sábado, dezembro 31, 2016

O tempo passa e a vida vai atrás dele

O tempo passa e a vida vai atrás dele. São dois grandes parceiros. Contudo, um deles permanece aqui e o outro só permanecerá além. Não é bem um matrimónio até que a morte nos separe. Mas quase. São dois parceiros que caminham lado a lado, irmanados. 
Faltam, nesta hora, algumas horas para que um novo ano aconteça. Todos estamos atarefados com aquele momento em que se passa de um ano a outro. Essa meia-noite que se prolonga em copos, saltos, diversões, e beijos e abraços como se não houvesse amanhã. 
Teimamos em fazer desse segundo uma noite inteira. Teimamos em fazer parar o relógio. Como teimaríamos, se a varinha mágica existisse, em parar o tempo para que a nossa vida ficasse ali. Creio que vivemos uma vida a correr, convencidos de que ela está parada. Convencidos de que não há amanhã. Nem há depois de amanhã. Creio que vivemos ensimesmados em nós próprios. Fechados em sensações de que não existe dor, nem morremos. Que tudo é uma maquilhação do divino. 
Mas o tempo passa e as vidas vão atrás dele. Termina uma e começa outra. Não é a nossa que recomeça. E cada dia que passa é menos um dia de vida neste tempo que não termina. 
Não estou melancólico, minha gente. Estou somente a pensar que estamos prestes a entrar em novo ano, e continuamos a viver uma vida como sobreviventes de qualquer coisa. Parece que não a vivemos. Parece que a deixamos andar. Parece que nos preocupamos mais com os embrulhos e com os laços que lhe pomos, que com a prenda que ela é. A vida é para viver como quem no-la deu. A vida é um dom gratuito que vai muito para além de nós. A vida é tão boa, mas tão boa, que devíamos viver em constante estado de agradecimento, em constante estado de alegria, em constante Viver. Deixem passar o tempo e verão como a vida vai atrás dele. 

Aproveito para desejar a todos os que visitam este espaço e lêem estas palavras que vou soltando, um ano de 2017 cheio de Deus!

quarta-feira, dezembro 28, 2016

O sacrário está vazio

Não sei o motivo, mas quando o meu colega expôs o Santíssimo para a adoração, deixou a porta do sacrário totalmente aberta. Se não fosse a dignidade do contexto, eu diria que ela estava escancarada. Mas não digo. 
Nunca reparara tanto num sacrário vazio. Possuía uma leve iluminação. Estava forrado com um dourado mascado. Não possuía nem paninhos nem cortinas. Contudo o mais interessante deste sacrário é que o seu espaço vazio chamou a minha atenção. Prendeu-a mais que o próprio Senhor na hóstia consagrada. Neste momento, tal como me ocorreu quando escrevia, podem surgir uma série de vontades ou sensações recriminatórias. Eu próprio quis dar um nome a esta minha desatenção da custódia. Não lho dei porque não o encontrei. Ainda pensei que era mais um dos meus estados de espírito mundanos.
Paro e penso que me quero referir aos pensamentos ou sensações acerca de um mundo vazio, vazio de si e vazio de Deus. Tentei mais umas quantas justificações. Todas elas edificaram a minha meditação desta noite diante do sacrário vazio. Todas elas preencheram o meu vazio. Todas elas me falavam do vazio. Do vazio de um Deus que se quer ausente. Ou apenas no mítico espaço dos deuses. Ou pior, um Deus usado para esvaziar o mundo.

sábado, dezembro 24, 2016

dlim ou dlão [poema 125]

Dlim dlão, dlim dlão, dlim dlão
Não se ouve, não se ouve não…

Dlim dlão, dlim dlão, dlim dlão
Não se vêm estrelas, pois não.

Dlim dlão, dlim dlão, dlim dlão
Já não há pastores, porque não?

