segunda-feira, janeiro 31, 2022

A fé que não se sabe mas se vê

Eu cá tenho a minha fé. Justificava-se diante da vizinha que é uma senhora de hábitos de oração e que costuma ter muitas atenções para com as vizinhas e as pessoas que sabe que necessitam de alguma coisa. Sejam bens alimentares ou uma palavra, uma atenção ou um pouco do seu tempo. Estavam a conversar sobre a pandemia e Deus que não tem feito muito ultimamente, mas que as pessoas também o procuram pouco. Nem que seja para terem força. Até que a primeira disse de rompante Eu cá tenho a minha fé, para justificar a pouca oração e a pouca presença comunitária e comprometida. E a segunda, a propósito disso, veio perguntar-me como se poderia contabilizar a fé de uma pessoa. 
A fé e a intimidade das pessoas com Deus não se contabiliza. Como é algo muito pessoal, ninguém o pode perscrutar ou quantificar. Contudo, os indícios são também sinais, embora com uma enorme relatividade. Um indivíduo apaixonado sente essa paixão no mais fundo de si e só ele sabe o que sente. No entanto, as hormonas dão de si quando a sua amada está por perto. Os sinais de que a ama costumam ser bastante manifestos, por mais que se tentem esconder. 
A fé é do mais íntimo que possa existir. Perpassa o coração e o que somos no mais profundo de nós. Mas deixa rastos à sua volta. Por isso quando alguém diz que tem fé, mas arrasta poucos indícios dela consigo, o mais certo é não ser fé ou ser uma fé tão incipiente que ainda não se transformou na fé apaixonada e amadurecida.
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Tenho fé, mas também tenho medo, senhor padre"

quinta-feira, janeiro 27, 2022

Deus emérito

Na pós-modernidade tudo é um pouco pós. Até Deus. Na pós-modernidade Deus perdeu-se. Perdeu-se, inclusive, como problema. E o assunto não se confina no ateísmo. Deus deixa de existir não porque não exista, mas porque é irrelevante. Tornou-se irrelevante e uma generalidade das pessoas vive como se ele não existisse. Ou como se não importasse se ele existe ou não. Deus é despedido porque já não tem função social. Quem é que faz o que quer que seja condicionado por uma ideia de Deus ou do que Deus quer ou projecta? Ninguém. Nem a maioria dos que se dizem cristãos. Deus no exílio. Aos poucos, Deus vai ficando confinado numa ideologia a que se convencionou chamar Igreja. Começo a perguntar-me se não vivemos num tempo de um pós-Deus ou de um Deus emérito! 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Um Deus que se ama ou que se acredita"

segunda-feira, janeiro 24, 2022

E se depois da morte não houvesse senão o nada?

A pergunta inquieta. A pergunta mais inquieta que podemos fazer quando sentimos de perto o rosto da velhice, da doença ou da morte. O senhor João, a quem inventei agora o nome à pressa, lê muitas coisas e já tem tempo para as ler de dia e de noite. No meio das muitas coisas que são livros ou artigos de profundo interesse, diz-me que não quer acreditar em Deus, mas que tem sempre pontas soltas quando o pensa. Por isso gosta de falar com o padre da terra, que é como quem diz, a sumidade das exegeses da fé ou da doutrina ou da Bíblia, que ele toca de vez em quando. Sobretudo quando se intriga nalguma linguagem de algum pensamento. Parece um filósofo dos antigos. Mas sem textos redigidos ou pensamentos elaborados. Parece apenas um homem que pensa porque quer viver com sentido. E é mesmo por isso, diz-me, que não se afasta totalmente de Deus, e o admira por fora. Assim como admira os crentes por dentro. Bem, isto já sou eu a filosofar. A debitar palavras e pensamentos sem nome atribuídos ao senhor João quando são mais meus que dele. Mas a pergunta que formulou como eu a disse, inquietou-me. Porque tenho uma certeza racional de Deus que me brota do amor que sinto por dentro, mas não tenho certezas para além dessa. Eu nunca imaginei um para além da morte sem Deus, senhor João. Nunca o pensei porque não faz sentido. Mas isso não será um subterfúgio de uma humanidade que quer sossegar-se?, perguntou o senhor João. E eu respondi que eu não me quero sossegar, porque nunca me sossego. Por mim falo. Mas as explicações que me saem da relação que tenho com Deus e que são inexplicáveis, são a fonte dessa evidência pessoal. E continuámos a nossa conversa com palavreado que, agora que o leio ao escrevê-lo, me pareceu mesmo um conjunto de palavras como se fossem um pequeno ensaio sobre o viver. Creio que ficámos os dois com a pergunta no bolso. Eu convencido, pelo coração, que o criador da vida humana só poderia criar uma vida com sentido para além dela. E o senhor João convencido que ainda não estava convencido, mas que o não estar convencido era um sinal de que se queria convencer. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A Olímpia e o milagre da vida"

