quinta-feira, dezembro 24, 2009

Estamos nas mãos de Deus

Há dias assim. Dias que nos tocam por dentro. Para o bem ou para o mal. Foi assim hoje, um dia antes do Natal. Acordei com vontade de sorrir e mostrar que o menino que celebramos faz sorrir. Mas ao longo do dia, entre as centenas de mensagens de Natal do telemóvel, chegaram outras que me fizeram sofrer. Ou porque o padre não fez como devia. Ou porque o padre devia ter feito. Ou porque o padre assim. Ou porque o padre assado. A hora da missa. O dia da missa. A celebração tal. A bênção tal. A Elvirinha que está nos cuidados intensivos. Ouvi sempre como se uma agulha me fosse espetada sem razão, motivo ou vontade. E assim foi crescendo em mim uma adversidade às coisas e à vida. Há dias assim.
Mas o Joaquim ligou-me. A sogra já tinha regressado do Hospital. Prometera ir lá a casa visitá-la e confessá-la nesta época. Entretanto, no dia em que me dispunha fazê-lo, dera entrada no hospital. Hoje estava em casa e o genro telefonara a dizer para me informar. Ou para pedir enquanto informava. Fui. Estava na cama com muitas dores. Premeditara sorrir para a vida, para que ela não entendesse as agulhas que tinha espetadas. Mas não aconteceu. O sorriso saiu-me natural porque olhei para ela e isso bastou. Perguntei se tinha muitas dores. Acenou que sim. Mas falou que estava nas mãos de Deus. Abri mais ainda o sorriso. Nada melhor que no dia de Natal estarmos nas mãos de Deus. E falei. Pois tenho a certeza que este vai ser o melhor momento deste meu Natal. Confessei-a. Conversámos. Rimos. Sempre aumentando e abrindo o meu sorriso. De facto, num dia em que se celebra a Vida, o Amor, a Felicidade que Deus nos promete, nos traz, e encarna no Seu Filho, nada melhor do que sentir que estamos nas mãos de Deus. Mesmo que seja a sofrer. No final contei-lhe que tinha sido o melhor momento do meu dia. Ela disse que também para ela o tinha sido. Agora já era Natal. E para mim também. Porque neste Natal descobri mais uma vez que estamos nas mãos de Deus!
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Aproveito para desejar a todos, penitentes, amigos, menos amigos, anónimos, menos anónimos, um Natal nas mãos de Deus!

terça-feira, dezembro 15, 2009

sondagem_ Na tua opinião, o que causa maiores problemas aos párocos de hoje?

Passado que vai muito tempo da última sondagem, e mais de 4.000 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado esquerdo, no sidebar e acrescentar uma nova. A pergunta era:
“Na tua opinião, o que causa maiores problemas aos párocos de hoje?”

E os resultados são:
1. sociedade adversa _ 20%
2. apego às tradições _ 20%
3. não acolhimento dos leigos _ 20%
4. fraca espiritualidade _ 20%
5. excesso de afazeres _ 6%
6. celibato _ 6%
7. solidão_ 4%
8. falta de fraternidade sacerdotal_ 3%
9. falta de tempo_ 2%
10. festas religiosas_ 0%
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pequenas considerações:
  1. Desculpas são desculpas e eu não me quero desculpar. Quero antes encontrar uma razão para ter demorado tanto tempo a avaliar esta sondagem. Pela segunda vez achei estranha a vontade de alguns penitentes em fazer vencer a sua opção a todo o custo, o que torna a sondagem menos verdadeira. Houve alturas em que duas ou três opções andavam lado a lado a somar votos. E em pouco tempo, uma das opções mais votadas, aumentou de 200 para 800 votos. Por isso em breve mudarei o sistema de votações. Não o faço agora, porque na bravenet não consegui fazê-lo. Vou passar a utilizar mesmo a blogger. Por tudo isto, vou fazer considerações mais do meu entendimento que do entendimento da sondagem.
  2. A sociedade é adversa aos sacerdotes. Concordo. Aliás, acho que existe sempre uma suspeita e uma desconfiança desmesurada em relação a estes. São notícia apenas quando põem em causa a instituição, seja de que forma for. E quem é que precisa do sacerdote para viver?! Só precisam dele para as festas e para alguns sacramentos ditos sociais
  3. O apego às tradições choca com a fé, porque a fé, tal como o Evangelho, traz sempre novidade. Nós temos dificuldade em desacomodar-nos dos nossos hábitos.
  4. Há leigos que acolhem. Leigos que acolhem quando lhes interessa. Leigos que não sabem o que é ser leigo.
  5. Parece-me que, de facto, existe uma fraca espiritualidade nos padres, sobretudo os mais novos. Desculpas? Os afazeres? A corrida diária? A superficialidade moderna? A verdade é que a oração faz falta para nos alimentar por dentro. Eu preciso de muita mais oração.
  6. Com a diminuição de vocações e do número de sacerdotes, com o aumento de necessidades das pessoas, com a urgência de uma evangelização nova, torna-se cada vez mais difícil que os sacerdotes tenham tempo para além das funções sagradas. E tudo se torna paradoxal. Porque quando mais seria necessário terem tempo para as pessoas, parece que menos têm.
  7. Achei engraçado que as opções do “celibato” e da “solidão” não fossem mais votadas. Cada vez me convenço mais de que, apesar de serem questões marginais, há colegas que as não conseguem superar. Isso preocupa-me. E o não acolhimento dos leigos, isto é, a falta de amizade dos leigos, prejudica a resolução destas questões.
  8. Como explicar que os sacerdotes não sejam fraternos uns com os outros? Dizendo que também neste meio há competição? Dizendo que somos humanos? Ou que somos egoístas? Ou que nãos sabemos amar?
  9. Curiosamente, e talvez não tenham consciência disso, cada vez que um padre tem de presidir a uma festa nas suas paróquias, há quase sempre problema e grandes recuos no seu ministério. Quanto maior for a festa, mais problemas arrasta. Não esperei que esta fosse a opção menos votada. De todo.
  10. Num Ano Sacerdotal, vale a pena pensar nisto!!


    Hoje surge nova sondagem, a propósito da época que atravessamos, a época do Natal. E a pergunta é:
    Que prenda gostarias de pedir ao Menino-Deus neste Natal?

segunda-feira, novembro 23, 2009

A Clara e o amor dos cristãos

A Clara gosta de tudo claro. Coloca questões com frequência. Não se coíbe de apontar dedos e dúvidas. Está numa fase que já pergunta pouco e se conforma mais. Porém, tem este temperamento de querer perceber para ser ainda mais. Por isso, participa nas acções de formação que encontra. Às vezes parece que sai de umas para outras e que existe uma desconformidade dentro do seu coração. A mim parece-me que não. Tomáramos que todos os cristãos fossem inconformados, activos, interventivos, interessados e implicativos.
E assim aconteceu numa dessas formações que a Clara perguntou Afinal como devia amar um cristão. A pergunta parecia despropositada, pois já toda a gente sabe como deve amar, e que Jesus disse que não bastava amar os amigos. Para amarmos os inimigos e para amarmos com todas as nossas forças, inteligência e coração. Que ainda disse para amarmos como se fôssemos nós a pessoa que amamos, ou que pensássemos que estávamos a amar o próprio Jesus, pois o que fizermos ao mais pequenino dos irmãos, disse, é a Ele que o fazemos. E ainda disse mais coisas que aproveitei para referir, em síntese, em argumentação, retiradas da Bíblia.
Porém, enquanto os outros presentes pareciam satisfeitos, ela não. Por isso tornou. Ó padre, amar Jesus é fácil. Amar com tudo de nós também. Assim como fazer aos outros o que queres que te façam a ti. Já o amar o inimigo se torna mais complicado. Mas há ainda algo mais difícil para mim. Diz lá o São João. Agora era a minha vez de escutar. Que Jesus nos diz para amarmos como Ele nos amou, e para amarmos como Ele e o Pai se amam e são um só. E isto é que não é pêra doce, padre. Amar como Deus ama não é fácil de perceber. Muito menos de viver. Que me diz, padre?
Que te hei-de dizer, Clara, que gostas de tudo claro! Que hei-de pensar, Clara! Que me deixaste a pensar? Que te hei-de responder?
Que me deslumbraste com algo que já tinha pensado, mas não a esta distância. Mas não desta forma. Que se aprende quando menos se espera. Que afinal, o cristão deve amar como Deus ama. Que Deus, afinal, é a medida de todo o amor.

terça-feira, novembro 10, 2009

As perguntas que hoje faço

As luzes da noite avistavam-se ao longe. O ambiente fazia pressentir o ruído das pessoas em casa. Estava na varanda, debruçado e preso ao gradeado em forma de cruz. Estava só, e na presença do vento que se ouvia ou do frio que me entrava nos ossos. Ora um ora outro a fazer-me pensar. Lembrei-me de perguntar Porque entrei no Seminário? Mas as respostas não regressavam. Nem sentidas, nem pressentidas. Procurava no passado uma que outra frase, uma que outra motivação. Não recordei senão que um dia senti que devia entrar no Seminário e que havia de mudar o mundo.
O vento e o frio queriam que os meus pensamentos encontrassem então umas desculpas, uns argumentos, novas perguntas. Que se mudassem as perguntas. Para facilitar-me a vida, para ma enganar. Porque vão hoje os miúdos para o Seminário? Mas os pensamentos teimaram nas respostas sem resposta, sem algo que me preenchesse a noite e as luzes da noite, e me deixasse sossegado.
Exigia apenas um pensamento que toldasse a minha vontade. Porém, as perguntas que hoje faço com respostas rápidas, prontas, leves, certeiras e acertadas, são quase sempre as mesmas. O que tenho de fazer amanhã? Falta-me isto, tratar daquilo, preparar o não sei o quê.
E fico preso entre a vontade de ser mais padre e a força dos meus afazeres. Entre o querer saber o que Deus quer de mim e o viver para o que os outros exigem de mim. Queria gritar Já não sou eu que vivo É Cristo que vive em mim, e dou conta que sou apenas eu que existo, a correr atrás de um Cristo que não cabe nas mãos que estão ocupadas pelo meu que fazer. Tento agarrá-lo. Mas as mãos cheias não fecham, e Ele escapa.
Senhor, quando deixarei de ser teu funcionário, para ser apenas Tu em mim e eu em Ti?

segunda-feira, novembro 02, 2009

Vocações sacerdotais, quando?

Não vou falar do que penso. Vou só constatar a realidade. Tal como a constata o meu olhar. Digam que é apenas um olhar, que eu respeito. Mas é um olhar que existe.
O número de paróquias não diminui. Só diminui o número de pessoas em cada paróquia. Por outro lado, o número de sacerdotes diminui substancialmente. Logo, aumenta o número de paróquias e de serviços por sacerdote.
Geram-se novas angústias nos sacerdotes. Cansados. Esgotados em correrias, em faltas de compreensão, em multiplicar de exigências da parte das pessoas. Estigma do funcionário/profissão. Celibato. Falta de tempo para a oração. Para si próprio. O problema acresce porque alguns não aguentam e desistem. Lembro o mais recente colega que já não está ano activo. Estou a pensar noutro que já teve o casamento civil marcado. O problema agrava-se porque diminui o número de sacerdotes e a regressão aumenta. Muda o número de participantes nas eucaristias. As pessoas emigram de diversas formas. Os paroquianos diminuem. Um problema de natalidade, sobretudo. Missas com menos gente. Há-as com 30, 40 pessoas. Não podiam juntar-se?!
Muda muita coisa. Fora e dentro da igreja. Novos confrontos. Novas necessidades. Um evangelho a actualizar. Mas as atitudes dos cristãos continuam as mesmas de há vinte ou dez anos atrás, quando tinham o pároco na paróquia, sem grandes serviços, disponível para ouvir, para presidir a todas as celebrações, litúrgicas ou não, com tempo para inventar festas e procissões, para confessar, para conviver com as pessoas, embora se calhar hoje os padres convivam mais com as pessoas, digo eu. Recorrem ao padre quando precisam, e exigem-lhe, porque se entregou gratuitamente em favor do reino, que esteja na gaveta ao dispor. Abre-se e fecha-se a gaveta consoante as necessidades. Ate aceito. É para as necessidades que ele tem sentido. Mas, se têm celebração da Palavra é porque não deviam ter. Se a procissão foi mais curta o padre faz-nos perder a fé. Se o casamento não é assim ou assado, este padre não presta. Se vai exigir-se uma catequese organizada, coerente e séria, são exigências, e desistimos. Se faz algo formativo, não é para mim, pois também não tenho tempo. Se não faz, não se dedica às pessoas. Não quer saber. Se é obrigado a acabar com alguma coisa, não quer trabalho. Se não possui tempo, não quer saber de nós. Se come com este, tem preferidos. Se não come em casa de ninguém, não é sociável. As atitudes são as mesmas de há vinte anos. E depois a Igreja não evolui.
Sabem de um coisa? De vez em quando, ocorre-me a tentação de desejar ter nascido uns vinte anos antes.