Dlim dlão, dlim dlão, dlim dlão
Foi-se o Menino, porque senão…

Deixem morrer o Natal, e então
Talvez ele volte, ou então não

Dlim dlão, dlim dlão, dlim dlão

Aproveito para enviar a todos os meus amigos e visitantes um Santo Natal!
Sim, mais do que um Bom Natal (dlão), que seja um "Santo" Natal (dlim)! 
Já agora, apetece-me recordar: AQUI

quinta-feira, dezembro 22, 2016

As mensagens de natal ou que tal

Estamos na época das mensagens, pouco lidas ou pouco recebidas, ou não sei. Palavras que se soltam e não se prendem. Estais neste preciso momento, e quase com certeza, a receber centenas de mensagens de Natal que ou não ledes ou ledes a correr, e o que interessa nelas é que alguém se lembrou de vós. Na verdade, isso, só por si, é bastante importante. Mas cuido que a maioria apenas nos contentamos com recebê-las. Eu recebo umas largas centenas e gosto muito de as receber. Mas vivo neste mundo e assumo que a maior parte delas as leio a correr. 
Mais curioso ainda é o fenómeno de ter de mandar mensagens. Como a obrigação vem do facto de também nós as recebermos, então multiplicamos as mesmas mensagens sem nos preocuparmos ao menos com a originalidade delas. E depois recebemos mensagens assinadas com outro nome que não o da pessoa que no-la enviou, porque esta se esqueceu de, ao menos, apagar essa assinatura. Ou acabamos por receber uma série de mensagens iguais. 
Obrigamo-nos. Obrigamo-nos a escrever e receber mensagens. Fazêmo-lo soltando palavras sem as sentir, ou pouco sentidas, sem que sejam muito mais do que obrigações. Claro que exagero, pois existem muitas mensagens verdadeiras e sentidas em cada Natal. Claro que no meio desta panóplia de mensagens, que devem dar muito a ganhar às operadoras de telecomunicações, existem muitas que são genuínas e têm propósitos genuínos. 
Assim também os bispos multiplicam as suas mensagens de Natal, como costumo seguir numa das nossas agências católicas. Quero crer que são escritas e enviadas sem a obrigação das mensagens de telemóvel, de facebook ou de twiter. Que são sentidas e brotam do espírito de Natal. Que não são apenas para se fazerem presentes ou para constar. E que possam ser lidas como tal, como mensagens de Deus a cada um de nós que ama.

terça-feira, dezembro 20, 2016

sem dormir [poema 124]

Não me serves em minha medida
É pequena para alguém sem medida

       Grão de sal, em mar, que não se vê.

Não cabes em mim nem na criação
Que tu criaste sem fim, infinito ser

       Grão de açúcar, em café, pressente.

Se o amor contasse, eu seria desejo e tu ser
Se o amor faltasse, eu não saberia o teu ser

Tu que não me cabes e podes caber
Tu que não me serves e queres servir

Deixa-me entrar e em ti dormir

domingo, dezembro 18, 2016

A personagem do presépio que não conta

Nesta época do Natal é hábito a Câmara Municipal juntar os idosos dos lares do concelho para uma festa. A mim costumam convidar-me para celebrar missa com eles, e vou com agrado. Para a celebração deste ano escolhi o evangelho da Missa da Vigília de Natal. Quem foi à missa hoje também deve recordar este texto evangélico, pois era o mesmo. 
A propósito desse texto, comecei a homilia questionando qual era a personagem do presépio a que dávamos mais atenção e importância. A maioria gritou que era o Menino Jesus, embora se ouvissem igualmente algumas vozes proferindo o nome da sua mãe. Concluímos juntos, e ainda bem, que a personagem que mais nos chamava a atenção era Jesus. Depois dele, era Maria. E depois… referiram baixinho o nome de José. Disseram baixinho, como se ele contasse pouco. Ou como se tivessem medo de errar. Disseram a medo o nome de José, esse que às vezes até fica atrás do burrito e da vaquita. Aquele José que Deus adoptou para ser pai do seu filho. Aquele que humildemente aceitou o papel secundário na encarnação de Deus. Aquele de quem tão pouco se fala na Sagrada Escritura. Uma das personagens da Bíblia mais silenciosas, que menos conta, de quem menos nos lembramos. É aquela figura que parece não fazer falta, mas que dá nome ao Messias. Olhem que não é coisa menor dar o nome ao Messias, não senhor. É humildade maior. Digo-vos que por vezes me apetece dizer que José é ainda mais humilde que Maria na aceitação dos planos de Deus a seu respeito. José afinal é aquele que parece não contar muito, mas conta tanto! 
E foi este José que apresentei como modelo àquela plateia. Àquela gente que, muitas vezes, também cuida que não conta, que não é importante, que não faz falta. E para terminar a homilia, aproximei ainda mais o microfone da boca, e fiz a pergunta. Quando pensardes que a vossa vida não é importante, ou que o vosso papel na história, na sociedade, no mundo e na Igreja não conta, quem havemos de lembrar? E todos responderam em coro. José.

