terça-feira, fevereiro 26, 2008

Os homens: confesso 3

Calquei de novo a calçada a meio da manhã de ontem. Percorre-se a calçada como se percorre a vida. Umas vezes vamos lá para baixo de vila. Outras para cimo de vila. A vida também se percorre assim. Umas vezes caímos. Levantamos. Corremos. Pé ante pé. Arrastamo-nos. È assim a vida. Altos e baixos. Por isso é bom termos ao nosso lado quem nos ajude a levantar e a procurar que o caminho se faça.
Calquei a calçada, desta vez para o meu café a meio da manhã. Entrei como de hábito. A sorrir para o pessoal. Uns já levados do álcool. Outros desempregados. Outros transeuntes como eu. Ó ti António, viro-me para ele. Amanhã é dia de confissão. Não se esqueça de aparecer. Sorrio. Ele também. Já temos este à vontade. Pois, pois, padre. Para que hei-de eu lá ir, se não vou deixar de dizer carvalhadas. Isto são as vulgarmente conhecidas asneiras. Mas ele diz assim e eu escrevo.
Tomo o café a sorrir. Implico com ele a sorrir. Vou para a calçada calcar os paralelos a sorrir por fora e a pensar por dentro.
Porque é que não se confessam estes homens?
A maioria, como o ti António, depois de umas asneiritas, das tais carvalhadas, custa-lhes abeirar-se da confissão. E julgam que não devem porque, logo ao sair do confessionário, já estão naquela porrada de palavras. Não são muito grandes. Mas são muitas. Não percebem que não são propriamente pecado, a não ser que sejam ditas para magoar alguém. São uma falta de respeito, uma falta de educação. Mas quase sempre saem da boca descomandada sem que o coração lhes dê o sentido verdadeiro delas. Imaginem o que seria no norte do país, onde dizer asneiras é um hábito normalíssimo em todos. Até nos padres!
Cá para mim não se confessam porque sempre foi um hábito apenas das mulheres. Ou por um machismo que não assume a sua necessidade. Ou então será uma Igreja feminista a que temos. Ou então nós, padres, ainda não lhes chegámos ao coração, pois que é pelo coração que nos confessamos. Ou então não querem perder tempo a não ser no café. Ou então não sei.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

sondagem_ “Para ti qual foi o maior acontecimento religioso em Portugal no ano 2007?”

Passados que vão 44 dias da última sondagem e 263 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado direito, no sidebar. A questão era:
“Para ti qual foi o maior acontecimento religioso em Portugal no ano 2007?”

E os resultados são:
1. Campanha pela Vida _24%
2.
Projecto GPS _21%
3. 90 anos Apar. Fátima _17%
4.
Festival JOTA _11%
5. Visita Ad Limina _ 10%
6.
Igreja da S. Trindade _9%
7.
Novos Catecismos _6%
8.
100 anos do CNE _2%
_________________________________
pequenas considerações:
1. Desta vez não queria fazer muitas considerações, quer para não cair num erro de parcialidade, quer porque todos os acontecimentos de Deus ou em nome de Deus são bons. E mesmo que em qualidade ou quantidade esses acontecimentos variem, a verdade é que Deus os deve amar como amava e ama qualquer pessoa sem distinção, sem exclusão. A única preferência que teve foi a dos mais fracos ou desprotegidos. Logo não teria sentido fazer alusões de mais valias ou menos valias dos acontecimentos. Desejava eu que todos eles tivessem sido marcantes e fossem referência para os portugueses, cristãos ou não. Por isso, este tipo de considerações ficam com cada um.

2. Faço apenas alguns votos: que as campanhas pela vida continuem, nunca acabem mesmo que tenham de remar contra todas as marés; que os projectos de formação e de crescimento na fé, sobretudo para os jovens, cresçam e aumentem; que as aparições em Fátima possam ser um caminho para muitos se aproximarem de Deus; que os festivais de verão que fazem a diferença e promovem a música e a evangelização deixem de ser um oásis e possam ser continuados como sinal de “nova evangelização”; que os bispos assumam de vez a fé de Cristo e em Cristo; Que novos templos nasçam para serem lugar de encontro e de comunhão, lugar para reunir em amor; que os novos catecismos nunca deixem de ser novos ou de se renovarem, porque bem precisamos que eles se renovem; que os movimentos sejam uma presença contínua na vida da Igreja… que Deus se manifeste através de muitos ou de todos os acontecimentos.

