugares. Porquê? Será que a hierarquia está em desuso? Já não se querem padres frios, distantes, austeros? O padre tem de gostar primeiro dos outros e depois de si mesmo?
9. Valeu a sondagem. Vou pensar muito! Se vou!
Hoje surge nova sondagem. Num final de ano e a pensar já nos objectivos do próximo ano pastoral.
A pergunta é essa:
Em que deve apostar um padre, hoje, na sua paróquia?

segunda-feira, junho 26, 2006

Levar com alegria o sofrimento?

Foi um dos meus Ministros Extraordinários que me abordou. Um doente amigo chegara do Hospital, mas não queria comungar sem antes eu passar por lá para lhe dar uma forcinha. Foi mais ou menos assim que falou.
Encontrei-o sentado. Olhos vidrados, no espaço, na dor, na vida. Amarelos, como o resto da face. Pijama vestido. Sofrimento vestido. A olhar para mim com uma alegria estranha, no mínimo, porque o sorriso era distante. No meio da conversa difícil pelos monossílabos constantes, a dor estava sempre presente. Não aguento. Bem peço a Deus, mas não aguento. Que hei-de fazer? Diga-me, padre. Eu respondi, primeiro em silêncio. Depois com coragem. Que hei-de eu dizer? Que se pode dizer? Não tenho muitas palavras. O que pudesse dizer não lhe retiraria as dores. Mas de uma coisa estou convencido, disse. Tudo na vida se leva melhor com alegria. Será mais fácil levar o sofrimento com alegria. Pesa menos. A alegria retira uns quilos de falta de força. Eu costumo dizer que devemos procurar a felicidade com o que temos. A felicidade que se procura com o que queremos ter é mais difícil alcançar. Se Jesus nos quer ver felizes e nos permite sofrer, é porque no meio do sofrimento também podemos ser felizes. Imagino que seja difícil. Mas penso que é possível. Vai tentar? Vou, respondeu, passado um tempinho de reflexão. Ficou melhor? Fiquei. Mais rápido respondeu.
No final, ficou a brincar com um coração de borracha que alguém lhe tinha oferecido.

quinta-feira, junho 22, 2006

Chama-se Jesus

Eu, dum lado da estrada, à saída de casa. Eles, do outro lado. Mando um Boa tarde e um aceno. De lá respondem quase mecanicamente igual. O Diogo corria de um para o outro lado. Não da estrada, mas do espaço possível que a mãe lhe concedia a medo. Quatro anitos, se não me engano. Meto-me com ele. Insisto. Nada, que a correria era mais interessante. Já se sabe como são as mães, e esta pergunta. Sabes quem é que está além? Sabes quem te está a falar? Resposta pronta e certeira: Jesus. Depois continua a brincadeira como se fosse o mais natural fazer aquela afirmação. A mãe insiste. Não vês que é o senhor padre. Não. É o Jesus. Parecia aquela passagem de Jesus com Pedro, e sempre a mesma resposta. A mãe desistiu. E enquanto isto se dá, nuns segundos que me pareceram dias, a minha boca permaneceu bem aberta e a mão a tapá-la. Quase ia chorando emocionado quando entrei no carro. É claro que eu sei o que dizem os pais quando levam os filhos à missa: Vamos ao Jesus. E a pessoa que ele encontra sou eu. Mas não resisto a pensar alto o que pensei na altura. De facto, quando procuramos a todo o custo descobrir o modelo de padre para os nossos tempos, uma criança ensina que deve ser Jesus, e que deve descobrir-se na Eucaristia. Ela vê no padre, durante a Eucaristia, o próprio Jesus. Pode não ter sido o seu raciocínio. Nem sei se foi raciocínio. Mas foi o meu. E naquele dia dormi bem.