sexta-feira, dezembro 16, 2016

Qual o melhor post de 2015?

Agradeço imenso os resultados da sondagem anterior, pelo que significam, embora não seja algo de muita importância. Foi importante por validar algumas alterações ou simplificações que efectuei neste espaço. 
Hoje surge nova sondagem, já prevista, para a qual peço de novo o vosso auxílio, a fim de descobrirmos o eventual post/texto mais interessante, mais agradável, ou que nos ajudou mais a reflectir, e ao qual iremos chamar de "melhor post de 2015". 
Debaixo da sondagem estão disponíveis os 10 textos que, de entre a vossa e minha opinião, foram considerados os melhores.


quarta-feira, dezembro 14, 2016

A Igreja que se tinha de afastar do mundo

Sentados ao redor da mesa de jantar estávamos um pequeno grupo de sacerdotes de diversos países e culturas. Todos nos entendíamos numa só língua. Mal ou bem, entendíamo-nos. E debatíamos ideias, teologias, pastorais, liturgias, tudo o que viesse ao acaso da conversa típica de padres. 
Nisto, um deles, que tem cerca de uns quatro anos de sacerdócio, aludiu ao de leve no tema Igreja-mundo, alegando que a Igreja tinha de se afastar do mundo. Creio que nem ele entendeu o que acabara de afirmar. Creio que o exprimiu porque o lera nalgum livro de piedade barata ou o ouviu a algum outro colega, pois que estes entendimentos andam de moda dentro de um clero que gosta de fechar as suas igrejas para não se contaminarem. Pois eu não gostei e discutimos até ao outro lado da lua, que é como quem diz até ao tutano. Nem eu nem ele desarmámos. Eu porque não concebo que a Igreja, sendo formada por gente que vive no mundo, tenha de fechar-se aparte ou encerrar-se em si mesma. Lá diz o Papa, e bem, que a Igreja não deve ser autorreferencial. E ele teimava que não me entendia. 
Uma coisa é construir uma Igreja mundana, e outra fazê-la mundo. Uma coisa é a construção da Igreja e outra a construção do Reino. Foi para este que Jesus veio ao mundo e é este que nos pede que construamos. É verdade que a Igreja tem uma identidade própria. Mas não me conformo com termos que em vez de aproximar, distanciam.

domingo, dezembro 11, 2016

Encostadas ao meu peito

Contado parece algo meio distorcido. Vivido é a suma daquilo que eu imagino que deva ser a relação do pastor e das ovelhas. Tal como dizia o Papa quando afirmava que os pastores deviam cheirar as ovelhas. 
Ocorreu numa das minhas paróquias. Numa daquelas em que a relação com as pessoas tem aumentado imenso, sendo visível o carinho de parte a parte. Sinto que as pessoas confiam no seu pastor e se sentem seguras na sua presença. E assim no outro dia, enquanto confessava, reparei que uma grande parte das senhoras se encostava ao meu peito (advirto que tinham idade no mínimo para serem minhas mães!). Eu estava sentado com o braço sobre o encosto do banco, e à medida que vinham confessar-se, algumas aconchegavam-se para nos escutarmos coração a coração. Houve uma altura em que dei por mim a gostar de me sentir assim, tão pároco.

