sábado, dezembro 24, 2011

Há gente para quem o Natal é só uma data

Há gente para quem o Natal é só uma data. Gente que se senta no sofá de forma mais pausada, com uma rabanada que a amiga lhe deu, à espera que a televisão dê a meia noite para ir até ao vale dos lençóis. Há gente assim, que não tem outra gente com quem partilhar os sons, os ruídos, as algazarras, os afazeres, os talheres, as prendas do Natal. Gente que uns dias antes estivera no jantar tal com o grupo dos colegas. Mas que agora está só. Não tem mais ninguém. Não tem o amigo ou a amiga colorida porque estes estão com a família. Não tem o filho ou a filha porque este ano pertence ao outro pai. Não tem os amigos, porque nem sempre há amigos para estas ocasiões do Natal. Ou então são aqueles que a idade não deixa que o Natal seja tão Natal. Porque os filhos estão longe. O marido ou a esposa já morreram. O lar está fechado ou vai-se para a cama cedo. Passam o Natal com a televisão. Nada mal para quem há uns anos nem televisão tinha. Mas eu acho que estes tipos de Natal são muito dos Natais modernos. Fazem parte da vida moderna, para quem uma reunião é apenas uma reunião e não uma união. Fazem parte da vida que nos dá tudo, mas nos tira grande parte do amor. Fazem parte da vida que está cheia, mas afinal está mais vazia que nunca. Pode ser que, com esta crise, as pessoas comecem a buscar o essencial do Natal, aquele essencial que não é só uma celebração, mas uma forma de vida. E digo àqueles para quem o Natal é só uma data que o Menino Deus também nasceu para eles. Eu até diria mais. Diria que o Menino Deus nasceu sobretudo para eles.
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Aproveito também para desejar a todos os meus amigos um Natal cheio de Deus!
Congratulo-me igualmente com os 6 anos de vida deste "nosso" espaço. Faz amanhã anos que nasceu juntamente com o "Menino", e já passámos as 400.000 visitas, 8.800 comentários e temos disponíveis 339 textos. Assim Deus continue a fazer-nos Seu instrumento.

quinta-feira, dezembro 15, 2011

um ponto que queria ser ponto de luz

Gostava de ser um ponto de luz. Apenas um pontinho pequenino, porque um pontinho é sempre uma extensão, uma ínfima parte da Luz. Gostava de ser um ponto de luz. Porque mesmo que iluminasse apenas um pequeno trilho, uma réstia de levada, uma direcção, ele seria sempre um indicador do caminho. Gostava de ser um ponto de luz que abre a visão e não concentra em si a atenção. Quando olhamos fixamente a luz, ficamos cegos ou deixamos de ver. Não quero ser um ponto de luz que se deixa cegar pela inconsciência de permitir ou fazer cegueiras. Não quero ser um ponto de luz que se deixe cegar pela vaidade de ser luz. Queria apenas ser um pontinho da Luz. Queria mesmo e muito. Sempre e fortemente. Mas, para tristeza da Luz e infelicidade de quem precisa de luz e de quem queria ser ponto de luz, que sou eu, a maior parte dos meus dias e noites e noites, sou apenas um ponto que queria ser esse pontinho da Luz.

domingo, dezembro 11, 2011

Que achas das mudanças no "Confessionário"?

Apeteceu-me fazer mudanças cá por casa. As mudanças na minha vida e missão fizeram-me ter esta vontade. Reconheço que até os textos têm trazido algumas diferenças de sentir. Então que a casa seja sinal de todo esse sentir. Novo banner. Nova música. Novas cores. Que achas das mudanças que fiz na "nossa" casa? Reparti a sondagem em três: Que achas do novo banner? Que achas da nova música? Que achas das novas cores? Responde no lado esquerdo, no sidebar.

Podes dar a tua opinião aqui, nos coments. Para saber o significado do novo banner, podes clicar aqui.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Amanhã vou comprar mais luz para esta igreja

Entrei. A porta estava aberta, mas a igreja estava escura. Estava de luzes apagadas. Estava apagada. O ruído da porta foi o único ruído da igreja. Ajoelhei-me a custo frente ao altar. Faltavam apenas quinze minutos para a missa e ainda estava tudo apagado. Durante um minuto fiquei a contar o tempo. E depois em três comecei a pensar no tempo. Pensei que devia acender as luzes da igreja para parecer que ela estava acesa. Mas não tive vontade. Não tardou que entrassem duas senhoras com frio. Está frio aqui, disse uma. Ouvi a pensar que a igreja estava fria. Dirigi-me à sacristia. As coisas estavam quase prontas para celebrar a missa. Paramentei-me, ouvindo outras pessoas a chegar. As de boa vontade foram à sacristia acender as luzes e ultimar os preparativos da missa. Era um dia de semana normal de um cristão, com ou sem missa. As pessoas daquela igreja têm uma simpatia próxima da simpatia. Gosto delas. Gosto até porque elas têm a igreja a precisar que alguém lhes acenda a luz e porque eu gosto de muita luz. Já lhes disse que a nossa igreja precisa mais luz. Elas concordam, mas já se habituaram ao escuro da igreja. Amanhã vou comprar mais luz para esta igreja. Compro também um aquecedor. Talvez as pessoas comecem a gostar de vir à Igreja.

quarta-feira, novembro 30, 2011

O andar que não sabe para onde anda

O carro anda de um lado para o outro. Eu faço o mesmo. Dentro e fora do carro. Ando de um lado para o outro. Dentro e fora de mim. E as pessoas. As pessoas andam de um lado para o outro. Todos andam, como se caminhar fosse a essência de quem não quer ficar parado. Na vida, no tempo, na história. Nas nossas histórias. Nas vidas que a nossa história tece. A vida começa de manhã e descansa pela noite. E deambula todo o dia numa busca de fazer o que tem de ser feito. Os trabalhos, as refeições, as relações, as horas de estar em pé. As pausas para o aroma do café e para uma ida à casa das intimidades. E tudo anda. E se te sentares num banco do jardim a olhar um ponto fixo do horizonte, provarás que o ponto está lá, mas tudo mexe à sua volta. Porque a vida não pára e nada pára. Olha depois em redor e conta cada passo de cada transeunte. Não param os passos nem as pessoas que olhas discretamente. Toda a vida rola. E chega o final do dia da vida e perguntamos. Porque é que não pensámos antes que a vida é muito mais que este andar de um lado para o outro? E porque é que não definimos que o caminhar é sempre um caminhar nalgum sentido maior? E hoje, que ainda é só de noite, pois ainda não veio o fim do dia da minha vida, deixai que pergunte ao Senhor que é o meu Deus. Porquê? E repito. Porquê, meu Deus? Porque é que o mundo anda tanto e não sabe para onde anda?

sexta-feira, novembro 25, 2011

Um dia os baptismos ainda hão-de ser baptismos

Era-me desconhecida e cuido agora, a uma distancia de dez quilómetros, que me pôs a suar pelo calor que ainda sinto atravessar-me o peito e a nuca. Queria baptizar o filho por tudo o que é mais sagrado, dizia. Já baptizara, faz dez anos, uma filha, e agora era a vez do petiz que tem, senhor padre, dois meses. Eu sei que já o devia ter baptizado, senhor padre, mas não tive tempo. É que o tempo, penso, só existe em nós para aquilo que é a nossa vida. A filha baptizada era do marido, de quem estava divorciada. O filho era do companheiro, que é uma palavra que entrou no vocabulário do amor dos dias de hoje. Expliquei, incomodado, que não era a melhor posição para pedir o baptizado e provei-o com números de leis da Igreja. Mas acrescentei que a criança não tinha culpa, desculpando-me, e que podíamos procurar requisitos para ela se baptizar. Concordou, claro. Depois falei de uma reunião de preparação e começou o habitual negócio de quem não tem as ideias claras da fé. Eu não tenho tempo para isso, senhor padre. E apesar de só ainda estarmos no início da conversa e do negócio, foi perguntando para que era tanta coisa, e afirmando que eram muitas burocracias. Insisti na verdade das coisas, e concordou, claro, porque ela queria um baptizado com verdade. Era difícil por causa do horário de trabalho do pai que este pudesse estar presente. Perguntei-lhe se também não ia arranjar tempo para ir ao baptizado. Compreendeu e falou que ia resolver. Falámos dos padrinhos e do que se lhes exigia. E continuou o linguajar das burocracias. Informei que podia procurar outra paróquia e disse que não queria. Falámos das datas, dos horários e de ser realizado perante a comunidade, na missa, motivos para disparar que ninguém tinha nada a ver com a vida dela. Escolheu um sábado e eu falei da missa vespertina. Concordou até perceber que missa vespertina era à tarde e não de manhã. Falei que eram as normas da Igreja, que não eram minhas e que já toda a comunidade as conhecia. Há três anos que estou aqui. Não sabe. Não conhece, como eu não a conheço. Não vai à missa, sorriu para disfarçar. Perguntei-lhe, com um sorriso marcado por dentes, mais cerrados que abertos, se ela pretendia que a criança fizesse uma caminhada de fé quando ela não a estava a fazer. Calou-se ou achei que a tinha calado. Dei-lhe uns formulários a preencher de um lado e para entender as razões do baptismo do outro. Descaradamente voltou ao dicionário das burocracias. Se as paredes da sacristia estivessem preparadas e não tivessem o branco de uma pintura recente, garanto que as tinha trepado. Por dentro já eu estava a trepar. Voltei-me de novo para ela, cara a cara, olhos nos olhos, e perguntei: Mas afinal eu pedi-lhe para baptizar o seu filho?

quinta-feira, novembro 17, 2011

Qual é o nível de confiança que depositas no teu pároco?

Com estas coisas de mudança de paróquias, revelou-se-me interessante avaliarmos o nível de confiança que temos nos pastores das nossas comunidades cristãs, isto é, os nossos párocos. A nova sondagem pretende perceber se é costume confiarmos nos nossos párocos e até que ponto existe essa confiança. A sondagem, mais do que avaliar os padres-confidentes, pretende perceber de que forma conseguimos entregar a nossa vida, a nossa fé, o nosso coração, ao pároco da nossa comunidade. Coloco a questão da seguinte forma: Qual é o nível de confiança que depositas no teu pároco?

Podem e devem justificar aqui as vossas opções e razões!
Para quem não saiba, o pároco é aquele sacerdote que está à frente de uma comunidade paroquial.

sexta-feira, novembro 11, 2011

Queria uma missa no dia tal

Entrou despachada com uma amiga. Na sala de atendimento da nova paróquia estava uma funcionária que perguntou o que desejava. Eu entrei entretanto. Ela queria uma missa no dia tal. E a amiga três dias depois. A funcionária informou que ainda não sabia que missas havia por essas datas, porque o senhor padre entrara há pouco na paróquia e ainda estava a organizar as coisas e as datas. Ela insistiu que queria uma missa no dia tal e que a amiga queria três dias depois, dado que fazia anos que alguém importante para elas tinha falecido. Interrompi para explicar que já não era possível celebrar em todas as datas que as pessoas quisessem porque os padres eram cada vez menos e as vidas paroquiais tinham de se organizar. Mais ainda, que teria de marcar em data aproximada na qual houvesse missa na paróquia. A funcionária apresentou-me dizendo que era o novo pároco. Não conhecia ainda. Não sabia. Não imaginava. Olhou para mim com espanto e com ar desconfiado. Não discutiu muito, embora torcesse o nariz. De qualquer maneira perguntou como é que poderia ela saber a data da celebração da missa. Expliquei, com alguma matreirice, que essas informações eram dadas na Missa da paróquia. E tão pronto como expliquei, ela explicou também. Eu não vou à missa e reticências, que não quis dizer mais nada que isso. Sorriu engasgada com a minha matreirice, mas não ficou incomodada. Pronto, está bem, disse. E saiu, tão despachada como entrou.

