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terça-feira, maio 06, 2025

Entramos em conclave

Entramos em conclave. Digo “entramos” porque estou convencido que entra a Igreja toda, que entramos cada um de nós que somos Igreja. Digo-o não porque pense que os cento e trinta e três cardeais nos representam ou que todos entramos porque o nosso pensamento foca-se, por estes dias, na capela Sistina. Digo-o porque acredito que a Igreja tem no conclave a voz do Espírito da Igreja, a voz do Espírito Santo. Digo-o porque acredito que a presença da oração é tão ou mais forte que a presença física. Digo-o porque defendo que a Igreja é de Deus e não dos papas, dos cardeais, dos bispos ou dos padres. A Igreja de Deus é de todos. Por isso vejo o acto de eleição de um Papa como um acto eclesial da Igreja como um todo.
Não contesto que a eleição do próximo pontífice ocorra através de cardeais. Se me perguntassem se concordo que a escuta e o discernimento deveria ser feito por mais pessoas, por fiéis católicos que também têm o sensus fidei, eu responderia afirmativamente, pois creio que o Espírito Santo não se representa apenas nos cardeais eleitores. Aliás, alguns deles geram em mim uma série de resistências, quer por posturas ou ideologias com as quais não me revejo ou que me parecem longe do Evangelho, quer por condicionantes humanas que me parecem questionáveis ou por coisas que se vão ouvindo e que geram em nós dúvidas. Mas a Igreja não é de perfeitos e os cardeais também não têm de o ser, assim como o Papa não tem de ser. A Igreja é de Deus e quero crer que o próximo Papa será o que Deus quiser. O próximo Papa será o que a Igreja de Deus precisa.
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A Igreja que não é de um Papa"

sexta-feira, novembro 08, 2024

Outra celebração litúrgica pouco sinodal

No dia 4 de novembro, uma semana depois de concluída a segunda assembleia do sínodo sobre a sinodalidade, houve, em Roma, uma celebração de sufrágio pelos cardeais falecidos este ano que passou. Para concelebrar com o Papa, somente foi dada autorização aos cardeais, arcebispos e bispos. Não sei se é a opção mais acertada, mas também não tenho autoridade para a contestar. Não obstante, o que mais me chamou a atenção é que, na hora da comunhão, foram chamados ao altar uns padres que estavam vestidos de batinas pretas, revestiram-se com uma estola vermelha, sem mais, e foram eles distribuir a comunhão pelos presentes. Não podiam concelebrar, mas depois eles é que tiveram de ir distribuir a comunhão. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Porque é que Deus precisa dos padres?"

segunda-feira, novembro 04, 2024

A celebração litúrgica pouco sinodal

Acabou a segunda assembleia do sínodo sobre a sinodalidade. As expectativas estavam e ainda estão ao rubro. Comentadores, teólogos e jornalistas de âmbito religioso com os holofotes apontados para o seu encerramento e o documento final. Este último vai ser o principal documento tradutor do trabalho de três anos de sínodo, pois o Papa não vai fazer, como tem sido hábito, uma exortação apostólica pós-sinodal. Gostava que o fizesse, mas é um gesto com sabor a sinodalidade. E agora precisavam-se mais gestos. Muitos mais gestos. E mais do que gestos, precisavam-se atitudes, compromissos e práticas. No entanto, depois dos membros da assembleia terem estado misturados na aula Paulo VI, em mesas redondas, durante os trabalhos de reflexão, não se entende o que aconteceu na eucaristia de encerramento em que, mais uma vez, o hierárquico sobressaiu em desfavor do horizontal ou comunional. O Papa num patamar central, como presidente da celebração, rodeado dos cardeais por ordem de importância, seguidos dos arcebispos, depois os bispos, os padres e, por último, os leigos e religiosos não clérigos. Não gostei. Não gostei nada disto. Foi um mau sinal e espero que não seja um presságio. Talvez tenha sido neste mesmo sentido que os membros sinodais sugeriram, no ponto 27, do documento final, o aprofundamento da “ligação entre liturgia e sinodalidade” para “adoptar estilos celebrativos que manifestem o rosto de uma Igreja sinodal”. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Uma comissão pouco sinodal"