quarta-feira, junho 14, 2006

Uma benção especial de alianças

Óculos fundo de garrafa. Cabelos desgrenhados. Pode parecer que já estou a induzir numa imagem. Mas foi-me trazida desta forma ao fundo do adro. Simplicidade ou desalinho. Também não interessa propriamente porque todos são filhos de Deus e eu vejo-os como tal. Estava a sair do carro. Meio fora meio dentro. Uma mão a segurar a porta. Outra, a segurar-me a mim. Senhor padre. Nem me deixava sair do carro. Desliguei o som do cd para ouvir melhor. Levantei-me. Ficámos separados pela porta. Olhe, sabe, a minha filha... aquela... vai para fora do país. O senhor já sabe. Ela casou pelo civil. Ainda temos de baptizar a menina. Eu recordo o caso vagamente. Casar à pressa. Afirmei que sim, que a baptizávamos. Mas que poderíamos falar primeiro sobre o casamento religioso, por exemplo. Não que eu quisesse obrigar a decisões mais precipitadas ainda. Mas podíamos conversar. Até porque querer um sacramento e não querer outro parece um contra-senso. É contra-senso. E estava a explicar-lhe isto, questionando-a porque não tinha vindo a própria, a filha, quando explicou. Sabe, padre, não queria que ela fosse para o estrangeiro sem benzer as alianças. Eu abri bem os olhos. Desenhei algumas rugas na testa. E perguntei: Como?! E porque não casar? Ela não quer, pelo menos para já. E acrescentou, na sua inocência, que era mesmo só benzê-las. Não era preciso nenhuma cerimónia. Que em qualquer altura eles apareciam para eu o fazer. Ela até se dispunha a trazer as alianças. Eu afirmei. Se é contra-senso querer um sacramento e não querer outro, não lhe parece mais contra-senso pedir uma bênção e não querer o sacramento que abençoa as alianças?! Ahh, mas não pode fazer esse favor, padre? Fechei a porta e comecei a andar, respondendo-lhe como quem não tem tempo para mais perda de tempo: vamos primeiro falar sobre o casamento. Fale com ela sobre isso. A bênção fácil não resolve nada. Nem superstições. Ela pense no que quer de Deus. Depois falamos. E ainda não falámos. Quando me ajoelhei na Igreja, rezei por ela, por eles, os três. Os quatro. Ainda me veio à ideia uma questão económica. Não sei. Podia ser. Mas ainda não falámos.

quinta-feira, junho 08, 2006

Dois funerais, uma história

Nos funerais há sempre histórias. Não sei bem porquê, mas há. Imagino que seja porque nessas horas as máscaras caem. Ficam as rugas, os sinais, as marcas, a verdade, visíveis. As pessoas próximas do falecido ou falecida ficam sem defesas. Os sentimentos apagam as defesas. Por isso sofremos muito quando sentimos, seja o que for. Porque caem as defesas. Foi assim. Funeral às 10.00 horas. Marcado quase na véspera da véspera, por causa dos filhos. Certo. Nada difícil. Segundo funeral. Mesma paróquia. Todos entendem. Já sabem que são dois em um. A paróquia toda entende. Menos a senhora do segundo defunto. Ela é que manda. Mas e se o padre tem missas a essa hora? Pergunta o cangalheiro. Ele vem para aqui mandar?! O padre pensa que manda, mas não manda. O homem é meu. Eu supus que ela devia estar descontrolada. Apesar do marido estar doente faz muito, estar a sofrer muito, não estava convencida desta hora final. Eu sei o que afirmo porque o visitei uma semana antes deste acontecimento. Quis crer que era uma questão de aproveitar todo o tempo que podia para estar mais tempo com o seu cadáver. Digo-o, porque a hora escolhida era desora. 19.00horas. Mas e o outro defunto? Pergunta o cangalheiro. Não obteve resposta. Naquele momento só interessa ela, a sua forma egoísta de amar, de sentir. Inconsciente, mas prejudicial. Lembro que telefonem aos filhos para a fazerem chegar à razão. Boa ideia, respondem-me. Pior. Parceria com a mãe, e até oferecem dinheiro. Pagam o que for preciso. Indigno-me. Pergunto-me se querem mesmo um padre no funeral! Mais tarde soube que a resposta a esta minha pergunta no silêncio tinha sido dada pela senhora. Se não for com este padre, até vai sem padre. Pior foi o que me contaram que a mãe da senhora, a sogra do defunto, gritara para quem quis ouvir na sala onde jazia o morto. Para a nossa terra só vem a pior merda. Digo a palavra porque não é minha nem a uso como minha. O cangalheiro sofria. Os meus nervos subiam. Não pretendia fazer sofrer mais os familiares do outro funeral. Que esses ainda não tinham perdido a cabeça. Decisão final. Dois funerais. O primeiro, à hora marcada, que não têm culpa de nada. Missa. O Segundo, às 19.00 horas, sem missa nem distribuição de Sagrada Comunhão. Não é permitido haver duas missas na mesma paróquia sem motivo de força maior. Esta era menor. Não é permitido distribuir a Comunhão fora da eucaristia depois de ter havido uma na paróquia. Ao fim e ao cabo, quem fez o segundo foi um colega amigo depois de ouvir o meu desabafo. Obrigado a este.
Hoje, olho a dita senhora e surgem-me dois pensamentos. Primeiro. Pena, porque, até pela fidelidade à Igreja demonstrada noutras ocasiões, argumento que ela se passou da cabeça. Digo fidelidade em vez de fé, pois tenho medo de a utilizar indevidamente. Segundo. Retracção, porque estou a tentar perdoar e ainda não consegui.