segunda-feira, novembro 07, 2011

cinco Instante: o Víctor

Veio dar-me um abraço. O último abraço. O senhor Víctor é um reformado que já experimentou a vida. É um homem que, quando fala, diz o que a vida lhe ensinou. É estudado. Tem património. Tem uma vida preenchida. E aprendeu a ser cristão, disse-me, com a minha presença. A face encheu-se de um rubor que parecia timidez. Mas não. Era a face de quem gostaria de vociferar ao mundo. O senhor libertou a nossa paróquia de pecados que não cometemos. Olhei para ele com ar espantado, e perguntei que queria dizer. Quero dizer o que disse. O senhor libertou-nos. O senhor mostrou-nos quem era verdadeiramente Deus. Mostrou que Deus nos ama como somos. Que não nos oprime. O senhor mostrou-nos que a fé não se vive com proibições, mas com caminhos. Que a fé não se vive com medos ou com coisas negativas, mas com a alegria de pertencer a Deus. Até hoje os padres ensinavam-nos um Deus que julga e que manda, um Deus que está à espreita para nos levar para o inferno. E o senhor ensinou-nos que Deus, que é pai, tudo faz para nos levar para o céu. Obrigado, senhor padre. Dê cá um outro último abraço.

quinta-feira, novembro 03, 2011

quatro Instante: a Helena

Ligou-me a medo. Não quero incomodar, senhor padre. A Helena nunca faltava à missa, mesmo da semana, porque entrava na missa com olhos tristes e saía com os olhos a sorrir. Ao longo destes anos não teve para comigo grandes manifestações do que quer que fosse. Apenas sorria quando a olhava por entre os bancos da Igreja. Recordo-me de um dia me dizer que me devia a força de vontade de continuar a vida com a sua doença e os seus problemas. Mas era discreta. Tão discreta que no dia da despedida, não se despediu. Andava já há dias para ligar-lhe, senhor padre, mas não queria incomodar. E se agora estou a incomodar, diga que eu ligo outra hora. Respondi que todas as horas eram boas para receber telefonemas e mensagens daqueles que aprendi a amar nas paróquias e que isso até me dava ânimo para a nova missão. Sossegou então. E foi dizendo que tinha saudades. Que a sua vida não mais era a mesma. Que a vida da paróquia não mais era a mesma, embora o novo padre até fosse bom padre. E que gostava de me ver, mas que, dada a idade avançada, isso não devia acontecer. Mas enfim, é a vida. E fomos assim dialogando sobre tudo e nada. Já no final do telefonema, disse porque ligara. Senhor padre, eu só liguei mesmo porque não tive nem tempo nem coragem para o fazer antes. E queria agradecer-lhe pela fé que me ensinou. Hoje sei que tenho fé. Antes não sabia. A chamada caiu, porque desligámos o telefone. Eu caí em mim, e disse. Estes telefonemas fazem-me ter vontade de ser padre onde Deus quiser que o seja.

segunda-feira, outubro 31, 2011

O buraco

Não tenho palavras. Quero encontrar adjectivos para este meu estar, mas não encontro. Quero usar adjectivos suaves ou que me tranquilizem, mas não encontro. Nem sei se me encontro a mim mesmo. Sei apenas que aqui estou, neste meu novo estar. Sinto-me cigano da minha vida, sem casa e sem alimento, sem amigos em quem confiar, a percorrer quilómetros de carro para caminhos que desconheço. Vou e venho, como se ser padre fosse um ir e vir. Como se ser padre fosse um fazer coisas, porque têm de ser feitas. A estrada tem um buraco. Vejo os carros passar-lhe ao lado, como o levita e o sacerdote ao ver a doença prostrada no chão. Também a mim me apetece passar de lado. Mas tenho de tapar o buraco da estrada para ela se tornar aquilo que é, uma estrada. Queria dar um nome à estrada. Mas não sei que nome dar-lhe. Espero, Senhor, nesta minha oração, que me ouças e me dês a pá que preciso para tapar este buraco. Um buraco na minha missão, um buraco na minha vida que não quero que seja da minha fé.

quinta-feira, outubro 20, 2011

Chegou a hora!

(In)completa 2
Autoria Elsa Sequeira


Seriam umas dez da manhã. Estava sentado à secretária, descalço. De manhã ando descalço dos pés. Às vezes ando descalço da vida. Não era o caso. Rezava as Laudes. Mas quando a campainha tocou, senti-me mais descalço ainda. Desprevenido. O toque fora muito subtil, mas sonoro o suficiente. O tempo de me calçar foi insuficiente para pensar quem estará à porta. Não me penteei, que estava penteado. Não são horas de direcção espiritual, desabafos ou parecido. Enquanto atravessei o corredor, pensei nalguma santa com um saco de pêssegos. Encostei a mão à chave e a cabeça à porta. Abri com um sorriso de acolhimento. Depressa se transformou em sorriso de admiração e surpresa. Ou constrangimento. O meu bispo.
Era o meu bispo que estava ali. O assunto é sério, ia eu pensando. Ninguém aparece a estas horas se não for coisa séria, que se passa? Demorei tanto tempo nos pensamentos, que ele teve que me perguntar se não o convidava a entrar. E rimos, como que para desanuviar o ambiente.
Deu-me então a conhecer a razão da sua vinda: Padre x, chegou a hora de partires, para outras gentes, vais para outra paróquia, vai ser bom… O meu bispo continuou a falar, penso eu, mas eu deixei de o ouvir. Um turbilhão de sentimentos inundou-me. O silêncio fez-se presente. Agarrei-me à cadeira, como que não querendo ir, mas, no mesmo instante levantei-me e com firmeza disse: Senhor estou aqui, envia-me.

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E aqui está a minha escolha. Os motivos fui buscá-los mais àquilo que estou a viver que àquilo que gostaria mesmo de ver escrito. Gostei muito do final. E peço a Deus que continue a dar-me essa firmeza. De entre os textos que conduzistes para esta perspectiva da saída de uma paróquia achei este o mais directo, e gostei dele por não ter grandes rodeios e por usar claramente uma linguagem escrita parecida à minha. No que se refere aos textos que conduziram o sentido do conteúdo para o blogue, posso garantir-vos que adorei. Se não estivesse de mudança de missão paroquial, quase de certeza que a minha opção iria para esses textos. Pena também pelo último texto que aparece sem autor e sem título, pois achei-lhe imensa piada.
Abraço amigo a todos os que contribuíram para a (In)completa 2

quinta-feira, outubro 13, 2011

três Instante: a Lurdes

A Lurdes teve um cancro e, diz ela, foi o senhor padre que me mostrou que não devia desistir de viver. Foi o sorriso do senhor padre que me ajudou a sorrir. Por isso a Lurdes não se queria despedir de mim. E quando se foi despedir, disse-me que não se queria despedir do meu sorriso. E que chorara várias semanas seguidas. E que rezara para que eu não partisse. E que até houve refeições em que não conseguiu comer. Não entendia. Não queria entender. Mas ontem, senhor padre, fiquei mais serena. Ela nem sabe dizer serena. Disse qualquer coisa parecida, mas entendi-a. Os anos na paróquia ajudam a entender o que as pessoas querem dizer, mesmo sem o dizerem. Fiquei mais serena, senhor padre. E sabe porquê? Porque entendi que na paróquia para onde o senhor vai deve haver também muitas outras pessoas que precisam do seu sorriso. Limpou duas lágrimas. Deu-me um beijo suave na mão. Despediu-se. Limpei duas lágrimas. Aconcheguei-lhe a mão que agarrara a minha e, simplesmente, sorri.

terça-feira, outubro 11, 2011

dois Instante: o João

O João é um petiz de palmo e meio que eu vi nascer e crescer até ser esse petiz que nos entra no coração e não sai. A família é gente boa. Fazem parte da minha gente boa. O João aprendeu com eles a ser bom e quando vai à missa procura discretamente o meu sorriso. Há uns anos, ainda teria uns três, saiu-se com esta para os pais. O Padre é meu amigo. A partir daquela ocasião, tive a certeza que aquele meu paroquiano era meu paroquiano à séria. Os padres devem gostar dos seus paroquianos. Definitivamente, os padres gostam dos seus paroquianos. Eu gosto e gostava. Por isso gostava dos que se chamam João e dos que se chamam Josés ou Manueis ou Marias ou o que seja, desde que sejam meus paroquianos. E todo este meu raciocínio vem à baila, porque apesar de ter deixado de ser pároco de uma série de Josés e Manueis e Marias ou o que seja, eu continuo a gostar deles. Continuo a gostar do João. Este João que, dois dias depois de me ter ouvido anunciar na paróquia que o Senhor precisava de mim noutra missão, a meio do jantar, em sua casa, de forma solene, pediu licença aos pais e ao mano para dizer uma coisa muito importante. Pai, é importante o que eu quero dizer. Diz lá, meu filho, disse o pai do João. Temos de comprar uma casa nova na paróquia X. Abro entre parênteses para dizer que é assim que quero chamar a minha nova paróquia. E continuou o João. Temos de comprar lá uma casa para irmos para ao pé do nosso padre. A mãe contou-me com as lágrimas nos olhos. Eu ouvi com as lágrimas nos olhos. E escrevo com as lágrimas nos olhos. Mas amanhã, quando estiver na paróquia X, vou lembrar-me que há sempre um João em todas as paróquias.

terça-feira, setembro 27, 2011

um Instante

Uma lágrima. Duas lágrimas. Três lágrimas. Conto-as enchendo os olhos. Deixo de as contar enchendo o coração. Enchem-me todo por dentro. Prendem-me. E solto-as em liberdade. Deixo-as ir, rua abaixo. As ruas das minhas paróquias e dos que amo. As ruas dos que me fizeram feliz e dos que me fizeram sentir que vale a pena ser padre. Em dois meses percebi o que foram onze anos. Tudo passa num instante. Mas é o instante de Deus. É a Ele que agradeço tudo. É a Ele que devo tudo. E àqueles que aprendi a amar e a nunca esquecer.
(...)

quinta-feira, setembro 08, 2011

(in)completa 2

Seriam umas dez da manhã. Estava sentado à secretária, descalço. De manhã ando descalço dos pés. Às vezes ando descalço da vida. Não era o caso. Rezava as Laudes. Mas quando a campainha tocou, senti-me mais descalço ainda. Desprevenido. O toque fora muito subtil, mas sonoro o suficiente. O tempo de me calçar foi insuficiente para pensar quem estará à porta. Não me penteei, que estava penteado. Não são horas de direcção espiritual, desabafos ou parecido. Enquanto atravessei o corredor, pensei nalguma santa com um saco de pêssegos. Encostei a mão à chave e a cabeça à porta. Abri com um sorriso de acolhimento. Depressa se transformou em sorriso de admiração e surpresa. Ou constrangimento. O meu bispo. Era o meu bispo...

Se queres ser tu a decidir o rumo desta história, então o "(in)completa 2" é para ti. Tens oportunidade de imaginar o final do texto e seres o seu autor. O melhor final será publicado como post. As regras são simples:
1. Para participar, deves enviar o teu texto como "coment"
2. deves dar um nome ao texto (com maiúsculas)
3. deves repetir a última frase na íntegra, retirando as reticências.
4. deves assinar no final, mesmo que seja com pseudónimo
5. deves esforçar-te por não alongar muito o texto (no máximo 600 caracteres, isto é, cerca de 125 palavras)
6. deves respeitar o espírito e personalidade do "Confessionário dum Padre"
7. se o texto for, de alguma forma, abusivo, não será publicado
8. podes participar com o máximo de 3 textos


N.B. Também poderás comentar nos coments os textos dos participantes; se achares necessária mais alguma regra, informa-me!

sábado, setembro 03, 2011

Entre mim e Deus não há nada.

Entre mim e Deus não há nada. Não há as pessoas que não gostam assim ou assado. Não há o bispo. Não há os colegas. Nem há sequer a família. Eu diria que nem há a Igreja, embora saiba que sem ela não consigo ter algo com Deus. O que eu quero dizer ou sentir com o que estou a dizer é que a minha relação com Deus é minha. Não é de mais ninguém. É um tu a tu. Como devem ser as relações de amor. Eu preciso dos outros para Deus entrar na minha vida. Preciso deles para os amar, porque Deus quer que os ame. Preciso deles porque Deus também quer precisar. Preciso deles para viver solidário e não solitário. Preciso deles para ser Igreja. Preciso deles, porque sem eles não existe Deus na minha vida. Mas entre mim e Deus não há nada. Ou melhor, há o amor que é tudo. O resto é um nada. Ou melhor, o resto é um muito que, comparado com o que existe entre mim e Deus, não é nada. Por isso não quero nada entre mim e Deus.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Do que viveste ou soubeste, que te admirou mais nas JMJ Madrid 2011?