sábado, outubro 24, 2009

tudo na vida se pode ver de diversas formas

Padre, o meu namorado está longe e há três dias que não diz nada. Um dos meus melhores amigos está a morrer. Tem cancro no pâncreas. Também tem 82 anos. Não quer morrer. Luta pela vida. Quero dormir, mas não consigo. Tenho medo de perder a fé por causa destas coisas. Tenho um nó na garganta e até tenho medo de encarar a realidade. Por isso hoje apetece-me falar com alguém que me possa dizer algo que me anestesie para dormir ou para acordar para a vida.
Tinha de facto uns tons avermelhados na parte interior dos olhos, e à sua volta uma cor entre o pálido da pele e o escuro do carvão. Só por isso se notava o esforço que fazia em vão para dormir.
Há ocasiões na vida em que as palavras não podem ser medidas, porque não sabemos porque as usamos. Ou usamo-las como nossas, mas são do Espírito Santo. Pelo menos, assim creio. Dado que o que disse a seguir me veio à cabeça, sem mais nem meio mas, como se já lá estivesse dentro e esperasse a sua hora de saída.
Ó Juliana, tudo na vida se pode ver de diversas formas. Tudo. Mesmo aquilo que nos parece o nada, como é o caso da morte ou da ausência de alguém que amamos. Experimenta ver. A ausência do teu namorado faz-te perceber quão importante ele é para ti. No meio da tua dor, podes descobrir a beleza de um amor que tens por ele. Não te resolve o problema. Mas parece-me que os problemas nunca têm só um lado negativo.
Por outro lado, o teu amigo que já tem muita idade e que se agarra à vida. Pelo que contas, agarra-se a ela com a força que nós, de tão saudáveis, não usamos. Agarra-se tanto a ela como nós não a agarramos. Porque não possuímos a limitação necessária para dar valor ao que temos. Mais. O teu amigo precisa de fé para encarar a morte e tu a dizeres que a podes perder quando é tão importante que lha dês neste momento a ele.
Nas coisas da vida, poderás sempre encontrar outra forma de as veres. Podes não resolvê-las por fora. Mas podes resolvê-las por dentro.

sexta-feira, setembro 25, 2009

A fugitiva

Ia calçada acima e ela vinha calçada abaixo. Estranhei que viesse caminho abaixo àquela hora. Iria passear? Mas a idade não lhe permitia grandes passeios. Estranhei muito. Por isso parei. Cumprimentei. Então que anda a fazer? Vou-me embora, padre. Vou para minha casa. Vinha do Lar e, com a bengala, esperava chegar junto da praça de táxis para apanhar um e fugir para a sua casa que é numa paróquia vizinha. Fugia. Ninguém sabia que ela se ausentara do lar, explicou com palavras dela. Ainda bem que o encontro, senhor prior. Não aguento mais lá estar naquela sala. Já pedi para me tirarem de ao pé daquela senhora no quarto. Não me ouvem. Fazem que não ouvem. Eu nunca quis ir para o lar. Obrigaram-me. Sofro muito. E os seus filhos? Perguntei. Sabem? Foram eles que lá me meteram. Já desde Abril que pedi à minha São que me tire de lá e nada. Ninguém quer saber de mim. Ontem a minha filha veio ver-me e eu estava a chorar à janela. E disse-lhe que ia para minha casa. Sabe que me respondeu? Que fizesse o que quisesse. Chorei tanto. Por isso vou para minha casinha. Lá é que estou bem.
Não sabia que dizer-lhe, pois nas minhas poucas visitas aos lares desta zona, fico sempre triste, apesar de saber que os funcionários fazem o melhor que sabem e podem. Mas é sempre uma mudança de vida numa altura em que já não se sabe viver. É sempre um estar dependente. É sempre uma prisão de pensamentos e de histórias que os nossos lares contam.
Então e de que vai viver? Quem a vai tratar? Respondeu-me que o centro de dia da terra. E os seus filhos? Não era melhor conversar com eles? Pois eles vêm aí por estes dias, é verdade. E eles disseram-me que ficavam mais descansados, sobretudo à noite, sabendo que estava num lar. Está a ver. Eu se fosse seu filho também ficava mais descansado. Nunca se sabe o que pode acontecer. Mas sofro tanto, senhor prior. Imagino que sim. Mas nada lhe garante que não sofresse mais lá em casa. Ali sempre tem quem lhe faça o que precisa. Comida, higiene, limpezas, medicação. Ora pense lá. Vai fugir e isso não é muito correcto. Devia falar com seus filhos e depois resolver tudo com calma.
Eu nem tinha a certeza se queria que ela fugisse ou voltasse atrás, porque um lar faz-me sempre pensar no lado de lá e no lado de cá. Mas falei pelo menos para o melhor no momento. E com uma lágrima no rosto ela respondeu. Obrigado, senhor prior. Vou voltar atrás. Tem razão. Vou pensar melhor, e vou esperar pelos meus filhos.
Despedimo-nos e, como quase sempre no final destas conversas, voltei para casa confuso. Confuso com a vida e com a minha missão.

domingo, setembro 06, 2009

O motor

Mora sozinha numa casa de pedra e a sua idade gastou-se com o tempo, como as pedras. Pequena, curvada, de lenço preto na cabeça. Mas nem a idade nem a aparência a impedem de ainda fazer uns trabalhos na quinta.
Foi com essa genica que veio ao meu encontro antes da missa. Padre, peça pelo meu motor na missa. Eu não entendi e perguntei o que pretendia. Respondeu que queria colocar nas intenções da missa o seu motor. Nem imaginem a contenção do meu riso despregado. Expliquei que não era um pedido comum. Continuou. O malandro, não tem funcionado. Por isso peço ao senhor que faça com que ele funcione. Respondi que o que ele precisava não era da missa, mas do mecânico. Que o levasse a compor. Disse que já o tinha feito e que nada. Trabalhou apenas uns dois dias. Então que comprasse um novo ou que o levasse de novo ao mecânico. Que não. Que era muito caro e naquela idade já não valia a pena. Que já tinha posto duas velas aos santinhos. Ia colocar a terceira. Mas nada. Devem estar distraídos, concluiu. Agora recorria à missa. Só eu lhe podia valer. Faça lá isso, padre, por alminha da sua mãe, que eu preciso do meu motor.
Eu ri da situação. Ela riu de satisfação. Mas o motor ainda deve estar parado. Será que Deus também se riu?
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Amigos, vou de férias. Estive no Simpósio do Clero, em Fátima, o que me fez muito bem, e agora vou descansar algum tempo. Se vos lembrardes, fazei uma pequena oração por este servo de Deus. Em breve voltarei. Até lá, que a vida seja uma alegria. Por isso sorriam. Por isso vos deixo este texto. Um grande abraço.

sábado, agosto 22, 2009

Uma noite em Fátima

Estava em Fátima e, como sempre, aproveitei para dar uma saltada ao Santuário na hora do terço. Vinte e uma e trinta. O tempo estava nublado. Eu também estava. Digamos que o cansaço ruíra sobre mim e precisava de um conforto espiritual. Tudo se conjugava para uma noite com Maria. Coloquei-me debaixo da capelinha, mas ao fundo. Curiosamente de cima da passadeira. A famosa passadeira que sempre me costuma incomodar. A passadeira das senhoras e senhores que cumprem promessas de joelhos, a arrastar vidas, dificuldades, problemas, e muitas vezes, crendices. Nunca aceitei bem, como espero que Deus não aceite bem, estas promessas que fazem do sofrimento gratuito um negócio com Deus, como se a este agradasse o sofrimento por si. São estas as mesmas pessoas que, muitas vezes, põem em causa o sofrimento que Deus permite acontecer no mundo e que, ao mesmo tempo, se infligem, sem necessidade, sofrimentos fortuitos. Não sei nunca como explicar estas dicotomias que as pessoas vivem ou pensam.
Estava eu nas minhas respostas do terço quando me tocam no ombro para me afastar. Não entendi logo o que se passava. Mas depressa percebi, quando uma senhora passa a poucos centímetros de mim, a arrastar-se na passadeira. Mesmo que a promessa fosse oportuna, a hora não o era de certeza. Olhei-a bem no fundo dos olhos procurando uma resposta. Curiosamente ela não escondia o rosto. Antes me parecia que gostava de o ostentar. Por isso tive oportunidade de a olhar nos olhos. Mais pessoas foram distraídas da sua oração para dar lugar à promessa. Eu quase que interroguei a senhora. Ainda me inclinei para o fazer. Não tive coragem, ou desfaçatez. Justifiquei-me, imaginando que até podia ser estrangeira e não entender a minha linguagem. Não entenderia, de certeza.
Não consegui rezar mais, porque a cabeça perguntava-me, mil e uma vez, porquê.
Desta vez a promessa foi mais forte que a oração. Quantas vezes é até mais forte que a fé!

sexta-feira, agosto 07, 2009

A comunhão do casamento

Era gente simples, a daquele casamento. Gente da terra. Gente tão simples que, às vezes, não sabe comportar-se. Gente que aparece pouco. Gente de casamentos, baptizados e funerais. Gente de ficar à porta de entrada para poder atender telemóvel ou falar com o vizinho. Gente que veste a melhor roupa nestas ocasiões porque a ocasião merece. Mas no fundo, uma camisa sem mangas e umas calças de ganga era mais o seu género. Gente que não tem grande mal. Pelo menos quero pensar assim. Mas que não tem consciência dos pequenos males que podemos cometer na vida com a nossa ingenuidade ou negligência. Digo tudo isto para tentar justificar o que se passou naquele casamento. Justificar nem que seja só à minha consciência.
Já não era a primeira vez que ouvia uma voz a fazer comentários durante a cerimónia. Não conseguia perceber as palavras. Mas percebia que não eram apropriadas. Fiz sinal com os olhos. Mas não devem ter sido vistos. Nem os olhos nem o sinal.
Chega a hora da comunhão, e como habitualmente, levo aos noivos a comunhão sob as duas espécies, o pão e o vinho. Entrego o cálice ao noivo e explico. Comunga. Passa-me o cálice, volta-se para trás, para o seu público, os convidados, e diz: É boa esta pinga. Desta vez os meus olhos foram mais sintomáticos. Ele sorriu, mas engasgado. Entretanto já a noiva estava a comungar, quando ouço, ou o pai ou o padrinho dele, que não dei bem conta. Devagar, não te engasgues. Não deve ter dado conta dos meus olhos. O pessoal, os convidados, o público, ria-se. Eu fazia esforço para não me irritar e para não me rir. Que confusão! Se calhar devia ter tomado outra atitude. Mas não consegui. Continuei a missa com normalidade. Só no final, no momento das assinaturas, expliquei aos noivos e aos padrinhos presentes, que não tinha sido muito correcto.
Mas enquanto assinavam, eu perguntava-me o que andávamos nós, padres, a fazer com sacramentos de circunstancia.

quarta-feira, julho 22, 2009

Procissões cheias de gente

O António tem uma aversão às quatro paredes da Igreja. Digo eu. E ele diz que não é por mal. Que gosta muito de Nossa Senhora. São palavras dele. Mas não gosta de ir à missa. Quer-se dizer, não é por mal, repete. Mas não me puxa, padre. Até gosto de o ouvir nas suas palavras. Mas não me puxa. A minha São vai sempre. A Sarita, a minha neta, adora o senhor padre. É daqueles que vai todos os anos a Fátima e se gaba disso. Ó padre, este ano ainda não fui. Arranje-me lá lugar na camioneta. Houve um ano que foi a pé. Ó padre, o que me custou! Cheguei lá rotinho de todo. Mas Nossa senhora ajudou-me. Gosto muito de Nossa Senhora. Mas, ó senhor António, e então porque não há-de ir à missa? E lá volta a resposta. Não me puxa, padre. Já lhe disse. Não me puxa.
Já o tenho visto antes da missa, quando vou tomar um cafezinho rápido ao Central. Se for preciso paga-me o café. Ou eu a ele. Não é má pessoa. Mete-se nos copos, mas não incomoda ninguém.
E foi num desses dias que nos encontrámos no Central. Eu corria e bebia o café à pressa. Ele bebia o branquito traçado nas calmas. Eu lembrei. Olhe que a missa hoje é ao meio dia. Ó padre, já lhe disse. Interrompi-o para dizer Não lhe puxa, já sei. Estávamos na nossa conversa habitual do deve ir ou do fazia-lhe bem, ou do então não é amigo de Deus, quando, às tantas interrompe a dita conversa para me perguntar. É verdade, ó padre, hoje tem festa lá em cima, na anexa. Tenho. E a que horas é a procissão? É as três e meia. É boa hora. A ver se não falto, que eu não costumo falhar nenhuma das procissões das festas aqui à volta da terra.
Eu já estava de costas e a sair porta fora quando ele repetiu para o dono do café que não costumava falhar as procissões. Entrei no carro. Não tinha muito tempo para pensar porque estava com pressa de chegar cedo à primeira missa. Mas de facto, temos procissões cheias de gente que não costumamos ver na missa!

