quinta-feira, março 26, 2009

Deus não escolhe os preparados

Preciso de paroquianos empenhados num determinado serviço. Procuro. Penso. Reflicto. Rezo as possíveis escolhas. Não se encontram os perfeitos. Penso em mim e depressa concluo que não têm de ser especiais nem perfeitos. Eu também não sou. Têm apenas de ser escolhidos, chamados. É o que faço depois de vários meses nisto.
Iniciam-se as tarefas ou serviços pretendidos. Os tais paroquianos tornam-se alvo de comentários, uns bons outros maus, sobretudo na base do porque é que foram escolhidos. Porque sim ou porque não. Se são bons ou não. Se são as escolhas acertadas. Para mim são apenas as escolhas aceites. Mas há quem não pense assim, ou melhor, que pense contra. São as vozes daqueles que confundem a perfeição com a vida e transportam para os outros as suas inércias ou limitações ou recalcamentos. A voz de uma dessas senhoras confrontou-me directamente. Ao menos foi corajosa e não foi, como muitas outras vozes, apanágio do falar nas costas. Insistiu imenso que a pessoa tal tinha sido um tamanho erro sem perdão Respondi-lhe, como em tempos alguém me dizia. Para fazer do mundo um jardim, devemos concentrar-nos em fazer do nosso um belo jardim. Quando todos assim fizerem o mundo poderá tornar-se um belo jardim. Mas como teimamos em apontar erros aos jardins dos outros, sobra-nos pouco tempo para nos dedicarmos ao nosso. Ela firmou a sua posição com O senhor padre diz isso porque o erro da escolha foi seu. Com a mesma coragem e firmeza com que ela falou, eu respondi. Deus não escolhe os preparados. Prepara os escolhidos.

sábado, março 21, 2009

Para que foi inventada uma Quaresma?

O diálogo surgiu pouco depois da missa, à saída da Igreja, num a propósito destas coisas da quaresma. Estávamos umas cinco pessoas a falar do que era antigamente e do que era hoje. No que eram os hábitos antigos do não comer carne ou do não comer verduras no dia de ramos, no que era a bula e as amentações das almas. Uma série de coisas que a Igreja sempre nos propôs, senhor padre. Que sentido têm essas coisas? Para que foi inventada uma quaresma? Expliquei primeiro o significado dos quarenta dias de deserto antes da Páscoa. Falei depois no maior acontecimento para o sentido da vida de quem tem fé. A Ressurreição. Que não era coisa para banalizar, ou para ter como mais uma tradição bonita da nossa Igreja. Que a Quaresma era uma ocasião para tornarmos especial esse acontecimento. Que era uma ocasião para nos encontrarmos com o sentido da nossa vida. Aproveitando a situação que se vive da famosa crise que vai entrando nos bolsos de todos, falei na oportunidade que esta quaresma de 2009 pode ser para todos. Porque aquilo que nos é aconselhado nesta época litúrgica, tal como o Jejum e abstinência, esmola, sacrifícios, oração, penitência, leitura da Palavra de Deus, austeridade nas igrejas e cerimónias com ausência de flores, Glória, Aleluia, entre outros, minhas amigas, servem um propósito apenas: encontrarmo-nos connosco próprios em confronto com um Cristo ressuscitado, um encontro com o essencial da vida desprendido de embrulhos, um reencontrarmo-nos com os valores essenciais para vivermos rumo à felicidade e ao sentido da vida. Se repararem bem, disse, tudo o que nos é aconselhado ajuda a rebuscarmos alguns valores que dão mais sentido à vida. O desprendimento, a partilha, a solidariedade, a austeridade, o poder do sacrifício entre outros. Tudo o que envolve a Quaresma pode ajudar-nos a redescobrir as coisas essenciais que são deveras importantes e imprescindíveis para se viver com sentido. Serve ainda para prepararmos a nossa libertação, aquilo que chamamos de Páscoa. Por isso, amigas, usem e abusem da Quaresma para encontrar a vossa verdadeira vida, aquilo que lhe dá sabor. E que esta Quaresma de 2009 seja uma oportunidade para fazermos Páscoa na nossa vida e nesta época histórica.
Não sei se elas entenderam. Mas pelo menos não me fizeram mais perguntas. Talvez as tenham feitas a elas próprias depois.

quarta-feira, março 18, 2009

A morfina da ti Maria

Telefonou para o confessionário a filha. Ou a sua lagrimita. Fui lá logo nesse dia. A mãe, que visito regularmente (o que o regular me permite), está de cama há anos. Piorando. Claro. É isso que, doente, na maioria das vezes, se faz na cama e na idade. Estava a dormir. Olhe o senhor padre. Ela sorriu. Tinha levado morfina há poucas horas. A noite anterior tinha sido violenta. Para a mãe, filha e genro. O médico dera a entender. Por isso as lágrimas da filha implorando auxílio. Custa sempre. Caramba. Fiz por mostrar um sorriso também. A ti Maria mal se percebia, mas estava lúcida. Ouvi muito calado. Aprendi. Mulher de fé, de sofrimento, mas de ânimo. Depois disse umas doidices. Já está habituada. Este padre é maluco. Fartámo-nos de rir. Até a filha. Ó Mãe, já há tanto que não rias assim! Ajoelhei-me aos seus pés. Perguntei se precisava algo que eu pudesse fazer. Podia confessar, ou sei lá. Tipo a Unção dos doentes. Disse assim para que não parecesse o fim. Há gente ainda que assimila o sacramento como “extrema unção”. Fiquei pasmado. Que bom! Claro que quero. A filha ficou aliviada. Celebrámos o sacramento. No final ainda ficámos mais um bocadão. Rimos muito. Ai este padre! É o padre mais maluco que conheço… mas se calhar é mais padre que muitos. Fiquei sem palavras. Nem sabia se referir. Mas o que ouvi de seguida deixou-me, não só sem palavras, como sem pensamentos. Deus gosta muito de mim!