sábado, outubro 12, 2024

todos são tão Igreja como aqueles que são a hierarquia da Igreja

A segunda fase da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre a sinodalidade, está a decorrer em Roma, com a participação de 368 membros, dos quais 96 não-bispos também têm voz e voto. Mais de metade destes são mulheres. A primeira fase foi como que uma libertação para expressar muitas preocupações que existem na Igreja. Em resultado das muitas auscultações pelo mundo, surgiram questões importantes, muitas delas fracturantes: a possível ordenação diaconal e sacerdotal das mulheres, o celibato dos padres, o cuidado pastoral com pessoas de diferentes orientações sexuais, a maior participação do Povo de Deus na escolha dos novos bispos, a revisão da forma como os futuros sacerdotes são preparados nos seminários, entre outras. Curiosamente, o Papa decidiu enviar este tipo de assuntos para dez grupos de estudo, com o objectivo de analisar estas questões em profundidade e lançar propostas. Para a assembleia que está a decorrer, parece-me que sobrou o essencial: como mudar mentalidades e levar a sinodalidade à prática diária na vida eclesial. Como já o disse, a mim bastava-me que a maioria daqueles que formam a hierarquia da Igreja fossem reconhecendo que não se é Igreja senão em caminho de mãos dadas com todos, e que todos são tão Igreja como aqueles que são a hierarquia da Igreja.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Igreja clericalizada"

sábado, julho 20, 2024

Uma Igreja que se quer sinodal, mas na mesma

Vou lendo aos poucos o Instrumentum Laboris para a segunda sessão da XVI assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos a ocorrer no próximo mês de outubro, e vou lendo também as opiniões e os comentários de alguns observadores. Não me reconheço abalizado para fazer parte deste grupo de pessoas, mas tenho as minhas opiniões, que são, acima de tudo, formas de sentir. Neste sentido, devo referir que também eu não tenho soluções fáceis ou óbvias que transformem a estrutura institucional pesada e milenar da Igreja Católica. Contudo, leio e vejo tantas palavras que me parecem só palavras, que fico algo constrangido. Tenho receio que as palavras vençam, mais uma vez, as acções, atitudes e mentalidades. Tenho receio que não se passe das palavras às práticas. Tenho receio que este sínodo sobre a sinodalidade não consiga acabar com o modelo clerical hierárquico, autoritário e patriarcal. É certo que muitos dos temas importantes não estão contidos de forma clara no Instrumentum Laboris porque foram entregues a dezasseis grupos de estudos especiais, mas, por sinal, constituídos por 74% de clérigos. Não faz sentido querer uma Igreja sinodal e manter uma Igreja clericalizada, autoritária e patriarcal. Tenho receio que este sínodo seja como muitos dos anos especiais disto e daquilo, dos sínodos dos bispos para isto e para aquilo que, depois, na prática, mantêm quase tudo igual. A Igreja não pode continuar a repetir palavras sem alma e sem vida.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Igreja clericalizada"

Pode ler AQUI na íntegra o Instrumentum Laboris.

quinta-feira, junho 20, 2024

a Igreja e o 'um aqui e um ali'

O senhor padre fora da igreja é como os outros, dizia a senhora Maria. Mas quem são esses outros?! pensava eu. Para haver outros, tem de haver algo que diferencia ou separa. Assim também a observação d ‘O senhor padre é que sabe’, aumenta uma distância que não é desejável. São afirmações que ainda se ouvem da boca de um número notório de paroquianos e que fazem parte de um entendimento com quase dois milénios de história da Igreja que potenciou um aqui e um ali. Como se houvesse um binómio antagónico entre o religioso e o secular. Como se houvesse um dentro da Igreja e um fora da Igreja. Como se a Igreja se identificasse apenas com a sua hierarquia. Como se houvesse uma distância entre presbíteros e leigos. Como se houvesse um espaço sagrado e um espaço mundano ou profano. Ou seja, como se a Igreja fosse um espaço e o mundo outro. E em cada um destes espaços houvesse um sujeito diferente: na Igreja o clero e no mundo os outros, os leigos. Como se a Igreja se definisse por lugares e por estados de vida. Por isso me cansam certas dicotomias dentro da Igreja que apenas servem para separar aquilo que deveria estar unido. Ora, nós, padres e leigos, somos Igreja onde estivermos, porque o que nos faz Igreja não é o lugar onde estamos, mas o que somos e como vivemos. A Igreja existe e é Igreja em todo o lado onde estejamos os que somos Igreja. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Nós e vós"