sábado, julho 11, 2009

O telefone e os colegas

Ligou-me para falar. O colega X vinha de umas confissões, e foi dizendo que era bom quando éramos úteis para alguém, quando conseguíamos levar a paz a alguém. Vinha cheio de Deus e o seu entusiasmo transbordava do outro lado da linha. Eram umas doze horas da manhã.
Não passaram muitas horas quando me liga o colega Y para desabafar. Faz isso muitas vezes. Não aguenta mais. Não consegue celebrar com gosto. Parece que toda a gente o persegue. Não aguenta o celibato. Sente-se só.
Por volta das vinte horas, depois de uma das minhas missas, ligo ao colega Z porque precisava pedir-lhe um favor, combinar com ele umas coisas. Não atende. Ligo segunda e terceira vez. Acaba por ligar ele, cerca das vinte e uma horas. Estava ocupadíssimo. Pediu desculpas. Não sabia se ia dar. Não sabia para onde se virar. E ainda tinha uma reunião às vinte e uma e trinta.
Acabada a nossa conversa e, para cúmulo do dia, liga-me o colega V. Digamos que o telefone, hoje em dia, pode ser o nosso ponto de encontro, o nosso instrumento da fraternidade. Atendo. Que fazes? Pergunta. Eu trabalhava. Sou mais como o Z. Não queres ir dar um passeio amanhã? Insiste. Eu bem queria. Mas amanhã também tinha o dia cheio. O colega V dedica muito tempo ao passeio. Sabe que é saudável ter tempo para isso. Faz lembrar aquelas pessoas que dizem que os padres apenas trabalham aos domingos. Não condeno nem julgo.
Não quero mesmo fazer isso. Mas penso, e aproveito para pensar alto como somos sacerdotes e todos diferentes. Penso igualmente a quem me gostava de assemelhar mais. Penso no modelo ideal do sacerdote. Penso no Bom Pastor. Penso que haveria muita coisa para reflectirmos em conjunto, os bispos, os padres, a Igreja, os cristãos.
Ontem foi um dia de pensar no meu sacerdócio a partir dos colegas.

quinta-feira, junho 25, 2009

O sonho dos funerais

Os funerais têm o condão de me tirar do sério. Eu acredito intensamente na Ressurreição, no valor do sofrimento, e também não sou insensível à dor e ao outro. Mas os funerais tiram-me do sério. Quando me questionam sobre o que me custa mais na minha missão sacerdotal, digo sem hesitação, que é presidir aos funerais. Por muitos motivos. Inclusive porque me desorganiza a vida, os esquemas, os projectos de trabalho ou descanso para cada dia. Mas sobretudo porque não encaro com facilidade o rosto, as palavras, as atitudes, os gritos, as lágrimas, de quem sofre a partida das pessoas amadas. Coloca-me o coração ao rubro. Parte-se-me tudo, mesmo quando evito contacto claro com essas pessoas. Daí que use muito a homilia para me aproximar deles. Trata-se da minha limitação, e pronto.
Por isso a minha limitação anda feroz. Em cerca de mês e meio a média dos funerais anda nos três, quatro por semana. Já nem sei o que dizer nas homilias sem repetir-me. Não me apetece escolher leituras. Vou porque não me posso escapar. Durmo e acordo a pensar em funerais. Não dá para imaginar. E tenho de conviver com isso.
E assim ontem aconteceu-me o inesperado. Acordei pelas quatro horas da manhã, assustado, com um sonho estranhíssimo. As coisas que transparecem nos sonhos! Tinha uma arma na mão direita e andava aos disparos. Ora bem, perguntava eu. Quem está para morrer na paróquia? Aquele e aquela? Sim? ok. Ora bem, outra vez. Como amanhã tenho tempo, podemos tratar já das coisas. Pum, pum, trás, trás. Dispara aqui e para ali. Trata-se do assunto numa rapidez de um sonho.
Claro que precisava saber o significado deste sonho e por isso dirigi-me a Deus para obter a resposta. Em vez de ouvir que os mortos sepultem os mortos, como diz lá a Escritura e eu gostava de ouvir, Ele disse-me assim: Eu escolhi-te para levares o Reino de Deus aos homens.
Por isso lá vou eu, que isto de ser padre não é em part-time nem é coisa de sonhos.

quinta-feira, junho 18, 2009

Quem der mais que cinco faltas sem justificar, fica para trás

Acabou a catequese. Por este ano. Revi todas as Fichas da Catequese. Memória das presenças e faltas do pessoal. Alguns. Dois ou três ficaram para trás. Não como quem fica de costas voltadas para Deus. Mas para serem mais assíduos e a formação cristã ser mais séria. Dói. Não é fácil. Se calhar é mais fácil faltar do que dizer a alguém que não pode continuar sem levar a sério. Reunião com os pais. Final de ano. Repito. Festas: Pai Nosso, Palavra, Vida, Profissão de Fé, Envio, Primeira Comunhão, Confirmação. Todas abordadas. Preparadas com os pais. Os que apareceram, claro. Nalgumas paróquias, metade ou menos. Mais mães que pais. Isto é coisa de mulheres, dizem. Como se a educação fosse apenas para as mães gerirem. Já sabiam o que avisara vários Domingos em Outubro. Uma reunião no início do ano. Palavras na Folha Paroquial. Quem der mais que cinco faltas sem justificar, fica para trás. Não pode ser só andar atrás das festas. Da Primeira Comunhão e da Confirmação em especial. Isto não é negócio, mas quem quer, tem de mostrar que quer. Levanta-se então uma senhora de cabelo encaracolado. Quer dizer, levanta a voz. Senhor padre, o meu filho faltou muitas vezes. Mas também com a catequista que tinha!
Fica complicado gerir a boa vontade dos catequistas com a sua formação pedagógica. Nem sempre coincidem. Reconheço. Porém acredito que Deus consegue o que quiser através de quem quiser. Explico a boa vontade daqueles que se oferecem para ajudar a crescer a fé dos filhos dos outros. Disponibilidade. Tempo. A dificuldade hodierna de educar crianças, adolescentes ou jovens. Educar sem magoar. Sem levantar o dedo para admoestar. Cativar sem cartola. Sem coelhinho na cartola. A senhora continua a falar mal da catequista. A razão das faltas do filho é a catequista que exige demais. Marca numa hora que não dá para a mãe do seu filho. Nunca o explicou à catequista. Só se lembrou ao trovejar. Se o me filho não leva o catecismo é porque não o encontra! A mãe está muito atenta, penso para mim.
E depois de uma enxurrada de argumentos, saio em defesa da catequista. Minha senhora, no próximo ano conto consigo para dar catequese.

sexta-feira, junho 12, 2009

sondagem_ “Acreditas na Ressurreição?”

Passados que vão mais de dois meses da última sondagem, e, estranhamente, mais de 2.000 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado esquerdo, no sidebar e acrescentar uma nova. A proposta era muito directa:
“Acreditas na Ressureição?”

E os resultados são:
1. não acredito _ 46 %
2. a 100 % _45%
3. acredito, mas não entendo _7%
4. Tenho dúvidas sérias _ 2%
5. não quero pensar nisso _ 1%
_________________________________

pequenas considerações:

  1. Recordo que retirei 750 votos no dia 17 de Abril, na opção “não acredito” porque a votação aumentara consideravelmente num dia, sem explicação aparente. Não passou muito tempo para que algo semelhante acontecesse, e quase em simultâneo na opção “a 100%”. Deixei ficar como estava. Porém, esmoreceu-se a minha vontade para fazer uma análise a esta sondagem, e deixo a outros as grandes considerações. Saliento e depreendo desta situação estranha que alguém (uma pessoa ou várias) teve interesse particular em fazer ganhar a todo o custo uma das opções. Fica no ar a pergunta: que terá motivado este interesse?
  2. Em tempos, descobri que nem sempre os ditos católicos acreditam nas verdades fundamentais da sua fé, o que me surpreendeu. Foi por isso que coloquei esta sondagem online. Assim, num estudo de 1995, feito pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que abordou o tema “Gerações e valores na Sociedade Portuguesa Contemporânea” verificava-se que na faixa etária dos 15-24 anos, por exemplo, 85,5% diziam acreditar na existência de Deus, mas apenas 84,1% diziam acreditar em Jesus, e quanto à vida para além da morte apenas 43,0%. Já no que toca à Ressurreição o número descia para 37,0%. Hoje essa gente deve ter entre 29 e 38 anos, constituindo a faixa etária que predomina na sociedade. Que pensar disto?
    Para mim pode haver diferentes formas de sentir, intuir ou viver a fé ou os dogmas de fé. Mas há coisas fundamentais, sem as quais tudo pode perder o sentido. Para mim a Ressurreição é uma dessas. Acredito a 100% na Ressurreição. Posso até não saber explicar. Mas é ela que dá sentido a tudo o que faço. E não digo mais.


    Hoje surge nova sondagem, resultado de alguma preocupação que me tem ocorrido, quer pelo que sinto, quer pelo que me contam que sentem alguns colegas. E a pergunta é:

    Na tua opinião, o que causa maiores problemas aos párocos de hoje?

sábado, junho 06, 2009

A lente boa e a lente má

Esta é a história da lente que resistia a ler a Palavra de Deus e a história da lente solícita que, apesar de sozinha, não tinha medo de ler a Palavra de Deus. Eram as duas do António.
O António tem 65 anos e usa óculos. Pequeninos, bem ao jeito do nariz. Por azar da hora, os óculos andavam um pouco desconjuntados. Mas o sino tocara para a missa. Ainda teve tempo dos cumprimentos habituais na sacristia. Mostrou-me os óculos. Não os troco, que gosto muito deles. São especiais. Vou remendar o que houver para remendar. Quando ia voltar-me as costas, lembrei-me. Olhe, se não houver ninguém, vá ler a leitura. Acenou prontamente que sim. Chegada a hora, lá vai ele sorridente com os óculos na mão. Deita ambas mãos a cada uma das hastes dos óculos e dirige-os para cima do nariz. Porém, quando lá chegam, uma das lentes decide desistir. Cai. Espalha-se em frente ao ambão. O António olha para mim. Rimo-nos. E embora uma das lentes tenha desistido, o António nunca desiste. Se uma lente não quer ler, a outra há-de fazê-lo. E vai um par de óculos para cima do nariz apenas com uma lente. A leitura fez-se na mesma, por entre os sorrisos dos presentes, e o presidente da cerimónia demorou ainda bastante tempo a recompor-se. Raios partam as lentes, pensei. Ups. O que eu pensei! Pelo menos não se partiu a ingrata lente.

segunda-feira, junho 01, 2009

A música litúrgica

Aproveitou experimentar outra opinião, para justificar a dela. Lá na terra faz parte do grupo de jovens e cantam na missa. Tudo certinho e direitinho, porque o padre só gosta assim. Podemos dar notas ao lado, que o importante são os cânticos litúrgicos. Queríamos colocar guitarra. Grita impossível, e a gente sente o impossível bem no fundo de cada um de nós. Entretanto, quando há casamentos e nos pedem para os animar, a gente desforra-se um pouco. Até há uns dias atrás, em que ouvimos o que não queríamos. Estamos impedidos de cantar na missa. E agora diga-me o senhor o que havemos de fazer? Deixar de cantar? Deixar de ir à missa? Deixar de ser cristão? Na minha paróquia quem manda sou eu, disse. Eu não sabia que dizer, pois sou de opinião que a música litúrgica é aquela que se adapta à liturgia e não aquela que com sonoridades exclusivas e características, nos é proposto alindar a Eucaristia. Também não gosto de canções de ir à erva, um pouco apimbalhadas, imitações baratas de artistas conhecidos como os Abba ou por ai fora. Mas gosto de uma viola, de um bom ritmo, de uma canção que faça sorrir e faça festa, uma canção que incentive todos a cantarem. Para mim, a música litúrgica é aquela que acompanha, que sustenta a liturgia. Não pode ser um espectáculo, e deve servir para que toda a gente cante na assembleia. Recordo como o meu mestre no Seminário nos ensinava aqueles temas cheios de vozes e harmonias que ninguém cantava senão nós, e que depois dizia serem litúrgicos. Por tudo isto, pedi à jovem que encontrasse naquilo tudo um equilíbrio. Que falasse de novo com o pároco e que tentasse encontrar o tal equilíbrio juntos. Mas, ó padre, então eu para cantar a Deus não hei-de poder cantar com as minhas palavras e melodias? Sou obrigado a cantar o que não gosto? Então como posso gostar daquele a quem canto se não gosto do que canto?

