quinta-feira, janeiro 27, 2011

A barriga cheia fala mais que a barriga vazia

O padre António, que é meu vizinho, está doente. Pega a sul com as minhas paróquias, para os lados da montanha. Teve uma espécie ou um início de AVC. Ficou limitado à cama e ao descanso. E os seus paroquianos ficaram também limitados ao número de missas. Não há muitos padres disponíveis para fazer substituições.
O padre José, que está a oeste das minhas paróquias e que dista delas cerca de vinte quilómetros, foi operado. Os seus paroquianos há dias que não têm missa. Ele não pode. Os médicos e a recuperação não deixam.
Por isso, no Domingo passado, o senhor Alecrim, que é seu paroquiano, entrou pela sacristia de uma das minhas paróquias, uns minutos antes da eucaristia. Estávamos em amena reinação ou cavaqueira. Sorrisos e gargalhadas. Temos esta maneira de sustentar a boa disposição para nos dispormos com alegria a celebrar. O Alecrim já me conhece e cumprimentou-me. Contou do seu pároco. Recordámos o padre António. Veio a propósito falar da idade média avançada dos nossos padres. A maioria está acima dos setenta. Observámos que as paróquias do José e do António estão sem missa. O António ainda é novo. E às tantas deixei cair o desabafo para o saco. E ainda há por aí quem se queixe. Referia-me aos meus. Porque o horário da missa não é o que mais agrada. É cedo. É tarde. O padre foge, no final, para correr de uma missa para outra. E vem outra vez a missa vespertina. E uma Celebração da Palavra com o presbítero ausente.
Queixas com as razões do comodismo. Pensei-o, mas não o disse. Apenas deixei cair o desabafo no saco. Em saco roto. Foi este o meu pensamento. No entanto o Alecrim chegou para mim e para todos. Sabe, padre, queixam-se de barriga cheia. E repetiu. Queixam-se de barriga cheia. Cuide-se para não ir à cama também. Não corra muito. Faça só o que pode. E não dê importância a quem se queixa de barriga cheia. Quem nos dera que o nosso padre pudesse correr fosse a que hora fosse. Quando não tiverem, darão valor ao que tiveram. A barriga cheia fala mais que a barriga vazia.

sábado, janeiro 22, 2011

Esta Igreja é uma treta

A barafunda instalou-se. Os sete miúdos do nono ano da catequese faziam barulho como se fossem vinte e um. Três vezes mais. Alguns dos rapazes, ainda com pífias na voz, altercavam palavras, dizeres e frases que não se percebia se eram ou não donos e autores delas. Não me admirava que fossem apenas seus amplificadores. Hoje há uma crise de identidade enorme nos jovens. Por um lado querem afirmar-se com o seu Eu bem definido. Por outro, deixam-se arrastar pelo Nós que se tem de aparentar. As falhas na voz garantem que ainda são adolescentes. Mas perante a catequista eles sabem o que estão a dizer. E a barafunda estava instalada. Não é que se estivessem a portar mal. Elevavam apenas a voz para dizer de sua sentença. A catequese é uma seca. A catequista, que não gosta de encolher os ombros, lembrou-se de trocar os papéis e de lhes perguntar se acaso eles estivessem na sua posição como se sentiriam. E repetiram que isto é uma seca. Ou uma treta. Ou bazófias. Então, mas porque vindes à catequese? perguntou ela. Porque a minha mãe obriga, diz um. Porque quero ser padrinho, diz outro. Um deles, sorrindo descaradamente, insinuava que vinha fazer companhia aos outros, aos amigos. É por isso que não ides à missa? tornou a catequista. A missa é uma treta, diz o segundo. Mas então não acreditas em Deus? insistiu. Deus é uma treta. E ponto final. A catequista que não gosta de encolher os ombros, encolheu-os e decidiu apenas escutar. Quando me contou, para eu escutar também, não sabia bem o que sentir. Se desespero. Se pena. Se remorso. Se vontade de continuar esta missão. Padre, parece que andamos a gastar-nos desnecessariamente. No Sábado vou estar aqui às quinze horas com eles. E gostava que Deus também estivesse. Sabe, o que mais me custou foi ouvir que Deus é uma treta.
A mim também. Não entendo como estes miúdos vão à catequese onde, supostamente, se fala de Deus, se fala com Deus, se aprende a amar e a viver Deus, e depois afirmam que Ele é uma treta. Não o disse à catequista, mas apeteceu-me. Esta catequese é uma treta. E se pensarmos que muitos dos ditos cristãos, que enchem ou parece que enchem as quatro paredes das nossas igrejas, querem Deus para justificar as suas idas à missa ou às festas ou a determinados sacramentos, mas depois agem como se Ele fosse uma treta, deixem-me dizer bem alto, com a janela aberta. Esta igreja é uma treta.