sexta-feira, janeiro 21, 2022

os padres santos XIII

Conheço padres que nasceram para serem super-protectores. Não deixam que as outras pessoas façam as suas opções erróneas. Ou errem. Não deixam crescer na fé, porque fazem da fé dos outros uma fé sempre infantil. Uma fé encostada ao padre. Tal como a criança se encosta ao pai ou à mãe. Hoje já não há muitos padres destes, mas é porque as pessoas não deixam. Porque há muitos padres com o íntimo de protectores. Como se a missão sacerdotal fosse proteger. Proteger do mal. Eu diria que tem mais a ver com o saber viver com o mal. Atravessá-lo. Conseguir encontrar o caminho por ele. Mas são santos, porque vivem preocupados com o mal e com os outros, embora eu achasse que era melhor pensarem no bem. Ou seja, no bem dos outros. 
 

terça-feira, janeiro 18, 2022

Qual foi para ti o melhor post de 2021?

Deixamos os resultados da última sondagem que perguntava "Na tua opinião, qual foi a acção mais marcante de Francisco em 2021" e que destacou o "início do sínodo sobre a sinodalidade". 

Iniciamos, igualmente, uma nova sondagem, no lado direito do sidebar, para perguntar qual foi, na nossa opinião, o melhor, mais tocante ou mais interessante texto não poético de 2021 (excluido o marcador "especial 'padres'"). Os 10 textos a votação foram seleccionados de acordo com as indicações dos "penitentes" deste espaço e de acordo com a minha apreciação. Quem os quiser "revisitar", tem os links respectivos abaixo da sondagem. Bem haja pelo vosso interesse e colaboração!

sexta-feira, janeiro 14, 2022

"best post" 2021

Nos últimos anos, por esta altura, costumo colocar os textos de todo o ano a uma votação. Peço, mais uma vez, a vossa ajuda para seleccionar aqueles textos/prosa que considerais ou considerastes como os melhores, os mais tocantes ou interessantes em 2021. Note-se que decidi excluir os textos do “especial’padre’”. 
 
Indiquem nos comentários o título ou títulos dos vossos preferidos. Deixo algumas sugestões, de acordo com a minha apreciação particular e tendo em conta alguns dos que foram mais visualizados, mas podem indicar outros que aqui não se encontrem linkados. Depois colocarei os 10 mais apontados a uma votação. 
 
Agradeço desde já a vossa participação e colaboração. A mim fez-me bem relê-los. Pode ser que faça bem a mais alguém.


Nota que os poemas não entram nesta sondagem.
Quem quiser dar uma espreitadela aos "best post" de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 clique AQUI.

janeiro

legalizar a eutanásia

fevereiro

ver a missa

em parte sim e em parte não

Os papas infalíveis

paróquias com seguidores

 

março

Sou muito mais a Sofia

A culpa do pecado é do perdão de Deus

 

maio

A fé provoca-nos muitas dúvidas.

O Miguelito e a Ressurreição

 

maio

a catequese das festas

 

junho

A comunidade cristã eficaz

Também te amo muito

Desidentificado

A esperança é a última a morrer

 

julho

a Igreja que se quer reorganizar na mesma organização

"A pecadora da cidade"

Bater no peito

adentro neste retiro

A igreja que não cativa

 

agosto

Uma Igreja sem fé

Deus ama-me como sou

Homens do caminho

 

setembro

Os tempos das coisas

uma instituição vazía, ainda que cheia de actividades

Nunca pensei em ser padre para ser um padre

As paróquias deixarão de ser paróquias!