quinta-feira, maio 28, 2009

A senhora da unção

A primeira vez que apresentei publicamente a minha vontade em celebrarmos a Santa Unção de forma comunitária, logo alguns foram dizendo que isso era para os mortos. Não lhes estranhei o medo, porque foram habituados a usá-la em ocasiões de morte eminente. Torna-se, por isso, um sacramento menor, ou a desejar apenas em último caso. Eu não jogo à defesa, mas ao ataque, e tenho-me esforçado por ajudar a entender o valor deste sacramento nas minhas comunidades. Ano sim, ano não, realizamos comunitariamente a Unção dos doentes. Alguns teimam em resistir-lhe, em achar que é para os outros. Mas começam a surgir aqueles que vêem no sacramento a presença de Deus de forma excelente. A presença das suas forças, físicas, espirituais, morais, para quem está doente ou com idade avançada.
Este ano foi ano sim. Tocou-me de forma especial aquela senhora que, na hora em que lhe foi possível, na véspera da festa, como eu lhe chamei, me confidenciou. Estou tão contente, senhor padre. Há tanto tempo que esperava por isto. O mesmo tempo que fez a sua vida. O mesmo tempo que se fez fé. O tempo de Deus na esperança dos homens. Eis o sacramento em que Deus se faz esperança na vida e na doença. Deus está connosco quando parece que nada mais está ou que nada mais conta para nós.

segunda-feira, maio 25, 2009

A queixaria

O Carlos estava a conversar com um senhor, à porta de um café, numa mesa de esplanada, para ocupar o tempo entre as goladas do café e o poisar da chávena. Ambos sozinhos, isto é, um em cada mesa. Um com uma chávena de café e o outro com um traçadinho. O segundo, na falta de assunto, puxa algo que se torna sempre interessante. O padre da freguesia. Começa a queixaria. Sabe, o padre novo. Que tinha mudado isto. Que tinha dito aquilo. Que tinha feito não sei mais o quê que lhe tinham dito. Coisas de mulherio. Lá para as bandas do pinhal de cima. Uma vergonha, sabe. Até que a certa altura o Carlos lhe perguntou se ele já conhecia o padre. Poisou a chávena, levantou-se e pediu desculpa. Peço desculpa por não me ter apresentado. Como se nada fosse com ele, quando tudo tinha a ver com ele. Padre Carlos. Muito prazer. Partiu com um sorriso dentro dos lábios fechados pela pressão dos dentes. Deixou a chávena vazia sobre a mesa, e o copo de vinho cheio com o seu dono. O seu a seu dono, contou-me. Tu já viste que nem se dão ao trabalho de confirmar as suspeitas ou de conhecer os suspeitos? O que é preciso é dar uma de entendidos para maldizer os padres, seja ou não verdade. Assuntos de café, ou de quem não tem que fazer, anui.

quinta-feira, maio 21, 2009

O Zé, marido da Rosária

Vim agora da rua. Estava no meu balcão quando avistei ao longe o Zé, marido da Rosaria, que não sei se recordam.
O Zé tem a idade que Deus lhe permite ter e é muita. Mas ainda calcorreia os paralelos da vila. Vinha distraído e eu não quis distrai-lo da sua distracção. Mas como gosto de apreciar, fiquei preso a ele com o olhar, cogitando a fé desta gente. Nisto passa em frente da porta da Igreja, que é logo aqui ao lado. Não entra. Porém, para meu espanto, retira o chapéu da cabeça enquanto passa e coloca-o ao peito. Na hora exacta em que se encontra com a porta, faz aquilo que me pareceu uma genuflexão. Não tocou com o joelho no chão. Mas percebeu-se a intenção. Não deu conta da minha presença. Não precisava. Deve ser um gesto habitual, normal nele. Não entra na Igreja e segue viagem. Vai apressado. Entro em casa a sorrir. Permaneço em frente à minha porta, do lado de dentro, e penso a sorrir. Olha eu que imagino e tudo faço por uma igreja em permanente “Nova Evangelização”, agora recebo este ensinamento de alguém que ainda está preso a um hábito antigo, digo eu. Habituado ao grande respeito pela casa de Deus, pela porta para Deus, pelo próprio Deus. Ainda que de forma algo distante. Ainda que tenha ficado à porta. Ainda que possa ser apenas um hábito. Ainda que, de ensinamento, tenha sido apenas uma proposta à reflexão. Não sei se disse alguma oração. Mas o seu gesto foi para mim uma oração.
Obrigado, Zé

quarta-feira, maio 13, 2009

O casamento depois de dez anos casados

Estão casados pelo civil há cerca de dez anos. Têm duas crianças. A mais nova possui pouco mais que doze meses. Já os conhecia de outras andanças e de outras paróquias. Recordo ter perguntado na altura o motivo de não terem casado pela Igreja. Seria natural, pelo menos da parte dela, católica que vive os motivos de o ser. Recordo também a resposta que me deixou a pensar. O Afonso não fez caminhada de fé suficiente. Para ele não tem significado algum o casamento religioso. Deus ainda não é importante para ele. Eu vou esperar, disse a Teresa. Não quero fazer nem hipocrisias a Deus nem ao Afonso. No entanto quiseram baptizar o filho mais velho. Falámos de novo sobre o casamento. Não estava posto de parte. Falámos da verdade da sua fé. Quer mais verdade do que esta, padre? Perguntou a Teresa. Ambos queremos Deus nas nossas vidas. Mas não queremos nada à pressa. E queremos que o Tiago – chama-se assim o mais velho – tenha a oportunidade de fazer connosco o caminho. O Tiago baptizou-se na legalidade própria e possível.
Hoje o Afonso, a Teresa, o Tiago e o mais novo vivem, por acaso do destino, numa das minhas paróquias e tivemos oportunidade de nos reencontrar há dias. Queriam baptizar o mais novo. E queriam também confidenciar, dialogar e saber o que pensaria se eles quisessem casar pela Igreja. Eu fiz o mesmo que uns anos atrás. Deixei que tomassem eles a decisão de forma consciente. Perguntei do Afonso, de Deus na vida do Afonso. Respondeu-me o próprio que ainda precisava de caminhar mais, mas que neste momento Deus já lhe era algo importante. Não foi preciso muito. A papelada fez-se com serenidade. A cerimónia também. Nada de embrulhos. Eu sabia sobretudo o que ia na cabeça feliz da Teresa. Mas não resisti a perguntar na homilia o motivo de só agora, passados dez anos, terem optado pela sua união com a bênção de Deus. A Teresa olhou o Afonso. Este não teve meias medidas. Falou abertamente. Já somos uma família. Mas queremos constituir uma família cristã.
Of course que obriguei os presentes, que não eram muito mais que uma vintena, a perceber o que havia sido dito. Repeti-o e iniciei uma salva de palmas à verdade daquele casamento.
Hoje, cada vez que um casal, daqueles que não estão casados pela Igreja, me pede o baptismo de um filho, fico à espera de rever a família do Afonso, da Teresa, do Tiago e do Mateus.

sábado, maio 09, 2009

Quinze maçãs especiais

A ti Maria é uma figura ímpar. Usa, como bom costume, o preto. Lenço na cabeça. Rugas na face. Sobrolho em riste. Poucos dentes. Lembra um filme de Manoel de Oliveira, mas em género comédia. Tem atitudes engraçadas, que lhe são sempre perdoadas, pela figura. Trabalha imenso no campo, na sua horta de passatempo. Macieiras, oliveiras, couves, batatas, cenouras, tomates. Com as pitas e os recos. Passa por lá grande parte do tempo, que a vida está difícil e precisa estar ocupada para evitar pensamentos vãos ou pouco saudáveis. É generosa. Cultiva para si e para dar. Partilha o que tem e o que não tem. Por isso bateu-me à porta com um saco na mão. Não eram mais que umas quinze maçãs que o peso da idade não suporta facilmente o peso de muitas maças. Mas a generosidade suporta quinze maças. Digamos antes umas maçãzitas que, confirmei depois, possuíam uns sinais acastanhados da idade e do prazo. Senhor padre, trago-lhe este saquito. Não é muito, mas é de bom grado. Estava para as levar para os porcos, mas depois lembrei-me do senhor, e trago-lhas aqui com muita amizade. Aceitei-as com a mesma amizade, porque é importante para o cristão saber receber e aceitar. Mas fi-lo à pressa, para ter o tempo necessário de me conter. Contive-me até fechar a porta e depois desatei às gargalhadas sozinho. Sim senhora, a consideração era tão genuína como castiça. Estava para as levar para os porcos, mas depois lembrei-me do senhor.

terça-feira, maio 05, 2009

O Braço direito de um padre

O Braço direito de um padre é aquele que nos olha como homem, mas que sabe que temos uma missão a cumprir. Aquele que nos compreende como homem e como padre. Aquele que se preocupa connosco como homem. E que depois é capaz de dar uma ajuda ao padre e ao homem. Defendê-lo. Estar ao seu lado, como um anjo guardião. Sabe fazer aquilo que o padre não consegue fazer e prolonga o seu trabalho. Prolonga esse trabalho, mas sente que é um com o pároco e com a comunidade. Não se sente apenas um braço, mas um corpo do grande corpo que é a paróquia. É aquele que sabe respeitar os limites do padre e que os usa para o ajudar a crescer. Não concorda sempre. Mas aceita sempre. Ajuda sempre, mesmo que não concorde. Se o padre mostrar um rosto macerado, pergunta que tem aquele rosto. Se o padre tem vontade de sorrir, ampara-o com o mesmo sorriso. Não é perfeito. Não há ninguém perfeito. Mas sabe calar quando é necessário. Sabe guardar segredo. Sabe ser voz do padre quando os restantes paroquianos manifestam dar mais ouvidos aos iguais. Está comprometido, não com o padre, mas com Deus. Vive a fé sem fanatismos, porque consegue compreender a humanidade de cada um e como esta se resolve. Sabe que o padre é humano e precisa de resolver a sua humanidade. Não é um secretário, porque o secretário parece um apêndice do seu patrão. É antes aquele que age como uma missão, a sua missão. É aquele que, mesmo parecendo que não está lá, basta um olhar do padre para agir em conformidade, em cumplicidade. A cumplicidade dos que sabem o que Deus quer em cada momento.
Apetecia-me dizer uns quantos nomes. Mas vou apenas dizer obrigado.

quarta-feira, abril 29, 2009

O colarinho branco

Os óculos adivinham uma pessoa arguta. A Cláudia é uma jovem interessada. Gosta de saber aquilo que não entende. Faz parte do meu grupito de jovens. Reunimos mais ou menos de quinze em quinze dias, que a minha disponibilidade não dá para mais. Há dias fomos visitar uma casa de saúde especial. Foi a nossa partilha de Natal. Íamos na carrinha quando ela dispara, sem mais. Porque é que alguns padres vestem aquele colarinho branco?
No meio da música que se ouvia na rádio, esbocei primeiro um sorriso, depois um gesto de afago, e por fim, aproveitei. Não se trata de um colarinho. Só faltava chamar-lhe coleira. Rimos pelo colarinho e pela coleira. Chama-se cabeção. Os outros que iam na carrinha aumentaram a dose de gargalhadas. Cabeção por causa das cabeças dos padres serem grandes? E continuavam troçando do assunto. Eu também quisera troçar do assunto, porque habitualmente possuo relutâncias com ele, como se um hábito fizesse o monge, ou um adereço fizesse adivinhar a postura da pessoa. Costumo achar que as pessoas são o que vivem e não o que vestem. Mas reconheço igualmente que a forma como cada um se apresenta explica a sua pessoa ou personalidade. Só não o faz ser como se apresenta. Sabem, existe dentro de mim um misto de repugnância e pena por aqueles que me parecem querer ser reconhecidos como padres porque usam um cabeção ou uma batina. Esta ainda me faz mais confusão. Há dias soube de uns indivíduos que entraram num autocarro de batina em direcção a Fátima. Captaram sobre si as atenções e a gentil atenção de alguns. Porém, de padres apenas tinham o hábito. Por tudo isto evito estes assuntos. E tento compreender, aceitar, respeitar quem não usa a roupa como eu, ou pensar que quem usa o cabeção o faz como sinal e não como desejo de se fazer parecer.
Assim limitei-me a explicar à Cláudia e ao resto do pessoal que a Igreja propunha alguns andrajos como adequados à situação sacerdotal. O Código de Direito Canónico fala de uns andrajos simples e discretos, de cores com os mesmos adjectivos acinzentados. Por isso tínhamos de concordar com quem se vestisse assim. Até expliquei que podiam tornar-se oportunos em determinadas ocasiões, como em lugares com pró-formas. Mas, ó padre, nós gostamos de ver que o padre é um de nós, que vive como nós e não à parte e que com isso nos leva ao essencial. Eu disse Pois, para concordar até certo ponto. Porque o padre tem de ser sempre sinal, não de diferença, mas da diferença de Deus. Até certo ponto também se calaram. Mas a Cláudia não. Padre, mas as cores que o senhor veste não serão sinal da alegria e do amor de Deus? Isso do cabeção, da batina e das cores acinzentadas não faz parecer Deus alguém que está triste?