sexta-feira, março 13, 2009

A medida do padre

Há pessoas que pensam que os padres se ordenaram para serem párocos. O nosso pároco. É nosso. É meu. Mas eles ordenaram-se para serem padres. E o padre não é apenas aquele que tem uma paróquia. É aquele que vive à maneira de Jesus prolongando os Seus braços de forma ministerial. Faz-se instrumento de Deus na Celebração, na Palavra, na Vida. Gosto muito da vida paroquial. Não sei se aguentaria não ser pároco. Mas não consigo entender como as pessoas podem ser egoístas ao ponto de demonstrarem que o seu pároco não pode fazer mais coisas que estar na paróquia. Já uma vez disse que não há pior que o “egoísmo de deus”, querermos Deus só para nós e como nós O queremos. Também não há maior egoísmo paroquial que querer a paróquia e o pároco à sua medida, no seu tempo e na sua forma. Como se as coisas de Deus fossem finitas ou tivessem medida.

segunda-feira, março 09, 2009

Um erro não é a vida

O João cometeu um erro. Grave, pode dizer-se. A paróquia foi lesada. Eu fui lesado. Não interessa senão saber que podia ser um caso. No entanto decidi chamar a pessoa à consciência. Chamá-la à verdade de uma existência com verdade. No mínimo dar-lhe a oportunidade de perceber que existiu um erro. Mas que esse erro não é a vida. A vida é o que fazemos com que ela seja motivo para sermos felizes. Decidi escrever e ouvir. Perguntar. Indagar. Decidi esperar. O erro resolveu-se por ele, ou pelo João na procura de uma saída. Mas o António, que assistira a tudo, exigira uma outra atitude do padre.
Senhor António, as pessoas exigem que resolvamos os assuntos paroquiais à maneira humana. Um tribunal. Para um lado os bons e para o outro os maus. Vencer os maus. Derrotá-los. Mostrar quem manda. Mas eu sou padre e portanto deveria ser um homem de Deus, fazer como Deus. Jesus escrevia no chão enquanto à sua volta queriam apedrejar a pecadora. Jesus queria mudar o coração da pecadora e dos outros, tão pecadores como ela. Não pretendia julgar pura e simplesmente. Acho que posso afirmar que a Sua intenção nunca foi a de definir o mal e o bem, ou indicar o que é mal e o que é bem. A Sua intenção era transformar o mal, construir o homem novo a partir de dentro, a partir do coração do homem. Por isso foi chamada da maior revolução, porque não era exterior. E por isso fico baralhado quando me exigem que não faça como Ele. Quando esperam, ou melhor, anseiam, que faça sangue, que faça sofrer quem fez sofrer a paróquia ou o seu pároco. Por muito que às vezes tivesse vontade de o fazer, não consigo. Não tem a ver com aquilo que eu sinto de Deus.

quarta-feira, março 04, 2009

Olha que o senhor padre bate-te

O caricato surgiu no meio da celebração da Eucaristia. A criança não parava por nada. De um lado para o outro, desviava o olhar dos presentes para as coisas a que se agarrava. Círio. Ambão. Lampadário. Credencia. Cátedra. Vasos de flores. Candelabros. Todos estavam a ver a hora em que um deles fazia o estrondo de uma queda monumental. O avô, atrapalhado, de vez em quando ia buscá-la. Porém, não conseguia retê-la nem na mão nem no colo. O miúdo devia sentir-se algemado e esbracejava fazendo ainda mais escarcéu. Para evitar este, o avô largava-o. Informo que estas cenas decorriam a poucos metros de mim, o que me obrigava a atenções redobradas com a minha concentração. Por duas vezes lancei um olhar de carinho misturado com uma reprovação ou um dedo na boca para a criança. Não o fiz para o avô, que, merecendo-o embora pela falta de sensatez em assumir uma atitude – já não digo pela celebração, mas pelas coisas que se imaginavam cair de um momento para o outro -, estava mais atrapalhado que todos os presentes, sem saber que fazer. Esperei que algo sucedesse. Não gosto de intervir num papel que não seja propriamente meu. Esperei. Esperei. E do meio da assembleia surgiu a tia. Agarra-o a um metro de mim. Fica ali a olhar-me por cima das flores do altar. Pega-o ao colo com força. Força o seu rosto com a mão direita na minha direcção e diz. Está quieto e caladinho, senão olha que o senhor padre bate-te.
Não digo agora o que me apeteceu naquela hora fazer à tia. Mas sempre posso dizer que naquele dia aprendi porque é que as pessoas desde cedo começam a ter aversão pelos padres, e porque é que os rapazes desde cedo excluem a possibilidade de irem para padres.