Hoje surge nova sondagem. Também podes e deves explicar os motivos da tua escolha ou acrescentar outras actividades ou atitudes. A propósito do período que vivemos, pode tornar-se interessante a pergunta:
Como vives a Quaresma?

terça-feira, fevereiro 19, 2008

O escuro: confesso 2

Hoje não trago botas, mas calco a mesma calçada de sempre. E o meu pensar, que está na calçada, lembra-me o pensar do outro dia. Se fosses uma pessoa, de certeza, não gostarias que te pisassem. Por isso piso devagar. Para que nem eu sinta. Não vou com pressa. Vou até à Igreja estar com Ele um pouquinho.
Entro. Está escuro. Os olhos concentram-se na única luz. A do Santíssimo. Percebem-se, com o tempo, as imagens dos santos, o altar, a cruz, uma pessoa. Acocorada no último banco, escondida. Não faz ruído. Para eu não dar conta. Faço de conta que não dei. Ajoelho-me e rezo um pouco.
Hoje é dia de confissões quaresmais. Peço forças a Deus. Apesar de ser das coisas mais belas que um padre tem na vida, a graça do perdão de Deus passar através de nós, cansa um pouco, desgasta. Sobretudo se exigir respostas, ajudas, palavras de Deus amigas, acolhedoras e cheias de esperança.
Mas não consigo desviar o pensamento do vulto escondido. Pressuponho que está de mal com alguma coisa. Apetece-me correr para lá. Para abrir a misericórdia de Deus. Mas não devo entrar na intimidade das pessoas sem ser convidado. Não se pode abrir uma porta à força. Isso é arrombar. Espero. E na esperança de ser convidado a entrar, os pensamentos voam. Da confissão para o escuro. Do escuro para a confissão.
Penso como gostaria de acender a luz, sentar-me ao pé daquela pessoa, que nem sei se é homem ou mulher. Ouvir. Estender o braço da absolvição. Sorrir. Explicar como é bonito olhar com esperança o que nos corre mal.
Confesso que sou completamente a favor das confissões como um espaço que, além de permitir o perdão dos pecados, possa ser um encontro com o outro, com o próprio Deus numa pessoa concreta. Na pessoa do sacerdote. Por isso sou a favor de que a confissão se faça de cara levantada, de rosto no rosto. Um espaço em que se compreendam os gestos que se fazem, o que significam e o que precisa a pessoa de ouvir. Sou a favor das confissões sem barreiras e buraquinhos. Sou a favor de que a pessoa confessada e a que confessa possam dialogar deveras. Porque o perdão é concreto e não abstracto. Trata-se de um perdão para ti e não apenas para alguém.
Apetecia-me falar com ela, cara a cara. Mas de repente lembrei-me do que me aconteceu há dias, numa daquelas vezes em que andamos de um lado para outro ajudando os colegas nas confissões. O pároco x, da paróquia x, mandou-me para um confessionário antigo, ao fundo da Igreja, bem talhado e trabalhado, um pouco escuro, com aberturas pequeninas do lado esquerdo e do direito, conforme nos sentamos. As luzes de fora também permaneciam apagadas. As pessoas aproximavam-se ora por um lado ora por outro. Dava conta pelo abafar da pouca luz que surgia dum lado. Não se via a pessoa. Pressentia-se. E foi nessa ocasião em que senti as confissões mais me pesarem nos ombros. Quase todas elas de pecados chamados grandes. O perdão de Deus foi enorme.
Por isso não esqueço que a confissão é acima de tudo o sacramento do perdão. Para perdoar. Para se sentir o perdão de Deus.
E agora, ao ver aquele vulto, fico confusamente à espera que Deus me dê a resposta. Porque as pessoas gostam do escuro quando precisam a toda a força estar conTigo?

domingo, fevereiro 17, 2008

quadragésima.com

FRENTE DE MARIA

Depois de alguns amigos que não possuem blogue manifestarem o desejo de participar nesta caminhada quaresmal chamada quadragégima.com, decidi criar uma nova frente, a "frente de Maria". Os que desejarem, poderão colocar aqui a frase que define a sua relação com Deus.
Além das regras já apontadas e que têm sentido nesta frente, deverão ter em atenção que:

regra 9: não serão aceites "anónimos"
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n.b. nos 2 últimos dias serão aceites aqui frases de bloggers que não tenham recebido alguma "frente" e que o desejarem fazer