 

Outubro

uma Igreja mais corresponsável

As dúvidas e a fé

A minha multidão

 

Novembro

igrejas em saída

 

dezembro

Natal da Esperança

o padre e o casado

missa sem missa

terça-feira, janeiro 11, 2022

Deus não podia ter criado o covid-19

Uma senhora devota, em resposta ao padre que dissera na televisão que Deus, às vezes, manda uma doença como a covid-19 para que as pessoas se convertam e mudem de vida, estava muito zangada numa rede social a queixar-se do padre. Como poderia ele pensar que Deus cria um mal – pois que o vírus é um mal – para o homem?! 
Embora a senhora tenha boa intenção e tenha uma imagem de Deus muito boa, como um Pai que ama sem medida e tudo faz de bem pelos seus filhos, a verdade é que ela também se aproxima de uma heresia, pois parece dar a entender a existência de uma outra entidade criadora para além de Deus. Os vírus, tal como as bactérias fazem parte da natureza. Assim como as minhocas, os mosquitos, os elefantes, e demais seres vivos. Assim como os vulcões, os terramotos e as inundações, e demais fenómenos naturais que causam aflição, destruição e mortes. Contudo, o facto de o mundo criado por Deus ser assim, não quer dizer que Deus seja mau ou que crie e proceda com maldade. Apenas diz de um mundo transitório como este, no qual nos é dada a oportunidade de nos superarmos, por dentro e por fora, num caminho que não é feito só de rosas. O que nos acontece de mal, embora doloroso, às vezes até é uma oportunidade. Uma oportunidade de fazer escolhas, de estar atento ao mais necessitado, de sermos maís fraternos uns com os outros, e com todos os seres criados, de tomarmos consciência da nossa finitude e humanidade frágil. 
 

sexta-feira, janeiro 07, 2022

Deus mandou o covid-19 para que as pessoas se convertam

Deus, às vezes, manda uma doença como a covid-19 para que as pessoas se convertam e mudem de vida. Foi mais ou menos isto que um jovem padre disse numa televisão. Não sei qual é a formação teológica ou a ideologia que está por detrás desta afirmação, mas é do mais contrário que pode haver ao Evangelho. Afinal, Jesus veio para curar ou para adoecer? Jesus veio para curar doenças e não para provocar doenças de modo a alcançar a conversão das pessoas. Isso seria uma chantagem e Deus não faz chantagem. Deus ama e quem ama não chantageia. Tampouco se impõe. Antes se propõe. O Deus a quem Jesus chamou Pai e que nos ensinou igualmente a chamar Pai, não faz uma coisa destas. O jovem padre tem uma imagem de Deus errada. Como se fosse um castigador, sem olhar a meios e sem escrúpulos. O jovem padre da televisão pode até ter uma relação com Deus, mas é uma relação através do medo e não através do amor. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "Os filhos do pecado"

terça-feira, janeiro 04, 2022

Igreja clericalizada

No ocidente está a diminuir o número de padres, mas não está a diminuir o clericalismo. O fenómeno torna-se ainda mais paradoxal, porque se vai acentuando a idade avançada de maioria dos padres e uma parte considerável das novas gerações de padres agarram-se ao ministério de modo fortemente clericalizado. Já há quem estude o fenómeno dos chamados ‘padres novos’ como um grupo nascente de padres que se agarram ao culto como essência do ministério sacerdotal. 
Também a vida eclesial está fortemente clericalizada. Nas paróquias ainda gira tudo, ou quase tudo, em redor do padre, como ‘senhor’ do administrativo, do pastoral, do formativo e do cultual. Ele é o faz tudo. Ou de quem se espera tudo. De tal modo que quando as pessoas falam da Igreja – geralmente mal - estão a referir-se ao padre. O Papa Francisco, com o motu próprio Spiritus Domini, admitiu a possibilidade de as mulheres acederem ao acolitado e leitorado, e com o Antiquum ministerium, introduziu o ministério do catequista. Estamos em cima de um sínodo sobre a sinodalidade. Mas o caminho é longo até deixarmos de ser uma Igreja clericalizada! 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A instituição do padre Zé"