segunda-feira, abril 29, 2024

As categorias tridentinas

Têm aumentando os estudos sobre a crise religiosa e as urgentes reformas da Igreja, mas os agentes pastorais principais, sobretudo os que têm algum poder de decisão, continuam com dificuldade em arriscar e em repensar posturas, mentalidades, pastorais e estruturas cristãs. Entretanto, as pessoas abandonam os bancos das igrejas, os baptismos diminuem, os casamentos religiosos estão em queda livre, as vocações à vida consagrada definham, os seminários estão vazios e os padres abandonam o ministério ou adoecem com esgotamento. A pastoral continua praticamente concentrada na “paróquia” onde permanecem os mesmos ritmos, as mesmas iniciativas, os mesmos métodos de há muitos anos. Mesmo depois do concílio Vaticano II ter aberto portas a uma Igreja mais comunhão e mais missionária, há uma dificuldade enorme em sair do “sempre se fez assim”. Nem mesmo uma pandemia que interrompeu durante meses o trabalho pastoral e que foi vista como uma oportunidade para reler o tecido eclesial e as estruturas paroquiais e pastorais, conseguiu esse objectivo. O cristianismo mudou de forma muitas vezes na história. Por que persistimos em não ler os sinais dos tempos e em enterrar a cabeça na areia, propondo uma vida de fé que parece seguir essencialmente as categorias tridentinas, com alguns acréscimos e atualizações do século XIX e algumas estruturas do século XX? 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As dicas e tricas de uma paróquia"

quarta-feira, março 13, 2024

O futuro da Igreja ou a Igreja do futuro

A Idade Média garantiu à Igreja um lugar na sociedade. A sociedade tornou-se cristã, sobretudo no Ocidente. Nascíamos praticamente cristãos. A fé não se questionava. A fé confundia-se com religiosidade. A religiosidade confundia-se com a cultura e, muitas vezes, com o poder temporal. Estamos, porém, numa época de mudança na Igreja. Estamos num tempo novo. Estamos, de certo modo, num tempo pós-cristão. Agora temos de anunciar o Evangelho a uma sociedade que já foi cristã, mas quis deixar de ser, e isso é novo. O primeiro anúncio era realizado junto de pessoas que não tinham ouvido falar do Senhor e agora é realizado junto de pessoas que se fartaram de ouvir falar dele ou que se fartaram de quem falava dele. 
Precisamos voltar ao início do cristianismo, recordando a razão do aumento exponencial do cristianismo. É a experiência do ressuscitado que tem de voltar aos nossos corações. É o testemunho dessa experiência que muda as vidas e os corações. O futuro passará por comunidades mais simples, mais pequenas provavelmente, ainda que em territórios grandes, mas numa organização mais aberta e participativa, mais vivas, coerentes e verdadeiras, mais capazes de testemunhar e ser exemplo, não tanto para a sociedade, mas nela. Serão sobretudo as relações inter-pessoais, familiares e afectivas, os instrumentos privilegiados da futura evangelização. Será necessário recuperar a vida normal como o espaço onde os cristãos dão testemunho de fé. A estrutura eclesiástica terá de assumir novos enquadramentos na sociedade e a sua organização eclesial terá de se assumir como um “nós eclesial”, deixando de lado "hierarquologias" instaladas. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As paróquias que estão a morrer"