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

a vergonha: confesso 1

A calçada deixava-se calcar pelas minhas botas. Não se queixava. Bom sinal, pensava eu. Se fosses uma pessoa, de certeza, não gostarias que te pisassem. O meu pensar obrigava-me a olhar as pedras da calçada. O vento ajudava. Apesar do sol, obrigava a abrigar-me da sua fúria com os olhos no chão. Hora do almoço. Por isso o compasso e o pensar eram apressados e pouco sentidos.
Ela estendia a roupa no alto de uma varanda. Ó prior, então quando são as confissões este ano? Olhei para cima. O sol só me deixava ver a silhueta das roupas a esvoaçar. Estou aqui, continuou e afastou umas ceroulas.
Respondi-lhe que era no dia tal. Que era depois da missa. Como facilita a concentração das pessoas e como não sou apenas e propriamente a favor da confissão para se comungar, pois que é para estarmos em graça e aí permanecermos no colo do Seu amor, optei por marcar as confissões quaresmais para depois de uma Eucaristia da semana. Também é cómodo. Mas tem resultado em termos práticos. Eucaristia. As pessoas já lá estão. Pequena Celebração Penitencial. Como já lá estão, não saem. Ficam. Confissões com música ambiente. Esperam em meditação e oração. Nós padres demoramos menos ou não estamos tanto tempo a confessar. Enfim, uma opção discutível.
Ó prior, e este ano não traz cá padres mais velhos? O costume, porque se torna mais fácil o diálogo, a combinação e as marcações, é trazer os colegas mais próximos. Da paróquia e do coração. Por isso relativamente novos. Mas porquê, pergunto eu? A confissão é que conta. E grito-o. Ela responde, depois de uns murmúrios para que eu não percebesse muito bem a resposta. É só um pouco de vergonha.
E assim fiquei a saber que os padres mais novos podem ou provocam vergonha a algumas ou alguns penitentes. Talvez por serem mais arejados. Por serem menos distantes. Por viverem com as pessoas. Por serem mais populares. Por serem mais atraentes. Por ouvirem melhor. Por terem melhor memória. Pelo que podem pensar diferente dos mais velhos. Ou apenas por serem novos.

domingo, fevereiro 10, 2008

O padre distraído

Isso acontece ao mais bem intencionado. Ao mais atento, desde que não seja picuinhas. Pelo menos, para mim, quero que sirva este argumento. E que Deus me perdoe.
Celebrava para umas cinco pessoas. Valha-nos ao menos isso que a quantidade não era muita. Mas a Missa tinha o mesmo valor. Pois, que ela é de valor infinito.
Prefácio. Sabem o que é? O senhor esteja convosco, ele está no meio de nós, corações ao alto, o nosso coração está em deus… e por aí fora. Escusado será recordar que o prefácio é exactamente antes da consagração. Por isso é pré-facio. Sabem também as palavras da bênção final da missa, não? O senhor esteja convosco, ele está no meio de nós, abençoe-vos deus todo-poderoso, pai, filho e espírito santo. Ide em paz e que o senhor vos acompanhe.
Façam de conta, agora, que são um dos cinco cristãos atentos. Estão atentos. Compenetrados. Imaginem o padre no altar tornando presente Jesus, o Seu corpo e Sangue. Solene. O mais solene possível para cinco pessoas. Recordo que estamos no prefácio. Eu estive apenas nas primeiras palavras. O Senhor esteja convosco. Ele está no meio de nós. E lá vamos nós para a bênção final. Abençoe-vos Deus todo-poderoso, pai, filho e… e sou interrompido por uma senhora castiça e mais atenta que eu: Olhem que já nos está a mandar embora!
Deus me abençoe, penso eu. Distraído. Distraído. Repetia-me a mim. Não serei o primeiro nem o último, pensava a seguir para me sossegar. Não queria, mas aconteceu. Recordo que foi difícil voltar à Eucaristia. Os olhos lacrimejavam de tanto rir. Mas bem feitas as contas mentais, quem me mandou distrair?! Por isso, quando voltei ao meu espaço, a casa, não consegui deixar de pensar nas vezes em que, por hábito ou por distracção, repetimos as palavras sem as utilizar deveras!

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

quadragésima.com

O tempo da Quaresma é um tempo de descoberta da nossa identidade como cristãos. É um tempo de encontro connosco próprios e com Deus. É um tempo especial de introspecção e reflexão. Porque não havemos de o fazer aqui, na net, e de uma forma mais comunitária, ajudando-nos uns aos outros?! Deste objectivo nasce esta proposta, a “quadragésima.com”.