quarta-feira, abril 22, 2009

Esta é para ti, Diana, parte II

Sentou-se no sofá porque é mais cómodo para a sua doença. Fica cansada com facilidade. Não consegue reter muita comida e energia. Retém a respiração consoante os pulmões lhe permitem. Devo exagerar, porque não faço muitas considerações à doença. Vejo-a como os outros jovens da sua idade. Nem mais nem menos. Só as nossas conversas são diferentes. Porque não há como ir direito aos assuntos. Não há como falar do que é essencial. Padre, diga-me que valor e sentido tem o sofrimento. De que serve? Porque se sofre?
Claro que as quatro ou cinco perguntas que fez com o mesmo rumo me deixaram descalço. Por isso encolhi as pernas e fiz uns raciocínios que há tempos venho fazendo, porque sem dúvida que este é um dos enigmas maiores da humanidade, mais incómodos e sombrios. Não é por acaso que a maioria dos doentes, nos ditos países mais desenvolvidos, morrem nos hospitais. Ninguém os quer em casa.
Apeteceu-me responder que com a dor descobrimos o sabor da não dor. Era um raciocínio algo lógico, mas superficial. Por isso avancei essa parte, para encontrar sentido no que queria dizer.
Encarei-a de frente e disse. Diana. Repeti. Diana. Sofremos, porque somos frágeis e limitados. Não somos deuses e senhores da vida. Somos apenas seus administradores. E sabias que isso pode fazer-nos reconhecer a necessidade de Deus? Por sermos limitados, mais facilmente aceitamos que os outros tenham limitações, o que nos põe em pé de igualdades. Não somos superiores a ninguém. Na dor e na morte somos todos iguais. Não há capacidades, bens, riquezas, poderes que lhes resistam. Por sermos limitados, mais facilmente nos sentimos necessitados dos outros. Entendes como a dor pode melhorar os relacionamentos entre as pessoas? Evitar guerras? Evitar conflitos?
Sofremos para nos aproximarmos mais de Deus. Porque nos sabemos, como já disse, necessitados de Deus. Repeti este raciocínio de propósito. Os auto-suficientes não precisam nem dos outros nem de Deus. O sofrimento tem a capacidade de nos fazer descobrir o que é essencial na vida, como tu sabes melhor que eu. Quem melhor do que aquele que sofre para saber o que vale a e na vida!
Incrível como Deus sempre fez com que, no mundo, as coisas grandes se fizessem com as coisas mais frágeis! Incrível como o sofrimento tem a capacidade de nos fazer Viver.

sexta-feira, abril 17, 2009

Ele disse que tinha utilizado um preservativo

Mal se sentou ao meu lado, disse. Senhor padre, utilizei um preservativo. Soube logo que o objectivo era verificar a minha reacção e saber a minha opinião. Falou com malandrice. Mas deve-o ter usado bastas vezes. Não abri muito os olhos. Não devo mesmo ter esboçado qualquer reacção. Tratei as coisas por tu. Isso já não me causa muita confusão. Sabes o que te digo e sem muitos rodeios. O seu a seu dono. Cada coisa no seu lugar. Pergunto-te. Para que servem os preservativos? Ele respondeu que para evitar contagio de doenças infecto-contagiosas. Continuei com o olhar da pergunta e ele percebeu. Também pode servir para evitar uma gravidez. O meu olhar permaneceu incólume. Ele não sabia que responder mais e perguntou. Diga lá então, padre. Olha, meu amigo, o preservativo também pode servir para usarmos o sexo de forma descontrolada, não pensada, não dirigida. Instintiva. Não retiro valor ao sexo, ou melhor, à sexualidade. Se Deus quis que o homem fosse criado com a ajuda do próprio homem através da relação sexual, já por si é algo maravilhoso. Mas o mais bonito para mim é a relação sexual ser a expressão de amor mais íntima, bonita e completa que Deus criou. Eu enquadro o preservativo nisto tudo que acabei de dizer.
A malandrice do Tó passou a ser mais que malandrice, uma curiosidade. Mas a Igreja condena o preservativo, não é? Falemos antes em magistério da Igreja, amigo, porque tanto eu como tu somos Igr. Digo-te, para já, que concordo com a teoria de que o preservativo, por princípio e por norma, é de condenar. Ò padre, interveio ele, olhe que há bispos que já dizem coisas mais prá frente. Ó Tó, se calhar dizem exactamente o mesmo que eu. Assim como me parece que as opiniões que têm originado muitas confusões, não serão muito diferentes umas das outras. A Igreja, magistério, tem sempre de apontar o caminho ideal. Eu penso que não deve desviar-se nem um milímetro. E depois deve considerar que nem toda a gente sabe pisar esse caminho, mas que são pessoas na mesma, criadas com o mesmo amor de Deus. Explico. A atenção e o acolhimento de cada pessoa humana estarão sempre em primeiro lugar no projecto de Deus. Assim ensinou Jesus com a Sua vida. Podemos condenar o pecado, mas não o pecador. As atitudes e opções, mas não quem as faz. A fragilidade, mas não a pessoa frágil. E ainda fica salvaguardada a consciência de cada um. Presumo que assim seja também o entendimento dos bispos e dos que orientam a Igreja.
Mas pensemos de novo no preservativo em si. Já ouvi muitas vozes da Igreja, magistério, afirmar que o uso deste contraceptivo poderá será a única solução para um casal em que um dos dois tenha essa doença da Sida. Ou então a abstinência. Porém, como todos sabemos seria anti-natura que um casal não usufruísse desse momento que é o mais belo e o mais íntimo de um casal, a relação sexual. Concordo sem problemas morais. Porque o que está em causa é o amor de duas pessoas que se entregaram uma à outra numa verdade de amor.
A minha opinião sincera é que tudo requer uma situação e um contexto próprios. Também o uso de preservativos. Custa-me que ele seja badalado para o uso incorrecto do amor. Explico. A maior parte das vezes serve como álibi para cada um fazer o que bem lhe apetecer, para cada um tirar o máximo de partido do prazer. Não que o prazer seja mau ou condenável. Mas que em primeiro lugar se badale o amor e a fidelidade. O problema do preservativo não está em si, mas na raiz do problema da nossa sociedade. Usa-se e abusa-se do outro e descarta-se, como o preservativo. Não se ama. Usa-se. Usa-se o preservativo não para proteger, mas para poder descontrolar-se. Usa-se para poder ter os parceiros que se quiser, mas não para amar. A campanha contra a Sida devia incentivar mais esta forma de encarar o sexo. Dentro do amor e da fidelidade, tudo é explicável. Fora, poderá ser a forma mais fácil de encarar o problema. A Sida é um problema. Grave. Duro. Sofrido. O preservativo poderá ser uma forma de a combater. Sem dúvida que o é, ainda que não a 100%. E até de outras doenças venéreas. Mas que não seja a desculpa para um falso amor, ou utilização plural do corpo. Hoje uma ou um e amanhã ou daqui a nada outra ou outro.

quarta-feira, abril 08, 2009

Esta é para ti, Diana, parte I

A Diana é uma menina que nasceu com uma doença sem cura. Tem um nome complicado. Não o aprendi porque tenho estado mais atento à pessoa que é sua portadora. Mas é um nome complicado. Tão complicado como a doença. Vive mais dias no hospital que em casa. Já se passeia pelos corredores como sendo a sua sala de espera. Falamos muito, sobretudo quando ela precisa de alguém que lhe dê duas palavras para alimentar forças. Temos falado muito sobre o céu e o inferno. A vida para além da morte. O que Deus nos tem preparado e o que espera de nós. O que Ele nos dá e o que nós temos ou merecemos. A nossa história. A história de outros tantos que sofrem ou já partiram. O tempo. A vida. Há dias recebi esta mensagem da Diana: Aprendi que o tempo é muito precioso e não volta atrás. Por isso não vale a pena resgatar o passado. O que vale a pena é construir o futuro.
Escusado será dizer que me lembrou as vezes que complicamos a vida, sem necessidade e presos a um passado que nos faz resistir à própria vida. Ela sabe o que é necessário viver. Tenho-a recordado que o importante não é o tempo que vivemos, mas a intensidade com que se vive. Faz uma vida normal, naturalmente. O que a natureza permite. Quando me procura julga que eu a ensino muito. Mas é sobretudo ela que me ensina. Porque vive num limite em que é Deus que comanda e não os homens.

quinta-feira, abril 02, 2009

sondagem_ “Preocupas-te em cumprir ou viver o que é aconselhado na Quaresma?”

Passado que vai mais de um mês da última sondagem, bem como mais de 400 votos, e quase a aproximar-nos da Páscoa, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado esquerdo, no sidebar. A questão era:
“Preocupas-te em cumprir ou viver o que é aconselhado na Quaresma?”

E os resultados são:
1. sou indiferente _ 34 %
2. sim, mas a 50 % _32%
2. sim, a 100 % _23%
4. pouco, 25% a 50% _4%
5. o que é isso? _ 2%
_________________________
pequenas considerações:
  1. Suponho que para a escolha da opção mais votada devem ter contribuído alguns penitentes que não são católicos nem se sentem obrigados a viver a Quaresma. No entanto, e já o previa, devem existir muitos católicos para quem a vivência da Quaresma é algo indiferente. Não acrescenta nem tira nada à sua fé. Das duas, uma: ou deixaram de se interessar pela vivência apenas tradicional de alguns preceitos da Igreja, ou tencionam viver uma forma de cristianismo longe de algumas vivências úteis e se calhar imprescindíveis à fé. Independentemente desta consideração, o facto desta opção ter sido a mais votada deixa-me alguma preocupação. Até que ponto as propostas da Igreja são válidas ao caminho de fé daqueles que pretendem fazer uma caminhada quase individual e onde o relativismo se torna norma?
  2. A segunda opção não me faz pensar em nada a não ser que desejava que tivesse sido a mais votada. Perguntar-me-eis porquê e eu responderei que no meio está a virtude. Ou dito de outra forma: quase ninguém consegue ser a 100 % e seria normal a escolha; e o patamar dos 100% pode parece que já não há necessidade de fazer caminho.
  3. Apesar da afirmação que fiz na anterior consideração, é óbvio que me congratulo imenso com aqueles que conseguiram votar na opção "a 100 %". Perguntar-me-eis se não estou a entrar em contradição, e eu direi que uma coisa é aquilo que eu acho mais plausível e outra o ideal de vida. Quem conseguiu chegar a este patamar, está de parabéns.
  4. Aos que escolheram a 4ª e a 5ª opção, remeto-os para um post anterior que responde à pergunta “Para que foi inventada uma Quaresma?”.

Com os olhos postos na Páscoa e naquilo que deve ser a raiz da nossa fé, hoje surge nova sondagem. E a pergunta é muito simples e directa:

Acreditas na Ressurreição?

quinta-feira, março 26, 2009

Deus não escolhe os preparados

Preciso de paroquianos empenhados num determinado serviço. Procuro. Penso. Reflicto. Rezo as possíveis escolhas. Não se encontram os perfeitos. Penso em mim e depressa concluo que não têm de ser especiais nem perfeitos. Eu também não sou. Têm apenas de ser escolhidos, chamados. É o que faço depois de vários meses nisto.
Iniciam-se as tarefas ou serviços pretendidos. Os tais paroquianos tornam-se alvo de comentários, uns bons outros maus, sobretudo na base do porque é que foram escolhidos. Porque sim ou porque não. Se são bons ou não. Se são as escolhas acertadas. Para mim são apenas as escolhas aceites. Mas há quem não pense assim, ou melhor, que pense contra. São as vozes daqueles que confundem a perfeição com a vida e transportam para os outros as suas inércias ou limitações ou recalcamentos. A voz de uma dessas senhoras confrontou-me directamente. Ao menos foi corajosa e não foi, como muitas outras vozes, apanágio do falar nas costas. Insistiu imenso que a pessoa tal tinha sido um tamanho erro sem perdão Respondi-lhe, como em tempos alguém me dizia. Para fazer do mundo um jardim, devemos concentrar-nos em fazer do nosso um belo jardim. Quando todos assim fizerem o mundo poderá tornar-se um belo jardim. Mas como teimamos em apontar erros aos jardins dos outros, sobra-nos pouco tempo para nos dedicarmos ao nosso. Ela firmou a sua posição com O senhor padre diz isso porque o erro da escolha foi seu. Com a mesma coragem e firmeza com que ela falou, eu respondi. Deus não escolhe os preparados. Prepara os escolhidos.

sábado, março 21, 2009

Para que foi inventada uma Quaresma?