terça-feira, fevereiro 13, 2024

A escassez de padres e a oportunidade

Há cada vez menos padres, sobretudo na Europa. A tendência vai em crescendo. Entre 1985 e 2005, houve uma redução de 11% no número de padres no continente. Dados de 2021, as últimas estatísticas do Anuário Estatístico da Igreja, davam conta que em 2020 houve uma perda de 3.632 padres na Europa, perfazendo um total de 160.322. O número de seminaristas em estudos teológicos também diminuiu, rondando uma perda de quase 900 seminaristas. O único continente a registar aumento, tanto num caso como no outro, foi África. 
Esta escassez poderia ser a oportunidade para se repensar uma Igreja clerical, patriarcal e, de certo modo, machista, que finalmente aceitasse transformar-se para se tentar tornar uma comunidade de pessoas a caminho, na diversidade e na complementaridade, na responsabilidade partilhada. Em vez disso, vemos os bispos e os planos pastorais a insistir no mesmo, mesmo que se usem slogan’s a pedir uma Igreja menos clerical e mais sinodal. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Os quatro primeiros apóstolos"

domingo, novembro 05, 2023

As mulheres no sínodo

A XVI Assembleia do Sínodo dos Bispos, ocorrida entre 4 e 29 de outubro deste ano de 2023, teve substanciais novidades em relação às anteriores assembleias. A inclusão de mulheres, ainda por cima com direito a voto, foi uma das mais notáveis. Dos 365 participantes, 54 eram mulheres, todas elas com direito a voto. No entanto, quando, durante a assembleia, se falou do papel das mulheres na Igreja, a discussão foi renhida e, na hora das votações, foi a temática que obteve mais votos negativos, embora com os votos positivos necessários para ser aprovada. Dos 344 participantes presentes na congregação geral conclusiva, 69 foram desfavoráveis. Foi sobretudo o potencial acesso das mulheres ao ministério diaconal que causou dificuldades. Uns foram contrários, porque consideram estar em descontinuidade com a Tradição, e outros favoráveis, porque consideram ser um regresso a uma prática da Igreja das origens. 
Já manifestei publicamente que não me parece essencial a ordenação de mulheres, seja diaconal ou sacerdotal, assim como também não sou contra que se dê esse passo, pois uma das coisas que mais valorizo na Igreja que defendo é a comunhão de diferentes em pé de igualdade. O que me parece é que, às vezes, se reduz o assunto a uma questão de emancipação da mulher e isso, a meu ver, seria reduzir o assunto a questões secundárias. Assim como desejo que esta aspiração das mulheres ao sacerdócio ministerial não seja mais uma forma dissimulada de clericalismo, isto é, uma forma de as mulheres também terem acesso ao poder eclesiástico. Seria atacar o clericalismo com outro clericalismo.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A Igreja das mulheres"

domingo, outubro 29, 2023

Aprendemos a sinodalidade fazendo sinodalidade

Aos participantes da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos deste mês de outubro foi pedida discrição e que não relatassem para fora o que se passava dentro. Fiquei agradado com esta tentativa de evitar mexericos, embora se tenha de reconhecer que não seria possível evitá-los totalmente. Leio por aí artigos, comentários, notas de bastidores. Um destes textos chamou-me particular atenção porque falava de algumas tensões nas mesas dos participantes. Contava, por exemplo, que um bispo não aceitara ser fotografado ao lado de um padre com quem tivera acesas discussões. Outro bispo, que fazia de secretário numa das mesas, ao dar conta da observação atenta de um padre por cima do seu ombro, ameaçara com expulsá-lo da sala. Atitudes que demonstram que o mais importante deste sínodo não são os resultados mas a experiência. Na Igreja não estamos treinados para nos escutarmos em pé de igualdade, a igualdade fundamental do baptismo. Como era expectável, o mesmo texto informava que os participantes da assembleia reconheciam que os leigos presentes eram os mais versáteis na prática da sinodalidade. Não me admira que tenha sido difícil sobretudo aos que mais estão habituados a mandar e a não sentirem o exercício do contraditório. O sínodo ainda não terminou, mas esta assembleia deu um passo sinodal porque, na verdade, nós aprendemos a sinodalidade, fazendo sinodalidade.