Regras da quadragésima.com:
1-
Ao receber a “quadragésima.com” o blogger deve reflectir na sua relação com Deus e descobrir uma frase, bíblica ou não, que a defina;
2- Depois de o fazer deve re-escrever num post estas regras, as frases já assinaladas pelos anteriores bloggers (com o respectivo link), e escrever a sua;
3- No post deve incluir quem deseja convidar (pode e deve manifestá-lo no blog da pessoa convidada);
4. Não é permitido fazer mais que um convite ao mesmo tempo;
5- O blogger que, recebendo a “quadragésima.com”, não estiver interessado em aceitá-la, deve indicá-lo ao seu emissário para que este lhe dê seguimento através de outro blogger;
6- Não podem aceitar mais que uma vez a “quadragésima.com”; se o convite aparecer, mesmo vindo de outra “frente”, devem igualmente informar o emissário do segundo convite;
7- A “quadragésima.com” realiza-se em 3 frentes: frente “Deus-Pai”; frente “Jesus”; frente “Espírito Santo”; estas frentes funcionarão quase como equipas, para tentar chegar ao maior número de bloggers possível (não se trata de encontrar vencedores, mas empenhados)
8. A “quadragésima.com” será encerrada na Sexta-feira Santa, dia 21 de Março, pelas 12.00 horas, hora em que o último blogger receptor deve endereçá-la, já com a sua frase, a este endereço, para publicitarmos todas as frases que definem a nossa relação com Deus nesta Quaresma de 2008.
Obrigado por aceitares a quadragésima.com


E a minha frase é:
“Eu sou o Bom Pastor. O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas.” Jo 10, 11 - Confessionário dum padre

Convido para a frente “Deus Pai” a Elsa do “Eu estou Aki”
Convido para a frente “Jesus” a “Lisa’s Mau Feitio”
Convido para a frente “Espírito Santo” a Fá Menor, das “Partilhas em Fá Menor”

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Uma conversa de café de padres

A mesa bafejava a batinas e orações. Uma mesa de padres. Cheia. As conversas versavam Deus e outras coisas. Mais outras coisas que Deus, isto é, versavam as vidas de padres e os trabalhos dos padres. De vez em quando umas palavras para descontrair, que os padres também riem. Porém a maior parte eram mesmo sobre o que fazes, como fazes, porque fazes.
Eu ia mastigando as batatas e as conversas. Em tempos achava uma desgraça as conversas de café dos padres. Fala-se nos bispos e nos colegas, nas paróquias e nos paroquianos desavindos. Por isso achava uma seca que não se falasse da Vida em Deus. Hoje compreendo estas conversas de café dos padres. Cada um fala do que vive para desabafar. Deus não se desabafa. Vive-se. Por isso faço conversa, por entre as batatas, sobre a vida que faço também.
Estávamos uns quatro virados para uma conversa destas quando outra conversa me desviou a atenção. Tinha um pé numa e o outro na outra. Não se faz. Mas eu fiz.
Um perguntava Quantas missas celebras habitualmente ao Domingo? O outro respondia Cinco. O do lado direito intrometia-se na conversa porque achava que devia partilhar o seu feito. Eu celebro seis. Um ainda disse que no fim-de-semana chegava a sete, e um recordou o vizinho que celebrava ao Domingo as mesmas sete. Penso que falavam de grandes feitos, porque foi assim que me soou. Mas também podiam ser um desabafo.
Olhei-os de soslaio, reprovando a conversa. Ainda bem que ninguém me prestou atenção, porque também não tenho o direito de me achar dono da verdade, ou mais que os outros, por me esforçar em cumprir o Código de Direito Canónico, com as três missas, uma delas por excepção concedida pelo bispo. Raras vezes lá vai uma quarta, porque em casos excepcionais o bispo de Roma, dizem, concede quatro.
No entanto, à terceira já estou de rastos, porque celebrar não é fazer. Celebrar leva muito de nós e com muita intensidade. Ainda há dias um colega falava que aos Domingos à tarde não tem forças senão para se sentar no sofá.
Por isso fiquei a pensar se o mal era dos padres que não conseguiam fazer de forma diferente. Se era dos bispos que os nomeavam para tantas paróquias. Se era da falta de sacerdotes. Se era dos leigos que não queriam assumir a Celebração da Palavra ou exigiam a missinha. Se era minha por não fazer parte do grupo dos que celebram tantas missas.