O diálogo surgiu pouco depois da missa, à saída da Igreja, num a propósito destas coisas da quaresma. Estávamos umas cinco pessoas a falar do que era antigamente e do que era hoje. No que eram os hábitos antigos do não comer carne ou do não comer verduras no dia de ramos, no que era a bula e as amentações das almas. Uma série de coisas que a Igreja sempre nos propôs, senhor padre. Que sentido têm essas coisas? Para que foi inventada uma quaresma? Expliquei primeiro o significado dos quarenta dias de deserto antes da Páscoa. Falei depois no maior acontecimento para o sentido da vida de quem tem fé. A Ressurreição. Que não era coisa para banalizar, ou para ter como mais uma tradição bonita da nossa Igreja. Que a Quaresma era uma ocasião para tornarmos especial esse acontecimento. Que era uma ocasião para nos encontrarmos com o sentido da nossa vida. Aproveitando a situação que se vive da famosa crise que vai entrando nos bolsos de todos, falei na oportunidade que esta quaresma de 2009 pode ser para todos. Porque aquilo que nos é aconselhado nesta época litúrgica, tal como o Jejum e abstinência, esmola, sacrifícios, oração, penitência, leitura da Palavra de Deus, austeridade nas igrejas e cerimónias com ausência de flores, Glória, Aleluia, entre outros, minhas amigas, servem um propósito apenas: encontrarmo-nos connosco próprios em confronto com um Cristo ressuscitado, um encontro com o essencial da vida desprendido de embrulhos, um reencontrarmo-nos com os valores essenciais para vivermos rumo à felicidade e ao sentido da vida. Se repararem bem, disse, tudo o que nos é aconselhado ajuda a rebuscarmos alguns valores que dão mais sentido à vida. O desprendimento, a partilha, a solidariedade, a austeridade, o poder do sacrifício entre outros. Tudo o que envolve a Quaresma pode ajudar-nos a redescobrir as coisas essenciais que são deveras importantes e imprescindíveis para se viver com sentido. Serve ainda para prepararmos a nossa libertação, aquilo que chamamos de Páscoa. Por isso, amigas, usem e abusem da Quaresma para encontrar a vossa verdadeira vida, aquilo que lhe dá sabor. E que esta Quaresma de 2009 seja uma oportunidade para fazermos Páscoa na nossa vida e nesta época histórica.
Não sei se elas entenderam. Mas pelo menos não me fizeram mais perguntas. Talvez as tenham feitas a elas próprias depois.

quarta-feira, março 18, 2009

A morfina da ti Maria

Telefonou para o confessionário a filha. Ou a sua lagrimita. Fui lá logo nesse dia. A mãe, que visito regularmente (o que o regular me permite), está de cama há anos. Piorando. Claro. É isso que, doente, na maioria das vezes, se faz na cama e na idade. Estava a dormir. Olhe o senhor padre. Ela sorriu. Tinha levado morfina há poucas horas. A noite anterior tinha sido violenta. Para a mãe, filha e genro. O médico dera a entender. Por isso as lágrimas da filha implorando auxílio. Custa sempre. Caramba. Fiz por mostrar um sorriso também. A ti Maria mal se percebia, mas estava lúcida. Ouvi muito calado. Aprendi. Mulher de fé, de sofrimento, mas de ânimo. Depois disse umas doidices. Já está habituada. Este padre é maluco. Fartámo-nos de rir. Até a filha. Ó Mãe, já há tanto que não rias assim! Ajoelhei-me aos seus pés. Perguntei se precisava algo que eu pudesse fazer. Podia confessar, ou sei lá. Tipo a Unção dos doentes. Disse assim para que não parecesse o fim. Há gente ainda que assimila o sacramento como “extrema unção”. Fiquei pasmado. Que bom! Claro que quero. A filha ficou aliviada. Celebrámos o sacramento. No final ainda ficámos mais um bocadão. Rimos muito. Ai este padre! É o padre mais maluco que conheço… mas se calhar é mais padre que muitos. Fiquei sem palavras. Nem sabia se referir. Mas o que ouvi de seguida deixou-me, não só sem palavras, como sem pensamentos. Deus gosta muito de mim!

sexta-feira, março 13, 2009

A medida do padre

Há pessoas que pensam que os padres se ordenaram para serem párocos. O nosso pároco. É nosso. É meu. Mas eles ordenaram-se para serem padres. E o padre não é apenas aquele que tem uma paróquia. É aquele que vive à maneira de Jesus prolongando os Seus braços de forma ministerial. Faz-se instrumento de Deus na Celebração, na Palavra, na Vida. Gosto muito da vida paroquial. Não sei se aguentaria não ser pároco. Mas não consigo entender como as pessoas podem ser egoístas ao ponto de demonstrarem que o seu pároco não pode fazer mais coisas que estar na paróquia. Já uma vez disse que não há pior que o “egoísmo de deus”, querermos Deus só para nós e como nós O queremos. Também não há maior egoísmo paroquial que querer a paróquia e o pároco à sua medida, no seu tempo e na sua forma. Como se as coisas de Deus fossem finitas ou tivessem medida.

segunda-feira, março 09, 2009

Um erro não é a vida

O João cometeu um erro. Grave, pode dizer-se. A paróquia foi lesada. Eu fui lesado. Não interessa senão saber que podia ser um caso. No entanto decidi chamar a pessoa à consciência. Chamá-la à verdade de uma existência com verdade. No mínimo dar-lhe a oportunidade de perceber que existiu um erro. Mas que esse erro não é a vida. A vida é o que fazemos com que ela seja motivo para sermos felizes. Decidi escrever e ouvir. Perguntar. Indagar. Decidi esperar. O erro resolveu-se por ele, ou pelo João na procura de uma saída. Mas o António, que assistira a tudo, exigira uma outra atitude do padre.
Senhor António, as pessoas exigem que resolvamos os assuntos paroquiais à maneira humana. Um tribunal. Para um lado os bons e para o outro os maus. Vencer os maus. Derrotá-los. Mostrar quem manda. Mas eu sou padre e portanto deveria ser um homem de Deus, fazer como Deus. Jesus escrevia no chão enquanto à sua volta queriam apedrejar a pecadora. Jesus queria mudar o coração da pecadora e dos outros, tão pecadores como ela. Não pretendia julgar pura e simplesmente. Acho que posso afirmar que a Sua intenção nunca foi a de definir o mal e o bem, ou indicar o que é mal e o que é bem. A Sua intenção era transformar o mal, construir o homem novo a partir de dentro, a partir do coração do homem. Por isso foi chamada da maior revolução, porque não era exterior. E por isso fico baralhado quando me exigem que não faça como Ele. Quando esperam, ou melhor, anseiam, que faça sangue, que faça sofrer quem fez sofrer a paróquia ou o seu pároco. Por muito que às vezes tivesse vontade de o fazer, não consigo. Não tem a ver com aquilo que eu sinto de Deus.

quarta-feira, março 04, 2009

Olha que o senhor padre bate-te

O caricato surgiu no meio da celebração da Eucaristia. A criança não parava por nada. De um lado para o outro, desviava o olhar dos presentes para as coisas a que se agarrava. Círio. Ambão. Lampadário. Credencia. Cátedra. Vasos de flores. Candelabros. Todos estavam a ver a hora em que um deles fazia o estrondo de uma queda monumental. O avô, atrapalhado, de vez em quando ia buscá-la. Porém, não conseguia retê-la nem na mão nem no colo. O miúdo devia sentir-se algemado e esbracejava fazendo ainda mais escarcéu. Para evitar este, o avô largava-o. Informo que estas cenas decorriam a poucos metros de mim, o que me obrigava a atenções redobradas com a minha concentração. Por duas vezes lancei um olhar de carinho misturado com uma reprovação ou um dedo na boca para a criança. Não o fiz para o avô, que, merecendo-o embora pela falta de sensatez em assumir uma atitude – já não digo pela celebração, mas pelas coisas que se imaginavam cair de um momento para o outro -, estava mais atrapalhado que todos os presentes, sem saber que fazer. Esperei que algo sucedesse. Não gosto de intervir num papel que não seja propriamente meu. Esperei. Esperei. E do meio da assembleia surgiu a tia. Agarra-o a um metro de mim. Fica ali a olhar-me por cima das flores do altar. Pega-o ao colo com força. Força o seu rosto com a mão direita na minha direcção e diz. Está quieto e caladinho, senão olha que o senhor padre bate-te.
Não digo agora o que me apeteceu naquela hora fazer à tia. Mas sempre posso dizer que naquele dia aprendi porque é que as pessoas desde cedo começam a ter aversão pelos padres, e porque é que os rapazes desde cedo excluem a possibilidade de irem para padres.

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

sondagem_ “Pede um desejo para a Igreja Católica em 2009”

Passados que vão quase dois meses do início do ano 2009 e da última sondagem, bem como cerca de 600 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado esquerdo, no sidebar. A proposta era:
“Pede um desejo para a Igreja Católica em 2009”

E os resultados são:
1. + coerência entre fé e vida _29%
2. + verdade _15%
2. + adaptação às realidades _13%
4. + formação _12%
5. + oração _ 9%
6. + vocações _ 9%
7. + compromisso cristão _ 8%
8. + fé e - religiosidade _ 3%
9. + fraternidade _ 2%
10. - moralismos _ 2%
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pequenas considerações:
  1. Eu também votei na opção que mais votos arrecadou (+ coerência entre fé e vida), porque me parece que o principal problema dos católicos é exactamente não levarem a fé para a vida, reduzindo esta a meras formalidades, rituais ou tradições. Também me parece que os católicos geralmente não pensam ou sentem como tal. Não raras vezes se descobre que há muitas coisas e ideais propostos pela fé que não interessam aos que se afirmam católicos. No que se refere aos sacramentos, nem vale a pena fazer referência.
  2. Não entendo o motivo da segunda escolha (+ verdade). Procurei perceber em quê, mas sobraram-me muitas outras questões, como: Mais verdade nos conceitos ? Mais verdade naquilo que se diz com o que se faz (mas isto seria o mesmo que a 1ª opção)? Menos mentiras de quem se diz cristão ? Porém, a única verdade é Cristo e essa não pde ser mais verdade. Espero que alguém me elucide mais.
  3. A terceira opção (+ adaptação às realidades) faz-me pensar na inculturação que eu tanto gosto, porque imagino Deus como um ser que se aproxima de nós como somos e não como alguém idealiza; faz-me pensar na « Nova Evangelização » que falava João Paulo II; faz-me pensar naquela mensagem sempre nova que é o Evangelho.
  4. A Formação (+ formação) é essencial para que a nossa fé seja mais coerente e mais consistente. Só ama quem conhece a pessoa que ama.
  5. A oração (+ oração), as vocações (+ vocações) e o compromisso cristão (+ compromisso cristão), para mim, são como que consequências da nossa fé ou paixão por Cristo. Quem ama dialoga. Quem ama entrega-se total e/ou responsavelmente, se for necessário. Quem não chegou ainda a este patamar da fé ou do amor, como pode rezar ou consagrar-se ou comprometer-se?
  6. Suponho que a opção “+ fé e – religiosidade” ou não foi bem interpretada ou foi sentida como uma repetição da opção vencedora. Estranhei a sua percentagem.
  7. A Fraternidade (+ fraternidade) é essencial aos católicos, pois são a comunidade dos discípulos de Cristo. Não podem viver individualmente. Porém, também estranhei que tivesse pouca percentagem, porque conheço bem a forma como nos tratamos uns aos outros de forma sistemática. Perdoem estas estranhezas. De facto, não podiam todas as opções receber as mesmas votações.
  8. Para meu regozijo e, ao mesmo tempo, nova admiração, “- moralismos” foi a última opção. Numa época histórica em que a normal moral quase se reduz ao que eu desejo porque sou livre para o fazer, fiquei admirado que esta não fosse das principais opções. Quer-me parecer que os meus penitentes são gente que tem a sua opção moral bem definida.