A PROPÓSITO OU A DESPORPÓSITO: "Clericalidade da Igreja"

terça-feira, outubro 17, 2023

Um sínodo ‘redondo’

Nunca antes um Sínodo dos Bispos no Vaticano viu cardeais, bispos, padres, leigos, incluídas mulheres, reunidos em mesas redondas para discutir, ouvir, reflectir em conjunto e discernir o futuro da Igreja. As sessões plenárias dos anteriores sínodos decorriam num anfiteatro, com a mesa da presidência, num palco, voltada para o público que estava disposto em filas, de acordo com a respectiva posição na hierarquia. Na Assembleia Sinodal que está a decorrer em Roma, os participantes, sem distinções hierárquicas, encontram-se, olhos nos olhos, em pequenos grupos, sentados em mesas redondas. Todos podem falar dentro destes pequenos grupos e são livres de fazer apresentações escritas ao secretariado. Foi muito interessante ver nesta assembleia sinodal o Papa Francisco sentado à volta de uma destas mesas redondas. O ‘redondo’ explica melhor a comunhão que devia viver a nossa Igreja que é de todos. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O Papa que faz hoje anos"

terça-feira, outubro 10, 2023

A minha expectativa do sínodo

Quando em 10 de outubro de 2021 o Papa Francisco abriu o sínodo sobre a sinodalidade, ninguém tinha a certeza do seu alcance. Sabia-se que seria algo importante na Igreja, ao menos, pela sua duração e pelas etapas estrategicamente propostas: local, continental e universal. As expectativas atingiram de imediato os chamados progressistas e conservadores dentro da Igreja. Os primeiros, entusiasmados, a pensar que se iriam mudar muitas regras e leis, e os segundos, preocupados, a pensar exactamente no mesmo. Que o sínodo é importante, atesta-o o facto de, entretanto, o Papa ter decidido prolongar em mais um ano a sua duração e em promover duas assembleias sinodais. Os temas que a comunicação gosta de badalar são capa. Os jornalistas não perdem a oportunidade para insistir na ordenação de mulheres, a bênção de casais LGBTQIA+, a alteração do celibato, entre outros assuntos sensíveis similares. Muita atenção se tem centrado nestes assuntos, na expectativa do que poderá vir a suceder. 
Desde outubro de 2021 que tenho acompanhado com atenção este processo. Foi-me dada a oportunidade de liderar algumas reflexões e pronunciamentos. Vou lendo o que o Papa vai dizendo, assim como alguns teólogos que aprecio. Acompanho as notícias. Rezo a Deus pelos bons frutos de tudo o que está a ser feito. Rezo bastante. Mas rezo sobretudo a pedir ao Senhor Deus que ajude os cristãos, todos eles, sem exclusão, a perceber, de uma vez por todas, que a Igreja somos todos nós. Se este sínodo apenas tivesse servido para isto, eu já ficava muito satisfeito. Todos na Igreja temos igual dignidade e missão. O que difere é o modo como o fazemos.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Clericalidade da Igreja"

segunda-feira, outubro 02, 2023

A Igreja que também é do Papa

Fala-se bastante, por estes tempos, na Igreja do Papa Francisco. Mas eu não consigo ficar indiferente a estas abordagens e às muitas expressões que se usam, quase como se houvesse uma Igreja de Francisco, tal como houve uma de Bento XVI e outra de João Paulo II. Como se os papas fizessem Igrejas à sua medida. A Igreja não é propriamente dos papas. A Igreja é de Cristo. Quando muito, poder-se-ia afirmar que a Igreja é de todos e de cada um de nós, na medida em que a Igreja somos nós. E nesse sentido também é do Papa, seja ele qual for. Entendo o uso desta linguagem, mas não deixo de me inquietar com ela. E tem sido insistente o uso dos chavões eclesiológicos para falar da Igreja dos tempos de Francisco. Ouvem-se, lêem-se, vêem-se, sentem-se. Todos os que tentamos estar actualizados e que tentamos viver uma vida cristã comprometida seguramente já nos apercebemos que a Igreja, segundo o que se vai ouvindo, tem de ser sinodal, missionária, inclusiva, em saída, aberta, laical, samaritana, ministerial, inculturada, intercultural, profética, simples. São palavras muito acertadas para falar da Igreja de Cristo, tal como se conhece desde o início do cristianismo. Gosto especialmente que o Papa Francisco no-lo recorde e se esforce para que a Igreja de Cristo se expresse e se viva cada vez mais deste modo. Mas também temos a obrigação de lembrar que esta não é propriamente a Igreja de Francisco. É a Igreja de todos nós. Ou melhor, é a Igreja de Cristo. É a Igreja... que também é do Papa.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A Igreja dos 'chineses'"