Apresento-vos hoje nova sondagem, no rescaldo do grande acontecimento deste verão para a Igreja católica, as Jornadas Mundiais da Juventude ocorridas entre os dias 15 e 21 de Agosto em Madrid. Participaram nela milhares de jovens entre alegria, festa, música, oração, reflexão, cansaço, confusão, adversidades, calor, entusiasmo, comunhão, fé, e muitas mais formas de sentir e viver. Suponho que todos presenciámos, ao vivo ou através da comunicação social, este acontecimento. Por isso, e para avaliar as Jornadas Mundiais da Juventude deste ano, proponho esta sondagem: Do que viveste ou soubeste, que te admirou mais nas JMJ Madrid 2011?

Podem e devem explicar a escolha das vossas opções.

sexta-feira, agosto 12, 2011

A vida está é para os padres

A calçada da minha rua tem muitas histórias. Por ela passam muitas vidas. Passam as pessoas com as suas vidas. Podem passar a correr porque têm muitas vidas. Podem passar a passear porque já tiveram muitas vidas. E eu percorria a calçada da minha rua com as minhas vidas. Ia apressado porque tenho muitas vidas para fazer. Perdoem a insistência, mas é costume ir apressado porque tenho muitas vidas. Já me vão conhecendo como apressado. Os padres, hoje em dia, são quase todos apressados. As pessoas são quase todas apressadas. Mas o Quim faz parte do grupo dos que se passeiam. Anda calçada abaixo calçada acima várias vezes ao dia. Tem tempo, ou porque o arranja ou porque já é assim, para passar, calçada acima calçada abaixo, várias vezes. É um castiço no pleno sentido da palavra. Mete-se sempre comigo como, imagino, se mete com todos os que passam. Ó, padre, a vida está é para os padres. Não deve ter reparado que eu ia apressado com as minhas vidas. Ou então foi o modo que encontrou para se meter comigo desta vez. Já não é a primeira que o faz assim. E repetia. A vida está é para os padres. Não o disse com maldade, porque não tem maldade. Como ia cheio de vidas, achei que devia responder. E fi-lo, sem maldade, mas com muita vontade. Ó Quim, por isso é que há tantos!

segunda-feira, agosto 01, 2011

É a vida

É a vida. Dizem os transeuntes. Chamo-os transeuntes porque não sei o nome de todos, e estão a passar junto ao caixão. A Maria da Conceição não diz nada. Está no caixão, deitada. Ou o que resta dela. E os transeuntes não se cansam de repetir É a vida. Ou É assim a vida. Fazem-no com um ar dramático. E, sem querer ou sem perceber o real significado da expressão, os transeuntes referem-se à morte como a vida. É a vida. É a vida.
Um dia destes vou fazer uma homilia sobre isto. Mas agora detenho-me apenas a contemplar a situação e a sorrir por dentro. O nosso povo entranhou esta expressão e chama à morte vida. E assim, sem perceber que o está a fazer, afirma uma enorme verdade de fé. É que a morte não é outra coisa senão o acontecimento da Vida em plenitude, a Vida eterna.

quinta-feira, julho 21, 2011

Tão só porque é

A Maria veio de França ao funeral da mãe. Teve de vir à pressa e deixar a sua vida normal para trás. Tanto deixou, que agora está a ser-lhe difícil voltar a essa vida normal. A mãe partiu. A mãe a quem ela ligava todos os dias. A mãe que a ensinara a viver e a incentivara a emigrar porque a vida está difícil de viver. E agora partira. Não tinha ainda setenta anos, e partira. É muito comum a pergunta. Mas a Maria não se inibiu com isso e, no meio de um afago, perguntou. Porquê, padre? Porque é que Deus a levou? Porque é que Deus ma tirou? Dói-me sempre o injusto do verbo levar ou do verbo tirar. Deus não leva ninguém. Deus não tira ninguém. Deus ama. Mas também estes verbos e estas expressões são comuns. E temos de levar ou lidar com eles. O luto tem destas coisas. Precisa destes verbos, destes espaços. E por isso o padre tem de ser muito compreensivo. E as respostas, como Jesus fazia, podem ser feitas com outras perguntas.
Estávamos perto do quintal de uma das vizinhas. Uma daquelas que enche o quintal de flores. Flores amarelas, vermelhas, roxas, rosas, tingidas, matizadas. Flores de todas as cores e feitios. No meio delas, destacava-se uma rosa branca, lindíssima. Com o indicador apontei na sua direcção, e falei na direcção da Maria. Aquela flor é linda, não é? Acenou que sim, a olhar para ela e depois para mim. Depois empoleirou os ombros, como que a perguntar que interessa isso para a conversa, ou a afirmar que isso não lhe interessava de momento. Continuei a apontar na direcção da rosa e perguntei: Já pensou porque é que Deus fez aquela flor tão bela? Para responder repetiu o empoleirar dos ombros. Fiquei à espera, e na espera ela deve ter-se sentido incomodada, porque deixou escapar quatro palavras num sussurro que só quem pressupõe entende. Ninguém faz essas perguntas. Acho que ainda usou o vocativo Padre. Mas já não ouvi porque falou muito baixo ou porque interrompi. Nós geralmente não perguntamos a Deus sobre as coisas boas. Só perguntamos das más. E olha, Maria, que, com certeza, a resposta deve ser a mesma. Não é nem porque sim nem porque não. É tão só porque é.

sábado, julho 16, 2011

A dona Silvina tem agora mais uma razão para viver

A dona Silvina tem oitenta e nove anos e vive com a irmã que tem menos que ela uns seis. Foram toda a vida o amparo uma da outra. Ambas vestem preto. Mas a Silvina cuida-se, arranja-se mais. Terá, porventura, uma perspectiva da vida mais convicta e interessada. Tem oitenta e nove anos e ainda cuida da irmã que caiu e partiu a perna. Mesmo sem grandes forças, não desiste de oferecer o melhor à irmã. Porém, começou a faltar-lhe a paciência e ontem queixou-se. Que hei-de fazer, senhor padre?
Para esta gente e estas idades que podem cair na resignação da vida, é necessário encontrar sempre o lado positivo das coisas. Ó dona Silvina, a senhora em vez de desanimar deve dar graças a Deus porque ainda está e é capaz de ser útil a alguém. Ela ergueu o tronco, retocou ao de leve o cabelo branco com a mão direita, e sorriu como há muito eu não a via sorrir. A nossa dona Silvina tem agora mais uma razão para viver.

sexta-feira, julho 08, 2011

A Mafalda está em exames

A Mafalda de cabelos longos, escuros e encaracolados, está em época de exames. Por isso acendeu uma velinha a Nossa senhora. Anda meio aflita e tem pedido auxílio a Deus. Que a ajude nos exames. Diz ela que confia muito em Deus. E que Ele vai ajudá-la porque é muito bom e muito amigo. Perguntei-lhe se tem estudado ou se está à espera que Deus estude por ela. Respondeu que sim. Que tem estudado. Aliás, no Domingo passado não foi à Missa porque ficou a estudar. No Domingo anterior também faltara. Porque estava cansada. Tinha-se deitado tarde, porque estivera a estudar. Eu gosto muito da Mafalda pela sua afabilidade e pela naturalidade com que diz as coisas. É tão afável e natural, que me diz estas coisas de uma forma simples, por pensar, e com um sorriso tão grande como se estivesse a dizer a coisa mais acertada. E foi assim que me contou que gosta muito de Nossa senhora e de Deus. E que confia muito Nele. E que Ele vai ajudá-la. E que não tem ido à Missa.
Numa coisa concordo com a Mafalda. Provavelmente, pelo amor tão grande que possui, Deus é bem capaz de a ajudar. Mas não podia deixar a Mafalda ir embora sem lhe dizer que não entendia como ela pedia que Deus lhe desse atenção e tempo da Sua vida, quando ela não lhe dava a atenção e o tempo da sua. Que não entendia como ela se lembrava Dele porque precisava e que depois se esquecia Dele porque não precisava, ou se esquecia de precisar. Que não entendia como queria que Ele estivesse com ela naquele momento do exame, e que não lhe retribuísse o mesmo estar com Ele na Eucaristia. Habitualmente somos maus pagadores nos negócios que fazemos com Deus.

quinta-feira, junho 30, 2011

O assunto era padres

O assunto era padres. Padres para aqui, padres para ali. Aquele padre assim, aquele padre assado. A mesa era de madeira e não era muito grande. Albergava-nos uns cinco. A senhora Cecília era a convidada de honra. Morava numa casa grande numa vila próxima que não lembro o nome. Só lhe recordo o nome e o rosto arranjado. Pareceu-me uma mulher simples. Mas não daquelas mulheres simples do campo. Uma mulher simples no trato, na compostura, na forma de lidar com os assuntos. Os filhos eram doutores na capital. O marido já tinha morrido. Quando falava, todos se calavam, porque usava poucas palavras, e a maior parte delas faziam pensar. Estava sentada ao meu lado. Eu também fora convidado. Lado a lado a atenção das conversas. A do padre e a da Cecília. O padre, que era eu, porque tinha sempre na ponta da língua uma graçola ou uma forma engraçada de clarificar as coisas, ou então porque era o padre e o assunto eram os padres. A Cecília porque, como disse, falava para dar que pensar. Não falávamos propriamente mal dos padres, mas do que era ser padre, porque se ia para padre, a ideia que as pessoas tinham dos padres. A determinada altura a Cecília não esteve com meias medidas, deixou-se de poucas palavras, e arrematou. É uma das profissões mais fáceis de serem exercidas actualmente. Casa grande. Carro do ano. Empregada diariamente. Mestrados e doutorados pagos e com acesso facilitado. Estatuto social e religioso. Não há quase ninguém para atender, pois atendem mal. Em zonas pobres, sacerdócio é sempre uma excelente oportunidade para se livrarem das dificuldades financeiras, da lavoura, do trabalho duro. Infelizmente, mas verdadeiro. Pelas minhas bandas, não se vêem padres com espiritualidade. Muito menos com real vontade de atender aqueles que os procuram. Na minha opinião, não devem ter entrado no Seminário por vocação, mas por fuga. Todos se calaram, e fez-se um silêncio durante uns segundos que pareceram mais que sessenta. Eu disse que não era bem uma profissão. Que se tratava de uma vocação. Disse que a casa grande onde morava não era minha. Era da paróquia. Mas ia dar ao mesmo. Que o meu carro tinha quatro anos. Que tinha uma senhora que ia lá a casa fazer a limpeza mais ou menos de quinze em quinze dias, e que era eu que lhe pagava. Que não tinha nem mestrado nem doutoramento. Que o meu estatuto era o do meu trabalho. Que vinha de famílias da classe média. Tentava, a todo o custo, justificar cada frase da Cecília. Cada expressão. Mas a verdade é que este assunto me pôs a pensar. É que a Cecília falava sempre para dar que pensar.

sexta-feira, junho 24, 2011

Que gostarias de dizer neste momento ao teu pároco?

Apresento-vos hoje uma nova sondagem que tem como objectivos avaliar e reflectir sobre a relação que temos com o nosso pároco; meditar sobre o que pensamos dele; perceber o que mais precisamos dele; entender o que ele deveria ou poderia melhorar. Ou pura e simplesmente, descobrir aquilo que lhe gostaríamos de dizer. É essa a questão: Que gostarias de dizer neste momento ao teu pároco?