segunda-feira, janeiro 17, 2011

A cama

Ontem levei para a cama a Arminda, uma empregada lá do Centro que tem problemas graves de saúde e dependência. Anteontem levei o João e a Alexandra que se zangaram e querem deixar de namorar sem isso acontecer. No dia anterior levara a Diana que continua com aquela doença e teve uma recaída. No outro dia foi aquela catequista que não quer mais dar catequese pois não se entende com a outra catequista. E no outro foi a zeladora que se insinuou para aqueloutra. Nesse mesmo dia também levei os mordomos da festa de Santa Eufémia que querem de uma maneira e eu preciso de outra. Já houve um ou dois dias que levei o Bispo comigo. Agora que penso, já o levei mais vezes. Porque não me ouviu. Porque me calou. Porque não me lembro agora. Não quero. Reconheço que também já levei Jesus. Porém levei-o não para me sossegar, mas para lhe perguntar coisas, desânimos, situações. Durmo só. Mas é raro o dia que não leve mais alguém comigo para a cama. Alguém que não me deixa dormir logo. Alguém que prolonga a minha vida de olhos fechados. Alguém que faz meu coração palpitar porque não sabe como resolver aquilo que precisava ser resolvido, mas não é fácil. Queria entregar tanta coisa a Deus. Leva-os Tu contigo. Leva-os para a Tua cama. E mesmo que leve, não dou conta, porque as pessoas continuam a ir comigo e a fazer com que me sinta um instrumento de Deus que não sabe como usar as suas forças. São quase duas horas. Vou-me deitar. Ainda não descobri quem levarei hoje. Mas pressinto que é outra vez a Arminda.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Até que ponto confias em Deus?

No início de um ano que se nos apresenta com dificuldades prováveis, causadas em grande parte por questões económicas e materiais, não podemos perder a esperança. Esta pode ser uma óptima ocasião para descobrir onde depositamos a nossa confiança, em quê ou em quem confiamos deveras, onde vamos buscar forças para alimentar a nossa esperança. Por isso, surge hoje nova sondagem com a pergunta "Até que ponto confias em Deus?". Não é bem o mesmo que perguntar se tens fé ou se acreditas em Deus. Podes, por exemplo, ter alguma fé, mas depositares mais confiança em ti próprio do que em Deus. Ou até nas tuas capacidades. Ou nos teus bens. Ou nos teus amigos. Ou sei lá. Há tanta forma de confiar muito ou pouco, ou quase nada. Pensa. Reflecte. Não respondas de ânimo leve. Responde depois de pensar e de falar com Ele. Boa sondagem!
Claro que podes (eu diria que até deves) explicar a razão da tua opção nos comentários!

terça-feira, janeiro 11, 2011

A Maria do Céu

A Maria do Céu é uma rapariga que tem mais de cinquenta anos. Suponho que não tem consciência da maior parte deles. Celebra-os porque alguém lhe diz que esses dias são muito importantes. A Maria do Céu é uma rapariga que, apesar da idade, tem a ingenuidade e simplicidade de uma criança. Aparte isso, é apenas mais vivida. Tem alguns dos calos da vida. Se soubesse contar, teria muitas vidas para contar.
E há dias, ao entrar, por acaso, numa das minhas igrejas, ela estava lá sentada. Observei-a durante alguns minutos. Ela não deu conta da minha presença. Pensei que ela estivesse dormitando. Mas não. Parecia bem atenta ao que estava a fazer. Não estava a rezar, pensei. Pois habitualmente murmura muitas palavras na sua oração. Até durante a missa. E ouve-se. Hoje não a ouço. Mas a curvatura da cabeça indiciava-me que estava a olhar para a cruz. Fixamente. Não se mexia. Eu já não conseguia deter nem os pensamentos nem a posição das costas e das pernas. Estava nestes preparos quando me recordei daquele aldeão, em Ars, a paróquia do João Maria Vianney, que passava horas em frente ao sacrário. Um dia o santo perguntou-lhe que fazia tantas horas naqueles preparos e o aldeão respondeu-lhe. Eu olho-O e Ele olha-me. A Maria do Céu olha-O e Ele deve estar a olhá-la. Um e outro não se devem ter distraído comigo. Vou embora. Um dia ainda hei-de saber rezar assim, na simplicidade dos que se amam.