Com os olhos postos neste tempo litúrgico da Quaresma, hoje surge nova sondagem. Tendo em atenção que a Igreja nos pede ou aconselha algumas coisas para vivermos ou cumprirmos nesta época, nomeadamente Jejum e abstinência, Esmola, Oração, Leitura da Palavra de Deus, Sacrifícios, Penitência, Confissão, Retiros, Conversão, entre outras, responde às seguinte questão:

Preocupas-te em cumprir ou viver o que é aconselhado na Quaresma?

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Não estás nunca sozinho

Abri-lhe a porta, percorri o corredor até à sala que abro aos amigos, àqueles que entram na casa para estar comigo e não para ver o que ela tem de novo ou desarrumado. Sento-me no sofá e quase desenho no ar o que estou a sentir. Abro os braços e fecho-os contra as coxas. Depois olho para ele. Inclino levemente a cabeça para a frente. Seguro-a com uma das mãos e com a outra seguro a testa. Ele entendeu. Faltava pouco mais de meia hora para outro funeral. Digo outro porque têm sido cerca de três, quatro, por semana. Este ainda por cima era de alguém algo próximo. Daquelas pessoas com quem um pároco faz diálogos, conversas às vezes de chacha, mas que são formas de nos tornarmos presentes, de vivermos com. Além do cansaço e desânimo que me traz tanto funeral, este tornou-se especial até pela idade do amigo que acompanhei na doença, só que mais não seja, com algumas perguntas e conselhos a familiares, e pela quantidade de amigos e pessoas que imaginei estarem presentes no momento. Ele entendeu. A uma distância de um metro, disse apenas duas frases que nunca mais vou esquecer, porque precisava delas naquele dia, e sobretudo porque elas definiram o paroquiano, o amigo que as estava a dizer. Eu estou contigo. Se tiveres alguma dificuldade durante o funeral, olha para mim que vais saber que estou contigo.
Posso garantir-vos que olhei na sua direcção umas duas vezes. Não mais, porque não precisava olhar para lá para saber que não estava sozinho naquela montanha que tinha de escalar. Para a escalar tive de suster algumas lágrimas, esconder algumas vezes o rosto de quem tinha calçadas umas botas com o rasto gasto e escorregadias para subir a montanha. Mas não vou esquecer as palavras que ouvi naquele dia e que me disseram Não estás nunca sozinho.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Eram só mais quinze

Foi preciso morrer, para o senhor padre o visitar. Tanta vez que, na doença, o convidei a passar lá por casa. Arranjam-se as maiores desculpas com argumentos, razões, motivos e causas, tempo e falta dele, disponibilidade e falta dela. Quando a vida não nos puxa para ali, inventamos tudo e mais alguma coisa para dizer que a vida tem razão. Mas hoje a campainha cá dentro soou como há muito não soava. Ficou rouca de tanto tocar. Mesmo depois de se retirar o dedo porque tinha de ir embora, continuo a ouvir o som da campainha como se nada mais cá houvesse dentro senão a campainha. Foi preciso ele morrer. A esposa bem me tinha dito para lá passar. Não disse muitas vezes. Mas para ela, porque se cansou de o dizer, foram muitas. Para mim só agora foram muitas. Estava distraído. Distraiu-me o tempo. Distraiu-me a vida. Eram quinze minutos daqueles que costumamos roubar às horas. Eram só mais quinze. Podiam parecer trezentos e quinze. Mas eram só mais quinze. Agora bem posso dizer que estou a gastar mais de quinze a pensar nisso enquanto a campainha ressoa cá dentro.

sábado, fevereiro 14, 2009

Um colega que deixa de o ser e as consequências

O telefone do confessionário tocou. Do outro lado e de chofre: “Faxavor de continuar a cumprir bem as suas funções”. Depois, em pouquíssimas palavras, explicou quão grave era. Só depois do depois entendi. As vozes daquelas e daqueles que gostam de falar da vida alheia chegaram à conclusão de que eu ia deixar de ser padre porque o tinham ouvido a outra pessoa entendida nestes assuntos de comentar. E que era verdade. Que um padre assim e assado, com mais ou menos esta idade, lá para aqueles lados, ia deixar de ser padre. Só podia ser eu. Bolas. Nem se preocuparam em saber se era verdade! Já estão a ver.
Mas o que mais me indigna é que muitos desses rádios volantes fazem parte do grupo daqueles que condenam o celibato. Os padres deviam casar! dizem. Têm uma opinião muito aberta sobre assuntos de igreja. São progressistas. Tão progressistas, que na hora do assunto ser real, exclamam: É um escândalo! E alimentam as telenovelas e as histórias, aquilo que é verdade e aquilo que é fruto da imaginação. E depois ainda metem todos no mesmo saco. Aquele também já tem noiva. E aquele. Qual é o padre que não tem várias candidatas a viver em sua casa!
E a mim só me faltava possuir parcas semelhanças com o colega que vai deixar de o ser.
Ora bolas, não me chegava o celibato!

domingo, fevereiro 08, 2009

Estou?

Estou? Atende-se o telefone quase sempre com esta pergunta. Estou? Como se fosse uma pergunta para nós. E esperamos que a outra pessoa não responda à pergunta. Queremos que diga o que pretende. Ela diz também Estou? E ali ficamos a perguntar uns aos outros se estamos. E se acaso não ouvimos ninguém, repetimos Estou, sim? até ouvirmos do outro lado a mesma repetição Estou? Nunca havia pensado desta forma, mas olhando agora para a pergunta, não será que o fazemos para tentar perceber onde estamos! Com quem estamos! Se estamos presentes ou ausentes? Se somos nós que falamos ou se é alguém que fala do outro lado da linha por nós! Se estamos vivos e a viver ali!
Há dias aconteceu assim na igreja. Não foi por mal. A pessoa não tem essa maldade dentro de si. Dartacão dartacão. O telemóvel tocou a primeira vez durante a homilia, e saiu disparado porta fora. Como saiu dos primeiros bancos, quase todos os olhos dentro da igreja o seguiram, inclusive os meus. Da porta entreaberta três vezes se ouviu Estou? Mas depois voltou. Com certeza não estava. Perto do final da missa, a mesma melodia se ouviu. Dartacão dartacão. O senhor é pessoa para não saber desligar o telemóvel. Alguns colegas acham oportuno colocar um desenho de um telemóvel com uma cruz por cima, à porta da Igreja. Eu costumo pensar que o comum das pessoas sabe que há ocasiões em que o telemóvel deve estar desligado ou em silêncio. Mas aquele senhor é do grupo de pessoas que não faz por mal. Usa o telemóvel porque toda a gente usa. Porque é preciso usar. E isso não significa que toda a gente saiba usar. Vai daí, e porque já estava cansado de sair da Igreja, atendeu logo ali. Estou? Se até àquela ocasião, os olhos só procuravam o senhor, agora os olhos dentro da igreja riam e murmuravam. Eu ri e abanei a cabeça. Mais em sinal de estupefacção do que desaprovação. Estava sentado, ainda na acção de graças. Por isso, tive oportunidade de pensar na pergunta que o homem do telemóvel fizera. Será que quando estamos na Igreja, estamos mesmo?

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Estava saturado de estar saturado

Estava saturado de estar saturado. Estava com os paroquianos, mas desejava logo a seguir estar em casa. Fechado ou pelo menos que não entrasse ninguém com facilidade. Que pudesse sair de vez em quando, de preferência para longe e sozinho. Dizia que ainda conseguia sorrir para as pessoas quando estas lhe causavam um transtorno que, na maioria das vezes, para ele constituía um problema. Perguntei como conseguia e ele respondeu-me que era sincero. Que se esforçava por amar a pessoa e não o que ela estava a dizer. Sorria por fora, e para dentro usava os dentes quase cerrados do sorriso para premir com força e relaxar os nervos. Perguntei-lhe porquê e respondeu-me que não sabia. Perguntei-lhe se não tinha amigos, e respondeu-me que sim. Mas que ultimamente, mesmo quando estava com eles desejava chegar a casa rápido porque tinha o não sei quê para fazer. Se estivesse com eles em casa, fazia um esforço enorme para estar acordado contando piadas. Mas não gostas deles? insisti. Gosto imenso. Que seria de mim sem eles! Perguntei-lhe se andava cansado e respondeu-me que não. Que estava apenas saturado. Mas depois lembrou que quase todos os dias ainda antes de jantar já se encontrava com sono.
A conversa ocorreu ao telefone e desliguei para falar pessoalmente com o padre Y. É um pouco mais novo que eu. Não sei como vou entrar em sua casa. Mas estas conversas são de casa e não de rua ou fios de telefone.
Porém ao virar costas lembrei o que há dias dizia a umas senhoras da paróquia. Às vezes apetece-me adoecer para passar umas férias no hospital. Ao menos nessa ocasião as pessoas aprenderiam a viver com aquilo que se pode e não com aquilo que gostam de ter ou da forma como gostam de ter.

domingo, fevereiro 01, 2009

Nem uma palavrinha de agradecimento, parte III

A zeladora dos altares não demorou muito a vir ter comigo de novo. Estivera a meditar em casa. Queria perceber ainda mais. Pelo menos melhor. Contei então uma história. Os membros do corpo estavam cansados de trabalhar para que o estômago tivesse comida. Então decidiram fazer greve. Deixaram de exercer as suas funções. Não é difícil descobrir como em pouco tempo começaram a sentir-se fracos. A desfalecer. Depressa concluíram que todos os membros deviam cooperar se queriam sentir-se saudáveis, e o estômago reconheceu também que devia repartir com igualdade tudo o que chegasse a ele. Depois do final da história, que não alonguei nem adornei, repeti: Todo o cristão tem um lugar na comunidade, que não pode ser apenas o de mero espectador. Deve cumpri-lo não como um prolongamento do ministro ordenado, mas pela missão que Deus lhe tiver reservado. Aliás, o sacerdócio comum dos baptizados não faz inútil o sacerdócio ministerial, não o substitui. Um e outro participam do sacerdócio de Cristo. Vem na Lúmen Gentium. A organização da comunidade não se trata de mera eficácia administrativa. Tem a sua raiz numa consciência mais profunda do Povo de Deus. O grupo da comunidade cristã crescerá na corresponsabilidade tanto quanto mais houver partilha de responsabilidades. E, minha senhora, não deve haver motivo de invejas, ciúmes ou arrogâncias. É como numa família: cada um faz o que pode para contribuir para ela e assim cumpre o seu papel. Por detrás não podem estar subjacentes nem poder, prestígio social, remuneração económica ou elogios. Por detrás deve estar a nossa missão sacerdotal. O melhor lugar pode até ser o mais discreto! O melhor lugar, a meu ver, é aquele em que se pode servir o irmão mais e melhor.
Deu-me um abraço e passou a fazer arranjos de flores muito mais bonitos.
Se querem saber, há dias elogiei-lhe não só o arranjo de flores como o seu arranjo com o rímel. Porque sim, porque estavam mais bonitos e sinceros.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

Nem uma palavrinha de agradecimento, parte II

A zeladora dos altares não concordou, embora o rímel continuasse a olhar na direcção das minhas palavras, isto é, da minha boca. E, já que não serviram, continuei. Na Casa de Deus há muito espaço, muitos lugares, muito que fazer. Há para todos. Todos têm para fazer. Funções, responsabilidades, serviços. Até ao Concílio Vaticano II os leigos não eram considerados membros activos da Igreja. Não participavam na eucaristia. Assistiam. Não celebravam os sacramentos. Recebiam-nos. Eram espectadores passivos da actividade da hierarquia. Depois as coisas foram mudando. Porém, na minha opinião, as mentalidades ainda não mudaram o que deviam, quer de padres quer de leigos. Todos têm opiniões sobre o assunto. Mas uns não querem abdicar do monopólio. Outros não querem assumir o trabalho.
Servir na Igreja, minha amiga, é um direito e dever de cada um. E o serviço deve ser só isso, serviço gratuito. Todo o cristão deve ser activo, e tem um “lugar” a cumprir na comunidade. Não peça agradecimentos. A mim. Aos outros. A Deus. Faça-o como verdadeiro serviço. Acho que não gostou da palavra serviço, porque saiu porta fora sem dizer sequer Vou-me embora.

domingo, janeiro 25, 2009

Nem uma palavrinha de agradecimento, parte I

Andava eu atarefado pelos corredores da Igreja. Dirigia-me ao confessionário, o meu local de eleição. Vem uma zeladora dos altares, borrifada de batom e aquilo dos olhos, o rímel, cuido eu: Vou desistir, senhor padre. Nem uma palavrinha de agradecimento! Sua ou dos outros! Fiquei boquiaberto com a frase e com o rímel. E atalhei quando fechei a boca e abri de novo: o melhor agradecimento é quando estamos em sintonia com a pessoa que merece o nosso agradecimento e apoio. Melhor do que falar na missa dos valores de cada servidor, é sintonizar com eles, partilhar, simplesmente estar com. Aprendi isso porque um dia o bispo louvou muito o nosso trabalho, meu e da equipa diocesana, durante a homilia. Mas depois da missa, ausentou-se para outras actividades, que nem eram bem diocesanas. E estavam lá mais de mil pessoas. Suas ovelhas. Fiquei, como há pouco, boquiaberto. E “olhiaberto”. O melhor agradecimento ou demonstração de valor era ter ficado connosco o resto do dia.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Meu Deus, porque me abandonaste?!