Podem justificar aqui as vossas opções e razões!
Para quem não saiba, o pároco é aquele sacerdote que está à frente de uma comunidade paroquial.

terça-feira, junho 21, 2011

Quem tem pouco acaba por reconhecer que cada pouco é muito

Estamos quase no Verão, mas chove. A trovoada lembra que não somos donos da vida. Que podemos fazer o que quisermos. Que podemos escolher as nossas opções como quisermos. Mas a última palavra não é nossa. O homem desde sempre teve esta vontade de se tornar Deus. Mas depois vem uma chuva que varre a vida, que arrasta consigo o que não tem bases sólidas. E depois é que nos lembramos que afinal a vida não é comandada por nós. E quando devíamos encolher os ombros na humildade de quem descobre que afinal eu só estou aqui para viver e buscar o melhor da felicidade que conseguir, costumamos revoltar-nos contra Deus e contra tudo o que Ele representa. Afinal Ele não está cá. Ou se cá está, porque havia de permitir que a chuva levasse a nossa vida toda em poucos segundos? Graças a deus que aquela senhora que apareceu na televisão com uns trapos, que lhe restaram, na mão, ia dizendo que agradecia a Deus por lhe ter deixado aqueles trapos que bem precisava. É a história conhecida do copo meio cheio ou meio vazio. Uma pessoa que tem muito, quer ter sempre mais. Por isso a Europa está como está. Quem tem pouco, acaba por reconhecer que cada pouco é muito. Eu penso que na nossa sociedade e na nossa Igreja devíamos aprender com quem tem pouco. Pois é esse pouco que dá valor a Tudo.

quarta-feira, junho 15, 2011

A catequista Lucinda

A Lucinda é minha catequista há dois anos. É muito simpática. Autêntica. Exigente. Exigente com os miúdos, e por isso acha que eles não querem nada. Exigente consigo mesma, e por isso acha que não é boa catequista. Exigente com a catequese, e por isso acha que o que faz não dá frutos. Exigente com a vida, e por isso há dois anos que tenta resistir ao chamamento de Deus para ser catequista. Para continuar a ser catequista. Já por umas quatro vezes que pensou desistir. Por quatro vezes chegou à conclusão que não podia fazê-lo. As últimas desculpas que deu foram o tempo que retirava à família, ao lar, aos seus, e dizia-me, para se ouvir, que Deus não deve querer isso. Estava, portanto, decidida a deixar a catequese do próximo ano lectivo. Mas ontem ainda era este ano, e teve catequese com os seus meninos do primeiro ano. Falaram do Espírito Santo, e ela incentivou os miúdos a pedir ao Espírito Santo que os ajudasse a fazer algo. Um pediu que o ajudasse a fazer o TPC. Outro que o ajudasse a não cair. Outros foram por aí fora com pedidos do mesmo género. Porém, a Teresa disse: Ajuda-me a ser consagrada. E a Marília disse: Ajuda-me a ser santa. Foi nesse preciso momento que a Lucinda teve a noção exacta do seu papel na Catequese. Ela é catequista, e tem de participar nisto. Tem de ouvir e ver estes pequeninos amigos de Jesus. Contou-me estas coisas banhada em lágrimas minúsculas, como pontinhos de luz. Deus tem um sentido de humor incrível. Quando pensamos que temos as respostas, as certezas, Ele mostra-nos algo maior.

sábado, junho 11, 2011

Estou contente pelo José

Sentei-me aqui à beirinha da janela. A cadeira está ali disposta para que me sente à beirinha da janela, para que me perca no horizonte que a janela abre ou fecha. Coloquei uma perna em cima da outra. Cruzadas, mas não em forma de cruz. Como se uma precisasse descansar e a outra não tivesse outro remédio senão aguentar-lhe o peso. Olhei lá para fora, para a montanha, e pensei que hoje me sentia como as pernas. Por um lado a precisar de descanso. Por outro a precisar de aguentar. Ainda não tinham passado cinco minutos, ainda não me tinha perdido completamente no horizonte, quando o telefone tocou. Dei um salto, sobressaltado. Não há horas para o telefone. Nem para mim. Era o José que se vai ordenar padre em breve. Uma questão de semanas. O entusiasmo percebia-se nas palavras escolhidas, no tom da voz, na cadência da entoação. Deixei-me embalar pela conversa. Mas também deixei escapar uma ou duas expressões que manifestaram a minha alegria pelo entusiasmo do José. Depois, e como que a brincar, para ele não pensar que era a sério, saiu-me algo como Não sei como ainda há jovens que se entusiasmam desta forma. Ele sorriu. Ou sabia ou disfarçou que achava piada. Compus o ramalhete insistindo que estava a brincar com ele. E comigo. Já lá vão alguns anos. Os suficientes para não me lembrar como estava entusiasmado. Como estava ansioso. Como abria as mãos para experimentar abençoar. Para lembrar como tudo era colorido. Como as pessoas batiam nas costas de contentes. E como agora falam nas costas. E como agora nos carregam as costas. E como a vida hoje nos parece ter perdido alguma cor. O José perguntou se afinal ia à missa nova dele, que é assim que chamamos a primeira missa solene de um novo sacerdote. E eu respondi que não tinha tempo. Que não tinha tempo para partilhar a alegria dele. Para fazer minha a alegria dele. Desligámos e voltei à beirinha da janela. Olhei para a montanha e pensei. Estou contente pelo José, mas tenho de descansar esta perna.

quarta-feira, junho 08, 2011

Só me apetece olhar para lado nenhum

Só me apetece olhar para lado nenhum. Ainda há pouco, conversando com uma amiga, que é mãe, me dizia que tinha receio de ter mais filhos porque esta sociedade é tão ruim que tem medo de não a conseguir proteger. Ou de não ter como a ajudar a crescer. A ser gente. Hoje ser gente não é o mesmo que existir! E depois falava que a filha mais velha tinha sido abordada por colegas para experimentar o pó. A garota ainda é nova e deve ter pensado que o pó era o que os armários por limpar acumulam. Sabe, padre, os garotos não são como no nosso tempo. Tratam a vida como se ela lhes devesse algum favor. Concordei. Passam a vida à espera que a vida lhes seja doada e não conquistada. Por isso quando ela não lhes dá nada, acham que nada vale a pena viver. São as frustrações de quem não sabe valorizar cada segundo de vida que acontece. As frustrações de quem só valoriza aquilo que se sente. Por isso tanto sobem uma montanha como descem à cova mais profunda e escura. Não sabem o que é procurar, o que é descobrir, o que é caminhar para uma meta, o que é sonhar. Não se comprometem senão consigo mesmo. Eu diria que nem consigo se comprometem. Fazem-no apenas com uma parte de si, os seus sentimentos. Por isso a vida é light. Por isso a fé também tem de ser light. Por isso a fé não é procurada. Deus não é tido senão quando se possa sentir. Não querem nada que tenha de ser procurado. Não querem Deus se este não for uma resposta imediata. Resoluta. Clara. Certa. Não querem nada que seja duradouro ou que demore. Uma missa. Uma prece. Um matrimónio cristão. Só se for sentido, e enquanto for sentido. E aquela fé, que se trata no coração, deixa de poder ser verdade porque o coração só quer sentir e não quer dar nada de si. Não quer dar nada a sentir. Triste e sentida geração a nossa. Dizem por aí entendidos que esta é a geração rasca. Outros que é “à rasca”. Não sei se alguém já pensou nela em termos de fé. Eu queria pensá-la nesses termos. Usar este papel e estas palavras nesse sentido. Mas também só me apetece senti-la. Esta geração faz-me sentir que precisa de um sentido. E é por isso que só me apetece olhar para lado nenhum.

sexta-feira, junho 03, 2011

Cerimónias para ver

Hoje em dia tornou-se costume, ou normal, ou banal, serem as avós a tratar das coisas do baptismo. Os pais estão longe da terra e, às vezes, da Igreja. E foi assim que a Anunciação marcou o baptizado para o netinho Dinis. Tratados os papéis, os padrinhos e os pais, lá chegou o dia marcado pela avó e a hora marcada pela eucaristia da comunidade.
Cheguei uns vinte minutos antes, o que é raro. Havia tempo para tudo e mais alguma coisa. Em vinte minutos muita coisa acontece nas nossas vidas. Esperavam-me à entrada da igreja, mas dentro, no guarda-vento. Falámos um pouco. Estavam entusiasmados. Mantivemo-nos uns cinco minutos nisto, quando a avó, que lá estava, como manda a lei das avós que tratam de tudo, a dar conta da conversa, se lembrou de repente. Ó senhor padre, é verdade, lembrei-me agora, confesse-os lá. E apontava para os pais. Embora tardito, fazia sentido o seu pedido. Porém, como sou de opinião que estes pedidos devem vir de dentro, e ali vinham de fora, da avó que ainda queria continuar a tratar de tudo, olhei para eles e perguntei com o olhar se tinham vontade de confessar-se. Eles responderam, com o mesmo olhar, que não tinham bem a certeza. A avó deu conta e insistiu. Andai lá que a cerimónia fica melhor, mais bonita. E assim acabaram por confessar-se, que eu não me achei digno de o impedir. Disse o que tinha a dizer, e não sei se a cerimónia ficou melhor ou mais bonita. Nem se ficou mais sincera.

quinta-feira, maio 26, 2011

O preto pousou sobre eles sem licença

A mãe do Joaquim, que é a esposa do senhor Manuel e a sogra da Rosa, faleceu há coisa de um mês. O preto pousou sobre eles sem licença. O preto amargo que nos cobre e nos fecha a cadeado. Ela era fácil de se amar, e por isso o preto, neste caso, fez-se mais teimoso. Sou amigo da casa e custa-me ver aqueles rostos da cor das roupas. Já por umas seis vezes que falámos no assunto. Eles pedem-me tempo e eu dou. Eu falo que é minha obrigação e eles dizem obrigado. E falamos sempre. O luto faz-se, acontece e, às vezes os sentimentos das pessoas escurecem e escondem o sol ou as suas réstias ou raios de luz. É como se fizéssemos do dia noite. Eu não quero tornar-me incómodo, mas abordo esse sol, que não se pode apagar para não ser sempre de noite, e dou tempo. Eles agradecem por isso. Por lhes lembrar o sol, por lhes dar tempo, e por me lembrar deles. Três coisas que, cuido, devemos atender ao lidar com quem está escuro como o luto.
Há dias soube que o senhor Manuel vai todos os dias, ao final da tarde, até ao cemitério que não fica longe de casa. O Joaquim vai também a maior parte das vezes. A Rosa vai só quando o Joaquim vai a horas que ela pode. Fazem-no porque não sabem o que fazer. Fiz-lhes essa pergunta e não souberam responder. Foi mais ou menos um Não sabemos porque fazemos, mas temos de fazer, padre. Perguntei-lhes, numa só frase, sobre o sentido desse luto e dessa forma de agir. Não me souberam responder. Ao que respondi, questionando, que se algo não tem sentido, porque há-de fazer-se?
Olharam para mim de uma forma aberta e eu pensei. Estão a pensar que o que disse é importante. O Joaquim foi o mais expressivo. Mas as expressões enganam e às vezes uma expressão aberta pode significar só isso. Que ouvimos mas isso não importa ou não é importante. A nossa vida fica aqui, está presa aqui, neste luto e neste escuro e nesta noite. Amanhã será outro dia. Ou não.
As pessoas que estão escuras precisam que alguém lhes faça perceber que é de dia e o sol vai alto.

sábado, maio 21, 2011

Qual a frase de João Paulo II que mais te toca interiormente?

O agora beato João Paulo II não deixou indiferentes os que com ele privaram, quer através dos seus escritos, das suas viagens, das suas aparições, das suas celebrações, dos seus ensinamentos, quer através da sua vida. Ainda no rescaldo da sua beatificação, fui procurar algumas das suas frases mais famosas ou que mais me foram tocando. São apenas algumas e não me perguntem porque as escolhi. Deixo-as agora em tom de partilha, sujeitando-as a uma sondagem sem outras pretensões que não a de nos ajudar a meditar com a ajuda deste beato que, segundo afirmações do cardeal D. José Saraiva Martins, não há-de tardar muito em ser canonizado. A pergunta é esta: Qual a frase de João Paulo II que mais te toca interiormente?
Se a frase que mais gostam não estiver neste lote, transcrevam-na nos comentários. E se possível, deixem no mesmo local as palavras que as vossas escolhas suscitarem.

quinta-feira, maio 19, 2011

Menina não baptizada não entra

A data fora marcada com antecedência pela avó. A hora também. E lá estavam o casal à porta com a menina ao colo, os padrinhos e a avó. Era a avó que trazia a Inês ao colo. Iam baptizá-la. Cheguei apressado, quase em cima da hora combinada, que era a hora da Eucaristia da paróquia. Convidei-os a entrar. Estava frio e não queria que a Inês se constipasse. Entraram todos, menos a avó e a Inês. A mãe da Inês fizera menção de pegar nela e levá-la consigo, para dentro. Mas a avó, pelos vistos, não deixou. Apesar das horas estarem super-marcadas, passo a passo, nos meus compromissos, decidi voltar atrás, à rua, ao frio. Insisti que entrassem, ao que a avó respondeu que não podiam. A menina não podia entrar antes de ser baptizada. Escusado será dizer que a resposta me surgiu pronta. Então fique aqui com a menina, que quando terminar o baptizado, eu chamo-as. Ó senhor padre, disse ela. Mas é a Inês que vamos baptizar! Como pode ser isso? Bom, senhora avó, se a menina não entra, não tem como poder baptizar-se.
São as histórias das superstições que sempre se rezaram assim. As crianças não devem entrar nas igrejas sem estarem baptizadas. Eu pensei que estas coisas já não eram de hoje, mas pelos vistos enganei-me. E enganei, entre aspas, a avó, porque ela acabou por entrar logo atrás de mim.