terça-feira, junho 20, 2023

O confrontar da sinodalidade

Está de moda falar de sinodalidade, embora muitas vezes, na prática, ainda seja apenas uma sinodalidade vertical. A ideia é que se ouçam todos. Ou os que quiserem ser escutados. Que todos tenham voz. Ou os que quiserem usá-la. Mas ainda assim, quem manda, quem decide, continua a ser quem está na posição superior. Fazem assim os agentes pastorais nas suas actividades, os párocos nas suas paróquias, os bispos nas suas dioceses. Até sobre o Papa actual, Francisco, que tem sido um grande impulsionador da sinodalidade, fico com a sensação de que a prática sinodal ainda é demasiado vertical. Uma coisa é ouvir o que cada um quiser dizer, outra coisa a confrontação positiva e construtiva entre todos. Uma coisa é dizer só porque apetece e outra um dizer que é fruto da maturidade do assunto. Por isso, enquanto não houver leigos adultos, com uma maturidade eclesial capaz de dizer as coisas, de as pensar e de as confrontar, e enquanto os clérigos não estiverem de verdade abertos a uma discussão construtiva e capacitados para se sentirem confrontados, a Igreja continuará a ser clerical. Neste contexto, a existir alguma nesga de sinodalidade, continuará a ser vertical. Como bem refere Enzo Bianchi, não basta falar, é preciso escutar. Mas também não basta escutar, porque é preciso confrontar-se, fazer discussão dos assuntos, para se caminhar verdadeiramente juntos. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Nós e vós"

sábado, junho 03, 2023

o padre tem de ser um homem de relação

A fé define-se como uma relação com Deus através de Cristo com a força do Espírito Santo, mesmo num mundo de frágeis relações e de redes virtuais. A fé vive-se no encontro e na relação. Por isso o padre tem de ser um homem de relação. E é paradoxal, por um lado, porque os padres trabalham cada vez mais sozinhos e, por outro, não estão a ser formados em relações. Têm vários anos de formação no seminário, fazem cursos de teologia e de pastoral, mas falta-lhes a formação das relações. O risco é tornamo-nos homens de relações, mas que vivem a relacionalidade de forma muito solitária e autorreferencial. Às vezes, de forma desequilibrada. Fala-se muito de sinodalidade e de comunhão, elaboram-se muitos documentos a falar disto, mas depois, na prática, os padres estão cada vez mais isolados e ensimesmados.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O padre que morava sozinho"

quarta-feira, janeiro 25, 2023

Estratificação da Igreja

Estruturamos demasiado a Igreja, e pior, estratificamo-la. Por isso não é de estranhar que haja quem queira ascender ao sacerdócio ou episcopado como uma progressão. Porque vemos a Igreja como uma estrutura estratificada. Nisso, as ordens religiosas são exemplares. Hoje podes ser o superior do convento e amanhã o varredor do mesmo. Embora também na pratica nem sempre assim seja. A estratificação fomenta o poder. O poder fomenta o clericalismo. O clericalismo fomenta a estagnação. Cristaliza a Igreja e fá-la viver na autorreferencialidade. Precisamos de uma Igreja organizada, mas menos estratificada. Precisamos de uma Igreja em que as diferenças se unam em comunhão e que a identidade da Igreja não se confunda com uma hierarquia, mas com um modo de vida de amor. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Porque é que Deus precisa dos padres?"

