sábado, março 30, 2024

explicação dos mantos [poema 384]

desnudado, o tecido não tem explicação, é a inutilidade. 
mas depois faz-se a descoberta da divisão, em quatro partes 
cai sobre nós o que resta do amor e acontece 

é uma partilha 

é um cobertor de sangue, na terra seca onde nascem flores 
é a explicação do abraço entre braços ou a própria explicação 

da partilha 

por último construo o caminho com chicotes 
entre laços 

é a partida

Que este Amor ressuscite em nós! (Jo 19,23-24)
Páscoa 2024

quinta-feira, março 21, 2024

explicação da cruz [poema 383]

além do nome da manhã 
ouvi o meu nome e o teu sussurro de silêncio. 
foi rápido e mais rápido passou 
silêncio que permaneceu silêncio 
e quedou 
 
os olhos ficaram presos em água.
com ela tudo se dilatou. 
cresceram até ao lugar do sussurro,
não conheço bem essa estrada. 
 
ouvi-te como um murro. 
 
sei que é uma escada 
 
 
Hoje, dia Mundial da poesia, achei que fazia sentido lembrar o dia do amor!

terça-feira, março 19, 2024

A solução vocacional da inteligência artificial

No ano passado, numa pequena cidade alemã, uma multidão reuniu-se para uma cerimónia religiosa protestante que foi orientada, na sua quase totalidade, pela inteligência artificial. Os sermões, as orações e a música difundiram-se por quatro avatares num ecrã junto ao púlpito. Li que alguns dos presentes acharam que faltara autenticidade, mas que muitos outros se haviam entusiasmado com o potencial da IA para tornar mais acessíveis e inclusivos os serviços religiosos. Sei que a discussão está lançada e que muita tinta há-de correr ainda sobre esta ferramenta. Mas estará à vista a resolução para a falta de vocações ao sacerdócio ministerial? 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Uma Igreja virtual"

quarta-feira, março 13, 2024

O futuro da Igreja ou a Igreja do futuro

A Idade Média garantiu à Igreja um lugar na sociedade. A sociedade tornou-se cristã, sobretudo no Ocidente. Nascíamos praticamente cristãos. A fé não se questionava. A fé confundia-se com religiosidade. A religiosidade confundia-se com a cultura e, muitas vezes, com o poder temporal. Estamos, porém, numa época de mudança na Igreja. Estamos num tempo novo. Estamos, de certo modo, num tempo pós-cristão. Agora temos de anunciar o Evangelho a uma sociedade que já foi cristã, mas quis deixar de ser, e isso é novo. O primeiro anúncio era realizado junto de pessoas que não tinham ouvido falar do Senhor e agora é realizado junto de pessoas que se fartaram de ouvir falar dele ou que se fartaram de quem falava dele. 
Precisamos voltar ao início do cristianismo, recordando a razão do aumento exponencial do cristianismo. É a experiência do ressuscitado que tem de voltar aos nossos corações. É o testemunho dessa experiência que muda as vidas e os corações. O futuro passará por comunidades mais simples, mais pequenas provavelmente, ainda que em territórios grandes, mas numa organização mais aberta e participativa, mais vivas, coerentes e verdadeiras, mais capazes de testemunhar e ser exemplo, não tanto para a sociedade, mas nela. Serão sobretudo as relações inter-pessoais, familiares e afectivas, os instrumentos privilegiados da futura evangelização. Será necessário recuperar a vida normal como o espaço onde os cristãos dão testemunho de fé. A estrutura eclesiástica terá de assumir novos enquadramentos na sociedade e a sua organização eclesial terá de se assumir como um “nós eclesial”, deixando de lado "hierarquologias" instaladas. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As paróquias que estão a morrer"

sábado, março 09, 2024

enterro religioso de animais

Um padre católico zoólogo, de nome Rainer Hagencord, há muito que se preocupa cientificamente com a relação entre o homem e os animais. O padre que, pelo que me foi dado ler, dirige o Instituto de Zoologia Teológica de Münster, é a favor de que haja igrejas para sepultar animais, pois hoje, e cito palavras suas que li, “os animais são membros da família de muitas pessoas”. Como, na sua opinião, o processo de luto requer rituais, há dias manifestava publicamente o seu entusiasmo com a inauguração de uma igreja para animais. Um outro senhor, professor de teologia moral na Universidade Católica de Linz, na Áustria, Michael Rosenberger, a este propósito, informava que as igrejas cristãs evitam os enterros religiosos de animais, mas não existem declarações doutrinais em contrários. 
Não sei se é necessário haver declarações doutrinais para justificar a acção pastoral da Igreja. Nada tenho contra o padre Rainer e o seu amor pelos animais. Numa época em que tanto se fala do cuidado da Casa Comum, faz sentido reaprendermos a cuidar dos animais. Contudo, inquieta-me pensar na hipótese dos animais serem considerados membros das famílias, serem tratados como pessoas e, ainda por cima, como se tivessem fé. É, no mínimo, altamente estranho. Carece de uma maior reflexão. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Será que os animais vão para o céu?"

quarta-feira, março 06, 2024

soalhos [poema 382]

há pessoas que são soalhos 
nascem no chão e dele não saem para ser outra 
coisa que terra onde se pisar. São esse caminho sem nome 
à espera de ser húmus

segunda-feira, março 04, 2024

A confissão pelas redes sociais

Estava em casa, assolapada no sofá, no meio das teclas da virtualidade e, quando se apercebeu que o seu amigo padre internauta estava disponível, perguntou-lhe se a poderia confessar daquela maneira, por email ou por whatsapp ou através de uma outra rede social. E o padre respondeu-lhe que a confissão era presencial, era um tu a tu com Deus por meio de um instrumento chamado confessor. Podia desabafar e receber conselhos pelas redes sociais, mas a absolvição é presencial. 
Porque já o fizera um dia destes, questionava-se também e questionava o seu padre amigo da internet se podia pedir perdão a Deus diante do Santíssimo Sacramento e se isso bastava para se confessar. Pelos vistos, tinha vontade em se confessar diante de Deus, mas não diante do padre. Muito menos de forma presencial, olhos nos olhos. Talvez porque custe ou porque nem sempre os padres temos sido acolhedores o suficiente. 
O que esta amiga não sabia é que uma coisa é pedir perdão a Deus, o que é sempre bom, seja em que ocasião for, e outra um sacramento com o qual recebemos especialmente a graça de Deus com o Seu perdão. Parece-me que se tem esvaziado o sacramento da Confissão. Percebe-se isso de forma óbvia na diminuição daqueles que se confessam. Mas também no modo como se percebe a graça sacramental. A confissão não existe apenas para descarregar pecados, mas para se encontrar especialmente com a Graça de Deus.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Já ninguém se confessa"