quinta-feira, maio 12, 2011

Não olha senão para mim

Hoje estou aqui sentado. O banco tem lugar para mais cinco se não forem gordos. Mas estou só. A Igreja está escura. Junto ao altar, por entre a janela, percebe-se um tom amarelo da rua. Um amarelecido do tempo. Não quis acender as luzes. Gasta muito. E gasta-me os olhos. Assim descanso-os e posso poisá-los na luz mais forte da Igreja, a luz do sacrário. Trouxe comigo algumas coisas. No banco, do meu lado direito, coloquei as minhas fraquezas. São muitas. Ocupam muito espaço. A seguir coloquei os meus falhanços. As fraquezas ficaram mais perto porque as vejo sempre muito perto. Do lado esquerdo coloquei as cobardias, os medos e as tentações que mais frequentam o meu coração. Se fossem volumes de livros, seriam uma biblioteca. Na ponta do banco, do lado direito estão os pecados. Amontoados. Desorganizados. Não os queria trazer. Mas eles vieram colados à minha sombra. Tal como a sombra não nos abandona, quer com muito sol, quer com iluminação fraca, assim eles se colocam atrás de mim. Costumam colocar-se estrategicamente atrás e não à frente. Tenho a certeza que se eles estivessem na minha frente, eu procuraria todas as horas voltar-me para o Sol. Não consigo avaliar melhor localização. Se de forma que os não veja e sinta. Se de forma que os veja para procurar o Sol.
Recordo que a Igreja está escura. Ainda bem. Pressinto que não estou sozinho no banco. Mas sinto que o sacrário é mais forte, mais luminoso. Prende-me mais a atenção. Apetecia-me passar horas aqui sentado a sentir o que estou a sentir. É como se Ele não tivesse querido olhar as minhas fraquezas, fracassos, cobardias, medos e tentações, e se fixasse apenas no amor que me tem. Também Ele dirige o olhar para o meu banco e não olha senão para mim. E confia. Apesar do banco estar pesado, Ele confia em mim e quase parece fazer-me deslocar levemente, como uma pena, ao Seu encalço. Quer-me assim. Ama-me assim. Não está interessado senão em amar-me.
Levanto-me e parece, de facto, que estou mais leve.

quarta-feira, maio 04, 2011

As inutilidades das nossas Bíblias

Andámos a mexer nas Bíblias de cada um. Convidara as pessoas a trazer a sua Bíblia para a Igreja, numa partilha comunitária. Pelo menos para sacudir-lhe o pó, expliquei. E para percebermos que ela pode usar-se. Que ela tem palavras escritas para serem lidas. Que não é apenas um adorno fácil das nossas estantes ou da nossa cómoda envernizada. Valeu a pena o esforço. O número daqueles que trouxeram a Bíblia foi aumentando aos poucos. Outros pediram que lhes fizesse o favor de lhes comprar uma. Fiquei feliz por poder ajudar. Por poder contribuir. Por proporcionar maior contacto com a Palavra de Deus. Temos a Bíblia em casa e podemos usá-la.
Mas há dias dei por mim a pensar naquelas pessoas que não trouxeram a sua Bíblia ou não pediram para a comprar. Dei comigo a pensar que podiam padecer da timidez dos cristãos que não querem assumir mais do que aquilo que se habituaram. Ou que não percebem que a Bíblia foi uma das maneiras mais excelentes, escolhida por Deus, para falar connosco. Ou que não percebem que os cristãos devem ser comprometidos com Deus também desta forma. Ou que elas não têm a Bíblia em casa porque não a sabem ler. Ou porque têm receio do que ela possa exigir-lhes. Ou, pura e simplesmente porque não a querem ter. O que me entristece. Há tempos alguém me dizia que a Bíblia dos simples era o terço. Achei a afirmação interessante. Mas continuo a julgar que um verdadeiro cristão deve ter a Palavra de Deus Escrita em casa.

sexta-feira, abril 29, 2011

Os sucessos e insucessos dos colegas

Volta meia volta alguém se dirige a mim com as palavras do costume para contar aquilo do meu colega A ou B, o da terra vizinha geralmente, ou aquele que tem muita idade ou aquele que, sabe, ouvi dizer na televisão ou li no jornal. Quando querem dizer mal, que é a maioria das vezes, vêm com cara de enigma, assim com o rosto meio de lado à espera de perceber a nossa reacção. Os olhos também vêm de lado, para o mesmo. Boca igual, para se ouvir apenas numa direcção, para que ninguém dê conta quem é o autor de tamanhas palavras. Mas a verdade é que há um certo gozo escondido quando se ouve falar mal de um colega. Isso faz-nos sentir melhores. Como se a comparação com alguém débil nos faça sentir menos débeis. Isto é uma treta. Vai-se a ver, é o mesmo que nos acontece inversamente a nós. E às vezes pactuamos com a conversa, e damos opiniões de como deveria ser, como seria melhor, como eu faria ou faço. Como se essa fosse a balança ou a medida da bondade. Bem palermas que somos nessas ocasiões.
Quando querem salientar algo de belo e bom que um colega faz, vêm airosas, desafogadas, como os ardinas a tentar vender o jornal. Na ocasião esforçamo-nos por dizer que sim com a cabeça, mas alertar para alguns senãos. A cabeça fala uma coisa e a boca coloca reticências, pontos de interrogação. Podemos não dizer, mas pensamos sempre que o que ele quer é envaidecer-se. Como se o sucesso de um colega colocasse em risco ou em causa a nossa acção. Isto é uma treta. Vai-se a ver, é o mesmo que nos acontece inversamente a nós. E isso não é ser Igreja. E isso não é ser comunidade. Isso não é ser Corpo Místico de Cristo.
Hoje quero apenas alegrar-me com o sucesso do meu colega que vai editar um livro, e se amanhã me vierem dizer mal de um colega, vou esforçar-me por repreender quem o fizer.
Afinal quero fazer parte desse Corpo Místico de Cristo.

sexta-feira, abril 22, 2011

Frases da quadragésima.com 2011

Aqui estão todas as frases bíblicas escolhidas pelos bloggers e que fazem parte da "quadragésima.com 2011". Algumas frentes podem ter encalhado muito rapidamente, mas o objectivo era a ajudar á reflexão. Por isso, estamos contentes por aqueles que reflectiram e aqueles que ajudaram á reflexão. Obrigado a todos os que participaram, em especial aos que convidei para tomar conta das frentes. Para que a reflexão possa continuar, vamos colocar um número a cada frase e poderás escolher aquela que te tocou mais ou que gostas mais na sondagem que está no sidebar, à esquerda.
BOA RESSURREIÇÃO A TODOS

1. “E tu, quem dizes que Eu sou?” (Mc 8, 28) - Confessionário dum padre

Frente “Adão”
2.
“Olhai como crescem os lírios do campo! Não trabalham nem fiam. Pois eu vos digo: nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles.” (Mt 6, 28-29) – Partilhas em Fa menor
3. "Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna." (Jo 6, 68) - Deus em Tudo e Sempre
4. “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo.” (Mt 6,6) - Confessioxxi
5. "Embora eu caminhe por um vale tenebroso, nenhum mal temerei, pois junto a mim estás; teu bastão e teu cajado me deixam tranquilo"( Sl 23). - Gratidão
6. "Então Jesus aproximou-se e, tocando-os disse: «Levantai-vos e não temais.»" (Mt 17,7) - Teologar
7. "Porque tu és a minha rocha e a minha fortaleza" (Sl 31) - Eu Estou Aki
8. "Felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam!" (Lc 11, 28) -Caminhando ao Encontro
9. "Senhor tu és o meu refúgio, a minha cidadela, o meu Deus, em quem confio!" (Sl 91, 2) – A Paixão de ser Catequista
10. "O teu nome esta tatuado na palma da minha mão" (Is 49, 16) – Partilhar
11. "Filho, tu estás sempre comigo, tudo o que é meu é teu." (Lc 15,31) – Ficamos contigo
12. "Confia os teus cuidados ao Senhor, e ele te susterá; jamais permitirá que o justo seja abalado" (Sl 55-22) - Jovens Sol Nascente
13. "Vivei como filhos da luz, porque o fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade. Procurai sempre o que mais agrada ao Senhor." (Ef. 5, 8-10) - Grupo de Jovens El Shadday
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Frente “Abraão”
14.
"Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância." (Jo 10, 10) - Jardim de Luz
15. "Um tremor os tomou, aí, como a dor daquela que dá à luz." (Sl 48, 7) - Ser Cristão
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Frente “David”
16.
"Mestre, para quem iremos nós? Só tu tens as palavras que dão a vida eterna." (Jo 6,68) - Coisas de Mim
17. "...Então, nem uma hora pudeste velar comigo?" (Mt 26,40) - Para Que Nunca Me Esqueça
18. "...(Senhor) Volta-te para mim, e tem misericórdia de mim; dá a tua fortaleza ao teu servo, e salva ao filho da tua serva." (Sl. 86:16) - As Peripécias do Rei
19. “e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.” (Mt 28:20) - Mala de Mão
20. "Qualquer coisa que me pedirdes em meu nome, eu farei." (João 14:14) - Erva Daninha
_________
Frente quase anónima
21. "
Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto" (Mt4,11) - Maria
22. «De todo o coração eu vos procuro; não permitais que eu me aparte de vossos mandamentos.» (Sl 118, 10)- Malu
23. Que palavra é esta que disse: Buscar-me-eis, e não me achareis; e, Onde eu estou, vós não podeis vir? (Jo 7,36) - Yue Liang
24. "Ao ver Sua mãe e junto dela,o discípulo que Ele amava,Jesus disse a Sua mãe"Mulher,eis aí o teu filho" - Maria Ana
25. "Felizes os que escutam a Palavra de Deus e a põem em Prática!" (Lc 11,28) - Renascer

quarta-feira, abril 20, 2011

Costumas, como Judas, trair o Amor do Senhor?

Ao ler o Evangelho de hoje (Mt 26, 14-25) dei comigo, perante a figura de Judas Iscariotes, a meditar sobre as traições que fazemos ao Senhor. Já não o trocamos por trinta moedas, mas trocamo-lo quando nos queixamos da hora da missa e faltamos para ficar na cama ou para dar um passeio ou uma caminhada. Trocamo-lo pelo carro, pela casa, pelo emprego, pelos estudos, pelo nosso bem-estar.
O Seu Amor é enorme, ao ponto de dar a vida por cada um de nós, e atraiçoamo-lo quando não assumimos com coragem a nossa fé; quando não falamos com Ele através da oração; quando não pomos em prática as propostas que nos deixou, através sobretudo dos mandamentos e das bem-aventuranças; quando não O escutamos, sobretudo através da Sua Palavra; quando O esquecemos ou quando duvidamos Dele…
Comparadas com a de Judas, as nossas traições podem ser pequenas. Porém, num período como o que estamos a viver em Igreja, que tal meditarmos sobre as nossas traições ao Amor do Senhor?!
A sondagem de hoje surge como consequência desta minha meditação e como proposta para cada um pensar nisto. Mais que a votação, interessa o que ela nos ajudar a reflectir. Claro que podem e devem expor razões da escolha e da meditação aqui, nos comentários.
A pergunta é: Costumas, como Judas, trair o Amor do Senhor?

segunda-feira, abril 18, 2011

Pedi uma Igreja diferente

Foi com esta frase de Jesus que passei a noite. Em algumas ocasiões bati com o pé no cobertor. Tipo chuta na bola que ela vai a rolar. Foi em João que a li. Jesus estava à mesa com os doze. A determinada altura, e para espanto de todos, deitou água numa bacia e toca de lavar os pés dos discípulos. No final diz-lhes para fazerem como Ele, que era o Mestre e Senhor. Fiquei alucinado. Parecia que estava a Seu lado vestido de túnica escura e barba por fazer. Cabelo comprido. Pés barrentos. E não compreendia como era possível que Jesus fizesse ali, a cada um de nós, o gesto humilde dos escravos. Só os escravos lavavam os pés aos seus senhores. Para que vós façais também. O exemplo do serviço humilde. Ainda há dias ouvia falar da opulência do Vaticano, do seu poderio, do poder de muitos hierárquicos. Eu respondia que era a tentação de todos. Mesmo dos cristãos. Usar a Igreja para proveito próprio. Tirar dividendos. Enriquecer. Mandar nos outros. Mas quem não tem essa tentação?! As palavras de Jesus eram para todos os seus discípulos. Não só para os padres. Todos devemos servir o irmão humildemente. Mas reconheço ser a minha e a tentação de tantos outros que ministerialmente são instrumentos de Deus. Por isso sonhei toda a noite. Por isso bati algumas vezes com os pés. Por isso queria uma Igreja mais santa que pecadora. Por isso queria uma Igreja mais do Evangelho que do Magistério. Por isso queria uma Igreja mais dos simples que dos sábios. Por isso queria uma Igreja bem perto de cada um. Por isso rezei pedindo a Deus que me fizesse igual a Ele. Por isso pedi uma Igreja diferente.