quinta-feira, novembro 24, 2022

A Igreja dos bonzinhos

A mãe do Carlitos não vai à missa porque, e repito palavras dela, só lá vão as beatas falsas. Como se aqueles que fazem parte das comunidades cristãs tivessem de ser impecáveis, perfeitos e santos. E como se o espelho da nossa fé tivesse de ser o outro. Uma fé em comparação com outras fés. A medida da fé não é a medida dos números nem das comparações. 
A mim já me cansa esta mania de criticar a Igreja como se nela só pudessem participar bonzinhos. Até nisso, caímos facilmente na tentação de criar elites. As pessoas da comunidade cristã não têm de ser boas. Só têm de estar a caminho de serem cada vez melhores. E podem ser más. Podem ser grandes pecadores. Todos são bem-vindos e cabem nas comunidades cristãs, tanto quanto no coração de Deus. 
Pensar uma Igreja pura, santa, imaculada, constituída apenas por bonzinhos, é uma utopia. Não existe. E ainda bem, porque assim se percebe que todos têm lugar no coração de Deus e que o Seu amor é gratuito, é um dom, não se dirige a elites.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Como se avalia um padre?"

terça-feira, novembro 15, 2022

Unidades pastorais como comunidades pluriministeriais

A paróquia tem-se vindo a esgotar. Mais do que “comunidade cristã”, tem-se tornado um aglomerado de crentes, na sua maioria pouco ou nada praticantes, voltada para uma prestação de serviços religiosos. Tem aumentado o número de bancos vazios nas igrejas e o desinteresse em participar na comunidade paroquial. Também parece fazer cada vez menos sentido configurá-la como um território, pois residir numa povoação já não é sinónimo de fazer parte de uma paróquia. E a pandemia pelo novo coronavírus potenciou tudo isto, tornando necessário repensar as paróquias e a acção pastoral junto das pessoas. A paróquia ainda é a estrutura onde se faz mais prática e visível a acção da Igreja. É uma realidade pastoral necessária, mas tem cada vez maiores dificuldades para cumprir a sua missão. Por isso se tem falado muito na hipótese de se progredir para unidades pastorais como conjuntos agrupados de paróquias. 
No entanto, para se fazer esse caminho, a reflexão não pode centrar-se nos padres ou nos eventuais párocos, mas nas potencialidades das comunidades como um todo. É que alguns bispos, para colmatarem as debilidades das paróquias, têm procurado quase exclusivamente soluções clericalizadas. Desenham unidades pastorais por causa das necessidades efectivas de párocos, que são cada vez menos para cada vez mais comunidades paroquiais. Fazem pacotes de paróquias para sacerdotes. Reagrupam paróquias de modos diferentes. Procuram soluções ou alternativas com padres vindos de fora, padres substitutos, ou outras figuras eclesiais similares, para se continuar a fazer as comunidades cristãs dependerem de uma única pessoa, o padre. 
O ideal seria pensar e estruturar comunidades mais dinâmicas, menos ligadas a lugares, menos dependentes dos padres, mais animadas e confiadas a leigos e equipas corresponsáveis, comunidades a que poderíamos chamar de pluriministeriais. Uma unidade pastoral não pode ser um agregado de paróquias do padre para lhe facilitar a vida, mas uma comunhão de comunidades e cristãos que unem sinergias, capacidades, potencialidades, recursos, ministérios, numa diversidade corresponsável, aberta, dinâmica e participativa. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As paróquias que estão a morrer"

quarta-feira, novembro 02, 2022

Conheço um leigo que faz funerais

Numas localidades não muito remotas, onde o colega padre concentra o cuidado de mais de uma dezena de paróquias com uma população bastante envelhecida, muitos dos funerais são presididos por um senhor a quem o bispo da diocese pediu que auxiliasse este sacerdote. O senhor deve ser idóneo, pela formação que já teve e porque, dizem-me, é muito bom cristão. O colega padre não consegue estar em todo o lado ao mesmo tempo e são raras as semanas que não tenha mais de cinco funerais. Claro que a necessidade obriga a mudanças que em tempos eram impensáveis. Claro que não basta justificar esta mudança com a necessidade. Claro que ainda não é muito comum este procedimento, porque as mudanças têm custos. Claro que há um longo caminho a percorrer. Mas o caminho está ai, aberto. A abrir-se.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Custa tanto ser padre nestas ocasiões..."