Acabei há pouco um funeral. E agora refugio-me aqui. No confessionário escuro e frio. Era um jovem de 26 anos que faleceu num acidente de automóvel. Filho único. O emprego conseguira-o há pouco tempo. Depois de vários anos a estudar em Lisboa. A mãe, segundo me disseram, aquando da gravidez, teve imensas dificuldades. Correu risco de perder a criança. Esteve em repouso absoluto e foi guiada por médicos para conseguir os seus objectivos. Dar à luz. Um mar de gente na Igreja. Eu tremia por todos os lados. Ainda bem que não conhecia a fundo o jovem. Mas já estou a rezar por causa de alguns amigos. Fico sem voz ao pensar. Hoje fiquei sem pinga de sangue. O que dizer na homilia. Que não sabia o que dizer. E fui utilizando a expressão de Jesus “Meu Deus, porque me abandonaste?” e fiz entender que também Ele fraquejou. Mas que aceitou. E que à luz da Vitória da Ressurreição, alimentamos a nossa esperança, o nosso ânimo. E que se o levou, era porque gostava muito dele. Que se calhar o queria privar de tanto mal que existe no mundo. E que não há possibilidade de nos conceder todos os milagres. Que senão teríamos hoje gente com milhares de anos. Não tinha sentido nascer. Que devíamos continuar as obras começadas pelo jovem Rodrigo. Que devíamos aprender com isto da morte a lição da vida. Nesta ocasião todos somos iguais. Não há ricos nem pobres. Que não sabemos o dia nem a hora. Que perdemos tempo preocupados com tantas futilidades. Que devemos estabelecer prioridades. Que não devemos estar a mal com ninguém. Que devemos amar enquanto é tempo. Que devemos procurar sentido para a vida. Que devemos… E rezei a pedir fé aos pais, porque ela também me ajudou a segurar o barco em momento idêntico aquando da morte da minha mãe. E vim para casa com os gritos dos pais nos ouvidos.
E pergunto. Porque me custa tanto celebrar funerais?! Porque tenho tanta fragilidade nestas ocasiões, Senhor?!

sábado, janeiro 17, 2009

A homilia da Paula

O homem sobe para o ambão e começa num berreiro contra o pessoal. Deu lenha o tempo todo. Foi chapada velha, pontapés e chutos a torto e a direito. E vai daí, durante meia hora não teve uma única palavra de afecto. O tipo deve ter entrado no Seminário por frustração. Não viveu com pessoas. Não deve ter conseguido ver que à volta dele há pessoas independentemente dos seus pecados. Cruo. Não percebe que muitas daquelas pessoas que vão à igreja vão porque provavelmente todos sofrem e não interessa com o quê ou porquê. Simplesmente sofrem ou no mínimo estão à procura de algo. Aquele tipo é um triste coitado, que não percebeu nada do que andou a estudar. Berrou, berrou. Vós vindes à missa pedir para vós e não Lhes agradeceis as graças que Ela vos dá. Adorais Maria e esqueceis-vos que a figura principal é Deus nas suas três formas. Vindes à igreja quando precisais e depois tudo cai no esquecimento. Etc e etc, padre. O tipo é louco, nem imagina. Berrava de dedo em riste. Vós pensais que Maria é uma extraterrestre, mas não é! Vós podeis ser como ela. Uma mulher que se entregou, confiou. Uma mulher casta, livre de pecado. Ó padre, só faltou dizer que éramos todas um bando de putas. Uma tristeza. Até o rosto dele só espelhava tristeza. Nunca abriu a boca senão para berrar. Por isso nunca mostrou um sorriso. E repetia a treta da extraterrestre. Nunca mais vou àquela missa. Parecia um peixeiro a vender o seu peixe. Não vou não.
Ouvi e ouvi. Também ela se repetia insistentemente. Mas não berrava. Eu bem sabia que assim era. Ainda há dias numa sondagem verificávamos que as homilias têm sido descuidadas por muitos padres. Mas eu tinha de ensinar à Paula que a missa não é o padre e que a homilia é a mensagem de Deus actualizada. Se calhar ia usar a oportunidade errada. Mas não resisti e fui dizendo. Não devemos nunca confundir a mensagem com o mensageiro. Trata-se de uma voz. Nada mais. Uma voz entre outras. Aliás, a voz é um conjunto de sons que servem para comunicar uma mensagem. Sabes o que sucede depois à voz? Desaparece. Só fica mesmo a mensagem. O mensageiro pode ser rasca, deixar-nos à rasca, mas a mensagem será sempre uma Boa Notícia se for a mensagem do Evangelho. A mensagem será sempre a mesma. O resto pode variar. Isto serve para perceberes que a mensagem é que importa e que os que a transmitem são menos importantes. Aliás, isto também serve para nós, os mensageiros, percebermos que não devemos ter veleidades nem nos confundirmos com a mensagem ou a distorcermos. Eu falava, falava. Não berrava, não. E pensava que lhe estava a ensinar algo importante. De facto estava. Mas ela interrompeu-me para dizer. Ora aí está. O mensageiro não deve distorcer a mensagem.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Hoje foi daqueles dias

Venho aqui para me confessar. Não há padre. Numa linha de não sei quantos quilómetros só existe um padre. Eu. Não há ninguém para me ouvir. Só Deus me escuta. Só eu me escuto. Entro de mansinho. Não me sento na cadeira normal, mas no canto direito do confessionário. Acocorado. As mãos a segurar a cabeça. Não chegam para envolver os pensamentos. É um daqueles dias em que vou às compras e me telefonam quando estou para pagar. Faço a menina esperar. Ela sorri. Os que estão depois de mim acenam com a cabeça para a direita e para a esquerda. Sim. Diz. Onde estás. No Modelo. Que fazes? Compras. Tas a ver! Se tivesses esposa, agora ela estava aí contigo a fazer as compras lá para casa e para os miúdos. Não estavas sozinho. E ri-se, a brincar. Eu não. Decido desligar com a desculpa que estão muitos à espera a acenar para a direita e para a esquerda. São vários os casais. Pago. Fico no carro a olhar alguns minutos para o volante. Foi assim que escolhi. Fazer compras sozinho. E rezo sozinho na esperança de que estejam mais a rezar. Na esperança de que não esteja sozinho. Viajo sozinho até casa e entro sozinho. Arrumo as compras sozinho. Sento-me sozinho. Depois ajoelho-me cansado no chão frio e…rezo acompanhado!

sexta-feira, janeiro 09, 2009

O céu e o inferno, parte III


A reunião demorou muito mais que o previsto. Quando eu esperava que o resto dos presentes virassem olhares e caras, cruzassem as pernas duas e três vezes ora para um lado ora para outro, abrissem a boca por detrás da cova da mão, fizessem ruídos da forma como pudessem, afinal o silêncio recortava-se apenas pela minha voz e pela do pai do Diogo. Ora um ora outro. Reconheço que a minha se fazia ouvir mais. Não porque eu berrasse, mas porque demorava mais tempo e usava mais palavras. Geralmente as respostas são mais longas que as perguntas quando as perguntas são perguntas de vida. Quando são apenas de coisas supérfluas, pode bastar um sim, um não ou um talvez.
Mas porque é que uns vão para o céu e outros não? Qual o critério de Deus?
O problema está em pensarmos Deus como um juiz à maneira humana. Ele não julga, premiando ou castigando. Ele acolhe quem O quer e acolhe de maneira diferente quem não O quer. Por isso o céu e o inferno não são negociáveis. Deus deixa-nos livres nas nossas opções. Se O abandonarmos, se prescindirmos Dele, se nos afastarmos Dele, Ele não impedirá que o façamos. Deus criou-nos livres. Ele não te abandonou nem abandona. Ele deixa que decidas se O queres amar. Fazem assim os pais verdadeiros. Ele é pai verdadeiro. Se o abandonaste, terás de viver com esse abandono. Depois é uma questão de sentires ou não sentires o Seu amor. Isso será a forma de se ter céu ou inferno.

domingo, janeiro 04, 2009

O QDP da Nanda

E isto e aquilo e aqueloutro. A Nanda falava das suas maleitas e dores. Queixava-se da dor que tinha no braço, das pernas que não andavam como dantes, dos olhos que não viam e estavam sempre cheios de remela. E agora veja que me morreram duas ovelhas. Foram atropeladas. Então como foi isso, ti Nanda? Já sabe que aquela estrada é perigosa. Deviam fazer estradas para as ovelhas. Mas não. Não fazem. Os animais não podem competir com os carros. Ela não dizia assim, mas eu entretinha-me a pensar assim.
Eu ficara para trás. Sabe, as pernas já não ajudam. Aquelas malucas iam na frente do rebanho. Veio um gajo meio lançado, num carro vermelho, elas estavam distraídas, as burras, quer dizer, as ovelhas, e zumba, catrapuz, e eu a vê-las voar sem poder fazer nada. Se ao menos eu soubesse voar para as apanhar no ar. Mesmo assim, elas já deviam tar mais para lá que para cá. E foi assim, padre. Já viu a minha desgraça? Não tenho sorte nenhuma com a vida. Só a mim. A Nanda tinha este condão de se queixar constantemente, com motivo e sem motivo, com vontade e sem vontade. Por isso lhe ensinei o QDP. Também a mim mo ensinaram e tem sido muito útil. Trata-se do “Que De Positivo” podemos encontrar nas coisas que nos acontecem, mesmo nas más ou que achamos negativas. Há sempre qualquer coisa de positivo nas coisas. Também penso assim em relação às pessoas. Têm sempre algo de positivo. E temos de aprender a encontrar esse algo positivo em tudo, Ti Nanda. E como é que eu encontro algo positivo na morte das minhas Amélia e Lourença? Ó Ti Nanda, já imaginou se a senhora tivesse boa perna e caminhasse à frente das ovelhas?

sábado, janeiro 03, 2009

sondagem_ “Pede um desejo para 2009”

Passados que vão três dias do início do ano 2009 e mais de 200 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado esquerdo, no sidebar. A proposta era:
“Pede um desejo para 2009”

E os resultados são:
1. + Justiça _33%
2. + Saúde _15%
2. + Fé _15%
4. + Amor _15%
5. + Esperança _ 9%
6. + Paz _ 7%
7. + Cultura _ 3%
8. + Dinheiro _ 1%
9. + Descanso _ 1%
10. + Diversão _ 0%
_________________________
pequenas considerações:
Hoje ainda faço menos considerações que na anterior sondagem. O assunto é demasiado pessoal e tem tudo a ver com os sonhos, desejos, problemas e dificuldades de cada um. Com certeza cada um pediu aquilo que maior falta lhe faz. Porém, é intressante perceber o que as pessoas mais desejam.
  1. Realço que foram valores cristãos o mais pedido. A metade inferior da tabela não se refere a valores e acabou por ficar constituída por “cultura”, “dinheiro”, Descanso” e “diversão”.
  2. Fico com alguma alegria ao verificar que o “dinheiro” e a “diversão” não são consideradas como essenciais para 2009. E embora se fale tanto em crise económica, os meus penitentes preferem outros bens mais essenciais.
  3. Não consigo perceber o porquê da justiça ter ficado em primeiro lugar. Pode ter-se dado o caso de ter havido alguém que votou várias vezes nela. Mas isso não se considera agora. Pensarei que se trata de um pedido para que haja mais igualdade de oportunidades.

Hoje surge nova sondagem, ainda a pensar no ano 2009. Enquanto na anterior sondagem, a proposta prendia-se a coisas pessoais, a desejos e anseio pessoais, esta prende-se, de uma forma altruísta, aos outros. Tendo em atenção que a Igreja Católica somos nós, o conjunto dos católicos, e não somente uma estrutura organizada hierarquicamente, que desejas, anseias e sonhas, ou gostarias que melhorasse ou mudasse na nossa Igreja em 2009? Por isso desta vez surge a seguinte proposta:

Pede um desejo para a Igreja Católica em 2009