sábado, abril 09, 2011

Gostava de esvaziar a minha igreja

Gostava de esvaziar a minha igreja. Ela está tão cheia de retábulos pincelados a ouro, altares laterais e centrais, santos de madeira, pedra ançã ou simplesmente barro, flores naturais e de plástico, velas de cera e de promessas. Tem candeeiros a mais para os rituais que tem. Tem pessoas a mais para a verdade que nela entra. Tem um sem número de sacramentos, missas, exéquias, devoções, tradições, e que tais. Diria que faz colecção de muitas coisas, consoante as novidades da época. E se há jornadas, encontros, fóruns, conferências, reuniões, ela tem sempre um cantinho para acolher de boa fé. É muito boa a minha igreja. Tem espaço para tudo e todos. Só que, às vezes, não tem espaço para Deus.

sábado, abril 02, 2011

Quem faz tudo

Ela tem uma discrição que é uma graça. É mais linda ainda por dentro que por fora. Nunca incomoda. Nunca implica. Nunca complica. Vinha com o sorriso habitual e cumprimentou-me, como faz sempre. Então, Senhor Padre, anda bem? Apanhara-me com dor de costas, daquelas dores que eu acho que partem do coração e se prolongam para todos os órgãos do corpo. Sentia-me, como dizem por aqui, apezinhado. Nem sei se existe a palavra, mas existe a sensação. E disse-lhe. Ela perguntou Então porquê, Senhor Padre? Repete sempre Senhor Padre, pelo respeito que me tem. Nunca se dirige a mim sem me tratar por Senhor Padre. E respondi-lhe que andava com muitas preocupações nos ombros. Estavam pesadas. Mas tem algum problema, Senhor Padre? Acrescentei que não eram meus. Eram daqueles que me procuravam. Mas que acabavam por se tornar meus. E por mais que lhes desse palavras de conforto ou de solução, para mim eram sempre insuficientes. Com um olhar ainda mais profundo e mais sorridente que o habitual, ela afirmou que eu já fazia muito pelas pessoas. De certa forma calou-me, sossegou-me, trouxe-me uma evidência que difícil ou raramente dou conta. Mas eu não queria só fazer muito. Queria fazer tudo. Ao que ela me respondeu que tudo é só Deus que faz, Senhor Padre.

segunda-feira, março 28, 2011

Hoje vieste-me ao pensamento e ao coração

Hoje vieste-me ao pensamento e ao coração. Sem motivos, sem vontades. Vieste porque o Tó, o padre António, começou a falar de funerais e de lutos. Destas coisas que conversamos porque nos inquietam. Quando comecei a falar de ti, o Tó parou para me escutar. Os seus olhos ficaram brilhantes, fixos, com rasgos de horizonte. Ele ainda tem mãe. De certeza que me escutou a pensar nela. Falei de ti como já há muito não falava. Quando me vens ao pensamento, ironicamente, costumo afastar-te, desculpando-me que é apenas um pensamento. É melhor não pensar para não sentir. Porque os pensamentos dão azo a sentimentos. A mana, quando precisa ficar bem com a sua vida, pensa em ti, contou-me. Sonha contigo. E acorda contigo. Eu não sou assim. Recuso-me a acordar contigo num sonho. Mas hoje apeteceu-me trazer-te à minha realidade. Àquele momento em que, com um sorriso estampado no mesmo rosto que era marcado por lágrimas, iniciei o ensaio de cânticos para a nossa festa, a festa da vida que te tinha prometido uns dias antes. Ninguém queria cantar. Eu queria cantar ao mundo todo, como se fosse o melhor cantor que poderia algum dia cantar-te. Apontei para ti, agarrei no micro e disse Vamos cantar, que hoje é dia de festa. Ninguém me acompanhou a não ser o silêncio e os murmúrios de muitas lágrimas que, no meio da assembleia, se desenharam. Deixaram-me, uns trinta segundos que pareceram minutos, a cantar sozinho. A minha voz enchia a Igreja e juntava-se ao ritmo das lágrimas. Não me vou esquecer nunca deste momento único das nossas vidas. Como estavas bela, a sorrir, contente. Recordo que as pessoas iam e vinham, em magotes, dar os sentimentos. Nunca gostei muito disso, até porque os sentimentos são das pessoas e continuam com elas. Sentimentos já eu tinha muitos E só quem ama a minha mãe sabe o que é este sentir a morte dela. Mas entendo. Davam-me os sentimentos e eu chorava e sorria. Chorava e sorria. Chorava porque não conseguia para de chorar. Sorria porque não conseguia parar de sorrir. Como agora não consigo parar de sentir. Como agora apetece trazer-te ao meu pensamento e ao coração. E aqueles olhares que, nos vários dias e eucaristias desse último mês, trocávamos, em casa, por entre a hóstia que acabara de consagrar. E sorríamos perdidamente, como se entre nós, entre mim e a tua dor, estivesse somente Ele nesse pedaço de sacrifício eucarístico. Que maravilhosas são as expressões de fé que o Senhor nos ensina através daqueles que são completamente seus. Mãe, devo-te muito do meu sacerdócio. Devo-te muito da minha vida. Devo-te muito daquilo que sou. E hoje apetecia-me tanto o teu colo!

sexta-feira, março 25, 2011

Prego a fundo no Pai Nosso

Estava no ambão proclamando o Evangelho. Depois de umas duas frases ou versículos, por assim dizer, o Evangelho dizia algo como Quando rezardes não digais muitas palavras como os pagãos, porque o Senhor bem sabe o que precisais. Depois desta insinuação ou chamada de atenção, o Evangelho colocava o Senhor ensinando a oração do Pai Nosso. E ali estava eu com a leitura do Pai Nosso, esforçando-me por a tornar verdadeira leitura. Entretanto, pressenti que à minha volta havia gente acompanhando-me com os lábios. Diria que se ouviam os lábios mexer. Mas quando chegou a parte final da leitura da oração, naquela parte do Mas livrai-nos de todo o mal, ouviu-se, por toda a igreja, Amen. Eram umas três pessoas, ou cinco, ou seis. A mim pareceram-me centenas, porque ecoou fortemente no meio da minha leitura. A partir dali o Evangelho do Senhor meteu outra velocidade, passando directamente de uma primeira para uma quinta. Começou aos engulhos, aos soluços. Parei duas vezes, mas foi para acelerar ainda mais a seguir. O motor precisava arranjar força para acelerar. O prego ia a fundo e eu respirava de forma igual, fundo. Mas cada vez que recordava o Ámen, a minha vontade era largar os engulhos, os soluços, as respirações a fundo, e espalhar-me em gargalhadas. Não se tratava nem de distracção, nem de hábitos. Para mim trata-se do esvaziar das nossas orações, porque as gastamos em repetições que apenas nos saem da boca e não do coração. Logo hoje que o Senhor nos dizia que ao rezarmos não devíamos dizer muitas palavras.

segunda-feira, março 21, 2011

A língua dos padres tem obrigação de saber responder

A língua dos padres tem obrigação de saber responder. E há três respostas que estão sempre prontas. Sempre na pontinha. São as três respostas que mais facilmente ouvimos aos padres diante das nossas perguntas ou dificuldades. Primeira. Temos de conformar-nos. Segunda. Temos de nos colocar nas mãos de Deus. Terceira. Temos de rezar. São as três respostas mais comuns e certeiras quando o problema está complicado e não tem solução à vista. São verdade nos nossos lábios. São verdade de Deus. Porém, mais do que respostas, deveriam ser frases declarativas, afirmações, adjectivos dos cristãos. Esta é uma das verdades que quero fazer agora. Não precisa ser de Deus. Só minha. Uma verdade que também uso, muitas vezes, como respostas. E canso-me. Canso-me de responder desta forma. E quando o cansaço se torna mais forte que a força das palavras, estas deixam de ser frases nossas para se tornarem simplesmente frases da nossa língua. De tão polidas, de tão usadas, elas tornam-se respostas gastas.
Quando a Maria me veio contar o que a filha fizera, que insinuara bater-lhe, que berrara para que meio mundo ouvisse, que fugira de casa, que partira para parte incerta com a certeza de que não voltaria, deixando a mãe com a sensação de que o cordão umbilical já não seria mais usado e que teria de guardar no esquecimento tudo o que à filha dissesse respeito, inclusive os seus erros e opções mais que erradas, não soube dizer mais do que as respostas que tinha prontas, na minha língua.
Depois cheguei a casa e bati a porta três vezes. Abri a primeira e achei que batera com a força certa. Abri segunda, e a força fora suficiente. Mas bati terceira para ter a certeza de que era essa a força que queria utilizar. Sentei-me na cama, de cócoras, com as mãos a segurar a raiva. E perguntei a Deus que há-de fazer um padre que as pessoas procuram a horas e desoras porque esperam que o padre fale a solução certa, porque estão habituados a ouvir as certezas que o padre tem habitualmente prontas, na ponta da língua e do Espírito Santo, porque sabem que ele é um homem de Deus e Deus há-de soprar-lhe ao ouvido, porque o padre é padre e é para isso que o padre serve. Porque padre é padre e ponto final.
Estou cansado de abrir constantemente aquela porta, que bati três vezes com força, para responder as coisas certas às pessoas, quando eu procuro mais que a resposta certa e não a encontro. Que dizer quando já não se sabe o que fazer, Senhor?

quarta-feira, março 16, 2011

Agarrou-me na mão

A meio da confissão, enquanto lhe dava conselhos sobre como lidar com os filhos, pois tem três, agarrou-me na mão, apertou-a e disse. Todos os dias penso em si, senhor padre. Não contava com aquela frase e não tive tempo para a entender. Por isso, discretamente, afastei a mão e fiz que precisava dela para gesticular qualquer coisa. E continuei a dar conselhos. Usava a boca para os conselhos e a cabeça para os pensamentos. Tentei fazer de conta que nada acontecera. Ou que aquilo que acontecera se tratava de uma natural situação de amizade. Também é meu costume agarrar nas mãos das pessoas na confissão, sobretudo quando sinto que precisam desse gesto. Se ao menos ela tivesse dito Todos os dias me lembro de si, senhor padre, talvez a carga de sentido fosse diferente. Talvez eu pensasse que se lembrava de mim por saudades da terra, que ela está longe. Ou que se lembrava dos meus conselhos e tinha saudades ou precisava deles. Mas ao dizer que todos os dias pensava em mim, os meus pensamentos deram acento à necessidade de pensar em mim, ou à incapacidade de não pensar em mim. Não quis ficar perturbado, pois gosto muito dela, como gosto de toda a sua família. Por outro lado, quero pensar que ela precisa de mim apenas enquanto padre. Pois que também estou convencido que a tenho ajudado muito na resolução dos seus problemas e das suas vidas, inclusive com o marido. Ela é uma mulher simples. Não é muito estudada. Quero convencer-me que ela utilizou essas palavras porque não sabia quais utilizar, quais seriam as mais adequadas. Estou certo de que foi isso. Estou convencido disso. De certeza absoluta. Só não sei porque é que estou aqui a pensar nisto!