quinta-feira, dezembro 08, 2016

O Natal antropocêntrico

Ó meu menino Jesus, porque não entras nas chaminés? Porque é que só entras pelos corações? Porque é que as prendas que nos ofereces geralmente não as conseguimos ver? Já te imaginaste vestido de vermelho vivo e apelativo? Talvez assim no dia do teu aniversário não te esquecessem. Às vezes imagino-te a percorrer os corredores dos centros comerciais com uma bolsa às costas, ou sentado numa poltrona vermelha para as fotografias. Às vezes imagino-me a ouvir as crianças chamar por ti como chamam pelo Pai Natal. As centenas de cartas que te escrevem a pedir presentes: cura a minha mãe, dá forças ao meu pai, dá-me vontade de amar, ajuda-me a ser feliz. 
Ó meu menino Jesus, gostava que o Natal fosse mesmo Natal, mas o homem transformou o teu Natal e fez um outro natal, um natal antropocêntrico que gira à volta da tecnocracia e da economia.
Valha-nos ao menos que as pessoas se juntam em família, ainda que à volta apenas de elas mesmas.

domingo, dezembro 04, 2016

rever Confessionário Dum Padre em 2015

Depois de termos escolhido os melhores posts de 2012, 2013, e 2014, sem querer, deixámos o ano de 2015 sem fazermos o mesmo. Embora sabendo que não é o mais importante, é uma forma de revermos textos, pensarmos de novo, e ajudarmos este autor do blogue a verificar caminhos. Assim, e porque alguém me alertou dessa falha, seleccionei parte dos meus textos preferidos publicados ao longo do ano 2015, e agora peço a vossa ajuda para seleccionar aqueles que considerais ou considerastes como os melhores, os mais tocantes ou interessantes. Indiquem nos comentários o título ou títulos dos vossos preferidos. Agradeço desde já a vossa participação e colaboração. No início de 2017, faremos o mesmo para os textos de 2016. Como nas outras ocasiões, tenciono posteriormente colocar os melhores à votação. Podem sugerir outros que não estejam nesta selecção. Para mim, relê-los fez-me bem. Pode ser que faça a mais alguém. 
Nota que os poemas não entram nesta sondagem.
Quem quiser dar uma espreitadela aos "best post" de 2012, 2013, e 2014, clique AQUI.

Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro

quinta-feira, dezembro 01, 2016

Um estacionamento especial

Foi numa dessas viagens para um destino meio conhecido que tive de estacionar o carro num local desconhecido. De entre os espaços para o acomodar, aquele pareceu-me o melhor. Mas como o carro é novo, fiquei desconfiado sobre se seria o local mais abrigado dos amigos do alheio. E nisto vi rondar, a poucos metros, uns indivíduos estranhos, dos tais que aparentam gostar daquilo que não é deles. Olha o que fui pensar. Fiz o que tinha a fazer e regressei tão depressa quanto pude. Já dentro do carro, e depois de observar se me faltava algo, constatei que estacionara junto a um portão enorme e que por detrás se vislumbrava um edifício igualmente enorme. Naquele momento abre-se parte do portão, e de lá sai uma irmã, uma freira, como lhe quiserem chamar. Era uma senhora vestida de hábito. Era uma consagrada, que trazia na sua mão dois sacos que, percebi depois, continham comida. Os dois indivíduos, separadamente e de forma sorrateira, olhando para a esquerda e para a direita a ver se alguém os acompanhava com o olhar, abeiraram-se da irmã, e receberam cada um seu saco, junto com um sorriso e uma troca de palavras que não deu para escutar. Liguei o motor do carro a sorrir para dentro, e saí daquele lugar magnífico que uns minutos antes me fizera desconfiar. 
Vejam o que a gente pensa e o que devia pensar.