quinta-feira, novembro 27, 2008

Quer ser padrinho

O António vai a crismar porque quer ser padrinho. Foi à Catequese porque queria ser padrinho. Nunca foi de faltar muito porque queria ser padrinho. Sabe de cor os sete sacramentos que a catequista lhe ensinou porque quer ser padrinho. Sabe que o crisma confirma o baptismo e por isso se chama Confirmação, porque quer ser padrinho. Sabe inclusive que é mais do que uma confirmação. Disseram-lhe que tinha a ver com a maturidade da fé. Aprendeu os dons do Espírito Santo que, dizia, curiosamente também são sete, porque quer ser padrinho. Porta-se bem nos últimos encontros de preparação para o crisma porque quer ser padrinho. Vai-se confessar porque quer ser padrinho. Vai a crismar com um padrinho ao lado porque quer ser padrinho. Mas quando lhe pergunto porque quer ser padrinho, não sabe porque quer ser padrinho.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Será que os animais vão para o céu?

Irmão Sol. Irmã Lua. Irmã árvore. Irmão pintassilgo. Irmão cão. Faz sentido gostar do que Deus criou, como faz muito sentido gostar e tratar bem dos animais. Um amigo meu gosta do que habitualmente dizemos ser o melhor amigo do homem, os cães. Digo-o sem segundos sentidos. Relaciona-se bem com eles. Eu também me relaciono bem com eles, mas apenas quando estão presos. Fora disso é só uma espécie de respeito. Eu gosto de lhe chamar respeito. Porém, o meu amigo gosta tanto deles que um dia, numa conversa daquelas em que costumamos reflectir assuntos ou passar algum tempo à procura de assuntos para reflectir, saiu-se com esta. Será que os animais vão para o céu? Fiquei de pernas e mãos atadas no sentido mais intelectual da expressão. Nunca se me havia deparado semelhante questão. Não imaginei sequer que um dia pudesse ser questão. Comecei por dizer aquilo que era mais fácil, o Olha pró que te deu. Não me podia desarmar e por isso passei para o Ora bem, eu penso que. E depois de pedir ajuda a Deus, se é que Ele pudesse estar interessado em ajudar-me, fui raciocinando em voz alta. Ora bem, eu penso que eles são capazes de se relacionar, mas não são capazes de amar no verdadeiro sentido da palavra, porque amar é algo gratuito, desinteressado. Os animais amam quando recebem algo, quando se habituam. Há pessoas assim, mas isso não interessa para esta nossa discussão, disse para amenizar ou aliviar o diálogo. Por este motivo não devem conseguir estabelecer relação de amor com Deus, não achas? Ora bem, eu penso que se não estabelecem relação de amor com Deus, não tem sentido pensar que eles possam ir para o céu. Disse mais umas três ou quatro vezes palavras parecidas com pensar e possam e ora bem eu penso que, porque não sabia o que dizer mais. Mas para mim o céu, apesar dessa ideia fenomenal de ser um paraíso, não precisa de tanta criatura bela. Só de imaginar que podia haver cães no céu à solta…

sábado, novembro 15, 2008

O meu retiro

Estava no meu décimo segundo ano, prestes a ingressar em teologia. Um passo decisivo. Éramos mais que dez, mas não lembro o número ao certo. Não foi isso que me marcou. O nosso Director Espiritual agendara um retiro a que chamava de decisivo. A entrada em teologia era um passo importante. Modelo de Santo Inácio. Pequena introdução à reflexão com os passos a seguir. Depois uma hora de meditação individual. Foi uma semana de grande silêncio. Ainda recordo o tinir dos pratos às refeições e o chilreio dos pássaros. Passei uma tarde sentado no monte, apenas com Deus, uma sandes e uma maçã. Conversei muito com Ele e comigo. Às tantas o padre pregador ensina uma técnica. Desenhem numa folha duas colunas. Na primeira enumerem as razões pelas quais devem ir para padre. Na segunda as razões para não irem. Foi um grande debate interior. Enchi a folha, tanto de um lado como do outro. Penso agora que escrevi mais na primeira que na segunda. Mas às tantas, parei bruscamente. Assaltou-me um pensamento. Melhor, um sentimento. Deus ama-me tanto! E repetia-o. A repetição não saía de dentro de mim. Recordo que estava na Capela, sozinho, a um canto. Era um final de tarde. O lusco-fusco salientava a luz que alumiava o Santíssimo. Atirei a folha ao chão. Não havia necessidade dela. O amor de Deus bastava. Fiquei a olhar a luz que pousava na folha. Era a luz que vinha do sacrário. Deus ama-me tanto! Uns anos mais tarde, antes da minha ordenação, ainda sentia esta repetição. Hoje ainda vou buscar forças a este retiro, a esta repetição. Engraçado como não foi amor a Deus que me tornou sacerdote, mas o amor de Deus.

segunda-feira, novembro 10, 2008

Nem pensar

O Tiago é um miúdo esperto. Tem treze anos. Vai sempre à missa. É meu acolito. Tem um sorriso do tamanho de Deus. Enquanto segura na vela junto ao Evangelho, espreita para acompanhar a sua leitura. Penso que é um miúdo que Deus já tocou de maneira especial. Por isso penso também que poderia ser chamado de forma especial para o sacerdócio. De vez em quando insisto qualquer coisa como Bem poderias ir para padre. Davas um bom padre. Já te imaginaste meu colega? Desde pequenito que insisto. Hoje deu-me para falar de novo. A mãe estava presente. Ela ficaria contente, de certeza. Estavam mais duas pessoas na sacristia. A missa terminara, e eu insisti. Bem que podias ir para padre. Nem pensar, respondeu convicto. Um dos presentes lembrou que assim não podia casar. Todos os presentes pensámos no celibato e no casamento. Mas o Tiago acrescentou. Não tem nada a ver com isso. Então, porque não hás-de ir para padre, perguntei. Nem pensar. Já viu o que os padres passam, o que os padres têm de aturar?! Nem pensar.
Calou-me a insistência. Calou o palpite dos presentes. Calou aqueles que procuram respostas quase científicas para a falta de vocações consagradas. Falou daquilo que muitos sentem, partindo daquilo que vêm e ouvem, quando lhes é feito o convite.