sexta-feira, março 11, 2011

Falar de pecado

Não gosto muito de falar de pecado. Tenho sempre medo que ele me caia em cima. Que ao dizê-lo ele se torne realidade. Há muita coisa que só se torna real depois de falada. Até lá, ficam no íntimo da nossa ignorância e inconsciência. Mas ontem, quando o Pedro me perguntou o que era o pecado, eu não pude fugir. Acho que hoje, na sociedade dita moderna, não gostamos de falar de pecado. É uma palavra que não se usa. Como eu, outros colegas se inibem de a usar. As pessoas evitam-na. Preferimos falar em fraquezas. Erros. Um dia um amigo saiu-se com esta que eu vou contando quando quero passar a bola para canto ou quando quero rir-me à custa de não ficar sério. O meu pecado é pecado apenas quando os outros o sabem. Enquanto eles não o sabem, são apenas fragilidades.
No entanto, desta vez não consegui contar esta ao Pedro. Ele estava demasiado sério, para eu brincar com o assunto ou com ele. E lembrei a comparação que um dia ouvira a outro colega. Presta atenção. Imagina uma série de espelhos que se vêem uns aos outros. Que estão voltados uns para os outros. Imagina-os numa feira. Ora o pecado acontece quando um desses espelhos decide deixar de ser espelho. Em si, ele espelha o que a luz ou a claridade deixam que espelhe. Sem elas não espelha nada. Querendo ser ele a luz dos outros espelhos, prescinde do sol. Mas assim submerge nas trevas. Deixa de ter luz para mostrar. Deixa de ter utilidade. Deixa de ser o que é. Assim acontece com o homem. O homem querendo, na sua soberba, ocupar o lugar de Deus, tornar-se igual a Ele, acaba por se tornar o seu oposto. Querendo ser a luz, acaba por ser trevas. Daí o escuro. Daí o medo. A tristeza. Não podemos ser luz quando prescindimos da luz. Então não iluminamos nada. Nem a nossa vida. Então perdemos a nossa essência e deixamos de ser aquilo que deveríamos ser, um espelho da luz.
O meu colega não contara assim, e eu próprio não tenho bem a certeza de me ter explicado bem. É que isto de pecado não é lá muito fácil de falar.

quarta-feira, março 09, 2011

quadragésima.com 2011

O tempo da Quaresma é um tempo de descoberta da nossa identidade como cristãos. É um tempo de encontro connosco próprios e com Deus. É um tempo especial de introspecção e reflexão. Porque não havemos de o fazer aqui, na net, e de uma forma mais comunitária, ajudando-nos uns aos outros?! Deste objectivo nasceu em 2008 esta proposta, a “quadragésima.com”. Este ano julguei oportuno lançá-la de novo, em moldes ligeiramente diferentes.

Regras da quadragésima.com:

  1. Ao receber a “quadragésima.com” o blogger deve reflectir na sua relação com Deus e descobrir uma frase bíblica que a defina
    1.1- só se admitem frases retiradas, com citação, da Bíblia;
    1.2- as frases devem ser o mais curtas possíveis;
  2. Depois de o fazer deve re-escrever num post estas regras, as frases já assinaladas pelos anteriores bloggers (com o respectivo link), e escrever a sua;
  3. No post deve incluir quem deseja convidar (pode e deve manifestá-lo no blog da pessoa convidada);
  4. Não é permitido fazer mais que um convite ao mesmo tempo;
  5. O blogger que, recebendo a “quadragésima.com”, não estiver interessado em aceitá-la, deve indicá-lo ao seu emissário para que este lhe dê seguimento através de outro blogger;
  6. Não podem aceitar mais que uma vez a “quadragésima.com”; se o convite aparecer, mesmo vindo de outra “frente”, devem igualmente informar o emissário do segundo convite;
  7. Baseada nalgumas das principais figuras da liturgia da Quaresma, a “quadragésima.com” realiza-se em 3 frentes: frente “Adão” (I Domingo); frente “Abraão” (II Domingo); frente “David” (IV Domingo); estas frentes funcionarão quase como equipas, para tentar chegar ao maior número de bloggers possível (não se trata de encontrar vencedores, mas empenhados)
  8. A “quadragésima.com” será encerrada na Sexta-feira Santa, dia 22 de Abril, pelas 12.00 horas, hora em que o último blogger receptor deve endereçá-la, já com a sua frase, a este endereço, para publicitarmos todas as frases que definem a nossa relação com Deus nesta Quaresma de 2011.
  9. Os “anónimos” interessados em participar nesta “quadragésima.com”, podem escrever as suas frases no sítio do Confessionário dum Padre, aqui, identificando-se.

Obrigado por aceitares a "quadragésima.com"

E a minha frase deste ano é:
“E tu, quem dizes que Eu sou?” Mc 8, 28 - Confessionário dum padre

Convido para a frente “Adão” a Fá Menor, das “Partilhas em Fá Menor

Convido para a frente “Abraão” a Maria, do "Jardim de Luz"

Convido para a frente “David” a Vilma, de "Coisas de Mim"

domingo, março 06, 2011

Quando vais à Missa?

Na sequência do post anterior, pareceu-me oportuno lançar esta nova sondagem com o objectivo de perceber como nos relacionamos com a Eucaristia, como a procuramos, como nos esforçamos para participar nela, cumprindo ou não o preceito que a Igreja nos propõe de participar na Eucaristia, pelo menos, no dia do Senhor, ao Domingo, e nas festas de "guarda".
Aliás, quando faço referência ao Domingo estou também a querer referir-me aos dias de "guarda", os chamados dias santos.
A 2ª e a 5ª opção podem também confundir-se, mas na 2ª estou sobretudo a referir-me a uma participação dominical mais um dia ou dois da semana, e na 5ª estou a referir à participação dominical mais o maior número possível de Eucaristias durante a semana.
Convém ainda fazer uma chamada de atenção ou realce para a utilização da forma verbal "posso". É obvio que ela pode ter diferentes interpretações. Uns podem pensar que se refere às possibilidades ou disponibilidades inerentes ao emprego. Outros, podem incluir nesta opção algumas ocupações de casa, ou algum passeio ou outra ocupação similar. E ainda pode haver quem entenda que a vontade ou a preguiça podem incluir-se nestas opções. Cada um reverá a sua consciência neste assunto. Eu queria referir-me quase exclusivamente à primeira situação. Mas cada um saberá. Aliás, podem e devem sempre explicar a sua opção aqui, nos coments.

terça-feira, março 01, 2011

O Américo faltou à missa

O Américo faltou à missa. Estava doente e faltou à missa. Em vinte e oito anos nunca faltara à missa. E veio ter comigo à sacristia no final da missa para me contar o seu problema. Padre, faltei à missa. Aquilo que eu entendia como dificuldade, ele via como problema. Não consigo definir o seu olhar em mim. Triste como a noite, se é que a noite é triste. Mas a noite traz a solidão e por isso deve ser triste. Em pouco mais de três palavras, o Américo deixara cair três lágrimas. Padre, estive doente e não pude vir à missa. É claro que o Américo já sabe que, por doença, ficamos isentos de cumprir o preceito de ir à missa. Bem basta a pessoa estar doente. Eu costumo dizer que Deus sabe o quanto custa aceitar a dor, para saber que não lhe deve acrescentar mais dores por causa de não poder ir à missa. Mas o Américo deixava cair lágrimas atrás de lágrimas, mesmo depois de lhe ter feito esta observação. Ele não estava incomodado com a doença. Estava incomodado por ter faltado. E depois rematou. Padre, é a primeira vez em vinte e oito anos que falto à missa. Parecia que o problema estava não só na falta, mas no ter quebrado o recorde. Se eu não conhecesse o Américo faria essa afirmação. Mas como o conheço, sei porque estava aflito. E sei também que ele não quer faltar não por medo de Deus, mas por amor a Deus. Por isso precisava uma consolação minha, mais que outra coisa. Precisava sentir que Deus, apesar dessa falha, ainda o ama. Foi isso mesmo que lhe falei. E que não desse mais importância ao assunto. Importante é que agora estava ali e já não estava doente. Também tinha de assumir a doença que Deus lhe dera. Tinha de assumir a incapacidade de ir à missa que Deus lhe dera. O Américo perguntou-me se era para perceber ainda melhor a falta que lhe fazia a missa, e eu respondi que sim. Também podia servir para isso. Ele começou a sorrir. Falámos ainda mais umas coisas, mas não acho importante relatar aqui. Conto apenas que o Américo, quando me virou as costas, já não tinha lágrimas no rosto e notava-se mais aliviado. Quando saiu pela porta da sacristia é que eu pensei nos nossos cristãos que têm uma facilidade enorme de faltar à missa. Peguei nas minhas coisas e saí também. O Américo já estava a uma distância considerável. Entrei no carro. Liguei a ignição. E foi nesse momento que me ocorreu outro pensamento. A verdade é que também há muita gente que nunca falta à missa, mas por hábito.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

A oração antes do jantar

A casa fica ao cimo, quando se vai para o monte, do lado esquerdo. É amarela. Quando lhe bate o sol, torna-se doirada. Mas é discreta. Foi comprada a um doutor que gostava da claridade do sol. A casa fica muito iluminada. Hoje ainda está mais iluminada. Fora convidado a jantar por lá, com a família. São ambos professores. Dedicam-se a ensinar. São novos, mas têm vários filhos. Os que são do seu sangue e aqueles que o coração permite. Vão adoptar pelo menos um. Estavam sete pratos na mesa, o número da perfeição. O meu prato completara o número sete. Quis pensar que era algo fantástico. Quis comentar o número. Porém, como não me achei digno para fazer alusões a um número que me é tão distante, não o fiz. A mesa tinha uma simplicidade notória, mas estava recheada dos sinais próprios de uma visita. Senti-me uma daquelas visitas que é importante porque é assinalada a sua presença, a presença da visita, mas que ao mesmo tempo é tão próxima que não precisa de grandes requintes. Senti-me bem.
Depois de sentados, convidaram-me a rezar. Costuma ser função minha quando janto fora. Desta vez não convidara e fora convidado. A estranheza maior veio de seguida. Mas, senhor padre, temos uma forma de rezar diferente. Se não quiser, passamos à oração dita normal. Foram exactamente estas as palavras. Respondi que estava ali para jantar com eles e era com eles que queria jantar do princípio ao fim. Olhe, padre, antes de rezar propriamente, fazemos um pequeno exercício. É como um exame de consciência. Todos têm de contar o que de mais negativo e o que de mais positivo lhe aconteceu ao longo do dia. Começou o pai. A mãe fez algumas perguntas. Pediu algumas explicações. Depois foi a mãe e o pai fez as perguntas. Ficaram a saber o dia um do outro. Depois os filhos que contaram, alegres, o seu dia. Era-lhes mais fácil descobrir o que gostaram mais do que o que não gostaram muito. Reservaram-me o último exame. Falei com à vontade. Foi isto e isto. Deixaram-me à vontade. Não fizeram perguntas. Mas expliquei-me na mesma. Deu-me vontade. No final agradeceram a Deus o que tinha sido aquele dia. Não sei se a comida ainda se mantinha quente. Também não foi importante, porque o melhor de um jantar em casa de paroquianos é estarmos bem.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

O Mário que errou

Tinha os olhos inchados com um encarnado leve de quem os tinha esfregado porque estavam molhados. Tinha o rosto de um ténue amarelo, como se uma doença ali se tivesse cimentado. Tinha os lábios em forma de u ao contrário, aquele desenho que pintamos quando queremos mostrar tristeza. Foi assim que vi o Mário a correr na minha direcção. Ia atirando com a Laura que vinha também na mesma direcção. Por causa da pressa não a deve ter visto. Ou por causa dos olhos inchados. Ou por todos os motivos que ele tinha e eu não sabia. Entrou na sacristia e não esperou que as pessoas saíssem ou que não o ouvissem. Padre, pequei. Pequei. Com o avançado das palavras só se percebia a terminação, a última sílaba, ei. E tornava a repetir Pequei. Encaminhei-o para uma sala interior. As coisas do interior resolvem-se no interior. No interior que é só nosso. Não é daqueles que apenas querem conhecer o nosso interior para o julgar, ou para se julgarem com um interior melhor. E repetia tanto que só depois percebi a palavra exacta. Errei. Agora que lembro a conversa, a palavra continua repetida na minha cabeça como um metrónomo. E não sei qual delas é, se Pequei ou Errei. Ambas são igualmente difíceis de encarar. Os significados delas é que são diferentes. Um pecado em princípio é um erro. No entanto, um erro não tem necessariamente de ser um pecado. Ambos são fragilidades, conscientes ou inconscientes, condicionadas e contextualizadas. Na minha opinião há quase sempre uma razão inconsciente para pecarmos ou errarmos. Mas é só uma opinião. Pois que se temos consciência do nosso erro ou do nosso pecado é porque sentimos que não o devíamos ter feito. E se temos este sentir, então o termos caído nesse erro ou nesse pecado só pode ser consequência de alguma falha que não se consegue explicar com facilidade. Algo falha e não pode ser só a nossa consciência ou vontade. Opiniões aparte, o Mário estava à minha frente sem outra palavra que não fosse Errei. Não se queria sentar. Mas sentou-se. Não queria falar, mas falou. Falou com a velocidade de quem tem muito para dizer, mas eu consegui escutar como se apenas se tratasse de uma palavra, Errei. No final, suspirou. Poderíamos culpar o cansaço das palavras ditas, mas o suspiro veio bem do fundo. E quando isso acontece, os motivos são sempre o descanso do desabafo. Pensei que já não precisava de mim ou de alguma palavra que lhe dissesse. Mas levantou o rosto que estivera quase sempre descaído, olhou-me e perguntou O que estará Deus a pensar de mim?
A resposta saiu-me tão pronta como toda a conversa do Mário e eu não sabia na altura se ia dizer algo de jeito. Agora tenho quase a certeza que a pergunta do Mário foi respondida pelo próprio Deus.
Deus não está preocupado com o que fazemos mal, mas com o bem que não fazemos.

sábado, fevereiro 12, 2011

Como reages à notícia que revela o aumento de 1,4% de padres?

Li ontem esta notícia que coloquei em destaque. Gostava de a propor à reflexão. O objectivo é fazer uma opção na sondagem que está no sidebar, e depois comentar neste post a referida opção.

Vaticano revela aumento de 1,4% no número de padres
Ordenações superam falecimentos e abandonos pela primeira vez desde 1999
Cidade do Vaticano, 11 Fev (Ecclesia) – A nova edição do Anuário Estatístico da Igreja Católica revela um aumento de 1,4% no número de padres em todo o mundo entre 1999 e 2009, adiantou hoje o Vaticano.
O volume, que vai ser apresentado nos próximos dias, elenca 410 mil sacerdotes, dos quais mais de 275 mil diocesanos e cerca de 135 mil de ordens e congregações religiosas.
O «Annuarium Statisticum Ecclesiae 2009» é redigido pelo departamento central de estatística da Igreja e publicado pela Livraria Editora Vaticana. Segundo os dados adiantados esta sexta-feira pela Rádio Vaticano, o número de padres ordenados em 2009 ultrapassou o dos sacerdotes que faleceram ou abandonaram este ministério, situação que não acontecia desde 1999. Na Europa, contudo, o número de mortes continua a ultrapassar o das ordenações sacerdotais.
O novo Anuário Estatístico da Igreja mostra que o número de padres e de católicos aumenta na África, Ásia e América Latina, caindo na Europa e América do Norte.

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

O primeiro, segundo ou terceiro

Barba escanhoada. Óculos ao fundo do nariz. Ar de entendido, mas pouco aventureiro. Faz parte dos maiorais da Junta, mas não é o Presidente. O encontro era aberto. Era um encontro para nos encontrarmos. Isso. Havia paroquianos e fregueses, se assim se pode dizer. Um jantar marcado pela paróquia, mas que podia ser usado por outras entidades. O importante era mesmo a comunidade e o convívio. Mas a Junta tinha combinado dar umas palavrinhas e umas recordações aos miúdos da terra. O presidente não tinha podido comparecer. Por isso o Catarino de barba escanhoada queria pedir-me que desse eu as palavrinhas. Que ele não tinha jeito e o presidente não estava. Para justificar a necessidade, afirmou. Sabe, o presidente é o primeiro da terra e o senhor é o segundo. Por isso cabe-lhe a si. Ao que eu respondi. Ele é o primeiro da freguesia e eu o primeiro da paróquia. Claro que não se trata nem de posições, nem de lugares. Podíamos ser primeiro, segundo, terceiro ou último. Mas cada coisa no seu lugar. Não acham?

quinta-feira, janeiro 27, 2011

A barriga cheia fala mais que a barriga vazia

O padre António, que é meu vizinho, está doente. Pega a sul com as minhas paróquias, para os lados da montanha. Teve uma espécie ou um início de AVC. Ficou limitado à cama e ao descanso. E os seus paroquianos ficaram também limitados ao número de missas. Não há muitos padres disponíveis para fazer substituições.
O padre José, que está a oeste das minhas paróquias e que dista delas cerca de vinte quilómetros, foi operado. Os seus paroquianos há dias que não têm missa. Ele não pode. Os médicos e a recuperação não deixam.
Por isso, no Domingo passado, o senhor Alecrim, que é seu paroquiano, entrou pela sacristia de uma das minhas paróquias, uns minutos antes da eucaristia. Estávamos em amena reinação ou cavaqueira. Sorrisos e gargalhadas. Temos esta maneira de sustentar a boa disposição para nos dispormos com alegria a celebrar. O Alecrim já me conhece e cumprimentou-me. Contou do seu pároco. Recordámos o padre António. Veio a propósito falar da idade média avançada dos nossos padres. A maioria está acima dos setenta. Observámos que as paróquias do José e do António estão sem missa. O António ainda é novo. E às tantas deixei cair o desabafo para o saco. E ainda há por aí quem se queixe. Referia-me aos meus. Porque o horário da missa não é o que mais agrada. É cedo. É tarde. O padre foge, no final, para correr de uma missa para outra. E vem outra vez a missa vespertina. E uma Celebração da Palavra com o presbítero ausente.
Queixas com as razões do comodismo. Pensei-o, mas não o disse. Apenas deixei cair o desabafo no saco. Em saco roto. Foi este o meu pensamento. No entanto o Alecrim chegou para mim e para todos. Sabe, padre, queixam-se de barriga cheia. E repetiu. Queixam-se de barriga cheia. Cuide-se para não ir à cama também. Não corra muito. Faça só o que pode. E não dê importância a quem se queixa de barriga cheia. Quem nos dera que o nosso padre pudesse correr fosse a que hora fosse. Quando não tiverem, darão valor ao que tiveram. A barriga cheia fala mais que a barriga vazia.

sábado, janeiro 22, 2011

Esta Igreja é uma treta

A barafunda instalou-se. Os sete miúdos do nono ano da catequese faziam barulho como se fossem vinte e um. Três vezes mais. Alguns dos rapazes, ainda com pífias na voz, altercavam palavras, dizeres e frases que não se percebia se eram ou não donos e autores delas. Não me admirava que fossem apenas seus amplificadores. Hoje há uma crise de identidade enorme nos jovens. Por um lado querem afirmar-se com o seu Eu bem definido. Por outro, deixam-se arrastar pelo Nós que se tem de aparentar. As falhas na voz garantem que ainda são adolescentes. Mas perante a catequista eles sabem o que estão a dizer. E a barafunda estava instalada. Não é que se estivessem a portar mal. Elevavam apenas a voz para dizer de sua sentença. A catequese é uma seca. A catequista, que não gosta de encolher os ombros, lembrou-se de trocar os papéis e de lhes perguntar se acaso eles estivessem na sua posição como se sentiriam. E repetiram que isto é uma seca. Ou uma treta. Ou bazófias. Então, mas porque vindes à catequese? perguntou ela. Porque a minha mãe obriga, diz um. Porque quero ser padrinho, diz outro. Um deles, sorrindo descaradamente, insinuava que vinha fazer companhia aos outros, aos amigos. É por isso que não ides à missa? tornou a catequista. A missa é uma treta, diz o segundo. Mas então não acreditas em Deus? insistiu. Deus é uma treta. E ponto final. A catequista que não gosta de encolher os ombros, encolheu-os e decidiu apenas escutar. Quando me contou, para eu escutar também, não sabia bem o que sentir. Se desespero. Se pena. Se remorso. Se vontade de continuar esta missão. Padre, parece que andamos a gastar-nos desnecessariamente. No Sábado vou estar aqui às quinze horas com eles. E gostava que Deus também estivesse. Sabe, o que mais me custou foi ouvir que Deus é uma treta.
A mim também. Não entendo como estes miúdos vão à catequese onde, supostamente, se fala de Deus, se fala com Deus, se aprende a amar e a viver Deus, e depois afirmam que Ele é uma treta. Não o disse à catequista, mas apeteceu-me. Esta catequese é uma treta. E se pensarmos que muitos dos ditos cristãos, que enchem ou parece que enchem as quatro paredes das nossas igrejas, querem Deus para justificar as suas idas à missa ou às festas ou a determinados sacramentos, mas depois agem como se Ele fosse uma treta, deixem-me dizer bem alto, com a janela aberta. Esta igreja é uma treta.

segunda-feira, janeiro 17, 2011

A cama

Ontem levei para a cama a Arminda, uma empregada lá do Centro que tem problemas graves de saúde e dependência. Anteontem levei o João e a Alexandra que se zangaram e querem deixar de namorar sem isso acontecer. No dia anterior levara a Diana que continua com aquela doença e teve uma recaída. No outro dia foi aquela catequista que não quer mais dar catequese pois não se entende com a outra catequista. E no outro foi a zeladora que se insinuou para aqueloutra. Nesse mesmo dia também levei os mordomos da festa de Santa Eufémia que querem de uma maneira e eu preciso de outra. Já houve um ou dois dias que levei o Bispo comigo. Agora que penso, já o levei mais vezes. Porque não me ouviu. Porque me calou. Porque não me lembro agora. Não quero. Reconheço que também já levei Jesus. Porém levei-o não para me sossegar, mas para lhe perguntar coisas, desânimos, situações. Durmo só. Mas é raro o dia que não leve mais alguém comigo para a cama. Alguém que não me deixa dormir logo. Alguém que prolonga a minha vida de olhos fechados. Alguém que faz meu coração palpitar porque não sabe como resolver aquilo que precisava ser resolvido, mas não é fácil. Queria entregar tanta coisa a Deus. Leva-os Tu contigo. Leva-os para a Tua cama. E mesmo que leve, não dou conta, porque as pessoas continuam a ir comigo e a fazer com que me sinta um instrumento de Deus que não sabe como usar as suas forças. São quase duas horas. Vou-me deitar. Ainda não descobri quem levarei hoje. Mas pressinto que é outra vez a Arminda.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Até que ponto confias em Deus?

No início de um ano que se nos apresenta com dificuldades prováveis, causadas em grande parte por questões económicas e materiais, não podemos perder a esperança. Esta pode ser uma óptima ocasião para descobrir onde depositamos a nossa confiança, em quê ou em quem confiamos deveras, onde vamos buscar forças para alimentar a nossa esperança. Por isso, surge hoje nova sondagem com a pergunta "Até que ponto confias em Deus?". Não é bem o mesmo que perguntar se tens fé ou se acreditas em Deus. Podes, por exemplo, ter alguma fé, mas depositares mais confiança em ti próprio do que em Deus. Ou até nas tuas capacidades. Ou nos teus bens. Ou nos teus amigos. Ou sei lá. Há tanta forma de confiar muito ou pouco, ou quase nada. Pensa. Reflecte. Não respondas de ânimo leve. Responde depois de pensar e de falar com Ele. Boa sondagem!
Claro que podes (eu diria que até deves) explicar a razão da tua opção nos comentários!

terça-feira, janeiro 11, 2011

A Maria do Céu

A Maria do Céu é uma rapariga que tem mais de cinquenta anos. Suponho que não tem consciência da maior parte deles. Celebra-os porque alguém lhe diz que esses dias são muito importantes. A Maria do Céu é uma rapariga que, apesar da idade, tem a ingenuidade e simplicidade de uma criança. Aparte isso, é apenas mais vivida. Tem alguns dos calos da vida. Se soubesse contar, teria muitas vidas para contar.
E há dias, ao entrar, por acaso, numa das minhas igrejas, ela estava lá sentada. Observei-a durante alguns minutos. Ela não deu conta da minha presença. Pensei que ela estivesse dormitando. Mas não. Parecia bem atenta ao que estava a fazer. Não estava a rezar, pensei. Pois habitualmente murmura muitas palavras na sua oração. Até durante a missa. E ouve-se. Hoje não a ouço. Mas a curvatura da cabeça indiciava-me que estava a olhar para a cruz. Fixamente. Não se mexia. Eu já não conseguia deter nem os pensamentos nem a posição das costas e das pernas. Estava nestes preparos quando me recordei daquele aldeão, em Ars, a paróquia do João Maria Vianney, que passava horas em frente ao sacrário. Um dia o santo perguntou-lhe que fazia tantas horas naqueles preparos e o aldeão respondeu-lhe. Eu olho-O e Ele olha-me. A Maria do Céu olha-O e Ele deve estar a olhá-la. Um e outro não se devem ter distraído comigo. Vou embora. Um dia ainda hei-de saber rezar assim, na simplicidade dos que se amam.